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As exceções ao sigilo das correspondências e comunicações na Constituição de 1988

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01/05/2003 às 00:00
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4 - LIMITAÇÕES AO SIGILO DE CORRESPONDÊNCIAS E COMUNICAÇÕES

4.1. Limitações ao Sigilo de Correspondências e Comunicações na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Os direitos humanos fundamentais, como exposto, só foram conquistados e afirmados em tempos recentes, após numerosos abusos e excessos praticados pelos tiranos.

Asseguraram-se, então, ‘armas’ a serem invocadas e exercitadas, a princípio contra o Estado, de modo a possibilitar o desenvolvimento pleno da personalidade humana.

Todavia, em respeito à coletividade, ao interesse geral e à convivência harmoniosa, não podem referidos direitos servir de broquel para práticas ilícitas que atentem contra a ordem [33], donde se conclui não serem absolutos - até mesmo porque o que se apresenta como direito fundamental em determinada civilização e contexto histórico não se afigura como tal em relação a outras épocas e em outros povos.

Este caráter relativo dos direitos fundamentais encontra-se inserto na Declaração dos Direitos Humanos da ONU, artigo 29, II e III [34], e foi acolhido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que se pronunciou neste sentido por diversas vezes, momento em que citamos acórdão proferido quando do julgamento do Habeas Corpus (HC) nº 70.814-SP, tendo como relator o ilustre Ministro Celso de Mello:

"Habeas Corpus - Estrutura Formal da Sentença e do Acórdão - Observância - Alegação de Interceptação Criminosa de Carta Missiva Remetida por Sentenciado - Utilização de Cópias Xerográficas Não Autenticadas - Pretendida Análise da Prova - Pedido Indeferido. – (...) - A administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode, sempre excepcionalmente, (...), proceder à interceptação da correspondência remetida pelos sentenciados, eis que a cláusula tutelar da inviolabilidade do sigilo epistolar não pode constituir instrumento de salvaguarda de práticas ilícitas. (...) [35]".

Compartilhando desta orientação, achou por bem o constituinte originário de 1988 exteriorizar no próprio Texto Mor algumas limitações aos direitos fundamentais, inclusive ao direito à vida [36], e especialmente ao sigilo de correspondências e comunicações, avançando em relação às suas antecessoras, onde a violabilidade desses sigilos só se admitia na esfera infraconstitucional [37], como expusemos acima.

Ainda, as exceções externadas na Carta que analisaremos individualmente à frente não são, segundo parte da doutrina, suficientes para limitação desta manifestação do direito à intimidade, momento em que afirmam existirem métodos de interpretação e princípios destinados a dar à norma o alcance supostamente pretendido pelo legislador - até mesmo diante da impossibilidade de se prever todas as situações e conseqüências advindas de certa conjuntura fática -, o que os leva a considerar a existência de limitações implícitas ao sigilo, permitindo o livre desenvolvimento da personalidade humana, reverenciando sua dignidade e exaltando direito outros como à liberdade, à segurança, ao bem-estar, ao desenvolvimento e à justiça.

4.1.1. Limitações expressas

O sigilo de correspondências e comunicações encontra-se expressamente limitado na Constituição Federal em duas ocasiões: para fins de investigação criminal ou instrução processual penal (artigo 5º, XII) e para a defesa do Estado e da democracia quando decretado Estado de Defesa ou Estado de Sítio (artigos 136 e 137).

Traduzindo o Estado de Defesa e o Estado de Sítio, como se verá, verdadeiras situações de excepcionalidade (não havendo ainda julgados acerca da matéria proferidos após 1988), maior destaque neste estudo receberá a primeira limitação acima apontada.

A) Artigo 5º, XII da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Nos termos do artigo 5º, XII da Constituição Federal de 1988, que discorre sobre a inviolabilidade da correspondência, das comunicações telegráficas, de dados e telefônicas, tem-se como textualmente violável somente o sigilo das comunicações telefônicas, e mesmo assim condicionado ao preenchimento de três requisitos cumulativos insertos na própria norma: autorização judicial; quando voltado para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; e, finalmente, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer.

É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal e instrução processual penal;

Neste ponto, Ada Pellegrini Grinover levanta interessante questão não citada, talvez por desconhecimento, data venia, por outros doutrinadores.

O certo é que a Assembléia Nacional Constituinte aprovou texto diverso do que veio afinal a ser promulgado. A redação aprovada em segundo turno, no plenário, foi a seguinte: ‘É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações de dados, telegráficas e telefônicas, salvo por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal ou instrução processual’ [38].

Critica duramente a Comissão de Redação da Assembléia Nacional Constituinte, que ao acrescentar as palavras ‘comunicações’, ‘no último caso’ e ‘penal’ ao texto modificou totalmente a vontade aprovada em plenário.

Afirma que a antiga redação do inciso, além de possibilitar expressamente a violação dos sigilos de correspondência, comunicações de dados, telegráficas e telefônicas, ainda estaria voltada para os demais processos – administrativos, trabalhistas, civis,...

Conclui, pois, pela inconstitucionalidade formal – por incompetência da Comissão de Redação para alteração da norma e por desrespeito à necessidade de sua votação em dois turnos [39] - do inciso ao fim promulgado e incorporado à Constituição de 1988, erro que pode, em seu entender, ser a qualquer tempo sanado pelo Congresso Nacional ou pelo Poder Judiciário.

Do mesmo modo, importante assinalar, com o devido respeito, a má redação do inciso no que se refere à abrangência da ressalva nele exposta. Em outras palavras, faria a reserva ‘salvo, no último caso’ alusão: apenas às comunicações telefônicas; às comunicações telegráficas, de dados e telefônicas; ou, ainda, teria o significado de ‘em última hipótese’, ‘em caso de urgência’?

Os Tribunais, ao analisar pedidos e autorizar a quebra do sigilo com supedâneo no preceito ora comentado, fazem-no somente quanto às comunicações telefônicas e para os fins de investigação criminal ou instrução processual penal [40].

As demais modalidades de comunicação e os pedidos atinentes aos demais ramos do Direito só são deferidos, e quando são, em razão das restrições implícitas, e não por expressa autorização constitucional, como se apresenta abaixo.

Ainda, "basta observar que a reiteração da palavra ‘comunicações’, antes de ‘telefônicas’, indica exatamente que a exceção constitucional só a estas se refere". [41]

Entendemos, assim, ter o constituinte originário objetivado limitar expressamente apenas o sigilo das comunicações telefônicas, quando antecedida por autorização judicial e desde que voltada para investigação criminal ou instrução processual penal.

Pois bem, apontados os conflitos quanto à atual redação do inciso XII, resta a análise das exigências nele insertas.

As duas primeiras, pela sua própria redação, prescindem de maiores comentários, haja vista ser clara a vontade do legislador ao exigir prévia ordem judicial e a necessidade de estar a quebra voltada para investigação criminal ou instrução processual penal.

Por outro lado, comentários mais aprofundados devem ser traçados quanto ao condicionamento da autorização judicial aos casos e à forma que a lei estabelecer.

Muito se discutiu quanto à recepção do Código Brasileiro de Telecomunicações - instituído pela Lei nº 4.117, de 27.08.1962 - pelo Texto de 1988, o que trouxe inúmeras dificuldades aos profissionais do Direito.

Várias foram as decisões judiciais autorizadoras da quebra do sigilo telefônico tendo por fundamento o artigo 57 daquele diploma.

"Tráfico Internacional de Entorpecentes. Co-Réus. Cerceamento de Defesa. Laudo do Exame Toxicológico Juntado Tardiamente aos Autos. Prova Colhida por Escuta Telefônica. 1. (...). 3. O texto constitucional excepciona da vedação da prova colhida por escuta telefônica a realizada por ordem judicial, para investigação criminal ou instrução processual penal. Recepção do art. 57 do Código Brasileiro de Telecomunicações. 4. Apelações improvidas [42]".

Veio então o STF e se manifestou pela não recepção do artigo 57 do Código de Telecomunicações por entender não suprir referida norma a exigência da parte final do inciso XII, artigo 5º CF, fazendo-se necessária a edição de lei própria.

"Habeas-Corpus. Crime Qualificado de Exploração de Prestígio (CP, Art. 357, Parágrafo Único). Conjunto Probatório Fundado, Exclusivamente, de Interceptação Telefônica, Por Ordem Judicial, Porém, Para Apurar Outros Fatos (Tráfico De Entorpecentes): Violação do Art. 5º, XII, Da Constituição. 1. O art. 5º, XII, da Constituição, que prevê, excepcionalmente, a violação do sigilo das comunicações telefônicas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, não é auto-aplicável: exige lei que estabeleça as hipóteses e a forma que permitam a autorização judicial. Precedentes. a) Enquanto a referida lei não for editada pelo Congresso Nacional, é considerada prova ilícita a obtida mediante quebra do sigilo das comunicações telefônicas, mesmo quando haja ordem judicial (CF, art. 5º, LVI). b) O art. 57, II, a, do Código Brasileiro de Telecomunicações não foi recepcionado pela atual Constituição (art. 5º, XII), a qual exige numerus clausus para a definição das hipóteses e formas pelas quais é legítima a violação do sigilo das comunicações telefônicas. 2. (...). 5. Habeas-corpus conhecido e provido para trancar a ação penal instaurada contra o paciente, por maioria de 6 votos contra 5 [43]".

No entanto, ao invés de se pôr fim às batalhas jurídicas até então travadas, esse posicionamento gerou verdadeiro paradoxo em nosso ordenamento jurídico.

Durante a vigência das Constituições anteriores, que textualmente inadmitiam a quebra do sigilo de correspondências e comunicações, as decisões judiciais eram favoráveis às violações com fundamento em preceitos infraconstitucionais. Já diante da nova ordem constitucional, que expressamente autoriza a violação, viram-se os magistrados impedidos de autorizá-la por inexistir legislação regulamentadora específica.

Tal contradição só foi resolvida com a edição, em 24.07.1996, da Lei nº 9.296 que, ao regulamentar a parte final do inciso sob estudo (admitindo a violação do sigilo quando presentes indícios palpáveis da autoria ou participação em infração penal, quando impossível a realização de outros meios de prova e restringindo a quebra às infrações penais punidas com reclusão), também sofreu ataques quanto à constitucionalidade do parágrafo único de seu artigo primeiro, que diz:

"Art. 1º A interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal, observará o disposto nesta Lei e dependerá de ordem do juiz competente da ação principal, sob segredo de justiça.

Parágrafo único. O disposto nesta Lei aplica-se à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática [44]".

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Dividiu-se a doutrina em duas alas: uma considerando-o inconstitucional e outra defendendo sua constitucionalidade.

A primeira, representada por Ada Pellegrini Grinover, se baseia na regra segundo a qual ‘...regras limitadoras de direitos, sobretudo quando excepcionais, devem ser interpretadas restritivamente [45]’.

Já a segunda entende inexistir qualquer inconstitucionalidade da norma por, basicamente, três motivos:

"1º A interpretação das normas constitucionais exige que a uma norma constitucional seja atribuído o sentido que maior eficácia lhe conceda (...), sendo vedada a interpretação que lhe suprima ou diminua a finalidade(...). 2º (...), apesar de a exceção constitucional (CF, art.5º, XII, in fine) expressamente referir-se somente à interceptação telefônica, nada impede que nas outras espécies de inviolabilidades haja possibilidade de relativização da norma constitucional,... 3º Finalmente, o fato da ementa da lei afirmar que "Regulamenta o Inciso XII, Parte Final, do art. 5º da Constituição Federal", de forma alguma impede que o texto legal discipline outros assuntos, uma vez que a lei que veicula meteria estranha ao enunciado constante de sua ementa, por só esse motivo, não ofende qualquer postulado constitucional,... [46]"

Mais uma vez, o Supremo Tribunal Federal foi instado a se pronunciar em razão da propositura de Ação Direita de Inconstitucionalidade – Medida Cautelar – pela Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, que tinha o propósito de suspender a vigência da norma.

Todavia, o mérito da questão não chegou a ser analisado por entender o relator do processo, ilustre Ministro Néri da Silveira, não estar demonstrado o periculum in mora [47], o que acabou por manter a dúvida existente quanto ao alcance do art.5º, inc.XII CF e da Lei nº 9.296/96, dando margem às mais variadas decisões, admitindo ou não a ampliação constitucional por norma infraconstitucional e, por conseqüência, considerando lícitas ou ilícitas as provas oriundas das interceptações.

Outro ponto merecedor de esclarecimento consiste na diferença existente entre as espécies de interceptação telefônica - interceptação telefônica em sentido estrito, escuta telefônica e gravação telefônica, - já que o artigo 10 da Lei nº 9.296/96 se refere à interceptação telefônica [48], expressão que deve ser definida a fim de dar à norma seu correto alcance.

Ocorre interceptação telefônica estrito senso quando a violação ao sigilo da comunicação é realizada por terceiro, sem o conhecimento de qualquer dos comunicadores; ao passo que ocorrerá escuta telefônica se a violação for efetuada por terceiro, mas com o conhecimento de um dos comunicadores; por sua vez, a gravação telefônica é realizada por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro. Assim, nos dois primeiros tipos de violação há três protagonistas; enquanto no último existem apenas dois [49].

Conclui-se, pois, com suporte em julgados, ser o inciso XII do artigo 5º da Lei Maior referente somente às interceptações telefônicas em sentido estrito [50].

B) Artigos 136 e 137 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 - Estado de Defesa e Estado de Sítio

Primeiramente, importante que se registre não ser objeto deste trabalho o estudo aprofundado destes institutos, mas tão somente o levantamento de suas características gerais e, mais precisamente, sua relação com a limitação do sigilo de correspondência e comunicações.

Pois bem, o Estado de Defesa e o Estado de Sítio compõem o que a doutrina denomina Sistema Constitucional das Crises.

Em outras palavras, quando o Estado se vê impossibilitado de, com os meios repressivos ordinários que dispõe, afastar ou ultimar ameaças à supremacia constitucional, à divisão dos poderes, ao princípio republicano, à participação popular direta, à igualdade perante a lei, ao progresso e justiça sociais e à prevalência da vontade popular constitucionais, necessária a instituição de uma legalidade extraordinária a fim de reger esta conjuntura fática, já que, ‘...se não for convenientemente administrada, governada, poderá provocar o rompimento do equilíbrio constitucional e, por conseguinte, pôr em grave risco as instituições democráticas [51]’.

A Constituição Federal, dessarte, informada pelos princípios da temporariedade e necessidade, estabelece em seus artigos 136, 137, 138 e 139 os requisitos a serem observados para decretação destes verdadeiros estados de exceção.

O Estado de Defesa, de menor abrangência, traduz uma situação temporária - máximo de trinta dias, prorrogável uma única vez por igual período - destinada a locais restritos e determinados em que se organizam medidas específicas destinadas a conter ameaças à ordem pública ou à paz social, solucionar instabilidades institucionais ou superar calamidades naturais, sendo sua decretação de competência exclusiva do Presidente da República, após a necessária, mas não vinculada oitiva do Conselho da República e do Conselho de Defesa Nacional, como se depreende do artigo 136 da Constituição Federal:

"Art. 136. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, decretar estado de defesa para preservar ou prontamente restabelecer, em locais restritos e determinados, a ordem pública ou a paz social ameaçadas por grave e iminente instabilidade institucional ou atingidas por calamidades de grandes proporções na natureza.

§ 1º - O decreto que instituir o estado de defesa (...) indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes:

I - restrições aos direitos de:

a) reunião, ainda que exercida no seio das associações;

b) sigilo de correspondência;

c) sigilo de comunicação telegráfica e telefônica";

Como se vê, uma das medidas possíveis de serem especificadas no decreto instituidor do Estado de Defesa é a limitação de certos direitos individuais.

Tais limitações se justificam pelo fato de que certos direitos fundamentais, ‘...se mal utilizados ou exercidos emocionalmente em momentos de instabilidade, podem gerar mais problemas do que soluções,...’ [52].

O sigilo de correspondência e comunicações telegráfica e telefônica, porquanto, se livremente exercitado, possibilitaria a franca troca de informações e permitiria a organização de movimentos prejudiciais ao restabelecimento da ordem e à democracia.

O Estado de Sítio, por seu turno, traduz uma situação mais complicada, pois voltado à repressão de comoção interna grave, de crises não solucionadas pelo Estado de Defesa, resposta a ataques externos ou declaração de estado de guerra, onde se suspendem direitos e garantias constitucionais.

"Art. 137. O Presidente da República pode, ouvidos o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional, solicitar ao Congresso Nacional autorização para decretar o estado de sítio nos casos de:

I - comoção grave de repercussão nacional ou ocorrência de fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o estado de defesa;

II - declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira".

O Presidente da República, neste, não mais atua isoladamente. Ao contrário, além de ouvir os Conselhos de Defesa Nacional e da República, deve solicitar autorização do Congresso Nacional, momento em que especificará seu tempo de duração, a área a ser atingida e os direitos e garantias a serem suspensos.

"Art. 138. O decreto do estado de sítio indicará sua duração, as normas necessárias a sua execução e as garantias constitucionais que ficarão suspensas, e, depois de publicado, o Presidente da República designará o executor das medidas específicas e as áreas abrangidas.

§ 1º - O estado de sítio, no caso do art. 137, I, não poderá ser decretado por mais de trinta dias, nem prorrogado, de cada vez, por prazo superior; no do inciso II, poderá ser decretado por todo o tempo que perdurar a guerra ou a agressão armada estrangeira".

Se decretado por força do artigo 137, I da Constituição, dentre os direitos passíveis de sofrerem suspensão se encontra, mais uma vez, o sigilo de correspondência e comunicação.

"Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:

(...);

III - restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações,..., na forma da lei";

Ratifique-se o acima apresentado quanto ao Estado de Defesa, ou seja, caso haja livre trânsito de correspondência e comunicações, dificilmente a ordem institucional e a democracia serão restabelecidas, acrescentando que referidas restrições só serão regulamentadas em lei posterior à decretação do Estado de Sítio [53].

4.1.2. Limitações implícitas

Nos moldes da redação constitucional, tem-se como violável somente o sigilo das comunicações telefônicas para fins de investigação criminal ou instrução processual penal - desde que autorizado judicialmente e quando observados os termos da Lei nº 9.296, de 24.07.1996 - e as correspondências e comunicações na hipótese de decretação de Estado de Defesa ou Estado de Sítio (situações anômalas).

Contudo, analisar-se desta maneira os preceitos, principalmente constitucionais, resultaria na exaltação da interpretação literal, a qual, não obstante seja o primeiro passo para compreensão normativa, se observada às cegas pode levar o intérprete a equívocos e à solidificação daqueles, impedindo sua adequação às evoluções sócio-jurídicas e à correta aplicação da justiça.

É por esta razão que parte significativa da doutrina consagra a visão estrutural dos textos legais, mais precisamente da Constituição [54], e a sua interpretação teleológica, segundo a qual deve-se observar o resultado prático desejado quando da sua elaboração, não se limitando, todavia, à conjuntura fática que a fundamentou, já que:

O objetivo da norma, positiva ou consuetudinária, é servir a vida, regular a vida; destina-se a lei a estabelecer a ordem jurídica, a segurança do Direito. Se novos interesses despontam e se enquadram na letra expressa, cumpre adaptar o sentido do texto antido ao fim atual [55].

Assim, chegou-se à conclusão de não mais existirem direitos fundamentais – gênero - absolutos, quer pelas limitações expressas, pela interpretação sistêmica ou pela interpretação finalística, que abrange a ‘interpretação constitucional evolutiva’ [56].

E é com este mesmo raciocínio que deve ser analisado o sigilo de correspondências e comunicações.

Já tendo sido expostas as limitações explícitas, resta agora o exame das outras duas ponderações, que qualificam as limitações implícitas do sigilo objeto deste trabalho.

Pela interpretação sistêmica, ou sistemática procura-se compreender o conjunto normativo-constitucional. Para este fim, alguns princípios de interpretação constitucional exercem importante papel, dentre os quais se destacam os da efetividade e proporcionalidade.

O princípio da efetividade (primeiro motivo defendido pela parte da doutrina que considera constitucional o parágrafo único, art.1º da lei nº 9.296/96) traduz a ‘necessidade de dar preferência, nos problemas constitucionais, aos pontos de vista que levem as normas a obter a máxima eficácia ante as circunstâncias de cada caso’ [57], e da sua aplicação sobre o artigo 5º, XII da CF resulta admitir-se a quebra do sigilo de correspondência, das comunicações telegráficas, de dados (sigilo bancário e fiscal), telefônicas e telemáticas [58] para exaltação do direito à vida, à liberdade, à segurança, à propriedade e ao bem-estar.

O princípio da proporcionalidade – de origem estrangeira [59] - em relação aos direitos fundamentais possui duas funções precípuas: defendê-los contra atos do Estado que o limitem e ‘...funcionar como critério para solução de conflitos de direitos fundamentais, através de juízos comparativos de ponderação dos interesses envolvidos no caso concreto’ [60], função esta que mais vínculo conserva com o presente estudo.

Já pela interpretação teleológica, ou finalística, que guarda estreita relação com o princípio da efetividade acima citado, merece prevalecer a vontade da lei, mens legis – não confundi-la com mens legislatoris, vontade do legislador -, que se amoldará às evoluções sociais, sob pena de permanecer presa a determinado fato e perder por completo seu alcance, donde se conclui serem os incessáveis avanços tecnológicos experimentados ao longo dos tempos fomentadores cada vez mais da ingerência de terceiros (Estado ou particulares) na intimidade de cada um, merecendo, do mesmo modo, sofrer a limitação dispensada aos meios de comunicação originariamente consagrados na Constituição – interpretação evolutiva.

Todos estes princípios e técnicas de interpretação visam, enfim, autorizar ou aceitar a violação ao sigilo de correspondências e aos mais diversos meios de comunicação de maneira a aproximar a prática da redação originariamente aprovada em plenário mas que fora, segundo Ada Pellegrini Grinover modificada, evitando sua utilização para fins contrários à ordem legal, estabelecendo uma harmonia entre direitos fundamentais aparentemente opostos e dando a cada caso a solução mais justa.

Os pontos ora levantados, todavia, não são pacíficos em nosso ordenamento. Doutrinadores há que defendem e julgadores há que decidem pela interpretação literal [61] e pela predominância da mens legistatoris sobre a mens legis, além de se inadmitirem a incidência de princípios alienígenas em nosso ordenamento [62].

4.2. Relação entre as Limitações ao Sigilo de Correspondências e Comunicações da Constituição de 1988 e as Provas Ilícitas

Nosso ordenamento jurídico tem por repudiáveis, em todos os ramos processuais, as provas obtidas ilicitamente, nos termos do artigo 5º, LVI da CF:

"São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos";

A ilicitude esculpida neste preceito constitucional, segundo Fernando Capez, deriva do gênero ‘provas vedadas’, ou ilegais [63], do qual são espécies as provas ilegítimas e as provas ilícitas em sentido estrito.

Entende-se por provas ilegítimas aquelas que contêm um vício de natureza processual (que violem o princípio do contraditório, por exemplo), e por provas ilícitas em sentido estrito aquelas que possuem vício de natureza material (transgressão a direitos fundamentais como, por exemplo, as obtidas com violação de domicílio, mediante tortura,...).

Ainda, seguindo a teoria norte-americana dos ‘frutos da árvore envenenada’, o Supremo Tribunal Federal tem inadmitido as provas derivadas de outras originariamente ilícitas [64].

Vê-se, assim, estreita relação entre esta matéria e o objeto deste trabalho, já que, além de satisfazer a curiosidade alheia, a quebra dos sigilos de correspondências e comunicações tem por finalidade servir de prova tendente a demonstrar ou afastar pretensão argüida judicialmente.

Pois bem, no período compreendido entre a promulgação da Carta de 1988 e a edição da Lei nº 9.296/96, as interceptações telefônicas realizadas, ainda que com autorização judicial, para investigação criminal ou instrução processual penal eram consideradas ilícitas pelos Tribunais Superiores por não haver legislação regulamentadora do artigo 5º, XII CF, haja vista não ter sido o Código Brasileiro de Telecomunicações recepcionado para este fim, como já se expôs.

Com a edição da Lei nº 9.296/96 (que ampliou a redação constitucional – como afirmado no item 4.1.1.A), no que se refere à limitação expressa do artigo 5º, XII CF, a admissibilidade das provas derivadas da violação do sigilo de comunicações telefônicas, dos sistemas de informática e telemática ficaram condicionadas à prévia autorização judicial (se presentes indícios palpáveis da autoria ou participação em infração penal; se impossível a comprovação do crime e autoria por outros meios de prova; se relacionada a investigação de infração penal punida com reclusão) e à função específica [65] de auxiliar investigações criminais ou instrução processual penal.

Ainda, sob o argumento de ter a Lei nº 9296/96 considerado criminosa, ou ilícita somente a interceptação telefônica em sentido estrito (a feita por terceiros sem o conhecimento de quaisquer dos interlocutores [66]), o Supremo Tribunal Federal considerou, quando do julgamento do Habeas Corpus nº 75.338-RJ – não de maneira unânime, é verdade –, lícitas as gravações realizadas por um dos interlocutores sem o consentimento do outro (gravações clandestinas), justamente por não serem essas objeto de nenhuma lei, nem mesmo da nº 9.296/96 [67], modificando seu posicionamento anterior exposto quando do julgamento da Ação Penal nº 307-3-DF [68].

Todavia, por força do caráter relativo das normas constitucionais, a (in)admissibilidade das provas oriundas de interceptações dos meios de comunicação não se restringe às hipóteses acima suscitadas.

Forçoso, novamente, que se busque amparo no princípio da proporcionalidade ou razoabilidade, desta vez ‘...no procedimento probatório, de sorte a abrandar o princípio da proibição da prova obtida ilicitamente’ [69], admitindo-a de modo a assegurar direitos outros também consagrados na Constituição.

Em outras palavras, o magistrado deve ponderar diante do caso concreto se, ao admitir e utilizar provas obtidas com violação ao sigilo dos meios de comunicação, estará dando maior proteção a direitos considerados mais relevantes que a intimidade (tais como a vida, liberdade, segurança - individual ou coletiva,. ..), inclusive em ramos outros que não o direito processual penal (civil, o administrativo, o processual civil,...).

"Processo Civil. Prova. Gravação De Conversa Telefônica Feita Pela Autora Da Ação De Investigação De Paternidade Com Testemunha Do Processo. Requerimento de juntada da fita, após a audiência da testemunha, que foi deferido pelo juiz. Tal não representa procedimento em ofensa ao disposto no art. 332 do CPC, pois aqui o meio de produção da prova não é ilegal, nem moralmente ilegítimo. Ilegal é a interceptação, ou a escuta de conversa telefônica alheia. Objetivo do processo, em termos de apuração da verdade material ("a verdade dos fatos em que se funda a ação ou a defesa"). Recurso especial não conhecido. Votos vencidos 4. Recurso conhecido mas não provido [70]".

"Penal. Processual. Gravação De Conversa Telefônica Por Um Dos Interlocutores. Prova Lícita. Princípio da Proporcionalidade. "Habeas Corpus". Recurso. 1. A gravação de conversa por um dos interlocutores não é interceptação telefônica, sendo lícita como prova no processo penal. 2. Pelo princípio da proporcionalidade, as normas constitucionais se articulam num sistema, cuja harmonia impõe que, em certa medida, tolere-se o detrimento a alguns direitos por ela conferidos, no caso, o direito à intimidade. 3. Precedentes do STF [71]".

"As escutas telefônicas, ou seja, aquelas feitas por um dos interlocutores sem o consentimento do outro têm sido admitidas quando há excludente de ilicitude: "Habeas corpus". Utilização de gravação de conversa telefônica feita por terceiro com a autorização de um dos interlocutores sem o conhecimento do outro quando há, para essa utilização, excludente da antijuridicidade. - Afastada a ilicitude de tal conduta - a de, por legítima defesa, fazer gravar e divulgar conversa telefônica ainda que não haja o conhecimento do terceiro que está praticando crime -, é ela, por via de conseqüência, lícita e, também conseqüentemente, essa gravação não pode ser tida como prova ilícita, para invocar-se o artigo 5º, LVI, da Constituição com fundamento em que houve violação da intimidade (art. 5º, X, da Carta Magna). "Habeas corpus" indeferido [72]".

Finalmente, cumpre deixar claro que, muito embora na prática penal as provas ilícitas só têm sido admitidas quando beneficiam o réu (pro reo), existem doutrinadores que lutam por sua utilização em favor, também, da sociedade [73].

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Sobre o autor
Cyrlston Martins Valentino

Advogado atuante em Goiás e Distrito Federal, advogado do Conselho Federal de Medicina Veterinária

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VALENTINO, Cyrlston Martins. As exceções ao sigilo das correspondências e comunicações na Constituição de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 65, 1 mai. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4029. Acesso em: 19 abr. 2024.

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