1 - INTRODUÇÃO
É consabido que a Constituição da República Federativa do Brasil acolheu a presunção de que prévia licitação produz a melhor contratação – entendida como aquela que assegura a maior vantagem possível à Administração Pública, com observância do princípio da isonomia, dentre outros. Mas a própria Constituição se encarregou de limitar tal presunção, facultando contratação direta nos casos previstos por Lei. (art. 37, XXI, da CRFB).
Nesse leque, uma das hipóteses previstas na Lei 8.666/1993 (Regulamento Licitatório), de Contratação Direta é a Dispensa de Licitação (DL) Emergencial ou por Calamidade Pública, disciplinada no art. 24, IV, daquele diploma legal. Mas esse instrumento de flexibilização da regra de licitar seria de fato para garantir maior eficiência à Gestão em casos urgentes? Ou é mais um dos artifícios legais para os meandros dos gestores mal intencionados?
Desta forma, o objetivo desse trabalho será apresentar e discutir de forma breve e dinâmica algumas questões acerca da retro citada Dispensa de Licitação: previsão legal e definição, o caso polêmico da emergência “fabricada”, principais riscos e cuidados, prazos, impossibilidade de prorrogação, termo inicial para contagem do prazo, justificativa do preço e escolha do fornecedor, de acordo com a Legislação, Doutrina e Jurisprudência atuais.
2 – DISPENSA DE LICITAÇÃO (DL) EMERGENCIAL
2.1 – PREVISÃO LEGAL E DEFINIÇÃO
O art. 24, IV, da Lei 8.666/1993 (Estatuto Licitatório) estipula que é dispensável a licitação nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos.
A Carta Magna de 1988 (art. 37, XXI) acolheu a presunção de que prévia licitação produz a melhor contratação, entendida como aquela que assegure a maior vantagem possível ao Estado, com observância ao princípio da isonomia. Entretanto a própria Constituição se encarrega de limitar tal presunção, facultando a contratação direta nos casos previstos em lei.
Nesse diapasão, a Contratação em situação emergencial ou de calamidade pública estampada no art. 24, IV, do Estatuto Licitatório traz uma das hipóteses da modalidade de Contratação Direta, Dispensa de Licitação, previstas/permitidas em Lei, ou seja, flexibilização (exceção) da regra da constitucional da Licitação.
De acordo com a lição do professor Marçal Justen Filho a dispensa de licitação verifica-se em situações em que, embora viável a competição entre particulares, a licitação afigura-se objetivamente incompatível com os valores norteadores da atividade administrativa. Em contrapartida, a licitação produz benefícios para a Administração, os quais consistem em que a esta efetivará (em tese) contratação mais vantajosa do que realizaria se a licitação não tivesse existido. A dispensa de licitação decorre do reconhecimento por lei de que os custos inerentes a uma licitação superam os benefícios de que dela poderiam advir. A lei dispensa a licitação para evitar o sacrifício dos interesses coletivos e supraindividuais. (JUSTEN FILHO, 2012, p. 334)
Segundo ainda o mesmo autor, no caso em tela,
Emergência significa necessidade de atendimento imediato a certos interesses. Demora em realizar a prestação produziria risco de sacrifício de valores tutelados pelo ordenamento jurídico. Como licitação pressupõe certa demora para seu trâmite, submeter a contratação ao processo licitatório propiciaria a concretização do sacrifício a esses valores. (JUSTEN FILHO, 2012, p. 339)
Para o ilustre professor Hely Lopes Meirelles (2007, p. 281), a emergência caracteriza-se pela urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízos ou comprometer a incolumidade ou a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, exigindo rápidas providências da Administração para debelar o minorar suas conseqüências lesivas à coletividade. Por seu turno, calamidade pública é a situação de perigo e de anormalidade social decorrente de fatos da natureza, tais como inundações devastadoras, vendavais destruidores, epidemias letais, secas assoladas e outros eventos físicos flagelantes que afetem profundamente a segurança ou a saúde públicas, os bens particulares, o transporte coletivo, a habitação ou o trabalho em geral.
Vale trazer à baila, ainda, a jurisprudência do Tribunal de Constas da União (TCU):
A obrigação de licitar não é mera formalidade burocrática, decorrente apenas de preceitos legais. Ela se funda em dois princípios maiores: os da isonomia e da impessoalidade, que asseguram a todos os que desejam contratar com a administração a possibilidade de competir com outros interessados em fazê-lo, e da eficiência, que exige a busca da proposta mais vantajosa para a administração.
Assim, ao contrário do afirmado nas justificativas apresentadas, a licitação, além de ser exigência legal, quando bem conduzida, visa - e permite - a obtenção de ganhos para a administração. E quando a possibilidade de prejuízos existe, a própria lei, novamente com base no princípio da eficiência, prevê os casos em que o certame licitatório pode ser dispensado. (BRASIL. TCU. Acórdão 34/2011)
2.2 – PRESSUPOSTOS DA CONTRATAÇÃO DIRETA EM SITUAÇÃO DE EMERGÊNCIA OU CALAMIDADE PÚBLICA
De acordo com Marçal (2012, p. 339-340), para a dispensa da licitação em situação emergencial ou de calamidade pública, incumbe à Administração avaliar a presença de dois requisitos, de acordo com a previsão legal e orientações do TCU, a saber:
a) Demonstração concreta e efetiva da potencialidade do dano: a urgência deve ser concreta e efetiva. Não se trata de urgência simples teórica. Deve-se evidenciar a situação concreta existente, indicando os dados que evidenciam a urgência.
Assim, verificada e constatada a necessidade emergencial da execução do objeto, o qual não poderá aguardar a delonga temporal da licitação regular, o Gestor Público poderá realizar a Contratação por meio da DL Emergencial.
Não obstante, a expressão prejuízo deve ser interpretada com cautela. Não é qualquer prejuízo que autoriza dispensa de licitação. O prejuízo deverá ser irreparável. Caberá comprovar se a contratação imediata evitará, de fato, prejuízos que não possam ser recompostos posteriormente. O comprometimento à segurança significa o risco de destruição ou sequelas à integridade física ou mental de pessoas ou, quanto a bens, o risco de seu perecimento ou deterioração.
Nessa linha, a jurisprudência do TCU não é diferente:
No caso em tela, a situação emergencial legitimaria a contratação direta com fundamento no art. 24, inciso IV, da Lei nº 8.666/1993, desde que constasse nos autos do processo administrativo demonstração, com base em fatos, de que a situação que justifica a contratação direta qualifica-se como emergência ou calamidade pública, estando caracterizada urgência de atendimento de situação que poderia ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares. (BRASIL. TCU. Acórdão 4.458/2011)
Não se admite o pressuposto fático teórico como argumento para contratação urgente por dispensa, pois a emergência tem que ser concreta e imediata, a exemplo do desabamento de parte do muro de um presídio, possibilitando a fuga de presos. Nessa hipótese estaria autorizada a contratação por dispensa, apenas para as obras e serviços necessários à contenção da situação emergencial, sem prejuízo de realizar processo licitatório para reformar todo o muro do presídio à posteriori. (BRASIL. TCU. Acórdão 300/2004)
b) Demonstração de que a contratação é via adequada e efetiva para eliminar o risco: Deverá se expor a relação de causalidade entre a ausência de contratação e a ocorrência de dano, ou, mas precisamente, a relação de causalidade entre a contratação e a supressão do risco de dano.
A contratação emergencial deve prestar-se a evitar a concretização do dano. Isso exige que a Administração demonstre não apenas a necessidade da contratação, mas também sua utilidade. Ou seja, deverá indicar as medidas concretas através das quais a contratação evitará a concretização do dano. Deverá ser precedida de todas as justificativas não apenas sobre a emergência, mas sobre a viabilidade concreta de atender à necessidade pública.
Nessa esteira e de acordo com a ressalva de Antônio Carlos Cintra do Amaral (1993, p. 189), não se pode ignorar que a urgência da contratação retrata a urgência na execução do contrato. Devendo a Administração, destarte, adotar a solução compatível com a necessidade que conduz à contratação.
Carlos Ari Sundfeld (1995, p. 65) sugere, ainda, que, em se podendo encurtar prazos e adotar modalidade de licitação mais rápida, deve-se fazê-lo, em vez de dispensar a licitação.
2.3 – EMERGÊNCIA “FABRICADA” (DESÍDIA ADMINISTRATIVA)
Marçal também chama a atenção para a questão da “emergência fabricada”, "em que a Administração deixa de adotar tempestivamente as providências necessárias à realização de licitação previsível" (2012, p. 241). Note-se que na hipótese de emergência fabricada, ainda que não haja má-fé, os responsáveis respondem administrativa e civilmente pela ilegalidade cometida, inclusive com relação aos possíveis prejuízos acarretados.
Entretanto e à luz do entendimento do TCU e da doutrina (MARÇAL, 2012, p. 241; Lorenzetti, 2010; FIGUEIREDO; FERRAZ, 1994, p. 49), isso não significa afirmar a possibilidade de sacrifícios de interesses perseguidos pelo Estado em consequência da desídia ou incúria do administrador. Havendo risco de lesão a interesses, a contratação deve ser realizada por DL, punindo-se o agente que não adotou as cautelas necessárias.
A título de reforço, cabe também destaque à jurisprudência do TCU:
São pressupostos da aplicação do caso de dispensa preconizados no art. 24, IV, da mesma Lei: a.1) que a situação adversa, dada como de emergência ou de calamidade pública, não se tenha originado, total ou parcialmente, da falta de planejamento, da desídia administrativa ou da má gestão dos recursos disponíveis, ou seja, que ela não possa, em alguma medida, ser atribuída à culpa ou dolo do(s) agente(s) público(s) que tinha(m) o dever de agir para prevenir a ocorrência de tal situação (...). (BRASIL. TCU. Acórdão 347/1994)
Nesse mesmo sentido, os Acórdãos 300/1995 e 771/2005 do TCU esclarecem que “a falta de planejamento do administrador não é capaz de justificar a contratação emergencial” e os Acórdãos 138/1998 e 1.138/2011 ressaltam que “não pode o administrador incorrer em duplo erro: além de não planejar as suas atividades, permitir que a sua desídia cause maiores prejuízos à Administração e/ou a terceiros”.
Com relação à responsabilização do administrador público, o TCU se posiciona da seguinte forma:
Cumpre destacar a evolução jurisprudencial deste Tribunal acerca da matéria, mediante o Acórdão n. 46/2002 - Plenário, no sentido de se atribuir o mesmo tratamento, quanto à possibilidade de contratação direta amparada no artigo 24, IV, da Lei n. 8.666/93, tanto à emergência "real", resultante de fatos novos e imprevisíveis, quanto àquela resultante da incúria ou inércia administrativa. Não obstante, nesta segunda hipótese, deve-se analisar a conduta do agente público que não adotou tempestivamente as providências para fins de responsabilização. (BRASIL. TCU. Acórdão 2.369/2010)
O entendimento de que, uma vez constatada a situação emergencial, a licitação deve ser dispensada, não afasta a apuração da responsabilidade dos administradores que incorreram em desídia ou má gestão, contribuindo para que o quadro se tornasse crítico. Nesse sentido, não há contradição entre a conclusão da escorreita realização de contratação por meio de dispensa de licitação, que ora apresento, e a realização de audiência dos responsáveis pela incúria, caracterizada pela demora na realização do procedimento licitatório. (BRASIL. TCU. Acórdão 2.705/2008)
Nesse mesmo sentido, a Advocacia-Geral da União expediu a Orientação Normativa 11/2009, com o seguinte teor: “A contratação direta com fundamento no inc. IV do art. 24 da lei nº 8.666, de 1993, exige que, concomitantemente, seja apurado se a situação emergencial foi gerada por falta de planejamento, desídia ou má gestão, hipótese que, quem lhe deu causa será responsabilizado na forma da Lei”.
Desta forma, havendo constatação da existência de falha administrativa no tocante ao planejamento da licitação não poderá impedir a contratação emergencial quando existir risco de danos irreparáveis a pessoas ou bens. Caberá, assim, promover a contratação direta, ainda que diante da emergência “fabricada” (por desídia ou incúria), objetivando evitarem-se maiores prejuízos à Administração, e, em seguida, instaurar processo administrativo para verificar o cabimento da responsabilização dos agentes públicos que deixaram de promover as medidas necessárias e adequadas para instaurar a licitação tempestiva.
2.4 – DA IMPOSSIBILIDADE DE PRORROGAÇÃO DOS CONTRATOS ORIUNDOS DA DL EMERGENCIAL
Da leitura do art. 24, IV, da Lei 8.666/1993, extrai-se elucidamente que os contratos firmados por DL Emergencial estão limitados a 180 dias consecutivos e ininterruptos, sendo vedada a prorrogação dos respectivos contratos.
Nesse diapasão, vale trazer à lume a orientação exarada pelo TCU: “Não é permitida prorrogação dos contratos respectivos. Exemplo: contrato firmado por noventa dias, não pode ser prorrogado por mais noventa dias, a fim de completar os 180 dias previstos na norma. Deve ser feito novo contrato, mas não prorrogação”. (2010, p. 594)
Com vistas a corroborar com tal assertiva, cabe trazer à colação algumas outras jurisprudências da Corte de Contas:
A nosso ver as razões apresentadas são insuficientes para justificar o demorado atraso na realização da licitação. O mais grave, no entanto, é que essa demora levou a prorrogação de um contrato emergencial, o que é expressamente vedado pelo inciso IV, art. 24 da Lei n? 8.666/93. (BRASIL. TCU. Acórdão 87/1999)
Sobre a prorrogação de prazo do Contrato n. xx/xxxx, baseado em dispensa de licitação por emergência, creio que a tese de permitir prorrogações sucessivas dentro do prazo de 180 dias faz com que o disposto no inciso IV do art. 24 da Lei nº 8.666/93 perca o sentido, pois o prazo poderia ser interrompido, recaindo em interpretação contra a lei, que deve ser afastada. (BRASIL. TCU. Acórdão 1059/2005)
Forçoso consignar que as contratações fulcradas nesse dispositivo não podem ter vigência superior a 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos. Não sendo permitida qualquer prorrogação, mesmo que a vigência inicial tenha sido inferior a esse prazo. (BRASIL. TCU. Acórdão 3.095/2008)
Na mesma trilha, a doutrina converge com as orientações da Corte de Contas da União. De acordo com Jorge Ulisses Jacoby Fernandes (2009, p. 340), mesmo na ocorrência de qualquer fato alheio à vontade das partes, o tempo do ajuste conta-se de forma contínua, em dias consecutivos e ininterruptos, contados os 180 dias do fato, numa homenagem à hermenêutica literal. No mesmo prazo, porém, poderá ser firmado mais de um contrato, se persistirem os requisitos previstos para tanto.
Assim, o contrato emergencial, além de pressupor urgência provocada por emergência ou calamidade pública, revela caráter provisório, na medida em que serve apenas para evitar o perecimento do interesse público, concedendo tempo à Administração para concluir o regular processo de licitação. Sendo vedado terminantemente pela Lei 8.666/1993 que os contratos emergências oriundos de DL, com fundamento no art. 24, IV, sejam prorrogados. Tendo o legislador impedido tal prorrogação em virtude da pressuposição de que 180 dias constituem período suficiente para ultimar o devido processo de licitação. (NIEBUHR, 2008, p. 77)
2.5 – TERMO A QUO PARA CONTAGEM DO PRAZO MÁXIMO DE 18O DIAS
Cabe enfatizar que o contrato de caráter emergencial deve ser realizado no prazo máximo de 180 dias contatos da data da ocorrência da emergência e não da assinatura do contrato, com fulcro na prescrição da norma inserta no art. 24, IV, do Estatuto Licitatório.
Nessa trilha, não é outra a jurisprudência do TCU:
As parcelas de obras e serviços contratados por meio da dispensa de licitação prevista no item anterior devem ser concluídas no prazo máximo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, sendo vedada a prorrogação dos respectivos contratos. (BRASIL. TCU. Acórdão 1.424/2007)
Joel Menezes Niebuhr leciona que:
Agregue-se que ao prazo de 180 dias conta-se da data da emergência ou calamidade pública, em dias consecutivos e ininterruptos. Por ilação, não é correto afirmar que o prazo de duração do contrato é de 180 dias, dado que normalmente, mesmo diante de situações urgentes, a Administração leva algum tempo para firmá-lo. Como o prazo é contado da data da emergência ou da calamidade, se a Administração demora, por suposição, 15 dias para ultimar o contrato, o prazo de duração dele é de apenas 165 dias. (2008, p. 77)
2.6 – JUSTIFICATIVA DO PREÇO E DA ESCOLHA DO FORNECEDOR
Necessário destacar que a instrução de um procedimento de Dispensa de Licitação, com supedâneo no art. 24, IV, da Lei 8.666/1993, deve observar, sobremaneira, os termos do art. 26 do mesmo diploma legal, senão vejamos:
Art. 26. As dispensas previstas nos §§ 2º e 4º do art. 17 e no inciso III e seguintes do art. 24, as situações de inexigibilidade referidas no art. 25, necessariamente justificadas, e o retardamento previsto no final do parágrafo único do art. 8º desta Lei deverão ser comunicados, dentro de 3 (três) dias, à autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de 5 (cinco) dias, como condição para a eficácia dos atos.
Parágrafo único. O processo de dispensa, de inexigibilidade ou de retardamento, previsto neste artigo, será instruído, no que couber, com os seguintes elementos:
I - caracterização da situação emergencial ou calamitosa que justifique a dispensa, quando for o caso;
II - razão da escolha do fornecedor ou executante;
III - justificativa do preço.
IV - documento de aprovação dos projetos de pesquisa aos quais os bens serão alocados. (Grifamos)
Como se pode observar, a ausência de licitação não significa contratação informal, pois é necessário procedimento prévio com certas etapas e finalidades. Não podendo a Administração dispor da ordem legal e regulamentar estabelecida, no sentido de ignorá-las ou inová-las segundo particulares interesses, mesmo diante de contratações diretas, em obediência aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, igualdade, publicidade e probidade administrativa impostos.
Nesse espeque, importa transcrever a doutrina de Antônio Roque Citadini:
Conquanto esteja desobrigado de cumprir tais etapas formais, não estará o administrador desobrigado da obediência aos princípios básicos da contratação impostos à Administração Pública. Assim, será sempre cobrada ao administrador a estrita obediência aos princípios: da legalidade (a dispensa deverá ser prevista em lei e não fruto de artimanhas do administrador para eliminar a disputa); da impessoalidade (a contratação direta, ainda que prevista, não deverá ser objeto de protecionismo a um ou outro fornecedor); da moralidade (a não realização das etapas de licitação não elimina a preocupação com o gasto parcimonioso dos recursos públicos, que deve nortear a ação do administrador); da igualdade (a contratação direta não significa o estabelecimento de privilégios de um ou outro ente privado perante a Administração); da publicidade (embora restrita, a contratação direta não será clandestina ou inacessível, de modo que venha a impedir que dela conheçam os outros fornecedores, bem como, os cidadãos em geral); e da probidade administrativa (que é o zelo com que a Administração deve agir ao contratar obras, serviços ou compras). (1999, p. 311)
Destarte, o Gestor Público deve agir com a máxima cautela e zelo ao decidir pela contratação direta, porque é crime dispensar licitação fora das hipóteses descritas e permitidas pela Lei, ou deixar de observar as formalidades pertinentes, a teor do disposto no art. 89 da Lei 8.666/1993, além da possibilidade de incorrer em aplicação de multa aos responsáveis, consoante o art. 58 da Lei 8.443/1993. (BRASIL. TCU. Acórdão 1.379/2007).
Por seu turno, urge destacar, ainda, a jurisprudência da Egrégia Corte de Contas, em alinhamento com assunto:
Zele para que os processos de dispensa de licitação, motivados por situação emergencial (art. 24, IV, da Lei 8.666/93), sejam necessariamente justificados, e comunicados dentro de três dias a autoridade superior, para ratificação e publicação na imprensa oficial, no prazo de cinco dias, como condição para eficácia dos atos, instruindo-os com os seguintes elementos: caracterização da situação emergencial ou calamitosa que tenha justificado a dispensa, quando for o caso; razão da escolha do fornecedor ou executante; e justificativa do preço (art. 37, caput, da Constituição Federal, art. 26, caput, parágrafo único, I, II e III, da Lei 8.666/93). (BRASIL. TCU. Acórdão 2.387/2007)
Faça constar dos processos de dispensa de licitação, especialmente nas hipóteses de contratação emergencial, a justificativa de preços a que se refere o inciso III do art. 26 da Lei 8.666/1993, mesmo nas hipóteses em que somente um fornecedor possa prestar os serviços necessários à Administração, mediante a verificação da conformidade do orçamento com os preços correntes no mercado ou fixados por órgão oficial competente ou, ainda, com os constantes do sistema de registro de preços, os quais devem ser registrados nos autos, conforme Decisão TCU 627/1999 - Plenário. (BRASIL. TCU. Acórdão 2.965/2009)
Assim sendo, a justificativa fundamenta do preço, escolha do fornecedor, bem como as demais hipóteses contidas ao parágrafo único do art. 26 da Lei 8.666/1993, aqui analisados, estão a compor, de acordo com o Colendo Tribunal de Contas e doutrina, um mínimo exigido da autoridade contratante para dar seguimento e validade ao procedimento administrativo que vise a declarar e justificar a dispensa de licitação, com o claro comando normativo que demonstra que tais ocorrências não são sinônimos de isenção de um procedimento absolutamente formal que deve ser seguido pela Administração, sob pena de nulidade dos atos praticados. (DI PIETRO; RAMO; SANTOS; D’ÁVILA, 2006, p. 112)
3 – CONCLUSÃO:
Como visto alhures, a DL emergencial ou por calamidade pública explicitada no art. 24, IV, da Lei 8.666/1993 é uma das hipóteses da modalidade de Contratação Direta, sendo também uma das exceções de flexibilização da regra constitucional da Licitação, objetivando evitar prejuízos ou maiores prejuízos à Administração.
Dois pressupostos devem estar presentes nesta DL, demonstração concreta e efetiva da potencialidade do dano/urgência e demonstração de que a contratação emergencial é via adequada e efetiva para mitigação dos riscos.
Outro ponto que merece grande cautela é com relação à chamada “emergência fabricada”, em que o Gestor Público deixa de adotar tempestivamente as providências necessárias à realização de licitação regular, ou seja, ocorre quando o administrador age com desídia ou incúria. Entretanto, isso não significa afirmar possibilidade de sacrifícios da Administração. Havendo riscos de lesão ao interesse público, a contratação deve ser realizada por DL, punindo e responsabilizando o agente que não adotou as cautelas necessárias, de acordo com o entendimento da doutrina e jurisprudência do TCU.
Com relação aos contratos oriundos da DL emergencial, outros cuidados também se fazem necessários: (1) quanto à impossibilidade de prorrogação, tais contratos devem ser firmados por prazo até 180 dias consecutivos e ininterruptos; (2) o termo inicial para contagem do prazo é a partir do fato gerador, ou seja, data da ocorrência da emergencial e não a partir da assinatura do contrato; e (3) justificativa do preço e da escolha do fornecedor, de acordo com o parágrafo único do art. 26 da Lei 8.666/1993, como um mínimo exigido para prosseguimento do ato e em respeito aos princípios básicos constitucionais, mormente, isonomia, moralidade, probidade e impessoalidade.
Sem dúvida, todas essas cautelas, de acordo com a doutrina e orientações do TCU, objetivam tutelar a administração, bem como, resguardar o administrador, como formar de evitar, sobretudo, que um instrumento para dar maior eficiência à máquina pública, nos casos de emergência ou calamidade pública, com alto risco de danos e prejuízos irreparáveis a bens ou a pessoas, seja utilizado como meandro de gestores desidiosos ou mal intencionados, até porque, sobretudo, a DL emergencial é uma exceção justificada para proteção da sociedade e do bem comum, ou seja, é o sacrifício de um bem menor (licitação) em prol de um bem maior (sociedade), o que está alinhado com os pilares constitucionais, como visto.
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