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Nem cega e nem surda

01/05/2003 às 00:00
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Não mais serve para identificar a justiça a imagem de uma mulher sentada, de olhos vendados, tendo em mãos uma balança e uma espada. Ainda que venha aumentando a participação feminina nos quadros da magistratura, tal ainda não se refletiu em julgamentos atentos às questões de gênero. Como a justiça deve ser dinâmica, ágil e célere, descabe representá-la em posição inerte, comodamente sentada. A balança com seus pratos em equilíbrio de há muito não significa eqüidade, pois é imperioso o tratamento diferenciado de partes em posições desiguais. A espada, se visava a representar efetividade, traduz mais idéia de agressividade e não se compatibiliza com a postura socializante e sensível que deve ter o julgador.

Se a justiça não deve ser representada pela deusa Têmis, igualmente descabe que continue sendo considerada também surda. Imperioso que ouça o clamor do povo, se aproxime dos jurisdicionados, atente às queixas das partes, se preocupe com a eficiência da atividade mais essencial ao cidadão. Urge a criação da Ouvidoria da Justiça, com a finalidade específica de buscar uma rápida prestação jurisdicional. Mister colocar à disposição de advogados, servidores e partes, meios diversos para denúncias, sugestões e reclamações. Dada ciência ao reclamado do fato denunciado, disporia ele de prazo para responder, devendo comunicar a providência tomada e a solução final. O desatendimento a tais determinações seria anotado na ficha funcional do serventuário ou magistrado, cabendo a instauração do processo administrativo, se for o caso. Além de dar uma resposta a cada reclamante, mister a publicação mensal do relatório de suas atividades.

Indispensável que a Ouvidoria tenha acesso a todas as informações dos demais órgãos do Poder Judiciário, sendo-lhe disponibilizado o andamento dos processos em todas as comarcas, bem como dos recursos em tramitação no Tribunal, dados que o atual estágio da informática permite acessar com facilidade. Também ficariam à sua disposição os dados referentes ao desempenho de cada magistrado e, exercendo atividade censória, poderia solicitar informações sobre as causas de retardamento de algum ou alguns processos, buscar justificativas para o eventual acúmulo, estabelecer metas, planos de trabalho, bem como implantar mecanismos para dinamizar o andamento dos feitos: regime de exceção, redistribuição de processos ou formação de equipe de magistrados para socorrer determinadas varas, comarcas ou câmaras.

O ocupante de tal cargo necessita conhecer o funcionamento da justiça, mas não ser um integrante de seu quadro. Sua legitimidade deve vir do referendo dos magistrados e sua independência assegurada pela investidura temporária. Talvez o Ouvidor da Justiça deva ser Desembargador aposentado, eleito por todos os magistrados, com mandato limitado e sem possibilidade de recondução.

Urge que o próprio Poder Judiciário busque mecanismos visando a otimizar a distribuição da Justiça, já que a criação de um controle externo inquestionavelmente viria fragilizar a independência da atividade jurisdicional e comprometer a garantia maior de um estado democrático de direito: um julgamento atento à realização do direito, mas ágil.

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Sobre a autora
Maria Berenice Dias

Advogada especializada em Direito das Famílias e Sucessões. Pós-Graduada e Mestre em Processo Civil. Ex-desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Vice-Presidente Nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Maria Berenice. Nem cega e nem surda. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 65, 1 mai. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4025. Acesso em: 26 abr. 2024.

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