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A inconstitucionalidade do limite de 2 % para as multas de condomínio

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Resumo

O artigo trata da mudança trazida pelo Novo Código Civil que limitou em de 2 % as multas por atraso no pagamento das contribuições condominiais, concluindo - com base no princípio constitucional do respeito ao ato jurídico perfeito - que tal limite não pode ser imposto aos condomínios onde a multa já estava estabelecida em patamares superiores, de acordo com a lei vigente à época.

Palavras-chaves: condomínio, constituição, ato jurídico perfeito, condomínio, multa

SUMÁRIO: 1. Introdução - 2. Da proteção ao ato jurídico perfeito; 3 - Do proteção dos direitos também para o condomínio; 4 - Da convenção do condomínio como ato jurídico perfeito; 4.1 - Da natureza jurídica da convenção de condomínio; 4.2 - Da possibilidade de multa de 20 % no regime anterior; 5 - Da mudança introduzida pelo Novo Código Civil; 6 - Das regras de transição; 7 - Do entendimento do STF em casos como esses; 8 - Conclusão


1.Introdução

O novo código civil, que entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003, traz, no livro "Do Direito Das Coisas", um capítulo denominado "Do Condomínio Edilício", que trata exclusivamente sobre o condomínio em edifícios.

Dentre as inovação ali introduzidas, consta a que determina que o condômino inadimplente ficará sujeito aos juros moratórios previstos na convenção ou de até 1% ao mês e multa de, no máximo, 2% sobre o débito (§ 1º do Art. 1.336). Anteriormente, o percentual permitido para a cobrança de multa podia atingir até 20%. Essa redução no valor da multa preocupa os administradores de condomínio porque poderá aumentar o índice de inadimplência.

Porém, como se pretende demonstrar neste artigo, – com fundamento na proteção ao ato jurídico perfeito (Art. 5º, XXXVI da CF) – tal limite não pode ser obrigatório para os condomínios que têm multa já estabelecida em percentual de até 20 %.


2.Da proteção ao ato jurídico perfeito

Ao lado do Direito adquirido e da Coisa Julgada, a proteção ao Ato jurídico Perfeito é garantia previstas no capítulo I, do Título II da Constituição Federal, que versa sobre os direitos e garantias individuais, de modo que há limitação material explícita impediente à existência de reforma que viole tais Direitos Subjetivos.

Nas palaveras de Pontes de Miranda : "Contra a Constituição nada prospera, tudo fenece", assim, qualquer ato infraconstitucional que contrarie a Carta Magna deve ser tido como inválido.


3.Do proteção dos direitos do condomínio

Os direitos individuais positivados no Art. 5º da nossa Constituição não são restritos apenas às pessoas físicas, protegendo, também, as jurídicas, dado que as normas ali estabelecidas não apresentam qualquer distinção com relação aos seus destinatários e é regra da hermenêutica que o intérprete não tem a faculdade de fazer distinção quando a lei não a faz. Outrossim, não se pode dar uma interpretação restritiva aos direitos fundamentais.

Por outro lado, afirma o saudoso Mestre Hely Lopes Meirelles, em sua obra "Direito de Construir": "O condomínio não tem personalidade jurídica, mas tem capacidade processual para postular em juízo ativa e passivamente, em defesa dos interesses dos condôminos coletivamente considerados."

Assim, independente da natureza jurídica que for dada ao condomínio, este estará protegido por tal norma.


4.Da convenção do condomínio como ato jurídico perfeito

4.1.Da natureza jurídica da convenção de condomínio

Prescreve a Lei 4.591/64 em seu Art. 9º : "Os proprietários, promitentes compradores, cessionários ou promitentes cessionários dos direitos pertinentes à aquisição de unidades autônomas, em edificações a serem construídas, em construção ou já construídas, elaborarão, por escrito, a Convenção de condomínio, e deverão, também, por contrato ou por deliberação em assembléia, aprovar o Regimento Interno da edificação ou conjunto de edificações. (destacamos)

Portanto, a convenção tem natureza de contrato e como tal é ato jurídico constitutivo, resultado condensado de vontades plurilaterais, de caráter institucional, com força vinculante, interna e externamente, em relação a todos os quais, nos limites da eficácia jurídica, devem pautar determinado comportamento.

4.2.Da possibilidade de multa de 20 % no regime anterior

A convenção do condomínio é, portanto, soberana, nos limites da lei, para fixar o valor da multa moratória, exigível em caso de inadimplemento da obrigação condominial.

Em seu Art. 12. a Lei 4.591/64 prescrevia que "Cada condômino concorrerá nas despesas do condomínio, recolhendo, nos prazos previstos na Convenção, a quota-parte que lhe couber em rateio. "..." § 3º O condômino que não pagar a sua contribuição no prazo fixado na Convenção fica sujeito ao juro moratório de 1% ao mês, e multa de até 20% sobre o débito, que será atualizado, se o estipular a Convenção, com a aplicação dos índices de correção monetária levantados pelo Conselho Nacional de Economia, no caso da mora por período igual ou superior a seis meses." (destacamos)

Assim, as convenções que estabeleciam, antes do Novo Código Civil, multa de até 20 % estavam em perfeita sintonia com a ordenamento jurídico pátrio, dessa forma, correspondem a atos jurídicos perfeitos.


5.Da mudança introduzida pelo Novo Código Civil

Como foi dito, o Novo Código Civil (Lei nº 10.406/02), inovou o regime jurídico relativo aos condomínios estabelecendo, dentre outras, em seu Art. 1.336. § 1º que : "O condômino que não pagar a sua contribuição ficará sujeito aos juros moratórios convencionados ou, não sendo previstos, os de um por cento ao mês e multa de até dois por cento sobre o débito. (destacamos).

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Destarte, a primeira vista, parece que, sem dúvida, este novo limite seria aplicável a todos os condomínios.


6.Das regras de transição

Porém, em seu Livro Complementar das Disposições Finais e Transitórias, o Novo Código assim prescreve : "Art. 2.035. A validade dos negócios e demais atos jurídicos, constituídos antes da entrada em vigor deste Código, obedece ao disposto nas leis anteriores, referidas no art. 2.045, mas os seus efeitos, produzidos após a vigência deste Código, aos preceitos dele se subordinam, salvo se houver sido prevista pelas partes determinada forma de execução. Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a função social da propriedade e dos contratos. (destacamos)

No art. 2.045, temos : "Revogam-se a Lei no 3.071, de 1º de janeiro de 1916 - Código Civil e a Parte Primeira do Código Comercial, Lei no 556, de 25 de junho de 1850."

Dessa forma, de acordo com o estabelecido no Novo Código Civil, existe a previsão de que os atos jurídicos já constituídos obedecerão ao previsto no anterior Código Civil, havendo uma determinação quanto aos seus efeitos que precisa ser melhor interpretada à luz das limitações constitucionais e do próprio diploma legal.

Primeiro, percebe-se que no parágrafo único do Art. 2.035 é prescrito que nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de ordem pública destinados a assegurar a função social da propriedade e dos contratos.

Ora, lembremos que um condômino inadimplente provoca um déficit no orçamento do condomínio, pois ao não prestar a sua contribuição, resulta na falta de pagamento por daquele de suas contas junto a fornecedores. Fato que resultará em aplicação de multa ao condomínio, em regra, em valores superiores a tal limite, quando não corresponderem a relação de consumo, com juros, também superiores a 1 % ao mês.

É que a inadimplência é completada mediante rateio imediato e proporcional aos demais condôminos, que, nada devendo, arcam com ela e todas as demais taxas que se seguirem.

Qual o direito que deve prevalecer sob o prisma da função social da propriedade : o do condômino devedor ou de todos os demais ?

No nosso entender, justamente pela função social, é claro que deve ser dada preferência ao direito do conjunto de condôminos.


7.Do entendimento do STF em casos como esses

O STF, analisando a questão da proteção ao ato jurídico perfeito, assim já se pronunciou :

RE 205193 / RS RECURSO EXTRAORDINÁRIO Relator(a): Min. CELSO DE MELLO
Publicação: DJ DATA-06-06-97 PP-24891 EMENT VOL-01872-09 PP-01761 Julgamento: 25/02/1997 - Primeira Turma E M E N T A: RECURSO EXTRAORDINÁRIO - CADERNETA DE POUPANÇA - CONTRATO DE DEPÓSITO VALIDAMENTE CELEBRADO - ATO JURÍDICO PERFEITO - INTANGIBILIDADE CONSTITUCIONAL - CF/88, ART. 5º, XXXVI - INAPLICABILIDADE DE LEI SUPERVENIENTE À DATA DA CELEBRAÇÃO DO CONTRATO DE DEPÓSITO, MESMO QUANTO AOS EFEITOS FUTUROS DECORRENTES DO AJUSTE NEGOCIAL - RE NÃO CONHECIDO. CONTRATOS VALIDAMENTE CELEBRADOS - ATO JURÍDICO PERFEITO - ESTATUTO DE REGÊNCIA - LEI CONTEMPORÂNEA AO MOMENTO DA CELEBRAÇÃO. - Os contratos submetem-se, quanto ao seu estatuto de regência, ao ordenamento normativo vigente à época de sua celebração. Mesmo os efeitos futuros oriundos de contratos anteriormente celebrados não se expõem ao domínio normativo de leis supervenientes. As conseqüências jurídicas que emergem de um ajuste negocial válido são regidas pela legislação em vigor no momento de sua pactuação. Os contratos - que se qualificam como atos jurídicos perfeitos (RT 547/215) - acham-se protegidos, em sua integralidade, inclusive quanto aos efeitos futuros, pela norma de salvaguarda constante do art. 5º, XXXVI, da Constituição da República. Doutrina e precedentes. INAPLICABILIDADE DE LEI NOVA AOS EFEITOS FUTUROS DE CONTRATO ANTERIORMENTE CELEBRADO - HIPÓTESE DE RETROATIVIDADE MÍNIMA - OFENSA AO PATRIMÔNIO JURÍDICO DE UM DOS CONTRATANTES - INADMISSIBILIDADE. - A incidência imediata da lei nova sobre os efeitos futuros de um contrato preexistente, precisamente por afetar a própria causa geradora do ajuste negocial, reveste-se de caráter retroativo (retroatividade injusta de grau mínimo), achando-se desautorizada pela cláusula constitucional que tutela a intangibilidade das situações jurídicas definitivamente consolidadas. Precedentes. LEIS DE ORDEM PÚBLICA - RAZÕES DE ESTADO - MOTIVOS QUE NÃO JUSTIFICAM O DESRESPEITO ESTATAL À CONSTITUIÇÃO - PREVALÊNCIA DA NORMA INSCRITA NO ART. 5º, XXXVI, DA CONSTITUIÇÃO. - A possibilidade de intervenção do Estado no domínio econômico não exonera o Poder Público do dever jurídico de respeitar os postulados que emergem do ordenamento constitucional brasileiro. Razões de Estado - que muitas vezes configuram fundamentos políticos destinados a justificar, pragmaticamente, ex parte principis, a inaceitável adoção de medidas de caráter normativo - não podem ser invocadas para viabilizar o descumprimento da própria Constituição. As normas de ordem pública - que também se sujeitam à cláusula inscrita no art. 5º, XXXVI, da Carta Política (RTJ 143/724) - não podem frustrar a plena eficácia da ordem constitucional, comprometendo-a em sua integridade e desrespeitando-a em sua autoridade. Observação Votação: Unânime (destacamos)


8.Conclusão

De todo o exposto, podemos concluir que, os condomínios que, anteriormente ao Novo Código Civil, estabeleciam multa de até 20 % em suas convenções têm estas normas internas protegidas pela intangibilidade constitucionalmente garantida ao ato jurídico perfeito.

Quanto aos novos condôminos que entrarem no condomínio após a vigência do Novo Código, é questão para outro texto.


BIBLIOGRAFIA

MORAES, Alexandre de : Direito Constitucional 10ª ed. – São Paulo : Atlas, 2001

CUSTÓDIO, Antonio Joaquim Ferreira : Constituição Federal Interpretada pelo STF. 6ª ed. – São Paulo : Editora Juarez de Oliveira, 2001

SLAIB FILHO, Nagib. Sentença Cível : Fundamentos e técnica. 5. ed. Forense, 2000.

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Sobre o autor
Valdecy José Gusmão da Silva Junior

advogado e engenheiro eletrônico em Recife (PE)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA JUNIOR, Valdecy José Gusmão. A inconstitucionalidade do limite de 2 % para as multas de condomínio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 64, 1 abr. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3997. Acesso em: 19 abr. 2024.

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