No Brasil, a legislação acerca do porte de arma branca teve como seu primeiro diploma legal o Decreto nº 1.246, de 11 de dezembro de 1936, que regulamentava, dentre outros assuntos, o transporte de armas, relacionando as armas proibidas, bem como as permitidas para civis, regulamentando o porte das permitidas, como ainda proibia o cidadão de portar facas(ou outras lâminas) que possuíssem mais de 10 cm de comprimento.
Por sua vez, o artigo 19 da Lei de Contravenções Penais disciplina:
Trazer consigo arma fora de casa ou de dependência desta, sem licença da autoridade: Pena - prisão simples, de 15 (quinze) dias a 6 (seis) meses, ou multa, ou ambas cumulativamente."
Vem a questão com relação ao chamado uso de arma branca.
Arma branca é “todo objeto simples ou singelo que serve de arma, para a defesa ou ao ataque, constituído de ponta(s) ou lâminas, com capacidade de perfurar ou cortar como pregos, parafusos, agulhas de costura, tricot, para fazer redes de pesca, tesouras, chaves de fenda, canivetes ou navalhas. Serão ainda consideradas armas brancas outros objetos simples ou singelos utilizados para golpear, perfurar ou cortar como pedaços de madeira, canetas ou cacos de vidro”.
Há armas brancas que podem ser com corte, espadas e machados, e ainda sem corte, como porretes.
Já se entendeu que a Lei 9.437/97 não veio para descriminalizar o porte de arma branca, apenas elevou o porte ilegal de armas de fogo, antes tipificado como contravenção penal, à categoria de crime. Se há possibilidade de utilização de faca para fins criminosos, pode se caracterizar como arma e atrair a incidência do artigo 19 da Lei das Contravenções Penais(Recurso Crime Nº 71001655117, Turma Recursal Criminal, Turmas Recursais, Relator: Alberto Delgado Neto, Julgado em 02/06/2008).
Assim se os fatos demonstram que um facão, por exemplo, uma tesoura, uma faca, é usada como arma, colocando em perigo a terceiros, é caso de aplicar o artigo 19 da Lei das Contravenções Penais.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, na análise do RC 71003473576, entendeu que “quando o portador desvirtua o uso do objeto se faz incidente a regra prevista no artigo 19 da Lei das Contravenções Penais”.
Nesse sentido tem-se entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do AgRg no HC 138975/MG, julgamento de 7 de fevereiro de 2012, Relator Ministro Og Fernandes.
Assim o entendimento, consoante se lê de julgamento no HC 1000012221733000/MG, pelas Câmaras Isoladas, do TJMG, é de que “com a edição da Lei 9.437/97 e, posteriormente, da Lei 10.826,/03, o artigo 19 da Lei de Contravenções Penais foi apenas derrogado no tocante ao porte de arma de fogo, subsistindo a contravenção quando ao porte de arma branca, porquanto aquelas leis são especiais e posteriores à Lei de Contravenções, não interferindo, objetivamente, na tipicidade da contravenção de porte de arma”.
Projetos há que visam criminalizar o uso de armas brancas em via pública.
O PL 2967, do Deputado Lincoln Portela (PR-MG), com apenas 02 artigos, estabelece em seu artigo 1º. que:
Art. 1º - Fica proibido o porte de arma branca em via pública:
Pena – detenção de três meses a um ano e multa.
§ 1º Entende-se como arma branca, todo instrumento, constituído de lâmina de qualquer material cortante ou pérfuro-cortante, tendo dez ou mais centímetros de comprimento.
§ 2º Não constitui o crime tipificado no caput o transporte de objeto, que possa ser considerado arma branca, entre o seu local de depósito e o local de sua adequada utilização e vice-versa.
Na lição do Professor Hélio Gomes (Medicina Legal, 18ª edição, pág. 547) os instrumentos perfurantes e perfuro-cortantes podem produzir lesões. Esses instrumentos caracterizam-se por sua extremidade punctiforme e pelo predomínio do comprimento sobre a largura e a espessura. Podem ser:
Instrumentos perfurantes propriamente ditos, de forma cilíndrica e cilindro-cônica, tais como os pregos, as agulhas, os alfinetes etc;
Instrumentos pérfuro-cortantes: Estes além de perfurar o organismo, ainda exercem lateralmente ação de corte. São representados pelas facas, punhais, canivetes etc. Compreendem dois grupos: os instrumentos pérfuro-cortantes de um só gume ou de um só bordo cortante; instrumento pérfuro-cortantes de dois gumes ou de dois bordos cortantes;
Instrumentos de ponta e de arestas, contendo várias faces (quatro, cinco, ou mais) e três ou mais ângulos diedros. É o caso de objetos como limas, os floretes, certos estoques, baionetas etc.
Veja-se o caso, por exemplo, das lesões produzidas no tórax. Observem-se os ferimentos produzidos na pleura e nos pulmões. Quando se trata de armas de diâmetro reduzido e que atingem apenas a superfície do pulmão, o ferimento apresenta caráter benigno, desde que não sobrevenham complicações sépticas.
Claro que instrumentos mais volumosos podem provocar, quando atingem o tórax, quando manejados com maior violência, lesões dos brônquios e de vasos mais calibrosos, surgindo, em consequência disso, hemoptises, hemotórax, isto é coloração sanguínea dentro das pleuras, comprimindo o pulmão, que se reduz de volume, enfisema subcutâneo, o que vale dizer que o ar se insinua debaixo da pele e o indivíduo, em alguns casos, toma aspecto volumoso e se assemelha a um batráquio, como explicou o Professor Hélio Gomes.
Com a impressionante ocorrência de lesões produzidas por essas armas brancas surge um clamor na sociedade no sentido de criminalizar o seu porte. Há caso de morte em fato rumoroso ocorrido recentemente.
Mas o tratamento entre crime e contravenção é claro.
A Lei de Contravenções Penais, Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941, utilizou-se do critério meramente formal, baseado na distinção da gravidade da pena; há crime se a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; há contravenção, se a pena cominada é a prisão simples ou a de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.
Em verdade, a rigor, não existe diferença entre crime e contravenção, espécies distintas do gênero infração penal, pois não há um elemento de ordem ontológico que encerre uma essência natural em si mesmo. Para Nelson Hungria, a contravenção é um crime-anão, mas o critério de rotulação de uma conduta é essencialmente de política criminal. O que hoje se considera crime, amanhã poderá ser contravenção, ou vice-versa. O porte de arma é hoje crime, do que se lê do artigo 10, da Lei nº 9.437, de 20 de fevereiro de 1997, e não mais contravenção.
Leandro Prado (Resumo de direito penal, parte geral, 4ª edição, 2010) faz algumas diferenças:
a) A ação penal, no crime, é pública ou privada(artigo 100, CP); na contravenção, é pública incondicionada(artigo 17, LCP);
b) No crime, a competência para instruir e julgar pode ser da Justiça Estadual ou Federal; na contravenção, só a Justiça Estadual, exceto se o réu tem foro por prerrogativa de função na Justiça Federal;
c) No crime, a tentativa é punível (artigo 14, parágrafo único do CP); na contravenção, não é punível(artigo 4º , LCP);
d) No crime, a extraterritorialidade é possível (artigo 7º, CP); na contravenção, a Lei brasileira não a alcança se o fato delituoso ocorre no exterior (artigo 2º, LCP);
e) No crime, a pena de privativa de liberdade é de reclusão ou detenção (artigo 33, CP); na contravenção, há incidência de prisão simples (artigo 6º, LCP);
f) No crime, o limite temporal da pena, é de 30 anos (artigo 75, CP); na contravenção, é de cinco anos(artigo 10, LCP);
g) No crime, para cálculo do sursis, há a incidência de 2 a 4 anos (artigo 77, CP); na contravenção, de 1 a 3 anos (artigo 11, LCP).
É certo que a Súmula nº 38 do Superior Tribunal de Justiça cristaliza entendimento de que compete à Justiça Estadual Comum, na vigência da Constituição de 1988, o processo por contravenção penal, ainda que praticada em detrimento de bens, serviços ou interesse da União ou de suas entidades.
Noticia-se que há movimentação na Câmara dos Deputados para desengavetar um projeto de lei, apresentado há onze anos, que criminaliza o porte de arma branca nas ruas. Fala-se que o texto deve merecer emendas uma vez que é considerado brando. Defende-se que a pena mínima seja de três anos, de modo a que o acusado de porte de facas ou qualquer objeto cortante seja mantido preso.
Ora, ele somente será mantido preso se estiver enquadrado dentro dos limites dos artigos 312 e 313 do Código Penal.
Não cabe prisão preventiva em caso de crimes culposos, contravenção penal ou se no caso concreto está presente qualquer causa de exclusão de ilicitude.
Hoje é esse o quadro presentemente com relação a matéria.