1 - Introdução
O presente artigo traz comentários e decisões judiciais à favor e contra a investigação criminal realizada e conduzida exclusivamente pelo Ministério Público. Este assunto, com absoluta certeza, tem sido tema de diveros trabalhos acadêmicos , em razão da importância e da relevância jurícia que o tema traz consigo.
A questão parece, neste momento, estar superada com a recente votação realizada pelo plenário do STF que, por maioria não absoluta, decidiu favoravelmente acerca do poder investigatório do Ministério Público.
Ainda sim, pela essência do Direito o assunto não restará pacífico, tampouco deixará de fomentar as discussões e pautas de trabalhos acadêmics. Os fundamentos e argumentos usados pelos favoráveis ao Ministério Público são muito questionados.
Portanto, no decorrer deste artigo veremos alguns argumentos de cada lado, favor e contra, a fim de que o leitor possa se posicionar.
2 - Posicionamento favorável
Iniciaremos expondo a visão daqueles que são a favor da investigação ministerial. Pois bem, para isso é necessário que nós entendamos a competência dada ao MP pela Carta Magna. O artigo 129 cita as funções do ministério Público, sendo importante expor algumas:
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;
VI - expedir notificações nos procedimentos administrativos de sua competência, requisitando informações e documentos para instruí-los, na forma da lei complementar respectiva;
VII - exercer o controle externo da atividade policial, na forma da lei complementar mencionada no artigo anterior;
VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais;
Conforme dispõe o inciso I do artigo supracitado, o Ministério Público é o detentor do direito de ação e cabe, privativamente, aos seus membros a propositura da ação penal pública.
Muitos escritores do Direito entendem que se a ação penal é de competência exclusiva do Ministério Público, nada melhor que o próprio denunciante produza as provas que necessita para embasar melhor a ação penal. Ademais, de acordo com nosso Código Processualista Penal, o inquérito policial é dispensável desde que o ministério público ou a parte ofendida já disponham de provas suficientes da autoria e materialidade do crime (artigo 39, §5º, CPP).
Ora, se a propositura é de responsabilidade do Ministério Público e o inquérito policial é dispensável, não há porque negar ao Ministério Público o direito de investigar crimes que cheguem ao seu conhecimento, ainda que por disposição legal ele possa requisitar à Polícia Judiciária a instauração do procedimento.
Outro ponto de fundamentação destes doutrinadores está possibilidade expressa pela Constituição Federal ao parquet de expedir notificações e requisitar informações e documentos para instruir procedimento administrativo de sua competência. Para alguns doutrinadores, trata-se, inegavelmente, de procedimento administrativo investigativo, isto, pois, se estivesse relacionado à ação civil pública, já que a esta prevalece às disposições do inciso III do artigo 129 da Constituição.
Prosseguindo pela análise do artigo 129 da lei suprema, existe a autorização para que o Ministério Público requisite diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial, bem como autoriza ao MP realizar o controle externo da atividade policial, de certo que se ele é o órgão responsável por fiscalizar a polícia e pode ainda requisitar instauração de inquérito policial, neste caso a requisição tem sentido de obrigação/dever de instauração por parte da polícia. Bem, se ele exige a instauração e ainda fiscaliza todos os atos da polícia judiciária, qual o impedimento para investigar e coletar provas de um crime. Neste ponto, vale ressaltar que o Ministério Público e ao Poder Judiciário, ficaram garantidas a presidência das investigações envolvendo seus membros, conforme a Lei orgânica do Ministério Público dos Estados, Lei Orgânica do Ministério Público da União e a Lei Orgânica Nacional da Magistratura.
Além dos argumentos por hora expostos, ainda tem aquele que trata acerca da não exclusividade da polícia para a realização de procedimentos investigativos em nosso ordenamento. Exercem esta função, também, os seguintes órgãos: a ABIN (Agência Brasileira de Inteligência), COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) por meio do Ministério da Justiça, as Corregedorias da Câmara e do Senado Federal, os Tribunais de Contas Federal, Estadual e dos Municípios, onde houver, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) e o STF, STJ, os Tribunais Federais e os Tribunais de Justiça dos Estados.
Fernando Capez em seu livro Curso de Processo Penal tratou de expor suas ideias acerca do disposto no artigo 144, § 1º, IV, que trata da exclusividade de investigação à Polícia Judiciária. O parquet, em sua obra escreveu que “no que toca ao argumento de que o art. 144, §1º, IV da CF conferiu com exclusividade as funções de polícia judiciária da União à Polícia Federal, convém esclarecer que tal não significa excluir o Ministério Público das atividades de investigação, pois a expressão com “exclusividade” destina-se apenas a delimitar o âmbito de atuação das polícias estaduais, as quais não poderão exercitar a atividade de polícia judiciária na esfera federal” [1].
Por fim, ainda nas lições de Fernando Capez, por ser o Estado brasileiro um Estado democrático de Direito e em que se verifica compromisso normativo com a igualdade social, material e real, bem como uma administração pública proba, surge o Ministério Público como defensor da ordem jurídica, do regime democrático de Direito e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. Desta forma, ele finda sua posição de apoio à investigação ministerial doutrinando que “nada autoriza o posicionamento restritivo da atuação do MP em defesa da ordem Jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (CF, art. 127)”.[2]
Como ilustração, segue abaixo decisões judiciais a este respeito e em favor do posicionamento supra.
Habeas corpus. Trancamento de ação penal. investigação criminal realizada pelo Ministério Público. Excepcionalidade do caso. Possibilidade. gravação clandestina (gravação de conversa telefônica por um interlocutor sem o conhecimento do outro). Licitude da prova. Precedentes. ordem denegada. 1. Possibilidade de investigação do Ministério Público. Excepcionalidade do caso. O poder de investigar do Ministério Público não pode ser exercido de forma ampla e irrestrita, sem qualquer controle, sob pena de agredir, inevitavelmente, direitos fundamentais. A atividade de investigação, seja ela exercida pela Polícia ou pelo Ministério Público, merece, por sua própria natureza, vigilância e controle. O tema comporta e reclama disciplina legal, para que a ação do Estado não resulte prejudicada e não prejudique a defesa dos direitos fundamentais. A atuação deve ser subsidiária e em hipóteses específicas. No caso concreto, restou configurada situação excepcional a justificar a atuação do MP: crime de tráfico de influência praticado por vereador. 2. Gravação clandestina (Gravação de conversa telefônica por um interlocutor sem o conhecimento do outro). Licitude da prova. Por mais relevantes e graves que sejam os fatos apurados, provas obtidas sem a observância das garantias previstas na ordem constitucional ou em contrariedade ao disposto em normas de procedimento não podem ser admitidas no processo; uma vez juntadas, devem ser excluídas. O presente caso versa sobre a gravação de conversa telefônica por um interlocutor sem o conhecimento de outro, isto é, a denominada “gravação telefônica” ou “gravação clandestina”. Entendimento do STF no sentido da licitude da prova, desde que não haja causa legal específica de sigilo nem reserva de conversação. Repercussão geral da matéria (RE 583.397/RJ). 3. Ordem denegada. (HC 91613, Relator (a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 15/05/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-182 DIVULG 14-09-2012 PUBLIC 17-09-2012).
HABEAS CORPUS. CRIME DE LAVAGEM DE DINHEIRO E EVASÃO DE DIVISAS. PRISÃO PREVENTIVA. REVOGAÇÃO. RÉU FORAGIDO. FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. PRECEDENTES DO STJ. - O decreto de prisão cautelar, ao contrário do que alega o Impetrante, encontra-se devidamente fundamentado, com indicação de fatos concretos, de modo a demonstrar a necessidade da medida constritiva de liberdade, notadamente como garantia de ordem pública e até mesmo de ordem econômica e da aplicação da lei penal. EXCESSO DE PRAZO. MATÉRIA NÃO APRECIADA NO TRIBUNAL DE ORIGEM. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. PEDIDO NÃO CONHECIDO. - A alegação extemporânea de excesso de prazo no encerramento da instrução criminal não foi ventilada e tão-pouco examinada pelo Tribunal de origem, razão pela qual a sua análise por esta Corte Superior ensejaria vedada supressão de instância. Constrangimento não conhecido. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO JUIZ E PROMOTOR NATURAL. INOCORRÊNCIA. AUTOS LIVREMENTE DISTRIBUÍDOS. CONTRARIEDADE. DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. - Atestando as informações prestadas pela Autoridade Impetrada que os autos criminais foram livremente distribuídos em juízo, respeitando os corolários do juiz e promotor natural, a sua contrariedade pelo Impetrante demandaria dilação probatória, o que não é permitido na célere via do habeas corpus. ATOS INVESTIGATÓRIOS PRATICADOS PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. POSSIBILIDADE. TITULAR DA AÇÃO PENAL E DISPENSABILIDADE DO INQUÉRITO POLICIAL. - Consoante entendimento já adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, o Ministério Público não está adstrito a requisitar diligências investigatórias. Sendo o titular da ação penal pública não está proibido de praticar atos tendentes à elucidação de eventual conduta delitiva, mormente quando há indícios do envolvimento no delito de integrantes da própria polícia. ORDEM DENEGADA. (STJ, 5ªT., HC 29.160/SP, rel. Min. Laurita Vaz, j. 9-9-2003, DJ, 6 out. 2003, p. 297).
PENAL E PROCESSO PENAL - ESTELIONATO - FALSIFICAÇÃO - FORMAÇÃO DE QUADRILHA - CERCEAMENTO DE DEFESA - PODER INVESTIGATIVO DO MINISTÉRIO PÚBLICO - PROVAS ILÍCITAS - INOCORRÊNCIA - PRISÃO PREVENTIVA - NECESSIDADE. - A questão acerca da possibilidade do Ministério Público desenvolver atividade investigatória objetivando colher elementos de prova que subsidiem a instauração de futura ação penal, é tema incontroverso perante esta eg. Turma. Como se sabe, aConstituição Federal, em seu art. 129, I, atribui, privativamente, ao Ministério Público promover a ação penal pública. Essa atividade depende, para o seu efetivo exercício, da colheita de elementos que demonstrem a certeza da existência do crime e indícios de que o denunciado é o seu autor. Entender-se que a investigação desses fatos é atribuição exclusiva da polícia judiciária, seria incorrer-se em impropriedade, já que o titular da Ação é o Órgão Ministerial. Cabe, portanto, a este, o exame da necessidade ou não de novas colheitas de provas, uma vez que, tratando-se o inquérito de peça meramente informativa, pode o MP entendê-la dispensável na medida em que detenha informações suficientes para a propositura da ação penal. - Ora, se o inquérito é dispensável, e assim o diz expressamente o art. 39, § 5º, do CPP, e se o Ministério Público pode denunciar com base apenas nos elementos que tem, nada há que imponha a exclusividade às polícias para investigar os fatos criminosos sujeitos à ação penal pública. - A Lei Complementar nº75/90, em seu art. 8º, inciso IV, diz competir ao Ministério Público, para o exercício das suas atribuições institucionais, "realizar inspeções e diligências investigatórias". Compete-lhe, ainda, notificar testemunhas (inciso I), requisitar informações, exames, perícias e documentos às autoridades da Administração Pública direta e indireta (inciso II) e requisitar informações e documentos a entidades privadas (inciso IV). - De outro lado, no que concerne a prisão preventiva, observo que o decreto constritivo ressaltou a extrema gravidade do delito, consubstanciado no fato do acusado utilizar-se de uma função pública delegada, da fé pública outorgada pelo Estado, para a prática de falsificações de documentos públicos e estelionatos, ludibriando a população..(fls. 30). Sob outro prisma, salientou a necessidade de se preservar a instrução criminal, porquanto o acusado, único tabelião em exercício naquela localidade, praticava o delito em concurso de outros tabeliães, sendo certo que, se solto, continuaria na prática delitiva ou comprometeria a colheita de provas. Assim sendo, considero irretocável o r. decisum hostilizado que deve ser mantido. - Ordem denegada. ( STJ, 5ª T., HC 27.113/MG, rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 17-06-2003, DJ, 29 set. 2003, p. 293)
3) Posição contrária à investigação pelo MP
Após a exposição de alguns dos motivos que ensejam a possibilidade de investigação pelo Ministério Público, devemos tratar acerca da posição, à nossa ótica mais correta, a qual defende a exclusividade do Delegado de Polícia presidir o inquérito policial.
Historicamente, conforme exposto no capítulo I deste estudo, a função de investigar os crimes é realizado pela polícia, através do inquérito. Ao analisarmos a história, muitas foram as tentativas de tirar esta prerrogativa exclusiva do delegado de polícia, contudo, todas as propostas não vingaram e permanece até hoje o sistema que prevê que a investigação criminal, com o escopo de preparar a ação penal é de responsabilidade e competência da Polícia Judiciária, conforme dita nossa Constituição Federal. Apenas como exemplificação em 1935, tentou-se institui o juizado de instrução, sendo certo que este seria o órgão responsável pela formação da acusação e das provas.
Outro fato que sustenta a exclusividade da investigação pela Polícia Judiciária é que se o Ministério Público realizar sua própria investigação criminal estaria tornando sua a função da Polícia Judiciária, que tem Constitucionalmente a função da apuração de crimes. Guilherme de Souza Nucci explanou acerca desta situação:
"Logo, a permitir-se que o Ministério Público, por mais bem intencionado que esteja, produza de per si investigação criminal, isolado de qualquer fiscalização, sem a participação do indiciado, que nem ouvido precisaria ser, significaria quebrar a harmônica e garantista investigação de uma infração penal." [3]
Outra função do Ministério Público garantida constitucionalmente (art. 129, III) é a de promover inquérito civil e ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos e não a de promover investigações criminais para a instrução de processo penal, ou seja, a disposição do inciso VI do mesmo dispositivo, que autoriza o parquet a expedir notificações e requisitar informações e documentos em procedimentos administrativos de sua competência para instruí-los, está relacionado à ação civil pública ou ao inquérito civil público, bem como demais processos administrativos de competência do MP, o que não ocorre com o inquérito policial.
Outro fator relevante é a própria Lei Orgânica Nacional do Ministério Público (Lei nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993), que autoriza, somente, a requisição à autoridade Policial de diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial e militar e não dá competência aos seus membros de instaurarem procedimento investigativo próprio, autonomamente. A este respeito discorreu Jacinto de Miranda Coutinho, o qual assegurou que:
“A competência para promover a ação penal (artigo 129, I) não engloba a investigação criminal, esta competência não é um minus em relação àquela. Trata-se, na verdade, de uma competência diversa e que foi atribuída de forma expressa pelo constituinte a outro órgão. Não se aplica aqui, portanto, a lógica dos poderes implícitos, pela qual o órgão a quem compete o mais, compete igualmente o menos.” [4]
Fernando Capez quando defendeu a posição que autorizaria ao Ministério Público realizar investigação autônoma, defendeu exatamente que a lógica dos poderes implícitos autorizaria tal procedimento, ainda sim, Jacinto de Miranda afastou em seu ensinamento essa possibilidade.
O Supremo Tribunal Federal tem decisões e opiniões divergentes acerca do assunto, de modo que em recente julgamento de um recurso extraordinário, RE 593727, o ministro Cézar Peluso se manifestou no sentido de que o Ministério Público apenas pode realizar investigações criminais quando a investigação tiver por objeto fatos teoricamente criminosos praticados por membros ou servidores do próprio MP, por autoridades ou agentes policiais e, ainda, por terceiros, quando a autoridade policial, notificada sobre o caso, não tiver instaurado o devido inquérito policial. Esse procedimento investigatório deverá obedecer, por analogia, as normas que regem o inquérito policial, que deve ser, em regra, público e sempre supervisionado pelo Poder Judiciário.
Seu voto teve a seguinte fundamentação: “Do ponto de vista específico do ordenamento institucional, não subsiste, a meu aviso, nenhuma dúvida de que não compete ao Ministério Público exercer atividades de polícia judiciária, as quais, tendentes à apuração das infrações penais, seja lá o nome que se dê aos procedimentos ou à capa dos autos, foram, com declarada exclusividade, acometidas às polícias federal e civil pela Constituição Federal, segundo cláusulas pontuais do artigo 144”.[5]
E continuou explanando que “no quadro das razões constitucionais, a instituição que investiga não promove ação penal e a que promove, não investiga”. E por fim, encerrou dizendo que O Brasil não adotou a possibilidade da conjunção dessas legitimações e que não por acaso, senão por deliberada congruência, deu-se ao Ministério Público, no artigo 129, inciso VII, da Constituição Federal, a função e a competência de exercer o controle externo da atividade policial, por ser intuitivo que, quem investiga não pode, ao mesmo tempo, controlar a legalidade das investigações.[6]
Por derradeiro, se faz necessário anotar que se o Ministério Público é o titular da ação penal pública e por consequência será o responsável por promovê-la, não é correto que ele próprio realize as investigações, visto que todo o procedimento seria destinado à colheita de evidências contra o réu, que sirva para instruir o processo a seu favor. Isto posto, ao membro do Ministério Público deve existir uma imparcialidade quanto às investigações para que assim o promotor não contamine as provas com uma investigação tendenciosa e se preocupe, apenas, com a ação penal e em analisar as provas colhidas em sede de inquérito policial.
Além dos autores citados nesta fase, ainda têm trabalhos contra a investigação por parte do Ministério Público os doutrinadores José Afonso da Silva, Miguel Reale Júnior, Eduardo Reale e José Carlos Fragoso, sendo certo que ambos fazem coro com os argumentos aqui expostos.
Segue ao fim, jurisprudências a favor da exclusividade da titularidade do inquérito policial ao delegado de polícia.
Ementa: "A requisição de diligências investigatórias de que cuida o art. 129, VIII, CF, deve dirigir-se à autoridade policial, não se compreendendo o poder de investigação do Ministério Público fora da excepcional previsão da ação civil pública (art. 129, III, CF). de outro modo, haveria uma Polícia Judiciária paralela, o que não combina com o a regra do art. 129, VII, CF, segundo o qual o MP deve exercer, conforme lei complementar, o controle externo da atividade policial" (STF – RE 205473/AL – Ministro Relator Carlos Veloso – 15.12.1998 - 2.ª Turma, v.u)
EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. MINISTÉRIO PÚBLICO. INQUÉRITO ADMINISTRATIVO. NÚCLEO DE INVESTIGAÇÃO CRIMINAL E CONTROLE EXTERNO DA ATIVIDADE POLICIAL/DF. PORTARIA. PUBLICIDADE. ATOS DE INVESTIGAÇÃO. INQUIRIÇÃO. ILEGITIMIDADE. 1. PORTARIA. PUBLICIDADE A Portaria que criou o Núcleo de Investigação Criminal e Controle Externo da Atividade Policial no âmbito do Ministério Público do Distrito Federal, no que tange a publicidade, não foi examinada no STJ. Enfrentar a matéria neste Tribunal ensejaria supressão de instância. Precedentes. 2. INQUIRIÇÃO DE AUTORIDADE ADMINISTRATIVA. ILEGITIMIDADE. A Constituição Federal dotou o Ministério Público do poder de requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (CF, art. 129, VIII). A norma constitucional não contemplou a possibilidade de o parquet realizar e presidir inquérito policial. Não cabe, portanto, aos seus membros inquirir diretamente pessoas suspeitas de autoria de crime. Mas requisitar diligência nesse sentido à autoridade policial. Precedentes. O recorrente é delegado de polícia e, portanto, autoridade administrativa. Seus atos estão sujeitos aos órgãos hierárquicos próprios da Corporação, Chefia de Polícia, Corregedoria. Recurso conhecido e provido. " (STF – RHC 81326-7/DF – Ministro Relator Nelson Jobim – 06.05.2003 – 2.ª Turma).
4 - A decisão do STF
O recurso extraordinário nº 593727 interposto junto ao STF tentava anular decisão do TJ/MG que aceitou denúncia baseada em investigação do Ministério Público do Estado de Minsa Gerais. Em razão de assunto tão importante, o STF reconheceu a matéria como Repercussão Geral.
A votação foi paralisada por um pedido de vistas do ministro Marco Aurélio, após a votação dos Ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Luiz Fux Cezar Peluso e Ricardo Lewandowski. Ainda que seu voto não pudesse mais mudar aquela votação, o nobre Ministro Marco Aurélio analisou os autos, doutrina e jurisprudências e votou favrorável ao recurso. Após proferir seu voto vista, os demais Ministros Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Rosa Weber.
O ministro Marco Aurélio explicou que as exceções quanto à investigação criminal, para estarem dentro dos parâmetros constitucionais, necessitam de previsões expressas e balizas bem definidas de como serão realizadas as atividades, verificando que a Carta Magna não apresenta tal autorização.
Explanou ainda que o Ministério Público, como destinatário das investigações, deve acompanhar o desenrolar dos inquéritos policiais, requisitando diligências, acessando os boletins de ocorrências e exercendo o controle externo. O que se mostra inconcebível é um membro do Ministério Público colocar uma estrela no peito, armar-se e investigar. Sendo o titular da ação penal, terá a tendência de utilizar apenas as provas que lhe servem, desprezando as demais e, por óbvio, prejudicando o contraditório e inobservando o princípio da paridade de armas.
Já a Ministra Rosa Weber e Carmem Lúcia entendem que o Ministério Público tem o poder de investigar complementar ao da polícia e que ambos podem fazê-los, inclusive, quanto mais pessoas investigando crimes melhor.
Tão esperada decisão , conforme se verifica no site do STF é a seguinte:
"Decisão: O Tribunal, por maioria, negou provimento ao recurso extraordinário e reconheceu o poder de investigação do Ministério Público, nos termos dos votos dos Ministros Gilmar Mendes, Celso de Mello, Ayres Britto, Joaquim Barbosa, Luiz Fux, Rosa Weber e Cármen Lúcia, vencidos os Ministros Cezar Peluso, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, que davam provimento ao recurso extraordinário e reconheciam, em menor extensão, o poder de investigação do Ministério Público, e o Ministro Marco Aurélio, que dava provimento ao recurso extraordinário e negava ao Ministério Público o poder de investigação. Em seguida, o Tribunal afirmou a tese de que o Ministério Público dispõe de competência para promover, por autoridade própria, e por prazo razoável, investigações de natureza penal, desde que respeitados os direitos e garantias que assistem a qualquer indiciado ou a qualquer pessoa sob investigação do Estado, observadas, sempre, por seus agentes, as hipóteses de reserva constitucional de jurisdição e, também, as prerrogativas profissionais de que se acham investidos, em nosso País, os Advogados (Lei nº 8.906/94, art. 7º, notadamente os incisos I, II, III, XI, XIII, XIV e XIX), sem prejuízo da possibilidade – sempre presente no Estado democrático de Direito – do permanente controle jurisdicional dos atos, necessariamente documentados (Súmula Vinculante nº 14), praticados pelos membros dessa Instituição. Redator para o acórdão o Ministro Gilmar Mendes. Ausente, justificadamente, o Ministro Gilmar Mendes. Presidiu o julgamento o Ministro Ricardo Lewandowski. Plenário, 14.05.2015.
5 - Conclusão
Como vimos acima, o STF por maioria entendeu que o Ministério Público poderá promover investigações autônomas e complementar ao trabalho da Polícia Judiciária.
A tese mais aclamada foi a dos poderem implícitos, ou seja quem pode mais pode menos. Portanto, se o MP pode propor a ação penal, já que é o titular, que é o mais, ele também pode o menos, qual seja a investigação criminal para basear referida ação.
Já a incostitucionalidade do Ministério Público não foi reconhecida, ainda que nossa Carta Magna expresse apenas a possibilidade de solicitar diligências durante o inquérito policial ou ainda realizar o controle externo da atividade policial e não realizar investigação criminal.
Para finalizar o presente artigo deixo minha opinião contrária ao voto do STF e corroboro com os argumentos apresentados pelo Ministro Marco Aurélio, que ao meu ver, foi o mais legalista dos ministros, os quais votaram aparentemente influenciados pela opinião pública e política.
[1] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 15ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 108/109
[2] CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 15ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008. p.109
[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal, 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 147
[4] COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda. A inconstitucionalidade de lei que atribua funções administrativas do inquérito policial ao Ministério Público. Revista de Direito Administrativo Aplicado, nº 2, Curitiba: 2004, p. 445.
[5] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=210440 – Notícias dos STF
[6] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=210440 – Notícias dos STF