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A inconstitucionalidade da Lei 9.876/99 face ao regime jurídico do cooperativismo

01/04/2003 às 00:00
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INTRODUÇÃO

Várias são as empresas que contratam Cooperativas de Trabalho para prestação de mão de obra. Ao contratarem este tipo de serviço, estas empresas sujeitam-se ao recolhimento de tributos destinados ao INSS. Inicialmente o tema regulava-se pelo artigo 1º, inciso II da Lei Complementar nº 84 de 1996, que assim dispunha:

"Art. 1º. Para a manutenção da Seguridade Social, ficam instituídas as seguintes contribuições sociais:

II – a cargo das cooperativas de trabalho, no valor de quinze por cento do total das importâncias pagas, distribuídas ou creditadas a seus cooperados, a título de remuneração ou retribuição pelos serviços que prestem a pessoas jurídicas por intermédio delas."

A contribuição incidia somente sobre os valores repassados aos cooperados, ou seja, ao valor pago à cooperativa, diminuído de suas despesas, observadas as peculiaridades deste tipo de sociedade.

Com o advento da Lei nº 9.876, de 1999, alterou-se o inciso IV do artigo 22 da lei nº 8.212 de 1991, instituindo-se nova contribuição previdenciária devida pelas empresas, incidente sobre pagamentos a serviços prestados por cooperados, através de suas cooperativas de trabalho. Assim dispõe a nova redação do inciso IV do artigo 22:

"Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23 é de:

IV – Quinze por cento sobre o valor bruto da nota fiscal ou fatura de prestação de serviços que lhe são prestados por cooperados ou por intermédio de cooperativas de trabalho."

Ou seja, a base de cálculo transformou-se no valor total da fatura emitida pela cooperativa contra a empresa, sem a dedução de quaisquer despesas. Quanto a este aspecto, vale lembrar que as cooperativas são sociedades sem fins lucrativos. No entanto, não se pode admitir a hipótese de que, por não ter fins lucrativos, o valor bruto pago às Cooperativas pelas empresas, será repassado integralmente aos cooperados. Não podemos simplesmente intitular como lucro o valor total que ingressa na cooperativa. Isto porque neste tipo de sociedade, como em qualquer outra, paga-se funcionários, encargos, taxas administrativas, entre outros.

No presente trabalho, pretende-se demonstrar a invalidade desta contribuição frente as diversas colisões aos princípios encontrados na Carta Magna.


CARÁTER ANTIISONÔMICO

Baseando-se no conceito aristotélico de isonomia, pode-se dizer que este princípio consiste em tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais, na medida de suas desigualdades.

Tamanha é a importância deste princípio para o direito tributário que, a Constituição Federal, além de trata-lo de forma genérica em seu artigo 5º, preocupou-se em prevê-lo em um dispositivo específico: o artigo 150, inciso II, que assim dispõe:

"art. 150 Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

...

II- instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;"

Vedou-se à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, gerar desigualdade tributária entre os contribuintes em razão de suas profissões ou funções.

Nota-se claramente a infração ao dispositivo supra mencionado, ocasionado pela Lei nº 9.876, pois esta contempla um tratamento antiisonômico entre contribuintes equivalentes no momento em que ambos encontram-se como tomadores de serviço.

Reconhece-se a possibilidade de efetuar-se discriminações, desde que sejam observados alguns critérios.

Acerca dos critérios que devem ser obrigatoriamente observados, tem-se o pensamento de Celso Antônio Bandeira de Mello:

"Parece-nos que o reconhecimento das diferenciações que não podem ser feitas sem quebra da isonomia se divide em três questões:

a-) a primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação;

b-)a segunda reporta-se à correlação lógica abstrata existente entre o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida no tratamento jurídico diversificado;

c-) a terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte juridicizados. (MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade. 3ª ed, São Paulo: Malheiros Editores, 1993, p. 21-22).

Em se tratando da lei nº 9.876, notória é a afronta:

Quanto ao fator de desigualação: tomou-se como fator de desequiparação um elemento vedado pelo inciso II do artigo 150 da CF.

Quanto à correlação lógica entre o fator diferencial e a diferenciação conseqüente: Inexiste esta correlação, pois o fato de tratar-se de uma cooperativa não se correlaciona com a incidência de 15% sobre o valor bruto pago a ela. Ou seja, o fato de uma empresa contratar uma cooperativa para prestar serviços, não traz a conseqüência de que deva ser tributada de modo diferente em relação às demais empresas que contratam outras que não sejam regidas pelo regime do cooperativismo. Muito pelo contrário, dever-se-ia estimular as empresas que optam pelos serviços das cooperativas, já que a própria Constituição Federal o faz.

Quanto à correlação lógica com as finalidades reconhecidas constitucionalmente: Inexiste esta correlação, tendo em vista a transgressão ao artigo 174, § 2º da Constituição Federal, no qual estabelece-se tratamento diferenciado as cooperativas e outras formas de associativismo.

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Para que se possa efetuar eventuais discriminações, é obrigatória a observação destes três aspectos conjuntos. Flagrante é a impossibilidade de dar-se tratamento desigual às cooperativas, visto que a lei nº 9.876 não observa ao menos um dos critérios obrigatórios.

Para facilitar o entendimento, imaginemos duas empresas de mesmo regime jurídico. A primeira contrata uma cooperativa para lhe prestar serviços, enquanto a segunda contrata uma empresa não regida pelo cooperativismo. Caberá à primeira arcar com o ônus de 15% do valor pago à prestadora de serviços, enquanto a segunda não terá sua capacidade contributiva onerosamente sacrificada. Comprova-se a discriminação veiculada pela lei nº 9.876, pois ambas assumem a mesma condição jurídica contratual, ambas são tomadoras de serviço e por esse motivo não devem receber tratamento distinto.


O DESESTÍMULO E A FALTA DE APOIO

Com o intuito de incentivar o cooperativismo, visto que este proporciona diversos benefícios, a própria Constituição Federal preocupou-se em beneficia-lo. Observa-se o artigo 174, § 2º:

"Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

§2º. A lei apoiará e estimulará o cooperativismo e outras formas de associativismo."

O texto é claro: APOIO E INCENTIVO devem ser concedidos às sociedades em questão, ou seja, às cooperativas. Estes benefícios encontram-se tutelados por dispositivo constitucional e mesmo que não especificados, qualquer atitude contrária que venha a prejudicar ou desestimular as cooperativas, deve ser considerada ilegal.

Não obstante, a Constituição estabelece ainda um sistema tributário diferenciado às Cooperativas, conforme previsto no artigo 146, inciso III:

"Art. 146. Cabe à lei complementar:

III – estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:

c)adequado tratamento tributário ao ato cooperativo praticado pelas sociedades cooperativas."

É notório que o constituinte quis chamar a atenção do legislador complementar, para estabelecer, de algum modo, tratamento benéfico às cooperativas.

Da mesma forma nos ensina Celso Ribeiro Bastos:

"Por adequado tratamento deve-se entender a outorga de isenções tributárias para os casos em que a cooperativa atua dentro dos seus objetivos, levando-se em conta que é propósito constitucional o apoio ao cooperativismo. Tomando-se em consideração que na atividade especulativa não há o espírito de lucratividade, conjugado com o ordenamento que ordena conferir um tratamento adequado, tributariamente falando, ao ato cooperativo, tudo isto parece conduzir à inevitável conclusão de que a outorga de isenções em benefício destas entidades é a forma que melhor preenche o desiderato constitucional."(BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à Constituição do Brasil. Vol. 7, São Paulo: Saraiva, 1990, p. 122).


CONCLUSÕES

Inegável é o fato de que a lei nº 9.876 fere amplamente o princípio da isonomia, pois coloca as cooperativas em grande desvantagem com relação às outras empresas fornecedoras de mão de obra.

Sabe-se ainda que a Constituição Federal tem força normativa. Portanto, toda lei que, de qualquer forma, restrinja o apoio ou estímulo conferido pela constituição a este tipo de sociedade, deve ser entendida com inconstitucional.

Tamanho é o desestímulo que a lei nº 9.876 causa ao cooperativismo em nosso país. As cooperativas estão sendo duramente castigadas, pois qual a empresa que contratará uma prestadora de serviços que pague esta contribuição social indevida se tiver a liberdade de contratar outra que não regida pelo cooperativismo? É como se o governo pretendesse descumprir a constituição e eliminar as cooperativas de trabalho.

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Sobre a autora
Danielle Peixoto Valença

bacharel em Direito pela Universidade da Região de Joinville (Univille)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALENÇA, Danielle Peixoto. A inconstitucionalidade da Lei 9.876/99 face ao regime jurídico do cooperativismo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3926. Acesso em: 7 nov. 2024.

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