No Brasil de 2015 quatro pessoas são mortas brutalmente, por hora!
E por esses números percebe-se porque é tão fácil criar tipos penas, rebaixar a maioridade penal, tornar o país o quarto ou o terceiro Estado que mais encarcera no mundo.
É bem mais difícil enfrentar a gravíssima crise social – de desumanização civilizatória – que mata violentamente jovens pobres e negros, entre 15 e 29 anos: são mortos como se abatem míseros pardais.
Pois, como diziam os antigos, é mais fácil tapar o sol com a peneira do que enfrentar a miséria humana nacional.
Qual região em guerra, no mundo atual, tem tamanha letalidade? Qual conflito armado vitima tantos jovens quanto a guerra civil brasileira? Por que rejeitamos tanto a obviedade de que estamos em guerra contra o povo brasileiro?
Parece-me uma questão simples: esta guerra vitima jovens pobres – e aceitar sua lógica seria o mesmo que concordar com o fato de que as forças policiais têm a triste missão de defender a ordem jurídica imposta pelas classes dominantes.
A guerra, portanto, seria travada entre proprietários e não-proprietários. Com a diferença de que há uma capa de Estado de Direito, mas não de democracia. Afinal, que democracia – em toda a história da Humanidade – extirpou quatro pessoas por hora, em conflito bélico? Nem mesmo as grandes revoluções: Americana, Francesa, Russa, Mexicana.
Para efeito de comparação, a Guerra do Vietnã (1955-1975) matou 54 mil soldados estadunidenses; note-se, porém, que os EUA participaram da guerra somente nos últimos dez anos. Ou seja, não é retórica dizer que temos um Vietnã por ano.
O que nos permite encaminhar outra conclusão: a guerra civil esconde a “vocação” definida pelos grupos de poder ao Estado brasileiro. Matar pobres e negros nessa proporção (três negros para cada branco) é prova de que aqui se pratica o democídio: eliminação de uma parcela da população por motivação racista e classista.
Assim, defende-se o direito à propriedade (mais de 50% da riqueza está nas mãos de 1% dos mais ricos), negando-se frontalmente o direito à vida. E isto ainda é prova de que, se, teoricamente, não pode haver conflito de preceitos constitucionais, na prática, todos os princípios limitam-se a um só direito: propriedade.
Não pode haver dignidade diante de um quadro mortal como este. As chances de sermos vítimas, você (e)leitor e eu, são reais, mas mínimas diante das cinquenta mil oportunidades anuais que têm os jovens negros e pobres.
São 50.000 assassinados/ano (contabilizados oficialmente, em um país sem um mapa da violência), alguns por outros jovens da mesma classe social, mas todos armados pela mesma inércia/sanha capitalista do Estado brasileiro.
A redução da maioridade penal para os 16,14 anos apenas vai dobrar o contingente populacional preso em masmorras de aço e de concreto – depois que foram retirados do esquecimento dos guetos, do submundo e das favelas.
Portanto, com o dobro de presos açodados, trucidados e não-ressocializados pelo “sistema”, em alguns anos, alguém escreverá sobre a guerra civil que mata cem mil (100.000) brasileiros(as) a cada ano. Triste fim de um povo que pratica um tipo de democídio com esse calibre.
Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).
Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi
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