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Texto normativo: parâmetro de decidibilidade ou pretexto justificador?

Resumo:


  • Os textos normativos podem ser utilizados como parâmetros de decidibilidade ou pretextos justificadores da decisão judicial.

  • É importante distinguir entre esses usos para verificar se o texto normativo é utilizado de forma correta ou distorcida.

  • Não há um critério controlador absoluto para garantir a fidelidade do magistrado ao texto normativo, sendo necessária a coerência e a correspondência com tradições jurídicas.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

No momento em que um magistrado soluciona uma demanda, os textos normativos se revelam como parâmetros de decidibilidade ou como pretextos justificadores da decisão?

1. No momento em que um magistrado soluciona uma demanda qual o papel dos textos normativos (Constituição, Tratados, Leis, Decretos, Regulamentos, Contratos etc.)? Os textos normativos se revelam como parâmetros de decidibilidade ou como pretextos justificadores da decisão? Qual a diferença entre esses usos (parâmetro ou pretexto)? Como distinguir se o texto normativo é utilizado como parâmetro ou como pretexto? É possível estabelecer um critério de controlabilidade externa desses usos (parâmetro ou pretexto)?

2. As nossas hipóteses são as seguintes: a) os textos normativos são parâmetros de decidibilidade todas as vezes que os magistrados solucionam uma demanda a partir do que efetivamente está escrito e prescrito nos textos normativos; b) os textos normativos são pretextos justificadores todas as vezes que os magistrados solucionam uma demanda distorcendo ou ignorando o que efetivamente está escrito e prescrito nos textos normativos; c) o texto normativo é parâmetro de decidibilidade todas as vezes que o magistrado gostaria de solucionar a demanda em um sentido mas, em face do que escrito e prescrito no texto normativo, soluciona a demanda em outro sentido, contra a sua própria vontade ou interesse; d) o texto normativo é pretexto justificador todas as vezes que o magistrado soluciona a demanda no sentido que gostaria de solucionar e utiliza o texto normativo apenas para justificar a sua solução previamente tomada, independentemente do que esteja efetivamente escrito e prescrito nesse texto normativo; e) o texto normativo é parâmetro de decidibilidade todas as vezes que o magistrado se coloca “abaixo das Leis e das Instituições”; f) o texto normativo é um pretexto justificador todas as vezes que o magistrado se coloca “acima das Leis e das Instituições”; g) o texto normativo é parâmetro de decidibilidade todas as vezes que o magistrado subordina a sua vontade ao que efetivamente está escrito e prescrito no texto; h) o texto normativo é pretexto justificador todas as vezes que o magistrado subordina o que está escrito e prescrito no texto normativo à sua vontade.

3. Essas questões perseguem todos quantos colocam o tema da “decisão judicial” como objeto de suas atenções, sejam as acadêmicas, sejam as profissionais. Tenha-se, por exemplo, o magistério doutrinário de Hans Kelsen[1], no famoso Capítulo 8 de sua Teoria Pura do Direito, intitulado “A Interpretação”, para quem o ato de “interpretar” (e de decidir) consiste em um ato de “vontade”. Ou seja, grosso modo, no final das contas, o magistrado decide do jeito e modo que quer decidir, independentemente do que esteja escrito e prescrito no texto normativo. Essa linha doutrinária foi praticamente assimilada por quase todos os juspositivistas. Isso quer dizer que para o juspositivismo, na prática, o texto normativo tem sido utilizado como um pretexto justificador. A decisão já está tomada. O texto normativo apenas justificará o quanto decidido. E, na prática, se for necessário distorcer ou ignorar o texto normativo essa distorção ou ignorância será feita. A prática judicial brasileira tem dado razão histórica aos juspositivistas: o texto normativo como pretexto de justificação, em vez de ser um parâmetro de decidibilidade.

4. Nada obstante essa crua realidade, Lênio Luiz Streck[2] tem quixotescamente brandido contra essa prática nefasta da jurisprudência brasileira. Segundo esse ilustrado professor o ato de decidir não pode ser um ato de vontade do magistrado, mas um processo de construção a partir de uma hermenêutica sinceramente vinculada com a busca da “verdade”.

5. Como distinguir o uso do texto normativo como parâmetro de decidibilidade ou como pretexto justificador? Pela eventual correspondência entre a decisão judicial e o texto normativo, bem como pela correspondência dessa decisão judicial em face das tradições jurídicas (precedentes jurisprudenciais e magistério doutrinário). A coerência do magistrado consiste em outro componente relevante para verificar se o texto normativo é parâmetro ou pretexto.

6. É possível a criação de um critério controlador da fidelidade entre o magistrado e o texto normativo? A resposta é negativa. Não há qualquer possibilidade de se tirar do magistrado o poder/direito de interpretar o texto em sentido diverso a eventuais interpretações ou soluções distintas das outras, salvo em relação às decisões ou precedentes das instâncias superiores. Mas, por exemplo, em relação a um ministro do STF, não há como subordinar a sua decisão (ou voto) ao fiel e milimétrico cumprimento dos textos normativos. Ou seja, se um ministro do STF começar a julgar as demandas utilizando o texto normativo como simples pretexto justificador para as suas soluções, não há remédio judicial para neutralizar essa postura. Restam apenas as instâncias políticas (Casas Parlamentares) que podem modificar o quanto escrito e prescrito no texto normativo e as instâncias livres da sociedade civil (imprensa e academia) para criticar o Tribunal todas as vezes que os textos normativos, em vez de serem parâmetros de decidibilidade, foram utilizados como pretextos justificadores.

7. O fato inquestionável consiste no aspecto civilizatório da força vinculante dos textos normativos. Todas as vezes que um indivíduo, seja uma pessoa de poucas letras e luzes ou de baixa condição econômica ou uma pessoa ilustrada ou de boas condições econômicas, subordina a sua vontade, os seus desejos, os seus interesses, ao quanto escrito e prescrito nos textos normativos é sinal de que estamos a viver em uma sociedade civilizada. O fiel e milimétrico respeito às Leis e às Instituições é um componente indispensável para uma convivência civilizada entre as pessoas e ingrediente fundamental para o progresso de qualquer sociedade. Para comprovar essa assertiva basta comparar o valor que as pessoas que vivem nos Países com os melhores indicadores sociais e econômicos dão às suas Leis e às suas Instituições, com o valor que as pessoas que vivem nos Países com os piores indicadores sociais e econômicos dão às suas respectivas Leis e Instituições. Nada como a realidade para verificar a força das teorias.

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Notas

[1] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Tradução de João Batista Machado. 7ª ed. São Paulo. Martins Fontes: 2006, pp. 387-397.

[2] Toda semana Lênio Luiz Streck publica um texto em sua coluna no CONJUR (www.conjur.com.br) discutindo os problemas da epistemologia e da hermenêutica jurídica. 

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Sobre o autor
Luís Carlos Martins Alves Jr.

LUIS CARLOS é piauiense de Campo Maior; bacharel em Direito, Universidade Federal do Piauí - UFPI; orador da Turma "Sexagenária" - Prof. Antônio Martins Filho; doutor em Direito Constitucional, Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG; professor de Direito Constitucional; procurador da Fazenda Nacional; e procurador-geral da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico - ANA. Exerceu as seguintes funções públicas: assessor-técnico da procuradora-geral do Estado de Minas Gerais; advogado-geral da União adjunto; assessor especial da Subchefia para Assuntos Jurídicos da Presidência da República; chefe-de-gabinete do ministro de Estado dos Direitos Humanos; secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; e subchefe-adjunto de Assuntos Parlamentares da Presidência da República. Na iniciativa privada foi advogado-chefe do escritório de Brasília da firma Gaia, Silva, Rolim & Associados – Advocacia e Consultoria Jurídica e consultor jurídico da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB. No plano acadêmico, foi professor de direito constitucional do curso de Administração Pública da Escola de Governo do Estado de Minas Gerais na Fundação João Pinheiro e dos cursos de Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG, da Universidade Católica de Brasília - UCB do Instituto de Ensino Superior de Brasília - IESB, do Centro Universitário de Anápolis - UNIEVANGÉLICA, do Centro Universitário de Brasília - CEUB e do Centro Universitário do Distrito Federal - UDF. É autor dos livros "O Supremo Tribunal Federal nas Constituições Brasileiras", "Memória Jurisprudencial - Ministro Evandro Lins", "Direitos Constitucionais Fundamentais", "Direito Constitucional Fazendário", "Constituição, Política & Retórica"; "Tributo, Direito & Retórica"; e "Lições de Direito Constitucional".

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVES JR., Luís Carlos Martins. Texto normativo: parâmetro de decidibilidade ou pretexto justificador?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4338, 18 mai. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/39234. Acesso em: 22 dez. 2024.

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