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Terrorismo sob a ótica da legislação brasileira

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15/07/2015 às 12:23
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4 O TERRORISMO E O BRASIL

No que se refere ao ordenamento jurídico pátrio, imperioso destacar que nunca foi formalizado um tipo penal próprio ao crime de terrorismo, utilizando-se o Brasil de outras legislações para se referir à matéria, conforme veremos no presente capítulo.

Quando o Brasil ainda era colônia de Portugal, as disposições legais que resguardavam a segurança do Governo Imperial eram as Ordenações Filipinas. Com o passar do tempo e as mudanças que se projetaram no âmbito social, político econômico e cultural do país e de sua legislação, foi editado, em 1940, o Código Penal (o qual está em vigor até hoje), que não trouxe, na esteira das legislações anteriores, qualquer menção ao delito de terrorismo ou a qualquer crime contra a segurança nacional.

Observa-se das disposições históricas que o Estado brasileiro nunca manifestou grande preocupação com a tutela específica do crime de terrorismo. Por vezes, leis extravagantes acabaram por abarcar, analogicamente, o que hoje poderiam ser considerados atos terroristas.

Assim, o presente capítulo tem por objetivo analisar a legislação brasileira no tocante ao crime de terrorismo, desde a Constituição às leis extravagantes, bem como as tentativas despendidas pelo legislativo brasileiro para tipificar o crime, pois delito em que a vítima é a própria coletividade.

4.1 O terrorismo e a Constituição Federal

As Constituições promulgadas em território brasileiro sempre tiveram o cuidado de mencionar, ao menos, a segurança nacional, ainda que cada qual em um contexto diferente (Constituição Imperial de 1824, Constituição Republicana de 1891, Constituições Federais dos anos de 1934, de 1937, de 1946, de 1967 e a de 1988).

A Constituição Imperial editada no ano de 1824 não abordou o crime de terrorismo, assim como ocorreu na Constituição Republicana publicada no ano de 1891. Em 1934, porém, a fim de alicerçar a permanência do governo provisório de Getúlio Vargas no poder, esta cuidou de forma mais aprofundada do tema da segurança nacional, em que pese não tenha tratado, novamente, do crime de terrorismo especificadamente.

Nenhuma novidade ocorreu nas legislações posteriores, as quais, embora visassem a segurança nacional, nada mencionavam acerca do delito de terrorismo. Após o golpe militar de 1964, e a edição da Constituição de 1967, o governo passou a promulgar atos institucionais, dentro os quais podemos citar o de número 5, que estabelecia, em seu preâmbulo, a garantia do reparo “da ordem e da segurança internas, abaladas por grupos anti-revolucionários, que se utilizavam também de atos terroristas” (GUIMARÃES, 2007, p. 90).

A Constituição Federal de 1988, por sua vez, é considerada a Constituição Cidadã, pois garante direitos fundamentais que não podem ser atingidos, dentre os quais podemos citar o direito à vida, liberdade, igualdade, segurança e dignidade da pessoa humana; direitos esses que os atos de terror acabam por afrontar de forma direta.

Já no início de seu dispositivo legal, a Carta Magna dispôs, de maneira expressa, o terrorismo, encaixando-o juntamente com as demais disposições acerca das relações internacionais do Brasil com terceiros. A abordagem do crime de terrorismo tornou-se pauta específica, desta forma, apenas em razão da redemocratização, que possibilitou uma abertura política nacional, modificando, inclusive, a forma de segurança nacional. Destaca-se, ainda, que o crime de terrorismo foi elencado junto a outros princípios de destaque da República Federativa do Brasil:

Art. 4º. A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

[...]

II – prevalência dos direitos humanos.

[...]

VIII – repúdio ao terrorismo e ao racismo.

Vislumbra-se, pois, que o instituto do terrorismo foi abordado entre os princípios constitucionais que regem a relação do Brasil com a comunidade internacional.

Outra referência que a Carta Magna faz ao fenômeno do terrorismo trata das garantias e direitos fundamentais, e está prevista em seu artigo 5º, XLIII, quando alude que:

A lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que podendo evitá-los, se omitiram (BRASIL, 1988).

Além disso, a redação do inciso XLIV do artigo 5º da Constituição Maior, ainda que implicitamente, também afirma ser inafiançável e imprescritível a ação de grupos civis ou armados, os quais, em algumas ocasiões, podem ser considerados grupos terroristas, no caso de suas ações possuírem características de atentados terroristas. Do dispositivo constitucional, é possível vislumbrar que ao crime de terrorismo foi dispensada a mesma proteção que foi dada as normas mais graves, o que demonstra a preocupação do legislador constitucional pátrio em tutelar tão odiosa forma criminosa.

Vale dizer que o relevo de um bem jurídico pode ser observado a partir da Constituição Federal, já que esta é a principal diretriz do ordenamento jurídico de um Estado. Nesse sentido, imperioso referir que a Carta Magna brasileira apregoa, através de princípios e direitos, a vontade popular através do Poder Constituinte. Desta feita, uma vez inserida determinada regra, evidente está a preocupação popular com um determinado tema.

Nesse ínterim, a Constituição Cidadã repele veementemente o fenômeno do terrorismo, com o objetivo de combatê-lo, a fim de proteger a sociedade como um bem jurídico.

Ainda que a Constituição Federal não tenha expressado diretamente o sentido do terrorismo, é válido dizer que a prática do instituto vai de encontro a diversos princípios constitucionais e direitos fundamentais, garantidos pela Lei Maior.

O doutrinador Sampaio (2003, p. 157-158), sobre a matéria em questão, refere que:

Embora não tenha feito expressa menção ao terror, é de ser entendida a sua inclusão nas ações de grupos armados civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado democrático, definidas como crime inafiançável e imprescritível (art.5º, XLIV) e entre os elementos que autorizam a decretação do estado de defesa e do estado de sítio, pois , neste caso, tanto a 'ordem pública' e a 'paz social' estão comprometidas por um clima terrorista (art. 136), quanto, em decorrência dele, pode haver um quadro de 'comoção grave de repercussão nacional', apta a autorizar a decretação do estado de exceção (art. 137, I).

Observa-se, assim, que o terrorismo apresenta-se como um crime de interesse constitucional, principalmente em razão dos bens jurídicos tutelados que atinge. Guimarães (2007, p. 92) assevera:

Verifica-se dessa forma, que pela primeira vez uma Constituição Federal tratou da matéria de modo específico, ainda que sucintamente, porém empregando expressamente o termo em seu texto e, mais que isso, alocando-o em posição de destaque, inserindo que foi, repita-se, nos princípios, direitos e garantias fundamentas.

Denota-se que o fenômeno do terrorismo enseja preocupação nos mais diversos meios, tanto que fez com que o Estado brasileiro incluísse em sua Carta Magna, contrariando os dispostos nas Constituições anteriores, o crime de terrorismo. Embora o texto constitucional aborde o fenômeno do terrorismo de forma singela, o faz de forma clara, transferindo, todavia, à legislação infraconstitucional a regulamentação da matéria.

Nesse toar, ressalta-se que a constituinte expressa sua consternação com o fenômeno terrorista, reconhecendo a sua gravidade, e recomendando aos legisladores brasileiros a observância do terrorismo como um crime extremamente grave. A severidade com que deve ser tratado o crime de terrorismo advém dos bens jurídicos constitucionalmente tutelados, bens estes que são atingidos pelos atos terroristas, e que, a bem da verdade, possuem maior amparo pelo ordenamento pátrio, como a dignidade da pessoa humana, a vida, a saúde, a segurança, a liberdade, etc.

O problema brasileiro, no que tange à matéria, diz respeito à forma parca com que o crime de terrorismo está sendo tutelado no ordenamento jurídico, uma vez que, até o momento, inexiste qualquer específica tipificação do crime, em que pese diversas tentativas durante os últimos anos.

Eventos antigos e eventos recentes demonstraram, desde logo, a gravidade do instituto do terrorismo, exprimindo a premente necessidade de abrigo de tais condutas nas legislações nacionais e internacionais, a fim de auxiliar na sua prevenção, repressão e, por via de conseqüência, no seu combate. Mencionado em capítulos anteriores, vale relembrar que as primeiras manifestações no sentido de criar uma legislação penal antiterrorista ocorreu após os regimes de terror ocorridos durante a Revolução Francesa.

O Estado brasileiro adotou, então, a legislação européia, e criou o decreto nº 4.269, de 1921, e a lei nº 38, de 1935, os quais visavam a punição daqueles que cometessem delitos em face da ordem política e social. Imperioso mencionar que, historicamente, o crime de terrorismo já foi visto como crime organizado, subversão, máfia, etc. Atualmente, o instituto do terrorismo ganhou outras nuanças, estando, todavia, longe de uma correta e completa definição. É o que ocorre no ordenamento jurídico brasileiro (PIMENTEL, 2001).

Atualmente, ninguém pode ser processado e julgado no Brasil pela prática do crime de terrorismo, uma vez que inexiste, no ordenamento jurídico pátrio, tipificação penal para o instituto. Assevera Morais (2002, p. 11) que “não é difícil reconhecer que existe a lacuna legal, onde as condutas terroristas não se amoldam ad figuras típicas previstas em nosso ordenamento jurídico – o que limita a aplicação do ‘ius puniendi’ estatal”.

Diante da atual inexistência de legislação que defina o crime de terrorismo, a doutrina busca junto à legislação extravagante brasileira menções aos atos de terror, o que, por si só, não complementa a lacuna existente.

Estuda-se, assim, no próximo tópico, as legislações esparsas brasileiras que fazem menção ao delito de terrorismo, focando-se o estudo apenas no que se refere a presente matéria.

4.2 O terrorismo e a legislação brasileira  

A República Federativa do Brasil não possui leis específicas contra o terrorismo, mas se utiliza, analogicamente, dos dispositivos referentes aos crimes contra o Estado e contra a Ordem Política Social. No caso, as formas de terrorismo até então existentes no Brasil eram consideradas como crimes políticos (MONTEIRO, 2002).

Oportuno, todavia, se faz retroceder historicamente, a fim de entender a razão pela qual o Brasil tende a dar uma conotação de crime político ao fenômeno do terrorismo.

Embora distantes do crime de terrorismo atual, as Ordenações Filipinas tinham por escopo a segurança do Governo Imperial português, o que se prolongou até a proclamação da Independência em 1822. Apenas em 1831 é que a área do direito penal ganhou autonomia, quando foi estatuído o Código Penal do Império (PIERANGELLI, 2001). Mais Tarde, a República foi proclamada em 1889, o que fez nascer a República dos Estados Unidos do Brasil, sendo, em 1890, instituído do Código Penal (GUIMARÃES, 2007).

Somente no ano de 1940 é que foi editado novo codex sobre a matéria criminal, o qual ainda está em vigor, inexistindo nele, repete-se, qualquer menção aos crimes contra a segurança nacional, nos quais poderia estar enquadrado o crime de terrorismo. Sobre a temática, o doutrinador Guimarães (2007, p. 80) arrazoa que:

A parte especial do atual Código Penal, de 1940, não trouxe, de seu turno, assim como os anteriores, qualquer referência ao delito de terrorismo. Aliás, nem mesmo nele existe um único capítulo relativo aos crimes contra a segurança nacional. [...]O que mais pode lembrar, ainda que de forma tênue, um atentado à segurança coletiva, mas jamais um atentado terrorista, tanto pela ausência, nos tipos penais, de um fim especialmente buscado pelo autor da conduta criminosa, seja, por exemplo, ideológico (político ou religioso), seja revolucionário, como também pela falta de qualquer menção à intenção de causar dano pessoal e/ou material indiscriminado com o objetivo de criar terror, pânico e sentimento generalizado de insegurança pública, são alguns dos delitos dos Títulos VIII e IX, da parte especial do Código Penal.

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Desta breve análise histórica brasileira, é possível concluir que o Brasil, em momento algum, preocupou-se em encontrar alguma maneira de tutelar o crime de terrorismo, o que foi relegado a algumas legislações penais extravagantes, sem a atenção necessária para o caso.

Há que se ressaltar também que, em 1921, foi aditado o Decreto nº 4.269, o qual objetivada proteger a coletividade pública por meio dos tipos penais que poderiam tipificar ilícitos terroristas. Nesse sentido, aponta-se o artigo 6º da legislação citada, que, conforme Guimarães (2007, p. 81) assevera, possui semelhança com a noção de terrorismo, “deixando claro que a intenção do legislador era de prevenir e reprimir atentados à bomba que tivessem por escopo provocar medo generalizado e insegurança coletiva, enfim, com algum esforço, o terror na comunidade local”.

A primeira lei de Segurança nacional foi a Lei nº 38, a qual foi aprovada em 04 de abril de 1935 (Intentona Comunista), e tinha por finalidade “transferir para uma legislação especial os crimes contra a segurança do Estado, submetendo-os a um regime mais rigoroso, com o abandono das garantias processuais”(RI JUNIOR, 2006, p. 268). Em seu artigo 17 havia uma disposição que se aproximava vagamente da noção de terrorismo (GUIMARÃES, 2007).

A Lei nº 1.802 de 1953, por sua vez, contribuiu para a construção da tipificação do terrorismo, haja vista que inseriu no seu artigo 4º, II e no artigo 16, caput, a palavra “terror” como objetivo das ações criminosas intentadas (FRAGOSO, 1981).

A partir de então, a história do Brasil foi escrita pelo Golpe Militar de 1964, tendo sido soterradas toda e qualquer noção de democracia, de forma que a Lei nº 1.802/53 até então vigente, mostrou-se insuficiente, razão pela qual foi publicado o Ato Institucional nº 2, que se dispunha sobre o processamento e julgamento dos crimes (FRAGOSO, 1981).

O Decreto Lei nº 314 de 1967 revogou a lei de 1953, exterminado com a tipificação dos crimes contra a ordem política e Social do Estado. Fragoso (1981, p. 92) explica que:

A intenção dos que fizeram a lei foi a de abandonar a concepção tradicional dos crimes contra o Estado e a ordem política e social, introduzindo uma fórmula abrangente de todo e qualquer bem-interesse elevado à categoria de objetivo nacional, como objeto da tutela jurídica nessa espécie de crimes. Como já observamos, a definição elaborada constitui mero esquema conceitual sem conteúdo, que se caracteriza pela imprecisão e pela indeterminação.

Da mesma maneira, em 21 de setembro de 1969 entrou em vigor o Decreto Lei nº 898, que trazia em seu bojo o crime de terrorismo, todavia, não alterou ou aclarou em nada a redação existente em legislações anteriores, e isso porque não seria bem aplicado ao regime ditatorial, o que acabou por torná-lo inócuo (FRAGOSO, 1981).

Apenas em 1978 é que foi sancionada nova legislação a fim de regulamentar a matéria da segurança nacional. A Lei nº 6.620, descreveu em seu artigo 26 o crime de terrorismo. O festejado autor Guimarães (2007, p. 86), analisando o dispositivo, assevera que:

O art. 26 da referida lei praticamente repetiu o art. 28 do decreto lei anterior (898/69), melhorando a redação ainda bastante imperfeita para, ao menos, adicionar ao tipo penal a finalidade da conduta (…). O fato é que, como se repetiu ao longo do tempo, a lei manteve a expressão “praticar terrorismo”, quando, em verdade, deveria trazer efetiva definição do crime, já que inexiste uma ação delituosa específica denominada terrorismo.

Visualiza-se da análise evolutiva da tipificação do delito nas legislações brasileiras que estas sempre reiteraram o mesmo tipo penal indeterminado e nada precisa para definir o crime, o que é grave, pois legislações que seguiram o mesmo caminho ainda estão em vigor. Fragoso (1981) afirma que a indeterminação do tipo penal do terrorismo é tão grave que afronta o princípio da reserva legal, indo de encontro à Constituição Federal de 1988.

Monteiro (2002, p. 122) assevera que o termo terrorismo “aplica-se a várias figuras de ilícito penal que se caracterizam por causar dano considerável a pessoas e coisas, na perspectiva do perigo comum; pela criação real ou potencial de terror ou intimidação, e pela finalidade político-social”.

Para Barros (2003), o terrorismo deixou de ser considerado um crime político, sendo, atualmente, considerado um crime comum, aparecendo, inclusive, na legislação dos crimes hediondos.

Nesse ponto, é importante esclarecer que o crime político deve ser analisado de acordo com o enfoque do bem jurídico lesado. Assim, caso o agente tentasse desestabilizar o regime político em vigor, estaria cometendo um crime político. Outras teorias entendem que atentados políticos são aqueles provocados contra a organização política de um Estado, ou que são aqueles que ferem a constitucionalidade de um país (GUIMARÃES, 2007).

Com as características acima, é possível definir o crime político, diferenciando-o, com sucesso, do crime comum. Mesma sorte não alcança ao terrorismo, não sendo tão fácil distingui-lo do crime político.

O estudioso Asúa (1992, p. 185), sobre a matéria em comento, argumenta que:

Los delitos terroristas, o más brevemente el terrorismo, como se acostumbra designarlos en los Congresos y Conferencias internacionales, no constituyen una figura homogénea ni caracterizada por fines altruistas ulteriores, sino por el medio ocasionado a grandes estragos, por la víctima, que puede ser un magnate o personaje, o, en contrapartida, personas desconocidas que accidentalmente se hallaren medios de transporte, plazas, calles, etc., y por el inmediato fin de causar intimidación pública.

Feitas essas breves considerações, impende referir que o ordenamento jurídico brasileiro faz pequenas menções ao crime de terrorismo em legislações esparsas, sem, contudo, defini-lo.

A primeira legislação a ser citada é a Lei de Segurança Nacional, que prevê os crimes que lesam ou expõe em perigo a própria soberania nacional (artigo 1º da Lei nº 7.170/83). A referida Lei visa à independência e soberania do Estado brasileiro, formulando uma segurança externa, de forma que a ordem política e social cuida da segurança interna (FRAGOSO, 1980). Essa mesma legislação, em seu artigo 20, tipifica as seguintes condutas, as quais são consideradas crimes contra a segurança nacional, e contra a ordem política e social:

Art. 20. Devastar, saquear, extorquir, roubar, sequestrar, manter em cárcere privado, incendiar, depredar, provocar explosão, praticar atentado pessoal ou atos de terrorismo, por inconformismo político ou para obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas.

Pena- reclusão, de três a dez anos (BRASIL, 1983).

Parágrafo único - Se do fato resulta lesão corporal grave, a pena aumenta-se até o dobro; se resulta morte, aumenta-se até o triplo.

Analisando o dispositivo acima, observa-se diversas ações, as quais não necessitam ser todas praticadas, bastando que apenas uma delas seja perpetrada. No caso, em que pese à menção ao crime de terrorismo, em momento algum a lei dispõe em que consistiria tal delito.

Muitos são os doutrinadores que criticam o disposto na Lei de Segurança Nacional, pois com a não definição de alguns conceitos, dentre os quais podemos citar o crime de terrorismo, houve a violação do princípio constitucional da legalidade (TOLEDO, 1986 apud MIRABETE, 2001). Os juristas, assim, continuam reafirmando a necessidade de tipificação da conduta ilícita do terrorismo. Em sentido diverso, outra corrente aduz que a menção do crime de terrorismo, no artigo supracitado, nada mais é que uma tentativa de abarcar toda e qualquer prática violenta em face da segurança nacional, acreditando que o artigo trata de um tipo misto, o qual se refere às atitudes terroristas (BARROS, 2003).

Gonçalves (2006, p. 87) lembra que:

 [...] Esse art. 20 contém um tipo misto alternativo em que as várias condutas típicas se equivalem pela mesma finalidade – inconformismo político ou obtenção de fundos destinados à manutenção de organizações políticas clandestinas ou subversivas. [...] A menção genérica a prática de atos terroristas existente no final da descrição típica tem a única finalidade de possibilitar a interpretação analógica, ou seja, de punir qualquer outra atitude violenta – similar às antes mencionadas no tipo -, desde que o agente tenha os mesmos objetivos.

Outra teoria, ainda, é que o legislador tenha querido afirmar que todas as condutas tipificadas naquele dispositivo têm um condão terrorista, o que é, de imediato, afastado por Barros (1998, p. 15):

[...] por não ter sido adjetivada a expressão, ou seja, por não ter o legislador empregado a locução “ou outros atos de terrorismo”, não se pode aceitar que as demais condutas configurem o crime de terrorismo, embora possa parecer óbvio que comportamentos daquela natureza identificam-se com atos de terrorismo.

A Lei dos Crimes Hediondos (Lei n. 8.072/90), por sua vez, também se refere ao terrorismo, sem, todavia, ter definido o tipo penal.

Em razão dessa omissão, Monteiro (2002, 124-125) entende “não ser aplicável a nenhum dispositivo o previsto na Lei dos Crimes Hediondos quando se refere à prática de terrorismo”.

O artigo 5º, XLIII da Constituição Federal, conforme já mencionado, equipara o crime de terrorismo aos crimes hediondos, mesmo não sendo esse, em sua origem, um crime de tal tipo. Desta feita, embora seja apenas equiparado a um crime hediondo, nada impede que as disposições da Lei nº 8.072/90 sejam aplicadas ao crime de terrorismo, como por exemplo, a impossibilidade de concessão de anistia, indulto, graça e fiança para os perpetradores do crime de terrorismo, equiparado aos crimes hediondos.

Monteiro (2002) assevera que os legisladores têm o dever de definir o tipo penal, uma vez que o Estado tem possibilidade de utilizar-se do terrorismo. Fazem coro ao entendimento do autor os doutrinadores Damásio de Jesus e Alberto Silva Franco; enquanto que Mirabete e outros entendem ser possível a utilização da Lei dos Crimes Hediondos ao terrorismo.

Outra Lei esparsa que mencionava o crime de terrorismo e o seu financiamento era a Lei nº 9.613/98 que trata da Lavagem de Dinheiro, especificadamente em seu artigo 1º, II e III. O referido dispositivo foi excluído, todavia, pela Lei nº 12.683/2012, a fim de tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro.

Assim, considerando que a Lei de Lavagem de Dinheiro também não fazia qualquer tipo de tipificação do crime de terrorismo, desnecessária maiores digressões sobre esta.

Por fim, imperioso destacar a Lei nº 10.744/03, que é a Lei de Responsabilidade Civil por Atentados Terroristas, Atos de Guerra ou Eventos Correlatos Contra Aeronaves, na qual a União assume a responsabilidade civil perante terceiros em caso de atentados terroristas. De maneira incompleta e singela, esta legislação extravagante faz uma tentativa insatisfatória de tipificar o delito do terrorismo, dispondo em seu artigo 1º, § 4º:

Art. 1º Fica a União autorizada, na forma e critérios estabelecidos pelo Poder Executivo, a assumir despesas de responsabilidades civis perante terceiros na hipótese da ocorrência de danos a bens e pessoas, passageiros ou não, provocados por atentados terroristas, atos de guerra ou eventos correlatos, ocorridos no Brasil ou no exterior, contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por empresas brasileiras de transporte aéreo público, excluídas as empresas de táxi aéreo.

[...]

§ 4º Entende-se por ato terrorista qualquer ato de uma ou mais pessoas, sendo ou não agentes de um poder soberano, com fins políticos ou terroristas, seja a perda ou dano dele resultante acidental ou intencional.

Estas legislações são, no momento, o que existe de menção ou tipificação do crime de terrorismo, verificando-se que tais medidas não são suficientes para garantir um efetivo controle e combate desta atividade criminosa.

Diante do exposto, passamos, no próximo item, a estudar as medidas até então efetivadas pelo poder legislativo para possibilitar a tipificação do crime de terrorismo no ordenamento jurídico brasileiro.

4.3 A tipificação do crime de terrorismo no Brasil  

Examina-se, do exposto até então, que o consenso na denominação do crime de terrorismo no cenário mundial se faz imprescindível, assim como a premente tipificação do crime na legislação pátria.

No caso do Brasil, ainda que nos dias atuais este não seja alvo direto de atos terroristas, existe a necessidade de adequação do crime, uma vez que crescente o fenômeno no cenário mundial, bem como a discussão que a partir dele se faz em âmbito nacional.

Além disso, é voz corrente que “fator decisivo para o combate eficaz dos atos terroristas é a existência de uma legislação própria, que enfrente com suficiência o problema, lacuna essa facilmente diagnosticada no ordenamento jurídico nacional” (PRADO; CARVALHO, 2000, p. 117).

De outra banda, aponta-se que apenas as referências feitas pela Constituição Federal acerca do crime de terrorismo não possuem conseqüência prática alguma, já que inexiste tipificação efetiva do que vem a ser considerado o crime de terrorismo.

Nesse diapasão, o Princípio da Reserva Legal deve ser sempre observado, uma vez que estabelece que a conduta típica punível deva, previamente, ser definida, de forma que não existe a possibilidade de acusação de uma pessoa por algo vago ou indeterminado. Este princípio está previsto no artigo 5º, XXXIX, da Constituição Federal (MONTEIRO, 2002).

Sobre o crime de terrorismo no ordenamento jurídico brasileiro (Constituição Federal e Lei de Segurança Nacional), especificadamente, Fragoso (apud ALENCAR, 1982, p. 219) afirma que:

Os crimes relacionados com o crime terrorismo constituem um dos mais importantes aspectos da lei […] Percebe-se que o legislador empregou expressões que não têm significação técnico-jurídica: devastar, saquear, assaltar e depredar. (...) A alusão indeterminada a ato de terrorismo viola o princípio da reserva legal.

Analisado os aspectos expostos até o momento, denota-se a necessária tipificação do crime de terrorismo. Diversos são os anteprojetos de lei e projetos de revisão de parte do Código Penal, que visavam à atualização e inserção de novos tipos penais ao Código Penal, dentre os quais está o tipo do terrorismo.

 Nesse sentido destaca-se o Projeto de Lei nº 6.764 de 2002, que, além de reafirmar os tipos penais já existentes, criou dispositivo concernente ao delito de terrorismo, que passaria a ser descrito no artigo 371 do Código Penal (BARROSO, 2003). Este projeto, entretanto, está parado desde 10 de julho de 2008, quando foi, então, encaminhado à Comissão de Direitos Humanos e Minorias (PROJETOS..., 2002).

Posteriormente a este Projeto, surgiram outros Projetos de Lei na tentativa de tipificar o delito de terrorismo: Projeto de lei nº 588/11, 707/11 (definem crimes de terrorismo - estão sobrestados até que ultimados os trabalhos da Comissão de Juristas encarregada de elaborar o Anteprojeto de Código Penal), Projeto de Lei nº 728/11 (define crimes, inclusive de terrorismo, para fortalecer a segurança durante eventos esportivos a serem ocorridos no Brasil – a última movimentação do projeto foi em 09 de maio de 2014) e Projeto de Lei nº 762/11 (define crime de terrorismo - ainda está em tramitação).

Como visto, alguns projetos de tipificação do crime estão sobrestados em razão do projeto de reforma do Código Penal. Nesse sentido, a Comissão de Reforma do Código Penal formulou novo projeto de tipificação do crime de terrorismo, qual seja:

Art. X - Causar terror na população mediante as condutas descritas nos parágrafos deste artigo, quando:

I - tiverem por fim forçar autoridades públicas, nacionais ou estrangeiras, ou pessoas que ajam em nome delas, a fazer o que a lei não exige ou deixar de fazer o que a lei não proíbe, ou;

II - tiverem por fim obter recursos para a manutenção de organizações políticas ou grupos armados, civis ou militares, que atuem contra a ordem constitucional e o Estado Democrático ou;

III - forem motivadas por preconceito de raça, cor, etnia, religião, nacionalidade, sexo, identidade ou orientação sexual, ou por razões políticas, ideológicas, filosóficas ou religiosas.

§1º - Seqüestrar ou manter alguém em cárcere privado;

§2º - Usar ou ameaçar usar, transportar, guardar portar ou trazer consigo explosivos, gases tóxicos, venenos, conteúdos biológicos ou outros meios capazes de causar danos ou promover destruição em massa;

§3º - Incendiar, depredar, saquear, explodir ou invadir qualquer bem público ou privado;

§4º - Interferir, sabotar ou danificar sistemas de informática e bancos de dados;

§5º - Sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com grave ameaça ou violência a pessoas, do controle, total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meios de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia e instalações militares.

Pena - prisão, de oito a quinze anos, além das sanções correspondentes à ameaça, violência, dano, lesão corporal ou morte, tentadas ou consumadas. Forma qualificada

§6º - Se a conduta é praticada pela utilização de arma de destruição em massa ou outro meio capaz de causar grandes danos:

Pena - prisão, de doze a vinte anos, além das penas correspondentes à ameaça, violência, dano, lesão corporal ou morte, tentadas ou consumadas.

Exclusão de crime

§7º - Não constitui crime de terrorismo a conduta individual ou coletiva de pessoas movidas por propósitos sociais ou reivindicatórios, desde que os objetivos e meios sejam compatíveis e adequados à sua finalidade. (BRASIL, 2012, texto digital)

A Reforma do Código Penal ainda não foi aprovada, tendo lhe sido feitas 806 emendas (2013, texto digital).

Além dos projetos acima mencionados, podem ser destacadas outras tentativas de amparar o terrorismo: Projeto de lei nº 1353/99 (modifica a lei do crime organizado); Projeto de Lei nº 2751/2000 (tipifica o crime organizado e dá outras providências); Projeto de Lei nº 2858/2000 (inclui crimes contra a paz pública); Projeto de Lei nº 4232/2004 (proíbe a concessão de livramento condicional para aqueles que forem condenados pelo crime de terrorismo); Projeto de Lei nº 5838/2009 (acrescenta dispositivo no sentido de que aqueles que forem condenados por terrorismo devem cumprir ao menos quatro quintos da pena para fins de livramento condicional); Projeto de Lei nº 7823/2010 (eleva o período mínimo de cumprimento de pena para a concessão do livramento condicional a condenados por crimes hediondos); Proposta de Emenda Constitucional nº 43/2003 (dá nova redação ao inciso LI do art. 5º da Constituição Federal, autorizando a extradição de brasileiros natos envolvidos em crimes de terrorismo); Projeto de Lei nº 2309/2003 (modifica a Lei de Execuções Penais para proibir o trabalho externo para aqueles que forem condenados por terrorismo); Projeto de Lei nº 1943/2003 (dispõe sobre crime de terrorismo biológico); Projeto de Lei nº 866/2003 (estabelece que os terroristas somente poderão ser defendidos pela Defensoria Pública); Projeto de Lei nº 4389/2001 (veda o benefício de prisão especial para os acusados de terrorismo); Projeto de Lei nº 2215/1999 (proíbe a concessão de prisão especial para os crimes de terrorismo); Projeto de Lei nº 1237/1999 (proíbe a suspensão condicional do processo, a substituição da pena, e obriga a decretação de prisão preventiva para os terroristas); Projeto de Lei nº 3616/1993 (proíbe o acusado de terrorismo de gozar de benefício de prisão especial, suspensão condicional da pena ou "sursis" e livramento condicional); Projeto de Lei nº 3400/1980 (atribui a união a responsabilidade pela indenização por danos causados por atos de terrorismo); Projeto de Lei nº 5659/2001 (torna crime a simulação de ato terrorista, capaz de provocar alarme, ou produzir pânico ou tumulto); Projeto de Lei nº 5626/2001(acrescenta artigo ao Código Penal tornando crime a simulação de ato terrorista); Projeto de Lei nº 3469/2004 (estabelece pena em dobro e cumulativa para a comunicação falsa de ato terrorista); e Projeto de Lei nº 7485/2006 (acrescenta parágrafo ao art. 20 da Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983, para prever o ato terrorista de quem invade propriedade alheia com o fim de pressionar o governo).

No ano de 2013, o Senado federal, através da Constituição Mista destinada a consolidar a legislação federal e regulamentar dispositivo da Constituição Federal, apresentou o Projeto de Lei nº 499 que visa definir o crime de terrorismo e dá outras providências.

O artigo primeiro do Projeto de Lei do Senado Federal define o crime de terrorismo e estabelece a competência da Justiça Federal para processar e julgar estes tipos de delitos. Em seu artigo segundo há, então, a definição do crime de terrorismo. O dispositivo assim estabelece:

Art. 2º Provocar ou infundir terror ou pânico generalizado mediante ofensa ou tentativa de ofensa à vida, à integridade física ou à saúde ou à privação da liberdade de pessoa.

Pena – reclusão, de 15 (quinze) a 30 (trinta) anos.

§ 1º Se resulta morte:

Pena – reclusão, de 24 (vinte e quatro) a 30 (trinta) anos.

§ 2º As penas previstas no caput e no § 1º deste artigo aumentam-se de um terço, se o crime for praticado:

I – com emprego de explosivo, fogo, arma, química, biológica ou radioativa, ou outro meio capaz de causar danos ou promover destruição em massa;

II – em meio de transporte coletivo ou sob proteção internacional;

III – por agente público, civil ou militar, ou pessoa que aja em nome do Estado;

IV – em locais com grande aglomeração de pessoas.

V – contra o Presidente e o Vice-Presidente da república, o Presidente da Câmara dos Deputados, o Presidente do Senado Federal ou o Presidente do Supremo Tribunal Federal;

VI – contra Chefe de Estado ou Chefe de Governo estrangeiros, agente diplomático ou consular de Estado estrangeiro ou representante de organização internacional da qual o Brasil falca parte;

§ 3º Se o agente for funcionário público, a condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada.

Além disso, o projeto de lei tipifica o financiamento ao terrorismo, o terrorismo contra coisa, a incitação ao terrorismo, o favorecimento pessoal no terrorismo, bem como casos de agrupamento terrorista. A proposta encontra-se, ainda, em tramitação, tendo sofrido, até o momento, 13 emendas. Sua última movimentação é datada de 09 de abril de 2014, e está aguardando a inclusão na Ordem do Dia.

Diante do exposto, vislumbra-se que, embora haja uma preocupação do poder legislativo em tipificar o crime de terrorismo, até o presente momento todas as tentativas de formalização do instituto no ordenamento jurídica pátrio não foram frutíferas.

A tipificação do delito de terrorismo faz-se necessária, seja para promover a prevenção, a repressão o combate ao terrorismo, e garantir a segurança ressaltando-se que, apenas após a devida formalização do crime, é que algum terrorista poderá ser enquadrado e responsabilizado pelo crime no Brasil.

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SCHNEIDER, Conrado. Terrorismo sob a ótica da legislação brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4396, 15 jul. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39032. Acesso em: 15 nov. 2024.

Mais informações

Projeto de Monografia apresentado na disciplina de Trabalho de Curso I – Projeto de Monografia do Curso de Direito, do Centro Universitário Univates, para avaliação semestral. Professor: Ms. Tiago Weizenmann

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