A APLICAÇÃO DA MEDIAÇÃO NAS VARAS DE FAMÍLIA
A sociedade em que vivemos hoje é cercada de questões conflituosas e o fácil acesso à justiça propiciou às pessoas buscarem seus direitos e resolverem seus problemas por vias judiciais, em vez de tentarem resolver os conflitos de forma pacífica. Isso acarreta todos os anos um crescente número de demandas em trâmite no sistema judiciário. De acordo com o último levantamento do Conselho Nacional de Justiça,realizado em 2014, cerca de 92 milhões (noventa e dois milhões) de ações tramitam na Justiça.
No que diz respeito aos conflitos familiares, as consequências vão além da perda de tempo e dinheiro, resultam, muitas vezes, em sequelas irreversíveis, afetando não somente os cônjuges, mas os filhos, refletindo na quebra dos laços familiares por toda a vida.
1.1 Origem dos conflitos familiares
É certo que as relações conjugais são vulneráveis a vários problemas que afetam a convivência da família. Os dissensos entre marido e mulher, por vezes, são decorrentes de expectativas frustradas, valores e interesses contrariados. Fatores como situação financeira desfavorável, falta de amor, desrespeito, incompatibilidade de gênios e envolvimento com outra pessoa são alguns dos elementos que enfraquecem a relação familiar e resultam na dissolução da família. Apesar de ser considerado fenômeno relativamente existente nas relações conjugais, esse tipo de contingência pode desencadear disputas conflituosas que contaminam a relação parental, o que infelizmente afeta os filhos. Estes, por sua vez,sentem-se culpados pela ruptura dos pais, principalmente quando há briga na definição da guarda deles enquanto menores de idade.
Além do problema em si, o modo como este é tratado pode fazer toda a diferença, podendo ser construtivo ou destrutivo, porém, nas dissoluções das relações parentais, tende a ser sempre destrutivo. O problema é ainda maior quando os pais, tomados pelo sentimento de fragilidade, sofrimento e mágoa, tentam transmitir para os filhos a insatisfação do fim do relacionamento, fazendo uso deles para atingirem um ao outro.
Como se não bastasse todo o desgaste pela ruptura da relação parental, o processo judicial, com toda morosidade e, algumas vezes, ineficácia, torna ainda mais difícil a possibilidade de uma relação harmônica e a reconstrução da vida afetiva das partes. Por isso, faz-se necessário adotar a mediação como resolução de controvérsias nas relações familiares, pois, além de buscar sanar o problema, esse método abre espaço para que os conflitantes estabeleçam um canal de comunicação, dando oportunidade para que se resolvam entre si e mantenham uma relação amigável. Sendo o problema administrado dessa forma, torna mais eficaz a sua solução, mais do que se fosse determinada qualquer decisão por um terceiro.
1.2 As vantagens da mediação no tratamento dos conflitos familiares
Tendo em vista o que foi anteriormente exposto, surgem novas formas de intervir nos conflitos familiares: os meios alternativos de solução de conflitospara a resolução dos litígios familiares, em especial a mediação, pois busca resolver o conflito através de técnicas adequadas e comunicação entre as pessoas, com finalidade de resultar em acordos duráveis entre os litigantes. Segundo Conrado Paulino da Rosa:
As disputas familiares, por definição, envolvem relacionamentos que precisam perdurar. A síndrome do perde-ganha dos tribunais provoca um verdadeiro desastre numa família que se desfaz. Sabe-se que o ajuizamento da petição inicial toma a forma de uma autêntica ‘declaração de guerra’, e o vínculo do ódio, da vingança e da perseguição pode arrastar-se durante anos, dificultando a ambos o refazer da vida em ouras direções, perpetuando a ligação numa estranha forma de fidelidade(2010,p.89).
Os sofrimentos trazidos pelos prejuízos da separação tornam-se ainda mais graves quando o casal usa os filhos como meio de agredir um ao outro. Assim, tomados pelo sentimento de rancor e sofrimento pelo rompimento conjugal, um genitor tenta atingir o outro através dos filhos. Sendo assim, é indispensável o trabalho de profissionais de diversas áreas, como advogados, psicólogos, assistentes sociais, entre outros, para tratar de conflitos familiares, a fim de tornar eficaz a dissolução dos conflitos.
É ultrapassado o entendimento de que só é possível obter resultado de conflitos familiares através de resolução judicial, uma vez que podemos obter os mesmos resultados, até mesmo mais benéficos para as partes, por intervenção de meios alternativos de conflitos, em especial a mediação.
Além de acordo, a mediação permite atuar no nascedouro do conflito, identificando-o e trabalhando na sua desconstrução, fazendo com que os mediandos solucionem não somente o problema aparente, mas o que o motivou, dando, assim, a oportunidade para as famílias de restabelecerem uma comunicação, com o objetivo de esclarecer o mal-entendido, podendo evitar a quebra de relação familiar sem necessidade.
Para que o processo de mediação seja exitoso, Rosa (2010, p. 91) determina que “O processo de mediação familiar requer do mediador conhecimento de relações interpessoais, habilidade no manejo do conflito e em negociação e conhecimentos básicos de Direito de Família. Isso se consegue com o trabalho interpessoal/interdisciplinar de um psicólogo (ou de outro profissional da área de saúde) e de um advogado.
Dessa forma, o papel do mediador é provocar e estimular as partes, na tentativa de identificar os interesses de cada um dos envolvidos até que se encontre uma solução para isso. Esse profissional precisa ouvir e compreender as afirmações ditas na comunicação entre as partes. Nessa perspectiva, a utilização da mediação poderá trazer benefícios –como tornar os processos mais céleres e reduzir custos –, uma vez que, na maioria das vezes, os acordos resultantes da mediação perduram por mais tempo do que os que são impostos por sentença judicial.
Ocorre que a conciliação realizada como ato pré-processual não tem resolvido os litígios familiares de forma eficaz e não visa resolver o problema na sua raiz. Tendo em vista essa problemática, a mediação veio a ser utilizada pelas varas de família para tentar pacificar as demandas e promover a escuta de ambos os conflitantes, o que muitas vezes resulta no conhecimento dos seus respectivos sofrimentos, dando oportunidade para progredir na busca pela solução.
1.3 A relevância da mediação no Poder Judiciário do Estado do Ceará
Na visão de alguns juízes das varas de família que atuam no Estado do Ceará, a mediação afasta-se do formalismo da Justiça e apresenta excelentes resultados como uma opção diferenciada para a resolução de conflitos, ao restaurar e pacificar relações decorrentes de ruptura familiar do casal. Voluntários de muitas formações formam equipes multidisciplinares, trabalham como mediadores ou facilitadores da comunicação nas sessões que permitem aos envolvidos. Através dessa intermediação, é possível encontrar a solução para o seu próprio conflito, tornando os envolvidos responsáveis pelo desfecho amigável de sua questão. Esse desfecho não depende de uma decisão proferida em sentença por magistrado, pois o resultado de uma sessão de mediação é reduzido a termo de ratificação para que possa ser homologado pelo Juiz de Direito e ter sua eficácia judicial.
Os mediadores aptos para realizar sessões de mediação são capacitados através de programas dos Cursos de Capacitação e Aperfeiçoamento em Mediação, direcionados para a prática no ambiente judicial, consoante o Anexo I da Resolução 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça. Com efeito, a mediação judicial tem sido objeto de estudos e cursos específicos de capacitação para magistrados, funcionários e mediadores.
As varas de família do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará têm encaminhado para sessões de mediação ações de divórcio e de dissolução de união estável, mas também há outros casos que podem ser abrangidos pela mediação, como questões decorrentes dessas ações, como regulamentação de visitas, guarda, pensão alimentícia, divisão de bens e demais ações afins.
No Estado do Ceará, foi criado o Centro Judiciário de Soluções de Conflitos e Cidadania(CEJUSC), com sede no Fórum Clóvis Beviláqua, coordenado pela Dr.a Natália Almino Gondim, juntamente com uma equipe composta por psicólogos e mediadores formados pelo Curso de Aperfeiçoamento do CNJ. É lá que eles recebem demandas das varas de família para que seja possível a realização das sessões de mediação, a fim de pacificar os conflitos e promover o restabelecimento das relações familiares após a ruptura dessas relações já devastadas pela morosidade e desgaste processual.
O CEJUSC é gerido pelo Nupemec, supervisionado e coordenado pela Desembargadora Dr.a Maria Nailde Nogueira Pinheiro. Esse núcleo tem como finalidade utilizar os métodos alternativos de solução de conflitos, como a conciliação e a mediação, para proporcionar à sociedade um Judiciário sem morosidade processual, que busca solucionar os conflitos de forma preventiva, resultando na pacificação social.
Como já foi anteriormente aventado, o Nupemec foi instituído por meio do Provimento n.º 03/2011 e da Portaria n.º 281/2011, em virtude de Resolução 125/2010, do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre a Política Judiciária Nacional de tratamento adequado de conflitos. Esse núcleo funciona como órgão competente para cuidar da administração de toda prática da mediação e conciliação utilizada na Justiça. Responsabiliza-se ainda por sistematizar todos os projetos existentes nos tribunais, no que diz respeito às demandas pré-processuais e processuais referentes à conciliação e à mediação, estabelecer o funcionamento dos centros judiciários, bem como acompanhar o recrutamento e a capacitação dos conciliadores e mediadores.
É importante frisar que existe um projeto atuante no Ceará, iniciado pelo Ministério Público do Estado, que vem a ser o Programa dos Núcleos de Mediação Comunitária, que foi implantado através da Resolução n.º 01, de 27 de junho de 2007.Esses núcleos têm a finalidade de buscar solucionar os conflitos através de mecanismos extrajudiciais, mais em especial a mediação, e são inseridos nas comunidades com o objetivo de resolver controvérsias que vão desde as relações de vizinhança às relações familiares, evitando, assim, expandir problemas maiores. Dessa forma, os núcleos têm obtido resultados satisfatórios nas resoluções desses litígios, proporcionando a harmonia entre as partes, a paz social e a desburocratização da Justiça, além de evitar o crescimento exagerado de demandas judiciais.
Os mediadores que atuam nos Núcleos de Mediação Comunitária são pessoas que vivem na própria comunidade e são formados e capacitados com aulas práticas e teóricas ministradas pelos membros atuantes da área de mediação do Ministério Público. Tendo em vista essa informalidade dos mediadores comunitários, torna mais fácil a resolução do conflito e permite que as partes fiquem mais confiantes.
Enfim, a mediação tem sido alvo de sistematização de políticas judiciárias para consolidar um Judiciário com mais participação social, mais acessível e com eficiência de resolver os conflitos de forma mais rápida e menos onerosa para o Estado, o que, através desse meio, tem obtido êxito no âmbito familiar.
1.4 Mediação familiar: procedimentos e reflexos
Os problemas de natureza familiar decorrentes de separação judicial, divórcio ou mesmo rupturas de união estável trazem perdas irreparáveis para os cônjuges e principalmente para os filhos, por isso é imprescindível que se busque a diminuição do sofrimento acarretado pela quebra da relação familiar e pelo litígio. Quando a demanda chega ao Judiciário, os cônjuges vêm sofridos, sendo necessária a transformação da relação parental (pai, mãe e filhos), de modo que se voltem para os interesses dos filhos, visando à reconstrução dessa relação.
Para isso, existe a figura da mediação familiar, que tem sido aplicada nas varas de família, porém há a possibilidade de ocorrer sem a existência de processo judicial. Um dos cônjuges pode recorrer ao CEJUSC com interesse de chamar a outra parte para chegar a um consenso nas questões pertinentes à ruptura da relação familiar. Segundo Maria Helena Diniz (2010, p. 361):
A mediação procura criar oportunidade de solução de conflito, possibilitando que, com maturidade, os protagonistas repensem sua posição de homem, mulher, pai e mãe, verificando seus papéis na conjugalidade e na parentalidade, e impedindo violência nas disputas de filhos menores e pelas visitas. Com isso, protege-se a prole de comprometimento psicológico e psicossomático, tão freqüentes no período pós-separação ou pós-divórcio dos seus pais.
Na maioria das vezes, os processos de mediação familiar começam quando já existem ações em andamento nas varas de família, nas quais o juiz, as partes ou seus advogados sugerem sessão de mediação, para que possibilite a pacificação dos litígios, sendo, assim, em concordância das partes, encaminhados ao CEJUSC. Primeiramente é necessária uma entrevista de pré-mediação, na qual o facilitador ou mediador deve criar um clima de confiança e serenidade, atendendogentilmente aos querelantes, verificando, por meio da entrevista, se a mediação é cabível para o caso.
Ao receber o cônjuge solicitante, o facilitador ou mediador deve, antes de tudo, ouvir atentamente o que esse sujeito tem a narrar, formulando perguntas necessárias a esclarecer detalhes do conflito. Posteriormente é feito o convite à pessoa solicitada para igual atendimento. Caso o cônjuge solicitado compareça, o facilitador ou mediador a recebe com a mesma gentileza e imparcialidade, devendo escutar-lhe ativamente, aplicar-lhe a entrevista e explicar-lhe o que é mediação.
Na primeira etapa, o mediador acolhe as partes com respeitosa informalidade e senso de humor, apresentando-se de modo descontraído. Agradece a presença dos mediandos e solicita-lhes que se apresentem individualmente. Esclarece no que consiste a mediação e o seu papel de colaborador, buscando facilitar o entendimento. Solicita-lhes mútuo respeito, destacando que ambos terão igual oportunidade para narrar os seus pontos de vista, não podendo interromper um ao outro e tampouco falar do outro.
Em um segundo momento, o mediador solicita que cada um dos cônjuges narre o problema trazido à sessão, geralmente a pessoa solicitante inicia a narração, mas elas estão livres para combinar quem inicia. O mediador escuta e observa sem julgamentos, vai ajudando cada uma das partes a esclarecer as suas posições sobre as questões trazidas e, com enfoque prospectivo, vai ensejando contextualização e, sempre que necessário, recontextualizando frases que pareçam ofensivas ou de ameaça.
Esgotadas as narrativas, o mediador observa, sente e pergunta a ambos se há ainda algo a acrescentar e parte para um próximo momento, no qual expõe um resumo das questões a serem resolvidas, identificando, assim, o objeto do conflito. Concluído e discutido o resumo, os cônjuges mediandos estão mais receptivos à identificação de suas necessidades e interesses comuns. Nesse momento, o mediador poderá fazer perguntasque facilitem a identificação desses interesses. Em um momento posterior, os mediandos estão colaborando nas escolhas de opções, de alternativas para a tomada de decisões, passando, então, a se entenderem, o que faz com que dirimam suas controvérsias.
A mediação pode ser concluída em apenas uma reunião. No entanto, dependendo da complexidade do caso, poderão ser necessárias outras sessões, inclusive em separado (privada), entretanto, de qualquer sorte, mediação não é sessão de terapia e, portanto, não tem porque se alongar para além do necessário a realização dos seus objetivos específicos, relacionados com o conflito interpessoal. Costuma-se afirmar que ultrapassar o número de dez reuniões já não seria de mediação.
Ao concluir os trabalhos, o procedimento de mediação será encerrado, lavrando-se o seu Termo Final de Mediação, quando for celebrado acordo ou quando não se justificarem novos esforços para a obtenção de consenso, seja por declaração do mediador nesse sentido, seja por manifestação de qualquer das partes. O termo é levado à vara de origem da ação para ser homologado e ter força de título judicial.
Embora algumas varas de família se utilizem da mediação para pacificar os conflitos, muitas delas não usufruem desse método, pois o nosso Judiciário ainda é emanado de metas do CNJ, as quais os magistrados tentam alcançar, a fim de obter promoções e ascensões de carreira, com a preocupação tão somente de resolver o conflito e retirá-lo da searalitigante.
É importante salientar que as estatísticas de soluções de conflitos advindas de mediação e conciliação nas varas de famíliaapresentam excelentes resultados, haja vista que, nos últimos dois anos,vêm aumentando o número de casos agendados, sessões realizadas e acordos confirmados. Dados do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará mostram que, em 2012, foram agendadas 199(cento e noventa e nove) sessões, 119(cento e dezenove) foram realizadas, 80(oitenta) não realizadas e 4(quatro) acordos firmados. Já em 2013, foram agendadas 249(duzentas e quarenta e nove) sessões, 173(cento e setenta e três) foram realizadas, 71(setenta e uma) não realizadas e 17(dezessete) acordos firmados pelo CJSC (Centros Judiciais de Soluções de Conflitos).
Esses dados mostram que a mediação tem sido mais aceita pelas partes conflitantes e que, muito embora não cheguem a um acordo, muitas vezes ameniza o sofrimento trazido pela ruptura de relações familiares, as quais acarretam bastantes consequências para as partes e, por conseguinte, refletem nos filhos.
1.5 A importância dos resultados da mediação familiar
Diante dos procedimentos judiciais, já é de nosso conhecimento que os membros envolvidos na ruptura familiar, na maioria das vezes, já chegam aos meios judiciais magoados, ficando, de certo modo, impedidos de pensarem nos filhos, apesar de seu amor parental. Ocorre que essa situação desencadeia diversas outras que ameaçam ainda mais a relação parental, comoa alienação parental, na qual um dos pais usa os filhos para desmoralizar a imagem do outro ou então chega a agredir o ex-cônjuge.
O emprego do método da mediação torna possível identificar, através de diálogo, as reais necessidades das partes. O atual modelo adversarial de resolução de conflitos adotado pelo Judiciário busca resolver apenas o problema aparente, como, por exemplo, um casal que procura os meios judiciais para decidir o divórcio. Muitas vezes, os cônjuges envolvidos nessa relação têm outras questões por trás dessa ruptura conjugal que, de forma indireta, precisariam resolver para obter êxito na resolução do caso, como uma possível infidelidade, falta de compatibilidade de gênios, falta de sentimento, dentre várias outras.
As consequências de um processo de separação mal conduzido podem acarretar inúmeros outros problemas para a vida particular de cada um dos cônjuges, sem falar nos reflexos negativos que incidem sobre os filhos, podendo se estender por toda a vida. Dessa forma, é imprescindível que exista uma responsabilidade por parte da esfera jurídica nas dissoluções afetivas, principalmente em famílias com filhos, tendo em vista os desdobramentos negativos que podem resultar de um procedimento mal administrado.
Diante disso, quando se tem o uso da mediação familiar nesses litígios, percebe-se que há um trabalho mais efetivo por parte da comunidade jurídica em uma intervenção diferenciada, na tentativa de não permitir que a quebra da relação parental não desencadeie outras questões mais desastrosas. Além disso, é notório que o uso dessa prática vem desinflamando as varas de família, resultando na redução considerável de demandas, haja vista que, na maioria das vezes, traz um resultado satisfatório para as partes e para os profissionais da Justiça.
1.6 A sistematização da mediação
É importante frisar que há propostas legislativas que se encontram em tramitação no Congresso Nacional acercade litígios familiares e da aplicação da mediação. A primeira delas ocorreu em 1998, através da Deputada Zulaiê Cobra Ribeiro, com o Projeto de Lei 4.827/1998, que traz em sete artigos a busca pelo reconhecimento legal da mediação, com o objetivo de passar a ser adotado ou recomendado pelo Judiciário. Esse projeto viabiliza que a figura do mediador possa ser “qualquer pessoa e que tenha formação técnica e experiência prática adequada à natureza do conflito”.
Nesse sentido, em 2003, o projeto foi aprovado pela Câmara dos Deputados, sendo conciliado com a Lei de Mediação, com 25 artigos,totalizando, então, 32 artigos. Hoje esse projeto de lei tramita na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC), desde 2011,quando teve sua última alteração, na qual uma delas traz a obrigação da mediação nas causas atinentes aos litígios familiares, devendo delas participar necessariamente psiquiatra, psicólogo ou assistente social.
Em 2005, foi protocolado o Projeto de Lei 4.945/2005, que visa à alteração do artigo 1.517 do Código Civil, recomendando o incentivo do juiz à prática da mediação familiar em processos de separação e divórcio. Já em 2007, foi elaborado o Estatuto das Famílias pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), que vem a ser um estatuto autônomo, que traz, em seu artigo 128, a previsão de que, em “qualquer ação e grau de jurisdição, deve ser buscada a conciliação e sugerida a prática da mediação extrajudicial, podendo ser determinada a realização de estudos sociais, bem como o acompanhamento psicológico das partes”. No mesmo ano, o Deputado Sérgio Barradas protocolou o Projeto de Lei 2.285/2007, o qual perfilha, em seu artigo 97, em parágrafo único, a previsão da utilização da mediação familiar ao decidir guarda compartilhada.
Por fim, amais recente proposta legislativa é o projeto de lei que está tramitando no Congresso Nacional para disciplinar a mediação, judicial e extrajudicial, como meio alternativo de solução de conflitos no âmbito da Administração Pública. Trata-se do Projeto de Lei n.º 7.169/2014, apresentado pelo Senador Ricardo Ferraço. Segundo a proposta, a mediação vem a ser uma atividade técnica exercida por uma pessoa imparcial, sem poder de decidir, a qual auxilia e estimula as partes a desenvolverem soluções consensuais para o conflito, conduzindo os envolvidos à solução do litígio. Diz ainda o projeto que ninguém é obrigado a se submeter à mediação e que qualquer conflito negociável pode ser mediado, exceto os que tratarem de filiação, adoção, poder familiar, invalidade de matrimônio, interdição, recuperação judicial ou falência.
A proposta traz a possibilidade de a mediação poder ser feita pela Internet ou por outro meio de comunicação que permita o acordo a distância, desde que seja pactuado entre as partes, além de determinar que o Ministério da Educação (MEC) incentive as instituições de Ensino Superior a incluírem a disciplina de Mediação e que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil inclua, nos exames de ordem, questões relacionadas à mediação como método de resolução de litígios.
Conforme o projeto, o mediador poderá ser escolhido pelas partes ou, se indicado, deverá ser aceito por elas. Deverão ser aplicadas ao mediador as mesmas hipóteses legais de impedimento e suspeição do juiz, sendo impedido ainda de assessorar, representar ou patrocinar qualquer parte que tenha se submetido à mediação por ele conduzida nos dois anos anteriores. O mediador e seus assessores terão a prerrogativa de serem equiparados a servidores públicos para efeitos da legislação penal.
É importante lembrar ainda da Resolução 125, de 2010, do Conselho Nacional de Justiça, que veio para regulamentar os meios alternativos de resolução de conflitos nas relações afetivas, além de prever a capacitação e o aperfeiçoamento do profissional. Com efeito, a mediação tem sido objeto de cursos e de estudos para a preparação de magistrados, funcionários do Poder Judiciário. A resolução estabelece ainda um conteúdo programático para capacitação dos mediadores e serventuários da Justiça a ser seguido pelos tribunais, através de um modelo composto por três módulos sucessivos e complementares correspondentes aos níveis de capacitação. É importante lembrar que, para ser um mediador, é necessário fazer o curso do CNJ.
É pertinente evocar ainda a fundação do Conselho Nacional de Instituições de Mediação e Arbitragem (CONIMA), que foi fundado em 24 de novembro de 1997, com o intuito de ser uma entidade com objetivo de congregar e representar as instituições de mediação e arbitragem, visando observar as normas técnicas e a ética de sua atuação, a fim de desenvolver credibilidade dos meios alternativos de resolução de controvérsias. Esse instituto elaborou um modelo-padrão de capacitação básica em mediação, além de conceder cursos práticos e teóricos coordenados pelas instituições a ele associadas.
Por fim, o novo Código de Processo Civil, Lei 13.105/2015, recentemente aprovado pelo Congresso Nacional, em 16 de março de 2015, foi originado pelo Projeto de Lei 8.046/2010. O novo CPC traz a sistematização dos mecanismos autocompositivos de conflitos, como a mediação e a conciliação, que até agora estiveram presentes nos processos judiciais sem a devida previsão legal primordial, devendo ser incentivados não somente pelos juízes, mas também por advogados, defensores e promotores públicos.
A nova legislação compreenderá a cooperação das partes na obtenção de acordo, com finalidade de assegurar um processo célere, justo e com resultado eficaz. Assim dispõem seus artigos:
Art. 2º O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei.
Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.
§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
Art. 4º As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa.
Art. 5º Aquele que de qualquer forma participa do processo deve comportar-se de acordo com a boa-fé.
Art. 6º Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
Ainda reportando-se à nova legislação, a mesma dispõe ainda da criação dos Centros Judiciais com objetivo e estimular a autocomposição. Assim diz o art. 165:
Art. 165. Os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos, responsáveis pela realização de sessões e audiências de conciliação e mediação e pelo desenvolvimento de programas destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição.
§ 1o A composição e a organização dos centros serão definidas pelo respectivo tribunal, observadas as normas do Conselho Nacional de Justiça.
§ 2o O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem.
§ 3o O mediador, que atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam, pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios, soluções consensuais que gerem benefícios mútuos.
O Novo Código ainda dispõe no seu Art. 166, de princípios norteadores da informação da mediação, como independência, da imparcialidade, da autonomia da vontade, da confidencialidade, da oralidade, da informalidade e da decisão informada. A nova legislação preocupou-se ainda de regulamentar a formação dos mediadores e conciliadores, além de abrir possibilidades de conciliar com a Administração Pública, como diz os seguintes dispositivos:
Art. 167. Os conciliadores, os mediadores e as câmaras privadas de conciliação e mediação serão inscritos em cadastro nacional e em cadastro de tribunal de justiça ou de tribunal regional federal, que manterá registro de profissionais habilitados, com indicação de sua área profissional.[...]
Art. 168. As partes podem escolher, de comum acordo, o conciliador, o mediador ou a câmara privada de conciliação e de mediação.
§ 1o O conciliador ou mediador escolhido pelas partes poderá ou não estar cadastrado no tribunal.
§ 2o Inexistindo acordo quanto à escolha do mediador ou conciliador, haverá distribuição entre aqueles cadastrados no registro do tribunal, observada a respectiva formação.
§ 3o Sempre que recomendável, haverá a designação de mais de um mediador ou conciliador.[...]
Art. 174. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios criarão câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo, tais como:
I - dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da administração pública;
II - avaliar a admissibilidade dos pedidos de resolução de conflitos, por meio de conciliação, no âmbito da administração pública;
III - promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta.
Art. 175. As disposições desta Seção não excluem outras formas de conciliação e mediação extrajudiciais vinculadas a órgãos institucionais ou realizadas por intermédio de profissionais independentes, que poderão ser regulamentadas por lei específica.
Parágrafo único. Os dispositivos desta Seção aplicam-se, no que couber, às câmaras privadas de conciliação e mediação.
Não menos importante, a carreira de mediador e conciliador, terá sua normatização amparada pelo Novo Código de Processo Civil, trazendo novos ditames ao que será implantado nos Tribunais.
Tendo em vista que a mediação será sistematizada e implementada à legislação com mais vigor, tem-se a expectativa de que as demandas de litígios familiares serão solucionadas de forma mais rápida e terão mais eficácia, além de desafogarem as varas de família.
Não há dúvida de que a mediação veio a propósito para solucionar conflitos que os meios tradicionais processuais não são capazes de resolver em se tratando de ações que envolvem relações familiares, pois a mediação trata de forma imperiosa questões interpessoais que deram causa ao caso em litígio. Vale salientar ainda que esse método de solução de litígios tem o desafio de romper barreiras que a judicialização trouxe para o sistema jurisdicional, tornando mais rápidaa extinção de demandas nas varas de família.