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Dolo englobante:

um novo conceito sobre o elemento subjetivo do tipo

24/08/2015 às 14:28
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Diante do conceito de vontade aqui definido, o dolo, ao contrário do que sustenta Welzel, não é apenas o dolo natural, a pura vontade de realização desprovida de conteúdo valorativo, mas sim a vontade de realização dos elementos objetivos do tipo penal.

“Diante do conceito de vontade aqui acolhido, o dolo, para nós, ao contrário do que sustenta Welzel, não é apenas o dolo natural, a pura vontade de realização, desprovida de conteúdo valorativo, mas sim a vontade de realização dos elementos objetivos do tipo aliada a um “sentimento” – móvel -, à intenção no sentido de diminuição, de contrariedade, de menosprezo ao valor – bem jurídico – tutelado pelo tipo penal”

Vontade é o querer consciente a realização da ação, a tomada de uma decisão após uma escolha.

Para a configuração da vontade, portanto, não basta aquele querer “cego” dos animais, sendo indispensável a consciência da ação. Mas do que se trata a consciência?

Ângela Ales Bello nos ensina que a consciência “é a dimensão com a qual nós registramos os atos. (...). É como um ponto de convergência das operações humanas, que nos permite dizer o que estamos dizendo ou fazer o que estamos fazendo como seres humanos. Somos conscientes de que temos a realidade corpórea, a atividade psíquica e uma atividade espiritual e temos consciência de que registramos os atos”.[2] É a consciência – de seus atos, de si mesmo e do que o circunda, inclusive das demais individualidades - que diferencia os homens dos outros seres. “A natureza essencial do homem é a razão pela qual o homem pode representar os seres como tais e pela qual pode estar consciente deles”.[3] A consciência, pois, constitui a característica central que possibilita os demais aspectos especificamente humanos, tais como a linguagem, os valores e o amor.[4] Consciência é autorreconhecimento que enxerga a totalidade da pessoa. O ser humano tem e é consciência, que o define.[5]

A consciência é o meio pelo qual se manifesta a liberdade humana, pois nela “há o ato de autoafirmação do sujeito, e no ato de autoafirmação do sujeito humano há o ato de autoafirmação da consciência”. A autoafirmação do sujeito é ato de apropriação de seu próprio destino.[6]

A vontade, assim - como sustenta Antônio Gomes Penna[7] -, revela-se “como decorrência de um projeto. O ato de decidir é essencialmente um ato meu. Eu me decido e, por certo, ao me decidir, assumo a responsabilidade por todas as consequências que possam resultar dessa decisão. Ricoeur destaca o fato de que todo o curso do meu projeto de realização do ato pelo qual me decidi supõe a intervenção de motivos”, os quais não se confundem com as causas[8], na medida em que passíveis de valoração. As causas são por si; os motivos, por sua vez, estão sujeitos a julgamentos de valor, tanto por quem os invoca, como por terceiros.

Cada ação tem por fim realizar algo por determinado motivo, “de acordo com uma linha de pensamento do sujeito, e não por coação irresistível das leis físicas da realidade, ou por um impulso instintivo não menos irresistível”. O motivo, entretanto, não é “causa da ação no sentido direto, imediato e irremediável como quando dizemos que um tropeção “causa” uma queda ou que a batida de uma bola de bilhar “causa” o movimento da outra bola com a qual se choca. Podemos dizer que o motivo explica causalmente a ação, mas não a condiciona como um efeito necessário (...). A causa de cada ação é sempre a vontade livre que se decide por um motivo, e não o próprio motivo”.[9]

Realmente, desejos e vontades não se apresentam como causas irresistíveis, pois podemos, em regra, impedir a nós mesmos de fazermos coisas que gostaríamos de fazer. Assim, uma distinção fundamental entre movimentos e impulsos – observa Antony Flew - permite a explicação do conceito de ação: “Um movimento pode ser iniciado ou cancelado ao comando da vontade, um impulso não pode. O poder do movimento é um atributo de pessoas, enquanto entidades incapazes de consciência ou intenção só podem manifestar-se através do impulso. Agentes são criaturas que, precisamente por serem agentes, não podem deixar de fazer escolhas: escolhas entre os cursos alternativos de ação ou inação (...) o sentido, a direção e o caráter de ações, por uma questão de lógica, necessariamente não podem ser fisicamente obrigatórios – e na verdade não são”.[10] Se observarmos nos animais o que nos lembra a vontade do homem, vemos que os instintos “não aperfeiçoam as suas respectivas naturezas para além do que lhes ordenam esses mesmos instintos. No caso do homem, o desenvolvimento de seu agir histórico evidencia algo diferente. Pois, se a abelha faz o mel como sempre o fez, a aranha tece a teia como sempre a teceu, o leão caça a zebra como sempre o fez, o homem é capaz de aperfeiçoar ou modificar a sua atuação”[11], e mais, de por ela optar ou recusá-la, de acordo com os motivos que lhe são apresentados.

Os motivos estão impregnados por sentimentos e emoções, que se liberam e então motivam os atos de vontade.[12]

As emoções motivadoras, a nosso ver, podem ser classificadas em três grandes grupos que comportam diversos graus, variações e intensidade: o medo, que percorre desde o desconforto causado pela presença do outro, a timidez, até o pânico e o terror, e que motiva os atos de fuga e escape, bem como os de autodefesa, por vezes desproporcionais; o amor, que motiva atos valorizadores e valorosos, até os limites do altruísmo ou do autossacrifício; a raiva, que engloba os extremos da mera antipatia até o ódio, e que motiva os atos destrutivos e criminosos.

A vontade requer uma repercussão, exterioriza-se na ação e se serve do mecanismo psicofísico para ser exercida, para se realizar o que se quer.[13] A motivação, portanto, é o conjunto de vivências da pessoa, uma totalidade de sentido vivenciada e compreensível, uma resposta às questões que lhe são colocadas pela vida, que não se confunde com a mera reação a estímulos – condicionamento – ou obediência a impulsos[14]. Esta plenitude de sentido distingue a motivação da causalidade psíquica, pois a essência do querer é que seja motivado por um sentimento. “De aí que um querer imotivado é um absurdo, não é pensável um sujeito da índole que seja que queira algo que não esteja ante os seus olhos como valioso”.[15]

De fato, a consciência humana, esta rede de intenções significativas, representa um “centro de indeterminação”, ou melhor, de autodeterminação do ser capaz de ação própria, no qual as forças físicas, em vez de atravessarem o corpo físico, nele desencadeando respostas automáticas – e, por isso, absolutamente previsíveis -, amortecem-se e implicam a formação de uma zona de ações possíveis.[16] Enquanto a relação causal conecta as coisas naturais na condição de existentes em si mesmas, a relação de motivação somente se efetiva pela intermediação da consciência.[17]

A vontade, nestes termos, ao contrário dos processos causais, empreende, necessariamente, um determinado sentido à conduta, que enseja uma valoração – positiva ou negativa.

A ação animada pela vontade é sempre intencional, pois representa a consecução de um projeto anterior, a busca por um desígnio ou finalidade. Jürgen Habermas[18], ao tratar da ação intencional, esclarece que “a ação consiste então na organização dos meios que resultam aptos para produzir o estado “apetecido”. Chamamos intenção neste esquema de ação teleológica o propósito, vontade ou desígnio que tem o agente de realizar um fim”, o qual está sempre dirigido, orientado a algo no mundo.

Logo, ter a “intenção de fazer algo” ou “planejar alguma coisa” é “o caráter fundamental de toda consciência, que, por isso, não é apenas vivido, mas também vivido que tem sentido, vivido noético”.[19] Como adverte Husserl, os atos de vontade, portanto, “são justamente “atos”, “vividos intencionais””, de forma que “de cada um deles faz parte a “intentio”, a “tomada de posição”; ou expresso de outro modo: num sentido mais amplo, embora essencialmente o mesmo, eles são “posições”, constituindo este caráter posicional a sua essência.[20]

Diante do conceito de vontade aqui acolhido, o dolo, para nós, ao contrário do que sustenta Welzel[21], não é apenas o dolo natural, a pura vontade de realização, desprovida de conteúdo valorativo, mas sim a vontade de realização dos elementos objetivos do tipo aliada a um “sentimento” – móvel -, à intenção no sentido de diminuição, de contrariedade, de menosprezo ao valor – bem jurídico – tutelado pelo tipo penal[22]; ou, como bem expressado por Thomasius, o “desejo do coração [móvel] sempre unido ao pensamento da inteligência [motivos]”.[23] A consciência apta a gerar responsabilidade, pois, pode ser definida como a capacidade – inteligência – humana de conhecer e julgar o valor ou desvalor dos próprios atos e de a eles imprimir um determinado sentido.

Isto porque a conduta humana tem por essência um caráter valorativo[24]. Ao agir, o ser humano opta por um sentido à sua ação, não querendo apenas o resultado, mas, especialmente, o valor ou desvalor que este representa. “Exatamente porque os valores possuem um sentido é que são determinantes da conduta”[25], isto é, são motivos sob um novo ângulo, pois exigem uma tomada de posição da vontade e a atuação correspondente.[26]

Se a consciência é sempre referida a algo no mundo, o ato consciente também tem como referência o seu destino intencional, que não se limita – por não ser apenas dele constituído – ao “objeto material”, mas também inclui o “objeto jurídico”, o valor que lhe é imanente.

Os fatos, isoladamente considerados e descontextualizados, são apenas fatos; o que lhes confere sentido no mundo e os transforma em fenômenos são as condutas humanas que os precedem, a orientação dos comportamentos e os valores[27] envolvidos nas relações intersubjetivas.

Em razão da intencionalidade que caracteriza a ação consciente, conclui-se que os valores são transcendentes, pois não estão na consciência, mas constituem o seu correlato. Os valores – como objetos ideais - estão na realidade, nas relações intersubjetivas e na sociedade, e não em cada ser humano.[28]

Embora não estejam na consciência, é certo que os valores têm uma fonte subjetiva, consistente na busca do espírito humano pela felicidade – cuja forma varia de acordo com o tempo e o espaço – e pela realização de sua dignidade.

Nem por isso, entretanto, os valores são forjados apenas pelas atitudes internas do homem, exteriorizadas pelas condutas. Ao contrário, na formação histórica dos valores há, também, uma fonte objetiva, representada pelas relações sociais e pela busca da coletividade ou da comunidade pelo aprimoramento da vida em comum.

Deste “justo meio termo”, como dizia Aristóteles, embora em outro sentido, da tensão e ao mesmo tempo conciliação entre o querer individual e o social, nascem a cultura e seus valores.  E os valores – como observa Paulo Ferreira da Cunha – são algo de específico do homem, da excelência da natureza humana, precisamente livre, e capaz de conduzir a sua vida não por meros instintos, mas por horizontes de possibilidades.[29]

Assim, admitido o conceito valorativo, ou melhor, englobante do dolo, podemos asseverar que, na prática de um crime de furto (art. 155, do CP), o agente não quer apenas a coisa, o objeto móvel, mas, principalmente, o valor patrimonial dele decorrente e, em consequência, a lesão ao valor patrimônio do ofendido.

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Nos tipos penais de homicídio e de lesão corporal, o sujeito não busca apenas os “processos biológicos” que os caracterizam, mas a morte ou danos à integridade física de outrem, isto é, sua ação não é referida apenas ao material, mas aos valores – vida e integridade corporal – que lhes são subjacentes.

Esta desvaloração ínsita à conduta típica é bem percebida nos delitos que a doutrina considera providos de dolo específico.

De fato, no crime de calúnia (art. 138 do CP), o sujeito não pretende apenas imputar falsamente a terceiro fato definido como crime, mas lesar a honra objetiva do ofendido; seu ato tem por intencionalidade, além da expressão de palavras – objeto material -, a violação – menosprezo – ao valor tutelado pela norma penal.

Também no crime de desacato (art. 331, do CP), o “algo no mundo” ao qual a ação é orientada não se esgota no comportamento em si, na expressão, gesto ou palavra proferida, mas principalmente ao menosprezo à função pública em razão da qual é praticada a conduta.

Nestes termos, pode ser acolhida para o direito penal a seguinte lição de Edmund Husserl: “No estar voltado valorativamente para uma coisa se inclui de fato a apreensão da coisa; não a mera coisa, mas a coisa de valor ou o valor é o correlato intencional pleno do ato valorativo (...). Em atos do mesmo tipo que os valorativos, temos, portanto, um objeto intencional de duplo sentido: temos de distinguir a mera “coisa” e o objeto intencional pleno, e, por conseguinte, temos de distinguir uma dupla intentio, um duplo “estar voltado para”. Se no ato de valorar estamos direcionados para uma coisa, a direção da coisa é um atentar para ela, um apreendê-la; mas também estamos “direcionados” para o valor – só que não no modo da apreensão. Não apenas a representação-de-coisa, também a valoração-de-coisa que a abrange possui o modo atualidade”.[30]

A ação dolosa, portanto, é aquela orientada em função de um desvalor social – a tomada de uma posição nesta direção -, isto é, no sentido de diminuição ou menosprezo a um valor penalmente tutelado. Se a ação não for motivada por este menosprezo, mas em função de um valor socialmente relevante – positivo -, estará excluído o dolo da conduta.[31]

Assim, para que esteja configurado o dolo de dano (art. 163 do CP), ao destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia, é indispensável que atue o agente em função de diminuição do valor tutelado pelo tipo, com menosprezo ao bem jurídico patrimônio.

Se a destruição, por exemplo, se der em prestação de serviço de demolição, contratado pelo dono da coisa, não haverá de se falar em dolo, pois orientada a ação no sentido de um resultado socialmente relevante e positivo.

Da mesma forma, no delito de lesão corporal, como já sustentamos, a verificação do dolo depende de um sentido de negação, na conduta do agente, da integridade física do ofendido como um valor. Realiza-se o comportamento em função desse desvalor.

Entendemos, por isso, que as ações praticadas em legítima defesa, estado de necessidade, estrito cumprimento do dever legal ou exercício regular de direito não são revestidas de tipicidade delitiva[32] – subjetiva -, pois nestes comportamentos o agente empreende à sua conduta o sentido de conservação de um valor tutelado – ou seja, a finalidade primária do comportamento é a proteção de um bem jurídico, individualizado no caso concreto[33], isto é, trata-se apenas da utilização do meio adequado para alcançar um fim reconhecido pelo ordenamento jurídico.

Na legítima defesa, a vontade principal do sujeito não é o querer matar ou violar a integridade corporal de outrem, mas o querer defender-se, repelir injusta agressão, atual ou iminente. Eventual morte do agressor ou lesões por este sofridas constituem apenas o meio necessário à finalidade da conduta do agente, qual seja, a proteção de um determinado bem jurídico.

O mesmo ocorre no estado de necessidade e demais causas de justificação, nos quais o comportamento dirige-se em função, no sentido, de um valor tutelado.

Nestas hipóteses inexiste a adequação das condutas ao tipo de injusto, pois não praticadas em função de um desvalor social, não havendo, portanto, o dolo.

Este conceito de dolo não pode ser confundido com o denominado dolus malus, em que a consciência da ilicitude, da proibição, pertence à estrutura do elemento subjetivo.

Com efeito, a mulher estrangeira que, pela aparência de liberalidade dos costumes de nosso país, crê na legalidade do aborto e o pratica, age sem a consciência da ilicitude de seu ato. Não obstante, em seu comportamento está presente o dolo, pois age com a vontade consciente de provocar o aborto, com menosprezo à vida fetal como um valor a ser socialmente preservado. O conteúdo valorativo de sua conduta, em relação ao bem jurídico protegido, não se altera em virtude de sua consciência ou não do ilícito.

Por outro lado, a mulher que tem a consciência da ilicitude da provocação do aborto, mas que, grávida, ingere medicamento para problemas estomacais apto à causação do aborto, desconhecendo, contudo, tal propriedade da substância, comporta-se sem dolo, pois não dirige seu comportamento em sentido contrário ao valor tutelado pela norma penal.

O menosprezo ao valor tutelado pela norma penal não corresponde à consciência da ilicitude. Esta integra a culpabilidade, referindo-se ao conhecimento atual ou potencial da proibição da ação, não afetando a tipicidade. Já aquele se relaciona ao conteúdo negativo da conduta do sujeito, e sua ausência exclui a tipicidade delitiva do comportamento.

A concepção de dolo aqui sustentada abrange toda a parte subjetiva do injusto – e por isso o denominamos de dolo englobante -, motivo pelo qual rechaçamos os imprecisos conceitos de “elementos subjetivos do tipo” e “elementos subjetivos do injusto”.

De fato, para nós, os fins do agir contidos nos tipos penais não são elementos subjetivos especiais, mas dados que integram o dolo, pois demonstram a intenção do agente e, por vezes, são indispensáveis à revelação de qual o valor tutelado pela norma penal.

Tomemos como exemplo o crime de quadrilha ou bando, que tipifica a associação de mais de três pessoas para o fim de cometer crimes. O dolo, nesta hipótese, não pode ser “cortado”, devendo abranger o fim de cometer crimes, pois esta finalidade da conduta é que revela o desvalor da ação, o menosprezo do comportamento ao bem jurídico paz pública.

Se assim não fosse, deveríamos admitir que age com dolo de quadrilha ou bando todo aquele que se associa a três ou mais pessoas, independentemente da finalidade da associação, ainda que para fins filantrópicos, o que, evidentemente, afigura-se absurdo.

Neste contexto fica manifesto o equívoco cometido ao se conferir ao dolo um puro sentido natural, desprovido de qualquer conteúdo valorativo. A paz pública somente será violada se a associação tiver por finalidade a prática de crimes, podendo-se falar em dolo de quadrilha apenas quando a intenção do sujeito for o cometimento de crimes, dando-se para isso a associação de mais de três pessoas.

A finalidade típica, então, pertence ao dolo, e dele não pode ser dissociada ou tratada como elemento subjetivo especial, sob pena de transformá-lo em elemento incapaz de revelar a vontade típica do agente.

À configuração do dolo, portanto, não basta a vontade de realizar, mas se exige um plus; o dolo, pois, é vontade acrescida de – e movida por – um logos, de um sentido de desvalor – menosprezo ao bem jurídico tutelado pelo tipo – empreendido à ação.

Logo, diante do entendimento aqui exposto, podemos formular o seguinte conceito de dolo: a vontade consciente de realização da parte objetiva do tipo penal, no sentido de diminuição, com menosprezo ao valor socialmente relevante tutelado pela norma – bem jurídico-penal -, na qual se inclui todo o aspecto subjetivo do tipo.


Notas

[2] Introdução à Fenomenologia, pp. 34 e 45-46.

[3] ANGERAMI-CAMON, Valdemar Augusto. Psicoterapia Existencial, 4ª ed., p. 14.

[4] SEARLE, John. Mente, Cérebro e Ciência, p. 20.

[5] ARDUINI, Juvenal. Antropologia – Ousar para reinventar a humanidade, 5ª ed., pp. 84-85.

[6] MORIN, Edgar. O Método 5 – A humanidade da humanidade, 3ª ed., p. 286.

[7] Introdução à Psicologia Fenomenológica, pp. 107-08.

[8] Também neste sentido o posicionamento de Sartre, ao sustentar que todo ato humano é em princípio intencional e supõe motivos e móveis, que, entretanto, não o causam, porquanto, pelo contrário, “é o ato que decide de seus fins e de seus móveis, e o ato é expressão da liberdade” (BORNHEIM, Gerd. Sartre, p. 111).

[9] SAVATER, Fernando. A Importância da Escolha, pp. 46-48.

[10] Um Ateu Garante: Deus Existe, pp. 73-74.

[11] FAITANIN, Paulo. “O mal, perda do bem”. Sobre o Mal, pp. XX-XI.

[12] STEIN, Edith. Sobre el problema de la empatia, p. 70.

[13] Sobre el problema de la empatia, p. 73.

[14] FRANKL, Viktor E. Um sentido para a vida, 13ª ed., p. 23. O citado autor, na mesma obra, ensina que as causas são representadas por processos de condicionamento ou pelas pulsões e instintos. As pulsões e os instintos impulsionam, mas as razões e os significados atraem (p. 47).

[15] STEIN, Edith. Sobre el problema de la empatia, pp. 114-115.

[16] MARLEAU-PONTY, Maurice. A Estrutura do Comportamento, p. 253.

[17] FERRER, Urbano. Que significa ser persona?, p. 36.

[18] Teoria de La Acción Comunicativa: Complementos y Estudios Previos, p. 264.

[19] HUSSERL, Edmund. Idéias para uma Fenomenologia Pura e para uma Filosofia Fenomenológica, pp. 206-07. A expressão noema, para Husserl, representa o aspecto objetivo da vivência, isto é, o objeto considerado pela reflexão, nas diversas formas em que se dá. Assim, são noemas, por exemplo, o percebido, o compreendido, o recordado, o valorado. A noese, por sua vez, expressa o aspecto subjetivo da vivência, o complexo de atos de compreensão que visam ao objeto. Podem ser qualificados como noeses, portanto, o perceber, o imaginar, o lembrar, o valorar.

[20] Idem, pp. 261-262.

[21] Derecho Penal Alemán, pp. 77 e ss.

[22] Neste sentido: REALE JR., Miguel, Antijuridicidade Concreta, pp. 40 e ss. Sustenta este autor, a nosso ver com inteira razão, que o homem “age finalisticamente, porém, fundado em uma escolha de conteúdo valorativo. Não só o fato oriundo da ação materialmente falando, é objeto da atividade subjetiva do agente, mas também o valor que subsiste no aspecto naturalista do agir humano (...). Todo o agir humano se alicerça em uma opção realizada segundo critérios valorativos. Todas as ações são fruto de uma decisão, oriunda de uma coloração valorativa”. Esta tomada de posição – de menosprezo consciente ao bem jurídico tutelado pelo tipo – constitui a essência do dolo e o que permite reunir, sob uma mesma categoria, comportamentos distintos, como os providos por dolo direto e eventual. Posicionamento próximo é adotado por Elio Morselli (La Función del comportamiento interior em la estrutura del delito, passim). Para este autor, contudo, o conteúdo valorativo do dolo não se restringe – ou se esgota – ao menosprezo ao bem jurídico, mas é constituído pela “Gesinnung” antissocial, isto é, pelo animus nocendi de caráter agressivo-destrutivo. Este entendimento, entretanto, parece-nos extremado, pois, embora explique o dolo direto e a ele seja bem aplicável, não se compatibiliza com o dolo eventual, no qual o agente, apesar de atuar com desprezo ao valor tutelado pela norma, não tem a sua conduta “animada” por - ou seja, não a realiza em função - essa consequência destrutiva. O dolo eventual é fruto de uma opção “egoísta” do agente, que busca o fim almejado independentemente das consequências dos meios escolhidos para atingi-lo, o que caracteriza o menosprezo para com o bem jurídico violado.

[23] Apud CUNHA, Paulo Ferreira da. O Ponto de Arquimedes, p. 51.

[24] Carlos Aldamyr Condeixa da Costa bem explica que “A conduta é liberdade metafísica fenomenalizada. Toda conduta tem um sentido de valor. Conduta sem valor não pode ser. A realização de uma conduta contém sempre um valor de paz, de cooperação, de segurança, de justiça, etc. [ou o desvalor respectivo]. Evidente, que os valores imanentes na conduta humana decorrem existencialmente, de que o ser enquanto tal, deduz-se num “eu” responsável pela autonomia ética do ser humano, cujo “um” em “si mesmo” é com os outros” (Pressupostos Existenciais do Crime, p. 160).

[25] REALE, Miguel. Introdução à Filosofia, 3ª ed., p. 144. A mesma orientação, embora em outro campo das ciências humanas, é adotada por Mauro Martins Amatuzzi: “o homem é essencialmente um gesto, em sua presença ou em sua existência. Ele é um atribuidor de sentido, e é assim que ele constitui um mundo e se constitui a si mesmo na relação com o mundo (...). O mundo das ciências humanas não é o mundo em si, mas o mundo tal como experimenciado pelo homem e, portanto, carregado de significados. Não é natureza, mas é mundo (mundo é natureza mais significado humano). Em vez de fatos, temos fenômenos” (Por uma Psicologia Humana, pp. 21 e 47). E nesta linha pode-se dizer que “o principal atributo do mundo é o fato de ele ser comum a nós, uma vez que este mundo a que nos referimos não é a natureza, mas uma rede de relações significativas. O mundo comum a todos nós é a trama significativa dos modos de como se vive e de como se relaciona com as coisas que, nesse mundo, são admitidas” (CRITELLI, Dulce Mára. Analítica do Sentido, 2ª ed., p. 91.

[26] STEIN, Edith. La Estructura de la Persona Humana, p. 98.

[27] Conforme adverte Viktor E. Frankl, “tanto os valores éticos como os estéticos requerem, assim como os objetos do conhecimento, atos adequados à respectiva captação; entretanto, tais atos implicam a transcendência dos referidos objetos; quer dizer: estes objetos são transcendentes em relação aos atos que para eles intendem, verificando-se, portanto, a sua objetividade (...). O que porventura ocorre é que todo dever-ser é dado ao homem com caráter concreto, na concretização do que “deve” fazer, “aqui e agora”. Os valores redundam, assim, em exigências do dia e em missões pessoais; ao que parece, só através destas missões é que se pode intender para os valores que por trás delas se escondem” (Psicoterapia e sentido da vida: Fundamentos da Logoterapia e análise existencial, 4ª ed., pp. 74-75).

[28] Jean-Paul Sartre ensina que o valor é afetado pelo duplo caráter de “ser incondicionalmente e de não ser. Enquanto valor, com efeito, o valor tem de ser; mas este existente normativo, enquanto realidade, não tem exatamente ser. Seu ser é ser valor, quer dizer, não ser ser. Assim, o ser do valor, enquanto valor, é o ser daquilo que não tem ser. O valor, portanto, parece incaptável” (O Ser e o Nada, p. 144). Cremos, contudo, que os valores podem ser alcançados pelas vivências e pelas exemplificações concretas – intuitivamente, como reconhece o próprio Sartre -, de forma que é a partir da realidade humana que o valor aparece, surge no mundo. Portanto, ainda que de maneira mediata, o valor é passível de ser apreendido e, por isso, aprendido.

[29] O Ponto de Arquimedes, p. 56.

[30] Idéias para uma Fenomenologia Pura e para uma Filosofia Fenomenológica, p. 91.

[31] Orientação próxima, no campo da Fenomenologia, é adotada por Ângela Ales Bello: “Por que, no âmbito dos valores, o amor é positivo, e o ódio, negativo? Porque o amor quer que todos cresçam, que os outros cresçam. O ódio é a negação do outro como alter ego; quero eliminá-lo” (Fenomenologia e Ciências Humanas, p. 194). Se substituirmos as expressões amor por respeito e ódio por menosprezo, tendo por referencial os bens jurídicos tutelados, chegaremos ao mesmo conceito de dolo aqui proposto, isto é, de que se trata da negação do valor como algo digno de tutela.

[32] Sobre o tema, conferir o nosso Tipicidade e Imputação Objetiva no Direito Penal Brasileiro, passim.

[33] REALE JR., Miguel. Antijuridicidade Concreta, pp. 52-53.

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Sobre o autor
Antonio Carlos Santoro Filho

Juiz de Direito em São Paulo (SP). Pós-graduado em Direito Penal. Autor de livros de Direito Penal, Processo Penal e Filosofia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTORO FILHO, Antonio Carlos. Dolo englobante:: um novo conceito sobre o elemento subjetivo do tipo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4436, 24 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/40395. Acesso em: 26 abr. 2024.

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