E a polêmica do momento ficou por conta dos brasileiros que foram executados na Indonésia, condenados pelo crime de tráfico de drogas. A sociedade ficou dividida entre os que apoiaram a iniciativa do mandatário indonésio e aqueles que se indignaram com o deslinde da situação. Em tempo de crescente insegurança e com o avanço das páginas sociais, que colocam todos em posição de falar e opinar sobre os diversos temas relacionados com o assunto, não raro presenciamos o compartilhamento de falas e fatos distorcidos e equivocados acerca do tema como forma de se conduzir as massas a se posicionar sem qualquer tipo de reflexão ou análise, criando-se, pois, um exército perigosamente manipulável e imbuído de ódio e desejo de afronta à democracia, aos direitos humanos e à ordem estabelecida, sendo tal situação demonstrável historicamente como uma das causas precursoras do advento dos autoritarismos e totalitarismos. No caso em questão, vê-se uma clara intenção de confundir insegurança pública com estado de guerra, quando qualquer um que queira posicionar-se com um mínimo de discernimento e equilíbrio verá claramente que "uma coisa é uma coisa", e "outra coisa é outra coisa".
Guerra
Quando um Estado se levanta em armas contra outro. Situação de não observância da soberania dos países, abusos, afrontas, assassinatos em massa de soldados e civis inocentes. Estágio este por que passou toda a humanidade antes de se organizar em sociedades, civilizações, antes do advento das leis. Thomas Hobbes se pronunciou sobre referida época, aduzindo que o homem é mau por natureza, havendo a necessidade de uma força sobre todos, que retire de cada um parte sua liberdade, que até então era ilimitada; um poder soberano, que deverá atuar para manter a paz social, sendo, assim, o Estado, tal poder sobre os homens, que colocaria um fim no "estado natural de guerra de todos contra todos". O Estado surge, pois, com a assinatura do contrato social entre todos os homens. O iluminista Rousseau, na mesma linha, também falou sobre o contrato social, aduzindo, no entanto, que o homem é bom por natureza, e que o Estado, ao retirar sua liberdade natural, o tornou acorrentado e agressivo.
Estado
Um contrato assinado pelos homens que cederam parte de suas ilimitadas liberdades primitivas e naturais em favor de um poder soberano, sendo cada integrante da sociedade obrigado a cumprir as regras estabelecidas, a fim de que a ordem se mantenha e todos tenham garantidos seus direitos, sobretudo o de ir e vir. Cabe a este Estado fazer cumprir as regras, e, ao infringimento delas, punir o infrator que violou o direito de outrem. Mas qual o limite para a punição? Qual e pena mais apropriada para cada um dos diferentes tipos de crimes? É justo o fato de o Estado cometer um crime para punir outro?
Ora, já o dissemos acima que cada cidadão membro do Estado abriu mão de sua liberdade ilimitada para, dessa maneira, viver em paz. Exorto o célebre teórico Cesare Beccaria, para quem as penas não podem exceder a porção mínima de liberdade depositada por cada indivíduo, sendo qualquer punição que a isso exceda, um abuso, e jamais um ato de aplicação da justiça:
"(...) A reunião de todas essas pequenas porções de liberdade constitui o fundamento do direito de punir. Todo exercício de poder que deste fundamento se afastar constitui abuso e não justiça; é um poder de fato e não de direito; constitui usurpação e jamais um poder legítimo (...)”
BECARIA(2011), página 27
Beccaria aduziu que a pena tem por única finalidade impedir que o infrator siga cometendo os atos delituosos e induzindo a todos os demais a fazer o mesmo. Para ele, a pena tem que ser certa, ou seja, o cidadão tem que estar ciente de que será punido. Contudo, a sanção jamais deverá ser cruel, pois muitos são os exemplos de nações nas quais as penas, sendo cruéis, não impediram a incidência de prática de crimes ainda mais atrozes. A pena justa, para o pensador, sempre deverá ser aquela que representar para o infrator um mal maior do que o almejado benefício pela prática do crime. A crueldade de uma pena estabelece uma injusta proporção entre o delito e a sanção. Assinala, ainda, o teórico, que a pena capital apenas é justificável nas situações de desordem e caos social, quando as leis deixam de ser cumpridas coletivamente, e ainda assim quando tal for a única maneira de se impor novamente a ordem e a paz. Em outras palavras, em situação de guerra. A pena de morte nada mais é que um espetáculo macabro; jamais será uma forma justa de punir.
O próprio Deus, Inteligência Suprema, resumiu seus mandamentos em dez, entre os quais "não matarás" e "amarás ao próximo como a ti mesmo". E ainda assim, seu enviado iluminado, Jesus, padeceu em uma cruz sem absolutamente nada dever. Quando seus algozes questionaram o povo sobre o que fazer com Jesus, este gritou "crucifique-o". Naquele tempo não havia Facebook.
O que é de causar espanto é que geralmente os que se posicionam a favor da pena de morte são justamente aqueles que, por princípios morais cristãos, deveriam abominá-la. Passaram-se dois mil anos e os fariseus ainda estão por aí, e multiplicados, bradando elogios ao presidente da Indonésia pelas ruas ou nas páginas sociais. Alguns o fazem ao sair da igreja, depois de ter ouvido o pregador ensinar as palavras de Jesus, a saber, "atirai a primeira pedra aquele que nunca pecou ".
Longe estamos da evolução moral e da aplicação da "justiça justa". Quanto mais caminhamos para o futuro, mais nos assemelhamos aos selvagens primitivos e mais cultivamos hábitos e pensamentos a eles inerentes. Quanto mais almejamos ser considerados animais racionais, evoluídos e dotados de faculdades morais, mais ansiamos ser regulados pela Lei de Talião. Quanto mais esperamos que o Estado nos proporcione a paz em troca de nossa recusa à situação de "guerra de todos contra todos ", mais suplicamos que o mesmo nos trate como bárbaros.
Referências bibliográficas:
- BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. Rio de Janeiro. Nova Fronteira, 2011
- HOBBES, Thomas. Leviatã, ou matéria, formas e poder deum Estado elclesiásticos e civil. São Paulo: Martin Claret, 2009
- ROUSSEAU, Jean-Jacques. A origem da desigualdade entre os homens. São Paulo: Lafonte, 2012
- ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. São Paulo: Martin claret, 2007