Ativismo judicial e Judicialização: efetivação do direito à saúde pelos Tribunais

14/06/2015 às 23:16
Leia nesta página:

Ativismo Judicial e Judicialização: efetivação do direito à saúde pelos Tribunais

A Constituição de 1988 e a redemocratização do Brasil marcaram profundamente a atuação do Judiciário. Nossa Constituição assegura diversos direitos sociais e evidencia o dever que o Estado tem de atuar positivamente para efetivá-los. Há vários dispositivos constitucionais que evidenciam a proteção dos direitos sociais, como o artigo 196. “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” Como podemos ver diante do próprio texto constitucional o direito à saúde não se concentra apenas no cuidado das pessoas doentes e sim em todo o mecanismo de prevenção e tratamento.

Conforme a classificação de José Afonso da Silva sobre a eficácia das normas constitucionais pode-se averiguar que, em tese, os direitos fundamentais seriam normas de eficácia limitada, ou seja, sem aplicação imediata. Seria a efetividade desses direitos remetida à atuação dos poderes Executivo e Legislativo. No entanto, o que de fato ocorre é que em parte há a omissão desses poderes quanto a esta função.

É nesse contexto que surgem novas demandas ao poder judiciário, principalmente no que tange o direito a saúde. Ocorre o que muitos autores chamam de judicialização da saúde ou ativismo judicial. Esses termos parecem, à primeira vista, serem sinônimos, porém há diferença entre eles. Segundo Luís Roberto Barroso a judicialização é uma consequência natural do constitucionalismo. Nossa constituição consagra diversos direitos que muitas vezes são demandados nas diversas esferas judiciais. Quando o judiciário é chamado a resolver determinado conflito não pode se esquivar decidindo com base nas determinações legais e constitucionais. Quando utiliza-­­­se da interpretação estrita destas ocorre a judicialização.

O ativismo judicial seria revestido de uma aplicação extensiva dos direitos constitucionais. É quando o judiciário sai do convencional e interpreta a constituição de forma ativa, expandindo seus significados. No Brasil já existiram diversos casos em que o próprio STF como intérprete superior da Constituição agiu de forma ativista. Isso ocorre quando é chamado a resolver questões resultantes, principalmente, de omissões do legislador.

Quando o judiciário é chamado para resolver demandas de direito à saúde, por exemplo, quando um cidadão com uma doença crônica pede a condenação do Município, Estado ou União, a pagar as custas de seu tratamento, estamos diante de qual fenômeno? Judicialização ou ativismo? A posição dos autores é diversa. Acredito que a resposta a esta pergunta está na visão de como é aplicado o direito social correspondente, se de forma direta como consta na constituição, ou se de forma expansiva.

Os artigos 196 a 200 da Constituição de 1988 tratam da saúde. Neles podemos observar que a saúde é tida como direito de todos e um dever do Estado, que deverá cumpri-lo através de políticas públicas. Algumas atribuições sobre arrecadação são citadas, mas a maioria dos assuntos é delegada a leis complementares.

Observando o que acontece não só no STF, mas também nas justiças federais e estaduais constata-se que há inúmeras decisões que condenam tanto estados quanto municípios e até mesmo a união a pagar as custas de tratamentos muitas vezes experimentais e não elencados pelo Ministério da Saúde e Secretarias de Saúde. Um exemplo recente e extremamente oneroso para o estado é o caso da menina Sofia que teve seu transplante multivisceral de órgãos pago pela união num tratamento milionário e experimental feito nos EUA por um dos únicos médicos especialistas do mundo.

Acredito que o caso acima citado trata-se da manifestação do ativismo judicial, já que é resultado de uma interpretação expansiva do direito a saúde. Alem disso é importante ressaltar que no caso da saúde especificamente o ativismo judicial é prejudicial à democracia como um todo, ao passo que foge da reserva do possível, ou seja, o limite do que podemos exigir do Estado, utilizando de recursos coletivos em casos isolados. Até mesmo podemos dizer que essa prática que ocorre nos tribunais cria uma nova saída à saúde pública, na qual são atendidos aqueles que demandam seus direitos judicialmente, enquanto os demais continuam nas filas do SUS.

Seguindo a distinção feita por Luiz Roberto Barroso, no caso de a demanda ser, por exemplo, de medicamentos necessários a algum tratamento, sendo estes encontrados no rol do Ministério da Saúde e com o uso devidamente aprovado pelas autoridades competentes acredito que estaríamos tratando de judicialização da saúde e não mais de ativismo. Há uma interpretação da constituição de forma extensiva, mas que não inova de forma ativa, e sim oferece resposta a uma demanda padrão, com o rol de tratamentos pré-estabelecidos e, portanto de onerosidade suportável pelo Estado.

Como dito anteriormente, vários tribunais estaduais e federais vem decidindo sobre as demandas de direito a saúde. Com o intuito de orientar tais decisões o STF organizou uma Audiência Pública em 2009 para discutir a questão e a partir dela o CNJ editou a Recomendação nº 31 de 2010 que traçou algumas diretrizes aos magistrados para a resolução das demandas envolvendo direito a saúde. Também foi publicada a resolução nº 107 do CNJ que instituiu o Fórum Nacional do Judiciário para examinar as decisões tomadas nesse mesmo âmbito. Essas medidas ajudaram a limitar o número de decisões favoráveis incorretas. Agora os juízes tendem a ser mais criteriosos, contando com perícias médicas e consulta prévia a administração sobre os insumos requisitados.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Enfim, o tema é delicado e controvertido, mas vem evoluindo conforme é discutido e algumas diretrizes são traçadas, como a resolução e a recomendação do CNJ citadas. Essa orientação é extremamente importante para que as decisões sejam padronizadas e sigam os mesmos critérios, fazendo com que alcance maior efetividade e justiça social.

Referências

BARROSO, Luis Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2011.

BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade Democrática.

SILVA, Queops de Lourdes Barreto. A aplicabilidade imediata e a eficácia dos direitos fundamentais sociais

PESSOA, Eudes André. A Constituição Federal e os Direitos Sociais Básicos ao Cidadão Brasileiro

DO VALLE, Gustavo Henrique Moreira. Judicialização da saúde.

FOGAÇA, Vitor Hugo Bueno. As diversas portas do SUS: aspectos atuais da judicialização do direito á saúde no Brasil.

 WANG, Daniel. Tribunais como decisores de políticas de saúde.

 

Resolução Nº 107 de 06/04/2010 do CNJ

 

Portaria nº 40 de 2010 do CNJ

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos