O fim do financiamento privado é um ato em favor da Constituição Federal

16/05/2015 às 21:23
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É fácil notar que a Constituição faz uma vedação implícita acerca do financiamento privado de campanha. Através da análise de alguns de seus artigos, veremos que a nossa Carta Magna nos direciona contra a relação empresarial nas campanhas eleitorais.

Essa é uma discussão antiga, mas a cada dia adquire um caráter de urgência, os escândalos de corrupção que assolam o país demonstram claramente a fragilidade de nossas normas infraconstitucionais e da falta de percepção dos legisladores em relação ao que delimita a Constituição Federal . Não é de hoje que os noticiários estão infestados de situações que desmontam a moral e a ética de nossa política, descambando para uma crise de representatividade, onde o político não é mais visto como o agente concretizador dos anseios do povo, mas um indivíduo que observa apenas os interesses pessoais, e isso tem uma clara ligação com a relação promíscua, que muitos o fazem, entre o poder público e o privado, sendo esse o cerne principal da corrupção de nosso dia a dia. Se nos atentarmos para o texto constitucional, não teremos dúvidas acerca de sua resposta em relação ao financiamento privado de campanha, ele nos norteia contra esse sistema, a favor da igualdade partidária e principalmente da isonomia entre os candidatos a representantes do povo. No final procuro fazer uma análise acerca da teoria da justiça de John Rawls e como seu estudo é um boa fundamentação contra o financiamento privado.

A CONSTITUIÇÃO VEDA O FINANCIAMENTO PRIVADO DE CAMPANHA DE MANEIRA IMPLÍCITA

Colocarei no bojo da discussão alguns artigos, que se fazem necessários para entendermos a matéria a qual pretendo explicitar, é de simples entendimento e qualquer um que leia com atenção verá que a nosso texto constitucional já veda o financiamento privado de campanha, não tendo motivos, a não ser políticos, para a fertilização de discussões mais acaloradas acerca desse tema, conforme temos hoje no país.

Logo no Artigo 1°, II, de nossa Carta Magna, temos a cidadania como fundamento da República Federativa do Brasil, mas o que é cidadania? De forma simples, podemos dizer que é a capacidade de exercer os atributos de cidadão, através dos diversos meios que a sociedade coloca a nosso dispor, dentre os quais  podemos destaca o meio político, por meio das eleições. A cidadania pressupõe isonomia, deduz paridade entre os entes sociais, é impossível se ter cidadania numa sociedade desequilibrada. Mas o que falar do financiamento privado de campanha ? Onde alguns políticos e partidos se aventuram em trocas desleais, recebendo altos montantes de dinheiro, prestando serviços posteriores a essas grandes empresas, tendo em contrapartida uma grande quantidade de candidatos que não possuem acesso a essas mesmas empresas, restando as doações de pessoas físicas, o dinheiro do fundo partidário e muitas vezes o dinheiro do próprio bolso, o que afasta pessoas bem intencionadas de exercer seus direitos, soterrando a vontade de muitos cidadãos em fazer a diferença em prol da sociedade. Se é permitido o financiamento privado das campanhas, abrindo as portas para a desigualdade, onde fica um dos fundamentos principais de nossa nação? Onde vai parar a cidadania? Ou seja, há um claro desrespeito ao texto constitucional, mas não paramos nesse ponto.

No Artigo 3°, I, está elencado um dos objetivos da República Federativa do Brasil, que é "Construir uma sociedade livre, justa e solidária". Como vamos construir uma sociedade livre, justa e solidária, se os meios que dispomos para isso são dominados por uma minoria? Se poucos privilegiados possuem o monopólio financeiro das eleições, e claro, são essas mesmas pessoas que conseguem êxito e vitória nas urnas ?

 Num país de recente democracia, como o nosso, ainda não foi possível encontrar uma maneira de conscientizar o povo a respeito da importância do voto, o que faz com que o poder financeiro se sobressaia em relação às propostas, ideologia, compromisso com causas sociais, objetivos de mudança, muitas pessoas nem sequer entendem o que isso significa. Então por onde começar? Se de fato quisermos que o objetivo elencado no Artigo 3°, I, do texto constitucional, seja alcançado,devemos começar, prioritariamente, igualando a disputa pelos cargos eletivos, e não temos dúvidas que essa base é o fim do financiamento privado de campanha, as grandes empresas não podem fazer a diferença no cenário eleitoral, isso já é por si um sinônimo de injustiça.

No caput do Artigo 5°, o mais famoso de nossa Constituição, está a frase mais emblemática do texto constitucional:" Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes". O que falta mais? O que querem mais? Está claro que todo o artigo vai na direção de proibir o financiamento privado, conforme falado anteriormente, não há igualdade numa sociedade que facilita a eleição de candidatos ligados aos empresários. Não paramos ai!

No Artigo 14, § 9°, temos outra situação importante que vale ser atentada, conforme bem descrito no artigo: "Lei complementar estabelecerá outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessação, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exercício de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico ou o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta." Quem ler o artigo verá a frase: "Legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico". O que significa isso? É logicamente viável interpretar essa frase da seguinte maneira: " A eleição legítima deve se opor aos interesses dos grandes empresários", o que mais uma vez é um norte para entendermos que pôr fim ao financiamento das campanhas é um ato de respeito a nossa Constituição cidadã. O artigo explicita que isso será possível com a aprovação de uma lei complementar, sendo um caso de inelegibilidade a influência do poder econômico sobre a eleição.

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Logo após a esse a esse parágrafo, temos o Artigo 14, § 10, que tem em suas palavras:" O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a ação com provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude." Mais uma vez o artigo endurece ao tratar a relação entre o poder público e o poder econômico, a Constituição vai no sentido de criar uma barreira entre esses dois poderes sociais e não permite a interferência do lado mais forte, que muitas vezes tem o poder de decidir os representantes, não do povo, mas da classe empresarial, o que sempre remete à corrupção.

No Título VII, que trata da ordem econômica e financeira, mais especificamente no Artigo 173, §4°, a Constituição dá mais uma direção no sentido de justificar a nossa análise, alicerçando mais uma fundamentação contra o financiamento privado de campanha: "Lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros." Apenas as grandes empresas são capazes de doar aos candidatos grande quantidade de dinheiro, se esse privilégio não é uma clara tentativa de dominação de mercado e eliminação da concorrência, não sabemos o que poderia ser. 

Todos os artigos citados demostram claramente o objetivo implícito da Constituição Federal que tem uma direção clara pelo fim do financiamento privado de campanha. Vamos analisar agora uma visão doutrinária, tida como uma das mais importantes do século XX, que é outro grande embasamento em favor da democracia e pela lisura do sistema eleitoral.

TEORIA DA JUSTIÇA: FUNDAMENTAÇÃO DOUTRINÁRIA CONTRA O FINANCIAMENTO PRIVADO DE CAMPANHA.

A teoria da justiça (theory of justice) foi criada pelo americano John Rawls e publicada na década de 70, considerada umas das mais proeminentes visões política do século passado. O autor coloca na justiça a ideia de equidade, a visão de que a sociedade e seus entes devem compactuar de forma igual sobre o que querem para o ambiente em que vivem, sendo esse o caminho para se encontrar a justiça. Vamos nos atentar para o que ele fala no seu livro uma teoria da justiça: "Numa sociedade justa as liberdades da cidadania igual são consideradas invioláveis; os direitos assegurados pela justiça não estão sujeitos à negociação política ou ao cálculo de interesses sociais." Rawls (2000, p. 4) Conforme mencionamos nos parágrafos anteriores, a cidadania pressupõe isonomia entre as pessoas e instituições sociais, o cidadão só será capaz de exercer seus direitos e responder aos deveres de forma plena, se não estiver preso às rédeas de uma minoria privilegiada, não sendo essa cidadania objeto de troca, de negociação, de vantagens econômicas, que infelizmente são práticas rotineiras dentro de nosso sociedade. Vamos analisar outro pensamento de John Rawls:

A justiça como equidade começa com uma das mais genéricas dentre todas as escolhas que as pessoas podem fazer em conjunto, especificamente, a escolha dos primeiros princípios de uma concepção da justiça que deve regular todas as subsequentes críticas e reformas das instituições. Depois de haver escolhido uma concepção de justiça, podemos supor que as pessoas deverão escolher uma Constituição e uma legislatura para elaborar as leis e assim por diante tudo em consonância com os princípios da justiça inicialmente acordados.Rawls (2000, p.14)

A sociedade dá seu pontapé inicial por meio da concepção, do conhecimento e da escolha da justiça como princípio basilar, o princípio fundamental, que dará origem a todas as outras características dessa sociedade. Falta ser dado esse pontapé inicial em nosso país, ter a justiça como suporte de mudança, se formos observar com carinho veremos que nada é mais justo do que igualar a corrida pelos cargos de representação, fazendo isso, estamos reoxigenando as práticas políticas do país, dando voz a quem não tem.

É notório saber que necessitamos avançar, que a crise de representatividade existente no país não pode fazer morada, que incentivar o povo a ocupar as instituições públicas é fundamental para reabrirmos uma nova porta para nossa nação. O Conselho Federal da OAB fez sua parte, ao propor a ADI 4650, tentando pôr fim a essa prática frascária, que por muito tempo prejudicou nossa sociedade, e que mostramos que é claramente vedada pela Constituição Federal.

Esperamos que isso tenha um fim, nas palavras de John Rawls, "Cada pessoa tem o mesmo direito irrevogável a um esquema plenamente adequado de liberdades básicas iguais que seja compatível com o mesmo esquema de liberdades para todos.” E vamos todos, sempre, em busca dessa liberdade, dessa igualdade e contra o fim do financiamento privado de campanha.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

RAWLS, John. Uma teoria da justiça. 2° ed. São Paulo: Martins Fontes, 2000. p 4-14

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. 

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Os escândalos rotineiros me fizeram visualizar a Constituição e os pensamentos de John Rawls de uma maneira diversa da que eu estava acostumado a ver, nessas fontes encontrei um forte embasamento contra o financiamento privado de campanha.

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