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A redução da maioridade penal e as consequências na legislação brasileira

25/06/2015 às 14:36

Resumo:


  • A discussão sobre a redução da maioridade penal no Brasil gira em torno da PEC 171-A de 1993, que propõe a diminuição da idade penal de 18 para 16 anos, gerando implicações jurídicas e legislativas significativas.

  • Entre as consequências da redução da maioridade penal estão mudanças na legislação penal, como a redefinição do conceito de vulnerabilidade em crimes sexuais e possíveis alterações nas penas aplicadas, além de impactos na legislação trabalhista e no consumo de bebidas alcoólicas por menores.

  • Críticos argumentam que a redução da maioridade penal pode retroceder na proteção de crianças e adolescentes, aumentar a violência no trânsito e o consumo de substâncias ilícitas, sugerindo alternativas como a reformulação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em vez de alterar a Constituição.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O artigo discute os principais efeitos que a redução da maioridade penal pode trazer a outras esferas do ordenamento jurídico (civil, do consumidor, de trânsito, trabalhista...)

A discussão da maioridade penal tem tomado força perante a sociedade porque se acredita que problemas como a violência e a impunidade seriam solucionados com a redução da imputabilidade penal para dezesseis anos.

Entretanto, muito tem se discutido sobre a redução da maioridade penal, entretanto, pouco tem se falado sobre as conseqüências jurídicas e legislativas na hipótese da aprovação da PEC 171-A de 1993.

De maneira prática e objetiva passaremos a demonstrar alguns dos reflexos no Ordenamento Jurídico Brasileiro com a eventual aprovação da redução da maioridade penal.

No que tange a Legislação Penal existem algumas implicações gravíssimas a serem consideradas, vejamos:

O capítulo II do Código Penal trata dos crimes sexuais contra vulnerável. O legislador atribui, num primeiro momento, a condição de vulnerável ao menor de quatorze anos ou a quem, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não possa oferecer resistência.

Pois bem, em conquista recente o Congresso Nacional aprovou a Lei n.º 12.015/2009 e a Lei n.º 12.978/2014, que não apenas endureceu as penas de crimes sexuais contra crianças e adolescentes, como criminalizou condutas que colocam em risco a vida e a integridade física de vulneráveis, como exemplo podemos citar o crime de favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou vulnerável e sua inclusão no rol dos crimes hediondos.

Seguem os dispositivos citados:

Estupro de vulnerável (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Art. 217-A.  Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 1o  Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Antes da Legislação supra o criminoso que estuprasse um menor de 14 anos não teria o agravamento de pena estipulada pelo Art. 217-A do Código Penal. Responderia somente pelo estupro simples previsto no caput do art. 213.

Art. 213.  Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. (Redação dada pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 1o  Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

O crime de estupro de vulnerável tem como pena base inicial a reclusão de 8 anos, enquanto o crime de estupro simples tem a pena base inicial de 6 anos.

De acordo com o § 2º do artigo 33 do Código Penal[1] aplica-se o regime fechado em delitos com pena superior a 8 anos, e o regime semi-aberto aos crimes com pena até 8 anos.

O que na prática significa que um estuprador de um vulnerável poderia pegar um regime inicial semi-aberto. Com a nova lei ele necessariamente deverá cumprir sua penal inicialmente em regime fechado.  

Este exemplo demonstra a grande importância da aprovação da Lei 12.05/2009, pois protege quem mais necessita.

Reduzir a maioridade penal seria ir à contra mão da proteção das crianças e dos adolescentes vítimas de crimes graves como: estupro de vulnerável; corrupção de menores; satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente; favorecimento da prostituição ou de forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou vulnerável.

Caso se aprove a PEC 171 que reduz a idade de imputabilidade penal para os dezesseis anos, é de se esperar que a redução de dois anos na idade da maioridade penal tenha reflexos na legislação penal e processual penal e em normas variadas do nosso ordenamento jurídico que dispõe sobre imputabilidade penal e gradações etárias, para fins de responsabilização penal e presunção de vulnerabilidade entre outros temas legais relevantes.

Uma das possíveis conseqüências da redução da maioridade penal para os dezesseis anos seria a redução do limite superior para presunção absoluta vulnerabilidade infanto-juvenil para os crimes sexuais, que poderia ser diminuído para os doze anos ou menos, com justificativa de correção da proporcionalidade.

Considerando que um adolescente de dezesseis anos passe a ser imputável, seria desproporcional que a lei permanecesse estabelecendo que um adolescente de quatorze anos é completamente vulnerável. Poder-se-ia argumentar que em apenas dois anos (dos 14 aos 16) uma pessoa não pode passar de incapaz de compreender e reagir à violência sexual, sendo mesmo o seu consentimento inválido, a totalmente capaz de responder por seus atos na esfera criminal.  

Em resumo, os principais impactos previstos são a diminuição da garantia da proteção legal dos adolescentes vítimas de crimes sexuais e o abrandamento das penas para os criminosos.

Segurança no trânsito

O artigo 140 do Código de Trânsito brasileiro traz como requisito para tirar habilitação ser penalmente imputável, portanto, caso a maioridade penal seja reduzida para dezesseis anos, poderá, a partir de então, se habilitar para conduzir veículo automotor.

Art. 140. A habilitação para conduzir veículo automotor e elétrico será apurada por meio de exames que deverão ser realizados junto ao órgão ou entidade executivos do Estado ou do Distrito Federal, do domicílio ou residência do candidato, ou na sede estadual ou distrital do próprio órgão, devendo o condutor preencher os seguintes requisitos:

I - ser penalmente imputável;

II - saber ler e escrever;

III - possuir Carteira de Identidade ou equivalente.

Muitos defensores da redução da maioridade penal defendem que não haveria nenhum problema poder conduzir veículos aos dezesseis anos.

Ocorre que o ato de dirigir tem repercussão social, porque o veículo pode ser um instrumento passível de provocar danos ao patrimônio e à vida das pessoas. Tal desdobramento faz com que esse ato difira substancialmente de outro que possa ser credenciado legalmente ao adolescente, a exemplo do direito de votar aos dezesseis anos.

Assim, o condutor, além de cumprir as exigências pertinentes ao ato de dirigir, deve estar apto a assumir também as consequências penais de suas atitudes ao volante, a cada vez que dirige um veículo. Portanto, a imputabilidade é o pressuposto da culpabilidade.

Estudos do comportamento humano demonstram que os atributos da adolescência justificam a licença graduada e restritiva. Inexperiência, baixo valor de responsabilidade, autoafirmação perante o grupo, sensação de onipotência, grande vitalidade e valoração da turma, entre outros, induzem à direção sem a prudência necessária.

Além disso, suscetibilidade à aprovação do grupo e a valorização do álcool como elemento mediador da diversão levam à condução perigosa sob o efeito de substância que alteram a percepção.

A Organização Mundial da Saúde sintetizou a situação de 101 países do mundo, cuja taxa de óbito no Brasil em acidentes de transito é de 23,0 (por 100 mil), ocupando o lamentável 4º lugar no ranking.

Assim, na última década, de 2002 a 2012, o número de mortes no transporte passou de 33.288 para 46.051, o que representa incríveis 1041% de crescimento.  Agora imagine tais índices com uma população habilitados para dirigir a partir dos dezesseis anos. A violência no trânsito terá um aumento absurdo com a possibilidade de tirar habilitação atrelada a possibilidade de consumir bebidas alcoólicas.

Consumo de Bebida Alcóolica

Recentemente (18/03/2015), a Presidenta da República sancionou a Lei n.º 13.106/2015, que torna crime a venda de bebidas alcoólicas para menores (criança e adolescente), com detenção de 2 a 4 anos e multa para o estabelecimento.

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Com a imputabilidade aos dezesseis anos, não se considerará adolescente o indivíduo que tenha entre 16 e 18 anos, podendo, portanto, ser liberada a venda de bebidas alcoólicas a essa faixa etária. O mesmo pode se dizer sobre a venda de cigarros.

Sabemos que a porta de entrada para drogas ilícitas é o álcool, sendo assim trona-se previsível que com o aumento do consumo de bebidas, haverá um conseqüente aumento no consumo de drogas ilícitas.

Consequências na Legislação Trabalhista

A Constituição Federal em seu art. 7º, inciso XXXIII, proíbe a realização de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menor de dezoito anos.

Todos as proibições contidas na Constituição e na legislação infraconstitucional tomam como parâmetros a imputabilidade penal.

O Decreto n.º 6481/2008 aprova a Lista das Piores formas de Trabalho infantil, e proíbe o menor de 18 anos de realizar qualquer uma dessas atividades. Com a possibilidade da imputabilidade reduzida, outro reflexo plausível seria a permissão da realização dessas formas de trabalho a partir dos 16 anos. Dentre as atividades trazidas pela lista podemos citar: produção de fumo; condução de máquinas agrícolas; pulverização de agrotóxicos; na extração e corte de madeira; manguezais e lamaçais; garimpos; salinas; na produção de carvão vegetal; na produção e manuseio de explosivos e inflamáveis líquidos; fabricação de fogos de artifícios; em matadouros; fabricação de cimento ou cal; destilarias de álcool; serralherias; transporte e armazenamento de álcool; em hospitais, serviços de emergência e enfermarias; coleta de lixo; cuidado e vigilância de crianças, idosos ou doentes; em câmaras frigoríficas; com exposição a ruído contínuo. 

Outrossim, importante perceber todos os possíveis e prováveis reflexos que a redução da maioridade penal trará ao Ordenamento Jurídico brasileiro.

Redução da Maioridade civil

A exemplo do que aconteceu com a redução da maioridade civil adotada pelo novo Código Civil, visando uniformizar o tratamento do Estado para com o cidadão e deste para com outros indivíduos, na regulação da vida social, pode perfeitamente ocorrer nova redução da maioridade civil com o mesmo fim.

Acredito que retroceder na proteção de crianças e adolescentes vítimas de crimes sexuais, bem como flexibilizar o consumo de bebidas alcoólicas entre os jovens e demais drogas ilícitas não seja a vontade da população. É verdade que a população clama por maior segurança e por justiça, mas isso não significa necessariamente alterar a Constituição Federal para reduzir a maioridade penal. A resposta que a população espera pode ser dada através da reformulação do ECA, como por exemplo, aumentar o tempo de internação, retirar a liberação compulsória aos 21 anos, e incluir a pena cumprida em seus antecedentes criminais. 

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Sobre a autora
Thais Angelica Gouveia

Advogada especialista em Direito Constitucional e Ciências penais e mestranda em processo legislativo. <br>Trabalho no Poder Legislativo analisando e assessorando parlamentares nos diversos temas que são discutidos e votados diariamente no Congresso Nacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOUVEIA, Thais Angelica. A redução da maioridade penal e as consequências na legislação brasileira. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4376, 25 jun. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40189. Acesso em: 22 dez. 2024.

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