Considerações acerca da tutela e curatela

17/06/2015 às 14:23

Resumo:


  • A tutela é um mecanismo de proteção legal para menores de idade sem poder familiar, visando garantir sua assistência e administração de bens; é regulada pelo Código Civil brasileiro e pode ser categorizada em testamentária, legítima e dativa.

  • A curatela destina-se a maiores de idade incapazes, como pessoas com enfermidades ou deficiências mentais, e visa a reger a pessoa e administrar seus bens; suas modalidades incluem as mesmas da tutela, com a adição da curatela do nascituro e do enfermo ou portador de deficiência física.

  • A cessação tanto da tutela quanto da curatela ocorre quando os motivos que as justificavam deixam de existir, como a maioridade do menor, a recuperação da capacidade do interditado ou o término do termo de serviço do tutor ou curador.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O artigo enfatiza uma abordagem didática à respeito dos institutos da tutela e curatela, com fundamento na legislação atual e vigente.

INTRODUÇÃO

1 TUTELA

Sílvio Rodrigues conceitua a tutela como “um instituto de nítido caráter assistencial e que visa substituir o poder familiar em face das pessoas cujos pais faleceram ou foram julgados ausentes, ou ainda quando foram suspensos ou destituídos daquele poder.”

Nesse mesmo sentido, Sílvio de Salvo Venosa diz que a tutela, assim como a curatela, é um instituto que objetiva suprir incapacidades de fato e de direito de pessoas  que não têm e que necessitam de proteção. Já, para Caio Mário da Silva Pereira, “consiste no encargo ou munus conferidos a alguém para que dirija a pessoa e administre os bens de menores de idade que não incide no poder familiar do pai ou da mãe.”

A tutela tem fundamento legal no artigo 1.728 do Código Civil:

Art. 1.728. Os filhos menores são postos em tutela:

I - com o falecimento dos pais, ou sendo estes julgados ausentes;

II - em caso de os pais decaírem do poder familiar.

Os tutores exercem o poder familiar sempre que os pais estiverem ausentes ou incapacitados de fazê-lo. Se um dos pais falecer, o poder familiar continuará concentrado no outro cônjuge. Porém, se ambos falecerem, o Estado transferirá o poder familiar a um terceiro, que é o tutor.

A tutela, nas palavras de Venosa, é “instituição supletiva do poder familiar”. Isso quer dizer que ela suplementa o poder parental quando da ausência dos pais ou da suspensão do poder deles. O artigo 1.729 dispõe da nomeação do tutor, que é restringido aos pais, em conjunto:

Art. 1.729. O direito de nomear tutor compete aos pais, em conjunto.

Parágrafo único. A nomeação deve constar de testamento ou de qualquer outro documento autêntico.

O legislador quis que os pais fossem aqueles que decidirão o melhor para seus filhos, buscando indicar para o desempenho do munus uma pessoa capaz de proteger, amar, cuidar das crianças ou adolescentes como se pais fossem, dando continuidade ao carinho e à proteção que aquele que nomeia, pai ou mãe, dedica aos seus amados.

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou pelo melhor interesse dos tutelados:

TUTELA. MELHOR INTERESSE DOS TUTELADOS. Adequada se mostra a alteração do tutor quando há fortes indícios no sentido de que vem ele gerando prejuízos ao desenvolvimento educacional, moral e patrimonial dos tutelados. (Agravo de Instrumento Nº 70016654832, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 18/10/2006).

Todavia, é imposto a ambos, pai e mãe, conjuntamente, a nomeação de tutor a seus filhos, suprimindo a possibilidade, consagrada na lei anterior, de inicialmente caber ao pai e, sucessivamente, à mãe a instituição de tutor de seu agrado. A decisão, assim, deverá ser adotada por ambos, de comum acordo.

1.2 ESPÉCIES DE TUTELA

Há, segundo a posição doutrinária de Sílvio Rodrigues, três espécies de tutela, a saber: testamentária, legítima e dativa.

1.2.1 TUTELA TESTAMENTÁRIA

É quando o tutor, escolhido pelos pais, é indicado no testamento ou documento autêntico. Documento autêntico pode ser entendido como todo aquele que não deixa dúvidas quanto à nomeação do tutor e a identidade do signatário.

Porém, existem dois requisitos para que esta espécie de tutela tenha eficácia: a) que o outro cônjuge não possa exercer o poder familiar, b) que aquele que nomeia o tutor esteja no exercício do poder familiar ao tempo de sua morte, conforme artigo 1.730 do CC.

1.2.2 TUTELA LEGÍTIMA

É a que se dá na falta da testamentária6, ou seja, não havendo sido um tutor nomeado pelos pais, o artigo 1.731 do mesmo Código, elenca os parentes consanguíneos aos quais pode ser incumbida a tutela, na seguinte ordem:

Art. 1.731. Em falta de tutor nomeado pelos pais incumbe a tutela aos parentes consanguíneos do menor, por esta ordem:

I - aos ascendentes, preferindo o de grau mais próximo ao mais remoto;

II - aos colaterais até o terceiro grau, preferindo os mais próximos aos mais remotos, e, no mesmo grau, os mais velhos aos mais moços; em qualquer dos casos, o juiz escolherá entre eles o mais apto a exercer a tutela em benefício do menor.

1.2.3 TUTELA DATIVA

É aquela derivada de sentença judicial, quando não há tutor testamentário ou legítimo, ou então quando eles forem escusados ou excluídos da tutela, conforme artigo 1.732:

Art. 1.732. O juiz nomeará tutor idôneo e residente no domicílio do menor:

I - na falta de tutor testamentário ou legítimo;

II - quando estes forem excluídos ou escusados da tutela;

III - quando removidos por não idôneos o tutor legítimo e o testamentário.

No caso de irmãos órfãos, dispõe o artigo 1.733:

Art. 1.733. Aos irmãos órfãos dar-se-á um só tutor.

§ 1º No caso de ser nomeado mais de um tutor por disposição testamentária sem indicação de precedência, entende-se que a tutela foi cometida ao primeiro, e que os outros lhe sucederão pela ordem de nomeação, se ocorrer morte, incapacidade, escusa ou qualquer outro impedimento.

§ 2º Quem institui um menor herdeiro, ou legatário seu, poderá nomear-lhe curador especial para os bens deixados, ainda que o beneficiário se encontre sob o poder familiar, ou tutela.

Pela redação do artigo referido, presume-se que o legislador quis manter juntos os irmãos que perderam seus pais.

1.3 INCAPAZES DE EXERCER A TUTELA

O artigo 1.735 enumera os incapazes de exercer o instituto da tutela, quais sejam aqueles que não podem administrar seus próprios bens, ou pessoas desonestas a quem seria temerário confiar a administração de valores de terceiros, e ainda pessoas que, devido a uma determinada relação com o menor, apenas não podem ser tutores daquele incapaz, mas podem o ser de outros:

Art. 1.735. Não podem ser tutores e serão exonerados da tutela, caso a exerçam:

I - aqueles que não tiverem a livre administração de seus bens;

II - aqueles que, no momento de lhes ser deferida a tutela, se acharem constituídos em obrigação para com o menor, ou tiverem que fazer valer direitos contra este, e aqueles cujos pais, filhos ou cônjuges tiverem demanda contra o menor;

III - os inimigos do menor, ou de seus pais, ou que tiverem sido por estes expressamente excluídos da tutela;

IV - os condenados por crime de furto, roubo, estelionato, falsidade, contra a família ou os costumes, tenham ou não cumprido pena;

V - as pessoas de mau procedimento, ou falhas em probidade, e as culpadas de abuso em tutorias anteriores;

VI - aqueles que exercerem função pública incompatível com a boa administração da tutela.

A tutela não pode ser deferida a quem não tenha condições para exercê-la. Aqueles que tiverem qualquer conflito de interesses com o que pretende acolher como tutelado devem entrar no “rol” dos impedidos para o exercício da tutela. Tais impedimentos “inspiram-se em razões de ordem pessoal, de natureza econômica e por incompatibilidade real ou presumida.” O impedimento pode ser arguido pelo próprio nomeado, por provocação dos legitimados e até de ofício, pelo juiz. Este, então, deve indeferir a tutoria ou destituir do que já exerce.

1.4 ESCUSA DOS TUTORES:

O artigo 1.736 elenca aqueles que podem escusar-se do exercício da tutela, quais sejam:

Art. 1.736. Podem escusar-se da tutela:

I - mulheres casadas;

II - maiores de sessenta anos;

III - aqueles que tiverem sob sua autoridade mais de três filhos;

IV - os impossibilitados por enfermidade;

V - aqueles que habitarem longe do lugar onde se haja de exercer a tutela;

VI - aqueles que já exercerem tutela ou curatela;

VII - militares em serviço.

Em regra, o convocado não pode escusar-se, por ser a tutela um munus público. Os que, por força da idade, sobrecarga ou doença, dificilmente poderiam dedicar-se integralmente ao encargo, têm a exclusiva prerrogativa de se escusarem.

1.5 REQUISITOS DA TUTELA

Um dos requisitos da tutela é que “os pais do menor tenham sido destituídos ou estejam suspensos do poder familiar”. Também na hipótese de os pais se encontrarem em local incerto e não sabido, caberá o instituto da tutela, até que o menor volte aos seus progenitores. Quando o desaparecimento for voluntário, ocorrerá a destituição do poder familiar, mas quando for fortuito, somente será deferida a tutela após declaração judicial de ausência.

1.6 EXERCÍCIO DA TUTELA

O tutor não não tem total liberdade para desempenhar o seu múnus. Não pode exercê-lo com a amplitude e a discricionariedade de quem está no exercício do pátrio poder. Ele depende da supervisão judicial para exercer quaisquer atos referentes à pessoa e aos bens do pupilo. Essa dependência é característica mor, o marco fundamental que estabelece os limites entre a tutela e o pátrio poder. Em última análise, o responsável pelo exercício da tutela é o juiz.

O art. 1.741 do Código Civil diz que:

Art. 1.741. Incumbe ao tutor, sob a inspeção do juiz, administrar os bens do tutelado, em proveito deste, cumprindo seus deveres com zelo e boa-fé.

O referido artigo fala da competência do tutor, que é, logicamente, bem menos ampla que a dos pais:

Art. 1.747. Compete mais ao tutor:

I - representar o menor, até os dezesseis anos, nos atos da vida civil, e assisti-lo, após essa idade, nos atos em que for parte;

II - receber as rendas e pensões do menor, e as quantias a ele devidas;

III - fazer-lhe as despesas de subsistência e educação, bem como as de administração, conservação e melhoramentos de seus bens;

IV - alienar os bens do menor destinados a venda;

V - promover-lhe, mediante preço conveniente, o arrendamento de bens de raiz.

1.6 CESSAÇÃO DA TUTELA

           A tutela, como instituto de proteção, destina-se à vigência temporária. Pode terminar por uma causa natural ou jurisdicional. E sua cessação pode dar-se tanto em relação ao pupilo, como ao próprio tutor. A lei faz diferença entre a cessação da condição de pupilo e a cessação da condição de tutor. Segundo o art. 1.763 do Código Civil:

Cessa a condição de tutelado:

I - com a maioridade ou a emancipação do menor;

II - ao cair o menor sob o poder familiar, no caso de reconhecimento ou adoção.

Nessas hipóteses são considerados os fatos que dizem respeito estritamente ao tutelado. Atingida a maioridade, não será mais necessária a tutela, pois terá cumprido o primeiro requisito para obter o exercício pleno da cidadania.

           A lei ainda faz diferença nos artigos 1.763 e 1.764 do Código Civil, uma vez que porque o término das funções do tutor nem sempre acarreta a cessação da condição de pupilo. Dispõe o art. 1.764 que:

Art. 1.764. Cessam as funções do tutor:

I - ao expirar o termo, em que era obrigado a servir;

II - ao sobrevir escusa legítima;

III - ao ser removido.

           Em qualquer desses casos, se o tutelado ainda for incapaz, continuará sendo pupilo de outrem, cessando para seu antigo tutor o exercício do múnus. A morte do tutelado também extingue a tutela.

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2. CURATELA

I          gualmente à tutela, a curatela é, também, um instituto de interesse público, “um encargo imposto pelo Estado em benefício coletivo”. Porém, a diferença é que ela serve para reger a pessoa e administrar os bens de pessoas maiores incapazes, em função de moléstia, prodigalidade ou até ausência. Nas lições de Caio Mário da Silva Pereira, “incidem na curatela todos aqueles que, por motivos de ordem patológica ou acidental, congênita ou adquirida, não estão em condições de dirigir a sua pessoa ou administrar os seus bens, posto que maiores de idade.”

O artigo 1.767 elenca quem são as pessoas sujeitas à curatela, inclusive o nascituro:

Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:

I - aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil;

II - aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;

III - os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;

IV - os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;

V - os pródigos.

           Decidiu em face da modalidade de curatela provisória o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INTERDIÇÃO. ENFERMIDADE PSIQUIÁTRICA E PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. MODALIDADE ESPECIAL DE CURATELA. CURATELA PROVISÓRIA. CABIMENTO. Em sendo a interdita nda enferma e portadora de deficiência física, no caso, aplica-se a nova modalidade de curatela especial prevista no inc. I do art. 1.767 do Código Civil. RECURSO PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70016457897, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Ricardo Raupp Ruschel, Julgado em 27/09/2006).

A curatela do nascituro tem fulcro no artigo 1.779:

Art. 1.779. Dar-se-á curador ao nascituro, se o pai falecer estando grávida a mulher, e não tendo o poder familiar.

Parágrafo único. Se a mulher estiver interdita, seu curador será o do nascituro.

           O nascituro e seus bens também devem ser protegidos pelo ordenamento jurídico.

2.1 REQUISITOS DA CURATELA

           Existem dois requisitos para que a curatela seja deferida – a incapacidade e decisão judicial. Só será concedida a curatela mediante prévia decretação do juiz.

2.2 ESPÉCIES DE CURATELA

           Conforme a doutrina de Venosa, são sete as espécies de curatela: as cinco elencadas no artigo 1.767; a do nascituro, no 1.779 e a do enfermo ou portador de deficiência física, no artigo 1.780.

           Da mesma forma que a tutela, a curatela também pode ser legítima, testamentária ou dativa.  Também se aplicam à curatela as regras pertinentes ao exercício da tutela, com exceção do artigo 1.782, que dispõe:

Art. 1.782. A interdição do pródigo só o privará de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração.

           As regras que dizem respeito à incapacidade para o exercício da curatela, as escusas e incumbências do curador, são as mesmas às atinentes à tutela.

2.3 CESSAÇÃO DA CURATELA

           No caso do incapaz, cessa a curatela quando sua integridade se recobrar. Para o pródigo, será levantada a curatela quando a incapacidade que o determinou cessar. “A deficiência mental pode desaparecer, o ébrio ou o toxicômano podem curar-se, assim como pode o surdo-mudo, mediante educação apropriada, adquirir capacidade de entendimento.” O próprio Código Civil permite tal assertiva:

Art. 1.186 - Levantar-se-á a Interdição, cessando a causa que a determinou.

§ 1º - O pedido de levantamento poderá ser feito pelo interditado e será apensado aos autos da interdição. O juiz nomeará perito para proceder ao exame de sanidade no interditado e após a apresentação do laudo designará audiência de instrução e julgamento.

§ 2º - Acolhido o pedido, o juiz decretará o levantamento da interdição e mandará publicar a sentença, após o transito em julgado, pela imprensa local e órgão oficial por três vezes, com intervalo de 10 (dez) dias, seguindo-se a averbação no Registro de Pessoas Naturais.

           “Cessada a incapacidade, poderá ser levantada a interdição, mediante pedido formulado pelo próprio interessado.”

REFERÊNCIAS

RODRIGUES, Sílvio. Direito civil: direito de família: volume 6. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 398.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 443.

PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 443. 

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Sobre a autora
Helloá Rodrigues Cidrão

Bacharel em Direito pela Faculdade Paraíso do Ceará - UNIFAP-CE Estagiária do TJCE na 1ª vara criminal da Comarca de CratoCE. Pós- graduada em Ciências Criminais pela CERS.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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