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O direito de empresa e o novo Código Civil

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01/04/2003 às 00:00
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"Atiçar dúvidas. Enquanto as temos, o espírito estará aberto para novas verdades".

"Todo assunto possui argumentos contrários".


Sociedade e empresa

Antes de entrar no assunto propriamente dito, que é, como se tem comentado, "a matéria da moda", parece-me oportuno fazer algumas considerações preliminares sobre SOCIEDADE e EMPRESA, valendo-me, para tanto, dos ensinamentos do Prof. Darcy Arruda Miranda Jr., extraídos do seu Curso de Direito Comercial.

Aparentemente elas têm entre si uma intimidade, se assim podemos dizer, que pode levar um observador mais apressado a equipará-las. Na realidade, em ambas, a característica mais saliente é a atividade econômica. Levando-se em conta que muitos autores consideram a sociedade como uma forma de exercício coletivo da empresa, é de suma relevância estabelecer-se, desde logo, a existência ou não de possíveis diferenças entre elas.

Não há a menor dúvida de que a sociedade e a empresa normalmente coexistem, embora se deva admitir a possibilidade, mais teórica do que prática, de uma sociedade sem empresa, - uma sociedade constituída para a realização de um só ato, por exemplo – como pode acontecer nas chamadas sociedades acidentais (parágrafo único do art. 981 do Novo Código Civil-NCC), pois, ressalte-se, às sociedades constituídas para um único negócio não se pode atribuir a qualidade de empresária, dado que inexiste, no caso, uma empresa (Remo Franceschelli, Imprese e Imprenditori, 3ª. edição, 1.964, Editora A. Giuffrè, Milão). Não se deve esquecer também do caso da sociedade que, constituída, permanece inerte, sem desenvolver objeto social.

É inquestionável que existem entre sociedade e empresa conexões muito próximas, a ponto de ser difícil conceber uma sociedade sem empresa. Entretanto, não se pode deixar de reconhecer que entre as mesmas haja diferenças nítidas.

Para o Prof. Darcy Arruda Miranda Jr., seguindo o entendimento de Franceschelli, a empresa não é sujeito nem objeto de direito. A sociedade, contudo, quando regularmente constituída e arquivada no registro peculiar, dá nascimento a uma pessoa jurídica.

Já para Fran Martins, a empresa é objeto de direito e não sujeito de direito.

Deve-se considerar, também, que a extinção da empresa não importa, pelo menos do ponto de vista legal, na liquidação da sociedade, dado que, enquanto não se pode falar em empresa destituída de atividade, é possível dizer-se tal relativamente à sociedade.

A sociedade é constituída para o exercício de uma atividade, contrariamente à empresa que é, justamente, o exercício de uma atividade.

Deve-se assinalar, outrossim, que as obrigações assumidas pelos sócios relativamente a terceiros, em decorrência do contrato social, prevalecem, ainda que a empresa não tenha sido constituída ou jamais venha a sê-lo, em conseqüência do não início das atividades sociais, ou, em outras palavras, os efeitos jurídicos decorrentes da constituição da sociedade não estão condicionados à criação ou não da empresa (Lorenzo Mossa, Trattato Del Nuovo Diritto Commerciale, 1.951, Editora Antonio Milani, Padova).

O certo é que, segundo o Prof. Nelson Abrão, "nos últimos anos surgiu no direito comercial a noção de empresa, a qual foi consagrada pelo Código Comercial Italiano de 1942. De alguns tempos para cá, se passou a encarar o aspecto objetivo da atividade empresarial, passando a perder importância o aspecto subjetivo, razão pela qual não só os doutrinadores, como os legisladores, entendem que muito mais que o aspecto contratual, o que se precisava salvaguardar era a organização empresarial, que é muito mais complexa, que transcende a figura de seu titular, porque compreende o complexo de interesses, de pessoas, dependentes, assalariados, o próprio fisco, fornecedores, clientes, compradores, etc.

A empresa é pois uma instituição complexa, mas no momento em que aquele que a criou, o empresário, a coloca em movimento, a sua figura fica relegada a um plano secundário".

Daí a afirmação de Egberto Lacerda Teixeira, ao tratar da sobrevivência da sociedade com um único sócio, de que a " empresa vive de uma vida a tal ponto autônoma e independente da dos indivíduos que a compõem".

Entre nós, sob o aspecto legislativo, a figura da empresa não é desconhecida, pois dispõe o artigo 2º da CLT que "considera-se empregador a EMPRESA, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços. Parágrafo primeiro: equipara-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados. Parágrafo segundo: sempre que uma ou mais EMPRESAS, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas".

Observe-se que o legislador trabalhista comete engano ao fazer a indicação de empresa individual ou coletiva, eis que o que existe, na realidade, é empresário individual ou coletivo (sociedade). Além do mais, a empresa, em si, não tem personalidade jurídica.

Mesmo assim, é importante tal referência, já que fica demonstrado que é o empresário (empregador) quem articula (organiza) os fatores de produção, dentre os quais o trabalho de outrem.

Concluindo, SOCIEDADE e EMPRESA não são expressões sinônimas, embora utilizadas, como tal, constantemente, na prática.


Sociedade simples e sociedade empresária

Pois bem. Feitas essas colocações, passemos, então, ao estudo do Direito de Empresa em face da nova legislação civil pátria.

Trata-se de um projeto, identificado como Projeto nº 634-B/75, que tramitou no Congresso Nacional por mais de 25 (vinte e cinco) anos, resultando na Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2.002. Daí algumas críticas de que a mesma já tenha nascido velha, o que não é bem verdade, pois, se há nela pontos negativos, há, também, pontos positivos.

O NCC possui 2.046 artigos, dos quais 229 são dedicados ao Direito de Empresa.

No entanto, no entender do Ministro Francisco César Asfor Rocha, do STJ, em recente palestra proferida no IV Congresso de Notários e Registradores, realizado em Fortaleza/CE, no mês de novembro próximo passado, do qual participei, em que pese alguns elogios que fez ao novo texto legal e a necessidade de certas modificações em razão do tempo em que o Código Civil vigente foi elaborado (1.916), talvez esteja sendo precipitado a entrada em vigor do NCC já neste mês de janeiro de 2.003, eis que determinadas matérias foram tratadas com evidente retrocesso, sendo outras bastante polêmicas, como no caso do Livro II, que trata do Direito de Empresa. Haja vista o grande número de emendas propostas no curso do prazo da "vacatio legis", especialmente no tocante ao direito societário, mais precisamente em relação à sociedade por quotas de responsabilidade limitada, onde as controvérsias que poderiam, eventualmente, existir sobre a matéria, já se acham devidamente pacificadas, conforme concluiu o eminente Ministro.

É importante destacar que, mesmo antes da entrada em vigor do NCC, várias são as propostas legislativas de reformá-lo encaminhadas ao Congresso Nacional, dentre as quais o PL nº 6.960/2002 (Fiuza 1), o PL nº 7.160/2002 (Fiuza 2), esta de autoria do CESA (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados), e o PL nº 7.312/2002 (Fiuza 3), todas encaminhadas pelo deputado Ricardo Fiuza. Estas propostas visam elidir os aspectos controversos da nova legislação e diminuir sua complexidade.Dentre as divergências surgidas em face da nova legislação, a primeira delas está, justamente, na data inicial de sua vigência: 10, 11 ou 12 de janeiro de 2.003.

A mim me parece que 11 de janeiro seja a data correta, conforme demonstrado no texto do Dr. Vladimir Aras, Promotor de Justiça do MP da Bahia, publicado no "site" Consultor Jurídico e no Boletim nº 10, ano I, do CDT-Centro de Estudos e Distribuição de Títulos e Documentos de São Paulo, fundamentado na Lei Complementar nº 95/98, art. 8º, parágrafos 1º e 2º, com a redação dada pela Lei Complementar nº 107/01.

Outra questão polêmica é a distinção entre sociedade simples e sociedade empresária, da qual tratarei na seqüência. Creio mesmo que, antes de nos preocuparmos com as inovações observadas nas sociedades por quotas de responsabilidade limitada, deveríamos procurar chegar, primeiramente, a esta diferenciação.

Mas, enquanto as emendas não forem aprovadas, temos que, com o NCC há, por assim dizer, uma unificação do Direito Privado (Civil e Comercial) em matéria de direito societário, eis que, ao tratar, no Livro II, do Direito de Empresa, o legislador decidiu por fazer com que o novo diploma civil reunisse a legislação completa aplicável a todos os tipos de sociedades, exceto para aquelas regidas por leis especiais, como é o caso das sociedades anônimas.

Com a teoria da empresa adotada pelo artigo 966 do NCC, busca-se tutelar o exercício de uma atividade econômica organizada, independentemente de sua qualidade comercial ou civil. Justifica-se a igualdade de tratamento, pela submissão a praticamente aos mesmos riscos e vicissitudes da vida empresarial

A teoria da empresa não se preocupa com o gênero da atividade econômica; o que importa para ela é o desenvolvimento da atividade econômica mediante a organização de capital, trabalho, tecnologia e matéria-prima, que resulta na criação e na circulação de riquezas.

Tenho dúvidas, entretanto, se o legislador pátrio entendeu o verdadeiro conteúdo da teoria da empresa, advinda do direito italiano. Falo isso depois de ter acompanhado, atentamente, ao longo dos anos, as emendas que foram inseridas no texto primitivo do Projeto nº 634-B/75. Este sim incorporava, com mais fidelidade, aquela teoria, tal como era o desejo do Prof. Silvio Marcondes, autor do texto original do citado Livro II do NCC. Tais emendas, da forma como foram introduzidas, levam à afirmação de muitos de que o que houve, na realidade, foi, apenas, a título de modernização, uma mudança de nomenclatura, ou seja, o que é sociedade civil passará a ser sociedade simples; o que é sociedade comercial, passará a ser sociedade empresária.

O próprio deputado Ricardo Fiuza, Relator Geral do NCC, ao comentar os vários artigos relativos ao Direito de Empresa no Novo Código Civil Comentado da Editora Saraiva, do qual foi o coordenador, parece conduzir-se para essa linha de raciocínio. Quando trata do artigo 982, p. ex., diz o parlamentar: "A norma deste art. 982 vem a instituir uma nova divisão entre as formas societárias até então definidas pelo direito privado brasileiro. Se adotarmos um paralelismo simétrico, a antiga sociedade comercial passou a ser denominada sociedade empresária, enquanto a sociedade civil, regulada pelo Código de 1.916, passou a ser definida como sociedade simples". Reforçam essa idéia, inclusive, o disposto nos artigos 5º, V, 983 e 2.037 do NCC, bem como nas várias regras que fazem referência ao órgão de registro público do empresário e da sociedade empresária (Registro Público de Empresas MERCANTIS), dentre as quais o artigo 1.150.

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Até mesmo a discutível manutenção de tipos societários de rara utilização, como a sociedade em nome coletivo, a sociedade em comandita simples e a sociedade comandita por ações, serve como argumento de que, pelo menos aparentemente, nada mudou.

Observe-se que a sociedade de capital indústria foi abolida pela nova legislação, sendo certo que ela, ao lado da sociedade em conta de participação, esta ainda mantida, vinham sendo utilizadas, na prática, quase que exclusivamente, para provocar, respectivamente, fraudes a direitos trabalhistas e fraudes contra a economia popular. Vide, neste aspecto, a edição do Jornal "O Estado de São Paulo" do dia 18 de maio de 2.002, caderno "Economia", onde estão relacionadas 69 (sessenta e nove) sociedades em conta de participação que estão sendo processadas pelo Ministério Público, por envolvimento em fraudes na negociação de imóveis.

Estudando melhor o assunto, parece-me muito tímido falar que houve apenas uma mudança de nomenclatura, até porque o legislador teria perdido muito tempo por tão pouco. Na verdade, o que ocorreu, efetivamente, foi uma mudança conceitual.

Mas, ainda que se possa chegar à conclusão de que a mudança tenha sido meramente estético-legislativa, o certo é que o NCC, ao adotar a teoria da empresa, rompeu, definitivamente, com a antiga distinção entre sociedades civis e mercantis, que tinha por alicerce o critério material da prática de atos de comércio, onde o objeto social, em regra, era o fator decisivo para distingui-las.

Se assim é, parece estranho a manutenção do adjetivo MERCANTIS na denominação do órgão encarregado do registro do empresário e da sociedade empresária, retro referido, a cargo das Juntas COMERCIAIS, nomenclatura também estranhamente mantida.

A propósito, até mesmo o nome Registro Público de Empresas Mercantis é impróprio, já que não se registram as empresas, como entes independentes; registram-se os atos relativos aos empresários e às sociedades empresárias, das quais as empresas são a expressão econômica.

Com o NCC passam a coexistir duas naturezas de sociedades – a empresária e a simples, as quais terão seu campo de incidência, em tese, não mais vinculado à atividade econômica que ambas venham a praticar. Qualquer que seja ela, mais importante mesmo que o objeto social, será a estrutura ORGANIZADA de sua atividade econômica fator relevante para distinguir uma da outra.

ORGANIZADA, pois, é a palavra chave.

Além disso, é característica marcante na sociedade simples a atuação pessoal (individual) dos sócios, sobrepondo-se à organização dos fatores de produção.

Mas, ainda que paire dúvidas quanto ao limite que separa a sociedade simples da empresária, até porque o legislador não definiu a empresa, caberá, quiçá, à doutrina e à jurisprudência estabelecer outros critérios para diferenciar uma da outra, dentre os quais, v.g., o porte do capital social (teoria da relevância do capital social, divulgada por Romano Cristiano), a quantidade de sócios, de empregados, de gerentes, o tamanho do estabelecimento, etc...

Frise-se que tanto a sociedade empresária quanto a sociedade simples exercem atividade econômica, sendo ambas espécies do gênero SOCIEDADE.

Afirmar que a sociedade simples não pratica atividade econômica, e, conseqüentemente, que não visa lucro, seria contradizer as disposições dos artigos 981 e 982 do NCC, sendo certo que o legislador definiu, no art. 53, a ASSOCIAÇÃO como sendo a entidade que não tem fins econômicos. Lembre-se que o conceito de associação era, meramente, doutrinário.

A dificuldade maior está em que as décadas de discussões a respeito da separação entre sociedade civil e sociedade mercantil são substituídas por uma regra que trará novas perplexidades, a qual, de sua vez, reabrirá novo período de meditação para que as novas divergências sejam superadas.

E, já que o momento é de reflexão, será que a sociedade simples pura ou sociedade simples propriamente dita ou, ainda, sociedade simples "simples", prevista nos artigos 997 a 1.038 do NCC, a quem o escritório Demarest & Almeida Advogados prefere chamar de sociedade simples tipo, não é a mesma (e raramente usada) sociedade civil pura, prevista no art. 1.363 e seguintes do atual Código Civil, revestida agora de uma nova roupagem?

É importante destacar, no entanto, que a sociedade simples não está restrita meramente ao campo das atividades ligadas à profissão intelectual, literária ou artística (parágrafo único do art. 966). Ao contrário, estende-se a qualquer ramo de atividade, desde que não se enquadre no contexto empresarial. Sua estrutura e sua organização passam, contudo, por estágios de complexidade cada vez maior, atingindo, a partir de certo ponto, o patamar em que predomina a empresarialidade, oportunidade em que deverá transformar sua natureza, de sociedade simples em sociedade empresária. Supera-se, ultrapassa-se, dessa forma, a sociedade simples, situada em estágio mais singelo e passa-se a acolher a figura da sociedade empresária, não porque pratique o comércio, nos moldes tradicionalmente aceitos, mas porque pratica a atividade empresarial, de contornos muito mais amplos. Deixa, assim, de ter relevo o objeto da sociedade; qualquer que seja ele, se a estrutura criada para o exercício das atividades que lhe sejam próprias assumir características empresariais, a instância administrativa de registro será o Registro Público de Empresas Mercantis (Junta Comercial). Caso contrário, mesmo que ela pratique o que, até então, se denomina ato de comércio, por não ter atingido o degrau da empresarialidade, será simples, registrando seus atos perante o Registro Civil das Pessoas Jurídicas.

Nessa evolução, podemos distinguir três etapas:

a) a do profissional autônomo, atuando isoladamente;

b) a do mesmo profissional, associado a outro ou outros profissionais em sociedade simples (registrável perante o Registro Civil das Pessoas Jurídicas), que não se organizem em caráter empresarial e que se limitem a reunir esforços para que possam melhor atender diretamente à clientela, sem que entre eles e os clientes se interponha a empresa, e sem que a sociedade, em si mesma, tenha, necessariamente, fim lucrativo, bastando-lhe remunerar o trabalho prestado, individualmente, pelos sócios. Portanto, a sociedade que desenvolver uma atividade pelos próprios sócios, de forma pessoal, praticando eles mesmos atos do objeto social e executando o núcleo de sua atuação, não será considerada empresária. Neste caso, tem-se a configuração de uma sociedade simples;

c) e, por último, a organização empresarial, cuja estrutura conduz ao registro no Registro Público de Empresas Mercantis (Junta Comercial).

Pelo exposto, temos que uma sociedade não será empresária, mas simples, quando a atuação pessoal dos sócios suplantar a organização dos fatores de produção. Na sociedade simples, o critério reside, em princípio, na predominância da atividade pessoal dos sócios. O exercício DIRETAMENTE pelos sócios dos atos singulares inseridos no âmbito da atividade econômica em razão da qual a pessoa jurídica foi constituída lhe imprime o caráter de sociedade simples. É o caso de dois médicos que se unem para clinicar. Enquanto desenvolvem sua profissão em consultório, mesmo com o auxílio de uma secretária, não se encontram abrangidos pelo conceito de empresário.

A sociedade simples é, em síntese, a sociedade não empresária, ou seja, aquela sociedade que explora atividade econômica de produção e circulação de bens e serviços SEM ALGUM DOS FATORES DE PRODUÇÃO (capital, mão de obra, insumos e tecnologia).

São as sociedades de fins econômicos em que a ESTRUTURA E MÉTODOS DE TRABALHO não prevalecem sobre a atuação pessoal dos sócios, segundo os ensinamentos de Fábio Ulhoa Coelho.

Já aquelas sociedades que se cercarem de uma estrutura organizacional, como médicos reunidos na direção de seu próprio hospital, contando com pronto-socorro, laboratório, radiologia e empregando outros médicos, enfermeiras, atendentes, etc., sua profissão constituirá fundo ou elemento de empresa, qualificando-se como sociedade empresária.

Ambos os exemplos nos são fornecidos pelo Prof. Fábio Ulhoa Coelho em seu Manual de Direito Comercial.

Ressalte-se que caberá aos interessados a opção por qualquer das duas formas associativas (sociedade simples ou sociedade empresária), não havendo razão para o Poder Público, representado pelas instituições incumbidas do registro público de uma ou de outra (Registro Civil das Pessoas Jurídicas ou Junta Comercial), criar qualquer obstáculo, discutindo o motivo ou os fundamentos de ordem econômica dessa opção. E a razão disso é óbvia: somente os interessados é que poderão avaliar se a atividade a ser desenvolvida pela sociedade da qual eles farão parte é suficientemente estruturada (organizada) para ser considerada empresária ou não.

E é de suma relevância saber se a sociedade é empresária ou simples, porque daí resultará a obrigatoriedade de inscrição de seus atos constitutivos no Registro Público de Empresas Mercantis (Junta Comercial) ou no Registro Civil das Pessoas Jurídicas.

O equívoco quanto ao órgão registrário competente pode acarretar graves conseqüências, porquanto a aquisição da personalidade jurídica, com o efeito de operar a separação patrimonial e jurídica da sociedade e dos sócios, somente se perfaz com o devido registro pertinente. O princípio de que a sociedade se distingue dos seus membros (societas distat a singulis) exige o registro como elemento constitutivo de sua operatividade.

Mantém o NCC, assim, a sistemática de condicionar a aquisição da personalidade jurídica dos entes abstratos à inscrição de seus atos constitutivos, mencionado, em vez de registro no órgão peculiar (atual Código Civil, art. 18), o registro respectivo e registro próprio (NCC, arts. 45 e 985).

É possível divisar que a entrada em vigor do NCC provoque interpretações equivocadas e uma irrefletida corrida às Juntas Comerciais para o registro de qualquer sociedade de fins econômicos, sem atentar para o seu caráter empresarial ou não.

Em relação às sociedades anônimas não subsiste qualquer dúvida, porque, levando em conta apenas a sua forma de constituição, a nova legislação civil, a exemplo do que já faz a atualmente vigente, as considera empresárias. Todavia, quanto as demais sociedades, é preciso identificar se possuem feição empresarial, segundo os parâmetros apontados, a partir da moderna Teoria da Empresa.

Se a sociedade for uniprofissional, com a execução das atividades pelos próprios sócios, de forma pessoal e com responsabilidade profissional, como sociedade de médicos, contadores, engenheiros, arquitetos e todas as específicas de profissões liberais será, em princípio, considerada sociedade simples, sujeita à inscrição de seus atos no Registro Civil das Pessoas Jurídicas.

Ainda que não se trate de sociedades uniprofissionais, são também sociedades simples aquelas cuja atuação individualizada dos sócios, para a realização de seu objeto social, supere a organização dos fatores de produção. A pessoa jurídica, nesta hipótese, é mero aspecto formal de compartilhamento de meios, recursos e bens para uso comum de cada sócio. Não se tem, genuinamente, uma sociedade empresária. Tal sucede, por exemplo, na constituição de uma sociedade de cabeleireiros para rateio de um espaço comum e divisão das despesas.

As sociedades de participação, as chamadas holdings puras, por não se caracterizarem pelo exercício de uma atividade econômica organizada para a criação ou circulação de bens ou serviços, na definição de empresário contida no art. 966 do NCC, são consideradas sociedades simples, sujeitas ao Registro Civil das Pessoas Jurídicas.

No entender de Ronald A. Sharp Júnior, Professor de Direito Civil e Comercial no Rio de Janeiro, seria necessário, dir-se-ia mesmo indispensável, para evitar incertezas na aplicação do direito, que do arcabouço legislativo constasse que se considera sociedade simples, para os efeitos do art. 982 e seu parágrafo único do NCC, a sociedade cuja atuação pessoal dos sócios seja predominante na prática dos atos de realização do objeto social, devendo assim também ser consideradas as que não se distinguirem pelo exercício de uma atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou de serviços, partindo do balizamento traçado pelo art. 966 do novo texto legal.

A propósito, de tudo o que ouvi em palestras das quais participei e também li sobre o assunto, é do ilustre professor carioca a melhor abordagem do tema, razão pela qual transcrevi, com a devida permissão, vários trechos de um parecer elaborado pelo mesmo sobre o então projeto que resultou na Lei nº 10.404/2.002, o qual adaptei ao texto final do NCC. Assim procedi porque suas idéias sobre a matéria se harmonizam com aquilo que penso a respeito.Merece destaque também um Parecer do qual tive acesso (Parecer nº 13/97-PSS), elaborado em 1.997 pelo Procurador Adjunto da JUCERJA, Paulo de Salvo Souza, o qual, embora tratasse da Lei nº 8.934/96, já trazia em seu bojo, com bastante clareza, aspectos da teoria da empresa.

Uma vez escolhida, pelo interessado, a natureza de sua sociedade (simples ou empresária), estará fixada a competência do órgão público de registro (Registro Civil das Pessoas Jurídicas ou Junta Comercial), a qual deve prevalecer quanto aos atos subseqüentes, não mais podendo aquela, uma vez delimitada, ficar a mercê da vontade das partes.

É importante que se diga que a competência da Junta Comercial ou do Registro Civil das Pessoas Jurídicas que, conforme o caso, haja deferido o arquivamento dos atos constitutivos, não pode ser contestada pelas autoridades que fiscalizam o exercício de suas atividades ou se incumbem de efetuar o seu cadastramento ou sua inscrição fiscal.

Desta forma, muitas sociedades, que a doutrina atual reputa civis poderão inserir-se no regime das sociedades empresárias, sendo a recíproca também verdadeira, ou seja, muitas sociedades consideradas comerciais poderão revestir-se da natureza de sociedades simples, podendo estas adotar, inclusive, um dos tipos de sociedade empresária regulados no art. 1.039 e segs. do NCC. Não o fazendo, subordinar-se-ão às normas que lhe são próprias (art. 983). Repetiu-se, assim, a regra do Código Civil vigente no sentido de permitir que a sociedade civil se revista das mesmas formas das sociedades comerciais (art. 1.364).

Frise-se que, mesmo que a sociedade simples adote uma das formas da sociedade empresária, ainda assim sua natureza será de sociedade simples. Neste sentido o Enunciado nº 57 do Centro de Estudos do Conselho de Justiça Federal. Contudo, esta afirmação contraria os comentários feitos, por Ricardo Fiuza, às páginas 890 e 1.028 do já citado Novo Código Civil Comentado. Inconformado com tais comentários, enviei e-mail ao ilustre parlamentar, que, em resposta, reconheceu o equívoco, alegando que o engano será corrigido na 2ª. Edição da referida obra.

Dizer, entretanto, que, compulsoriamente, as atuais sociedades civis devem passar a ser empresárias não parece ser, s.m.j., o entendimento mais correto.

É importante que se diga que a afirmação de que a regra será a sociedade empresária e a exceção a simples deve ser vista com bastante cautela, eis que, na prática, tomando-se por base as sociedades existentes sob a égide da legislação vigente, o que se observa é justamente o contrário, pois poucas são aquelas que nascem (a menos que se constituam, por exemplo, sob a forma de S/A) ou adquirem, ao longo de sua existência, estrutura organizada que lhes permita atingir o almejado patamar da empresarialidade.

Para o órgão de registro público, seja ele a Junta Comercial ou o Registro Civil das Pessoas Jurídicas, a grande modificação reside no fato de que, a partir do novo Código, não se examina mais apenas o aspecto formal do documento, devendo ser analisados também o seu conteúdo e o ato jurídico em si, sem que, com isso, passe aquele a exercer função julgadora.

O tempo se encarregará de dizer se o aqui exposto tem ou não procedência.

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Sobre o autor
Graciano Pinheiro de Siqueira

4º Oficial de Registro de Títulos e Documentos e Civil de Pessoa Jurídica de São Paulo (SP). Especialista em Direito Comercial pela USP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIQUEIRA, Graciano Pinheiro. O direito de empresa e o novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3978. Acesso em: 27 abr. 2024.

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