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Possibilidades de controle social relativo aos serviços públicos essenciais e a urgência de um novo regime fomentador da cultura participativa

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01/04/2003 às 00:00
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4.0 - O Setor de Telefonia

Com fundamento no art. 21, inciso XI, da Constituição Federal de 1988, foi promulgada a Lei nº 9.472, de 16.07.1997, que dispõe "sobre a organização dos serviços de telecomunicações, a criação e funcionamento de um órgão regulador e outros aspectos institucionais, nos termos da Emenda Constitucional nº 8, de 15.08.1995".

A Lei Geral de Telecomunicações significou um ganho para os agentes de mercado, tanto consumidores quanto fornecedores, pois estabeleceu princípios básicos e regras claras para a privatização e para o desenvolvimento das atividades no setor de telecomunicações, ao contrário do que aconteceu no setor de energia elétrica.

Desse modo, dentre os princípios fundamentais da Lei Geral de Telecomunicações está a universalização dos serviços, com o acesso para o maior número de pessoas possível, independentemente da densidade populacional ou a concentração de renda, o que se deverá alcançar com a melhoria dos padrões de qualidade adequados e tecnologia atual, o que beneficia o mercado cooperativo e, por via indireta, o consumidor residencial, principalmente nas regiões onde haja demanda reprimida.

4.1 - A centralização na esfera federal do poder de regulação.

O órgão máximo da ANATEL é o Conselho Diretor, conforme dispõe o § 1º do art. 8º da Lei Geral e de acordo com o art. 20 e seguintes do Decreto nº 2.338, de 07.10.1997, instituído por determinação da Lei nº 9.472/97. Esse órgão é formado por cinco diretores, todos escolhidos pelo Presidente da república, com a aprovação do Senado Federal, sendo que o presidente do referido conselho é indicado pelos seus membros e a indicação é confirmada pelo Presidente da República.

O Conselho Diretor tem a sua competência definida pelo art. 22, da Lei Geral de Telecomunicações pelo art. 35 do Decreto n. 2.338/97, e de acordo com os referido dispositivos legais, o Conselho tem ampla autonomia, no sentido de deliberar sobre tudo, independentemente de ouvir a sociedade.

Em virtude disso, em que pese o fato da Lei Geral de Telecomunicações e do seu Decreto regulamentador serem bastante claros no tocante aos direitos e deveres dos diversos agentes do mercado- consumidores e prestadoras de serviços público-, tais diplomas legais atribuem poder ilimitado ao Conselho Diretor, o que leva à conclusão de que as decisões são tomadas de forma absolutamente centralizada, sem a participação dos consumidores, sem atender, portanto, aos interesses locais, onde se desenvolve efetivamente a prestação do serviços.

4.2 - A existência da Ouvidoria

Além disso, integra a estrutura organizacional da ANATEL uma ouvidoria. A figura do Ouvidor na ANATEL tem a função de fiscalizar a atuação da agência, elaborando relatórios que prestem informações sobre a atividade do órgão regulador, especialmente ao Ministério das Comunicações, isto é, ao Poder Executivo.

Para cumprir essa função, no entanto, o ouvidor não poderia fazer parte do Conselho Diretor, como ocorre na ANEEL, por isso, ele é nomeado pelo Presidente da República.

Todavia, em que pese essa distinção existente entre a ANEEL e a ANATEL quanto a escolha do ouvidor, é mister ressaltar que a ANATEL não conta com um órgão mediador de conflitos, cuja importância é incontroverso, na medida em que constitui-se em agência com competência extremamente centralizada no Conselho Diretor, o que dificulta a satisfatória e rápida solução de problemas.

4.3 - A competência do Conselho Consultivo.

A ANATEL conta com um Conselho Consultivo, cuja composição se dá da seguinte forma de acordo com o Decreto nº 2.338/97:

"Art 37- Os integrantes do Conselho Consultivo, cuja qualificação deverá ser compatível com as matérias afetas ao colegiado, serão designados por decreto do Presidente da República, mediante indicação:

I-do Senado Federal; dois conselheiros;

II-da Câmara dos Deputados; dois conselheiros;

III-do Poder Executivo; dois conselheiros;

IV-das entidades de classe das prestadoras de serviços de telecomunicações; dois conselheiros;

V-das entidades representativas dos usuários; dois conselheiros;

VI-das entidades representativas da sociedade; dois conselheiros

". (grifos nossos)

A tarefa desse Conselho é apenas opinar, antes do seu encaminhamento ao Ministério das Comunicações, sobre o plano geral de outorgas, o plano geral de metas para universalização dos serviços prestados no regime público e demais políticas governamentais de telecomunicações; aconselhar quanto à instituição ou eliminação da prestação de serviço no regime público; apreciar os relatórios anuais do Conselho Diretor; requerer informação e fazer proposição a respeito das ações referidas no art. 35 e no § 1º do art. 36, do Decreto nº 2.338/97.

No entanto, em que pese a representatividade política dos consumidores no referido órgão, falta ainda o mais importante, isto é a representatividade técnica a fim de possibilitar uma efetiva participação, o que implica na existência de representantes especializados no tema e muito familiarizados com o direito do consumidor. [9]

Contudo, não se pode olvidar que a última palavra a respeito das matérias de competência da ANATEL cabe ao Conselho Diretor, independentemente de acatar as ponderações do Conselho Consultivo, conforme dispõe o inciso XIV do art. 35 do Decreto nº 2.338/97, haja vista o alto e exacerbado grau de centralização que caracteriza a ANATEL.

Além disso, a ANATEL não pode delegar poderes para outros órgãos. Veja-se a disposição do parágrafo único do art. 35:

"Art. 30- É vedado ao Conselho Diretor:

(...)

c)delegar a terceiros função de fiscalização de competência da Agência, ressalvadas as atividades de apoio;

d)delegar, a qualquer órgão ou autoridade, interna ou externa, o seu poder normativo e as demais competências previstas neste artigo, ressalvada a prevista no inciso XIX."

Tal dispositivo dificulta de forma intensa a participação efetiva dos usuários no controle social dos serviços de telecomunicações. Da forma como a agência está estruturada, dificilmente o controle da definição de políticas e da qualidade dos serviços poderá se dar de forma efetiva. A ANATEL, apesar de possuir um escritório regional em cada Estado da federação, cujas atribuições são meramente burocráticas, não tem como acompanhar o desenvolvimento da atividade das empresas, a não ser com base em informações fornecidas pela própria companhia.

De mais a mais, não se pode esquecer da questão dos preços, para o que a garantia da concorrência é fundamental. Isto porque a universalização juntamente com a qualidade na prestação de serviços de telecomunicações só é alcançada desde quando há a extensão da rede de telefonia a todas as regiões do país, mesmo aquelas com baixa densidade populacional; preço acessível, viabilizando o acesso aos serviços que estiverem à disposição, o que se obtém com o estímulo de competição entre as empresas atuantes no mercado, e com o emprego de alta tecnologia a fim de evitar que os serviços sejam prestados em níveis injustificáveis de qualidade.


5.0 - Comentários finais.

É inconteste que a fim de propiciar condições para que o Poder Público cumprisse suas atribuições constitucionais e legais, foram criadas as agências reguladoras para cada setor, buscando-se garantir a universalização e a qualidade dos serviços repassados para a iniciativa privada. Sendo assim, as leis que criaram as agências reguladoras encontram como fundamento, além do art. 175 da Constituição Federal de 1988, também a Lei de Concessões.

No entanto, por força das razões já expendidas anteriormente, a privatização deveria ser precedida pela criação e instalação de agências reguladoras autônomas, e não de forma inversa tal como ocorreu na prática, visto que a missão das referidas agências é criar condições para que a desestatização das empresas públicas ocorresse e fiscalizar a oferta desses serviços para que sejam prestados com eficiência e qualidade.

Além disso, conforme demonstrado quando tratou-se de cada setor e sua respectiva agência reguladora, a estrutura organizacional das agências é extremamente centralizada na esfera federal, sem qualquer preocupação com o grau de representatividade dos diretores – todos nomeados pelo Presidente da República.

Em virtude disso, as agências estão distantes dos problemas que acontecem e, por isso, só podem reagir de forma reativa, na medida em que só tomam contato com problemas já solidificados, em vez de conhecer os potenciais problemas de cada comunidade, através de um conduta pró-ativa, o que seria possível se estes órgãos reguladores estivessem estruturados de outra forma.

Por esta razão, levando-se em conta a insuficiência dos mecanismos de controle pela sociedade postos à disposição pelo arcabouço legal construído para o novo cenário das concessões de serviços públicos, constatamos a necessidade de serem desenvolvidos esforços no sentido de se obter a instituição de leis criando órgãos estaduais e municipais que recebam competências, concorrentemente com as agências reguladoras, propiciando o acompanhamento descentralizado da prestação dos serviços com a participação dos interessados e seus representantes.

Outro grande problema que hoje impede a eficiência na atuação das agências é o fato de que essa atuação depende de leis que definam políticas e essas leis hoje não existem, porque não foram ainda elaboradas pelo Poder Concedente.

Por outro lado, devemos destacar que, apesar da indiscutível centralização que caracteriza a atuação da ANEEL e da ANATEL, enquanto agências regulamentadas e operantes até o presente momento, disponibilizam alguns instrumentos de participação que devem ser utilizados pelos cidadãos, como é o caso da própria Comissão de Serviços Públicos de Energia, na qual encontramos o Conselho de Consumidores, e de igual forma o Conselho Consultivo conforme previsto no setor de telecomunicações, ou ainda a participação de audiências públicas obrigatórias para a decisão de questões que lhes digam respeito.

Desse modo, é necessário ressaltar a imperiosa necessidade do controle social exercido através da participação dos cidadãos, albergada pelo aparelho jurídico estatal e não meramente a manifestação espontânea dos interesses da população, principalmente através da busca da autonomia das agências reguladoras em relação ao Poder Executivo, através da sua descentralização, para que seja possível o efetivo controle social.

Por esta razão, deve-se buscar mecanismos que permitam aos usuários interferir ativamente no processo decisório em matéria de serviços públicos assim como é necessário garantir uma representatividade técnica junto às agências reguladoras, vez que a ausência de mecanismos participativos facilita o descompromisso dos tomadores de decisão em relação aos destinatários finais dos serviços prestados.

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O controle social não significa o direito de reclamação, e nem a participação pode se limitar a colher a opinião do usuário, como em regra existe no Brasil, ele deve existir a fim de possibilitar que poder seja conferido ao usuário para interferir politicamente nas decisões e não apenas figurar como parte passiva, em um processo no qual é o maior interessado.


Notas

01. PFEIFFER, Roberto Augusto Castellanos. Serviços Públicos Concedidos e Proteção do Consumidor, Revista de Direito do Consumidor, n. 36, p. 172.

02. PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Parcerias na Administração Pública: Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização e outras formas, 3. ed., São Paulo, Atlas, 1999, p. 131.

03. AMARAL, Antônio Carlos Cintra do. Agências Reguladoras de Serviços Públicos. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. I, n. 3, junho, 2001, p. 2-3, Disponível em: < http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em 01 de outubro de 2002.

04. AMARAL, Antônio Carlos Cintra do. Agências Reguladoras de Serviços Públicos. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ - Centro de Atualização Jurídica, v. I, n. 3, junho, 2001, p. 4, Disponível em: < http://www.direitopublico.com.br>. Acesso em 01 de outubro de 2002

05. Aguillar, Fernando Herren. Controle Social de Serviços Públicos, Max Limonad, São Paulo 1999, p. 211-213.

O autor faz a distinção entre concentração regulatória normativa que se refere a responsabilidade maior ou menor que assuma o Estado na imposição de normas jurídicas aos particulares no desempenho de atividades econômicas enquanto que a concentração regulatória operacional é a intensidade que o Estado avoca para si e a suas entidades a tarefa de desempenhar tarefas econômicas. Em virtude disso, acrescenta que na concessão de serviços públicos a particulares, o Estado não renuncia a prestação desses serviços, mas muito pelo contrário a fim de garantir a eficiência, a qualidade, as tarifas e a universalização na prestação de serviços públicos, existe tão somente uma desconcentração regulatória operacional. Por isso, as agências reguladoras são meras executoras de políticas públicas, permanecendo, por seu turno, a concentração regulatória normativa no controle estatal, por exigência constitucional. (grifos nossos).

06. IDEC, A Proteção do Consumidor de Serviços Públicos. São Paulo, Maxlimonad, 2002, p. 23.

07. Segundo o doutrinador Fernando Herren Aguillar, com o advento da Lei nº 8.987/95, a tarefa de regular e fiscalizar os serviços concedidos continua sendo do poder concedente, através das agências estatais, consoante o disposto do art. 29, apesar do art. 30, parágrafo único, dispor que a fiscalização do serviço será feita por órgão técnico do poder concedente ou por entidade com ele conveniada, e, periodicamente, por comissão composta de representantes do poder concedente, da concessionária e dos usuários. (ob. cit, p. 231).

08. A Lei nº 8.631, de 4 de março de 1993, por meio da qual foi promovida a reforma do setor elétrico, veio a dispor sobre a fixação dos níveis de tarifa para o setor elétrico, a extinção do regime de remuneração garantida e dar outras providências, em substituição ao antigo Código de Águas, que regulara as tarifas até então. Como resultado desse novo diploma legal, a questão dos preços, principalmente no que concerne ao subsídio cruzado entre as categorias de tarifas começou a ser invertido, ou seja, ao contrário do que estabelecia o Código de Águas, em que a categoria de consumo era subsidiada pela categoria de consumo representada pelos usuários industriais e comerciais, a partir dessa nova sistemática, quem consome menos tem pago proporcionalmente mais.

09. Conforme os ensinamentos do doutrinador Fernando Herren Aguillar, o usuário dos serviços de telecomunicações ou de energia elétrica, por exemplo, que envolvem questões tecnológicas, não tem elementos técnicos para opinar sobre a conveniência e adequação das decisões administrativas envolvendo esse serviço. Se os tivesse, ainda assim teriam dificuldades para manifestar-se institucionalmente para participar, concordando ou discordando dessas decisões. Por isso, o autor sustenta a necessidade de uma representatividade técnica dos usuários no processo de deliberação sobre assuntos de seu interesse. (p. 222).

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Sobre a autora
Alessandra Matos de Araújo

Advogada da União. Pós-Graduanda em Direito Constitucional pela Unisul/LFG. Bacharel em Direito pela Universidade Salvador (UNIFACS).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ARAÚJO, Alessandra Matos. Possibilidades de controle social relativo aos serviços públicos essenciais e a urgência de um novo regime fomentador da cultura participativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3937. Acesso em: 28 nov. 2024.

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