SUMÁRIO: 1. Introdução – 2.Falsas Novidades: 2.1 Anulação de casamento contraído com mulher já deflorada; 2.2 Guarda de filhos; 2.3 Igualdade entre filhos – 3.Verdadeiras Novidades: 3.1 Prescrição: 3.1.1 Premissa básica: prescrição não extingue ação; 3.1.2 Suspensão e Interrupção do lapso prescricional; 3.1.3 Prescrição e decadência; 3.1.4 Direito Intertemporal - 3.2 Defeitos do Negócio Jurídico: 3.2.1 Estado de Perigo; 3.2.2 Lesão; 3.2.3 Simulação – 3.3 Sucessões: 3.3.1 Premissa básica: Meação e Sucessão; 3.3.2 Ordem de vocação hereditária; 3.3.3 Sucessão do Cônjuge em concorrência com descendentes; 3.3.4 Sucessão do Cônjuge em concorrência com ascendentes; 3.3.5 Sucessão do Cônjuge inexistindo ascendentes e descendentes; 3.3.6 Sucessão do Companheiro – 4. Conclusão – 5. Bibliografia
1. Introdução
Muito se tem falado sobre a nova legislação civil. Artigos, palestras, cursos, seminários, livros e revistas especializadas tratam do tema com afinco. Não é para menos, afinal, uma alteração dessa magnitude ocasiona sérias repercussões na vida do indivíduo frente à sociedade em que convive.
O Código Civil, nas palavras do coordenador de sua redação, o Professor Miguel Reale, é a Constituição do ser humano. É ele quem regula nossas vidas, do ventre materno (Art. 2°), até o ocaso de nossas dias (art. 1784), disciplinando – nesse pequeno intervalo chamado ‘Vida’ – nossas relações obrigacionais, nossos contratos (art.421), nossa propriedade (art.1228), casamento (art. 1511) – tanto em seu lado pessoal (1591) quanto obrigacional (art. 1639) – filhos (art. 1596), dentre outros assuntos que – diariamente – dizem respeito à convivência com os pares de nossa sociedade.
O objeto do presente e despretensioso artigo é – num primeiro momento – ilustrar com alguns exemplos ‘falsas novidades’ alardeadas pela imprensa e por meios de comunicação, para – num segundo momento – trazer a tona (explicando) alguns exemplos de verdadeiras modificações no novo Código Civil, título, aliás, da presente redação.
2. ‘Falsas Novidades’
Dentro da enxurrada de informações que nos rodeia, cabe ao estudioso do Direito funcionar como um filtro e perceber que as verdadeiras mudanças do Código Civil foram marginalizadas, ocupando-se os meios de comunicação em divulgar maciçamente duas espécies de novidades: a) as superficiais, que acarretarão pequenas mudanças práticas na vida do cidadão; b) as falsas novidades, que nada mais são do que conceitos e institutos que já haviam sido consagrados em nosso ordenamento há muito tempo, em sua maioria no bojo de nossa Carta Constitucional há 14 anos ou em leis especialíssimas como o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069 de 13.07.1990) e o admirável Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078 de 11.09.1990).
Não olvidamos o mérito de – após tanto tempo – tais ‘mudanças’ estarem positivadas em nosso ordenamento civilista. O que discordamos com a devida vênia é o tratamento admirável e redundante que se dá a irrelevantes alterações legais.
Alguns exemplos destas ‘falsas novidades’ saltam aos olhos e pedimos licença para mencioná-los:
2.1 Anulação de casamento contraído com mulher já deflorada
Tem-se dito com freqüência que o casamento contraído com mulher ‘já deflorada’ (art 219, IV Código Civil/16) não pode mais ensejar ‘separação’ (sic). Tal situação, à luz do Código Civil antigo jamais ensejou separação e sim a anulação do casamento, distinção essa que traz sérias conseqüências. Ademais, a Constituição Federal de 1988 não poderia ter sido mais enfática, tendo sido inclusive redundante no art. 5° e em seguida no inciso I, proclamando a mais pura igualdade entre o sexo masculino e o feminino. Uma norma com aquela espécie de discriminação, jamais encontraria guarida em um Estado que se pretenda Democrático. O problema – tecnicamente falando – não é então de revogação e sim de recepção material da norma no seio da Carta Política de 1988.
2.2 Guarda de filhos
Já se escreveu – em jornal de grande circulação – que a guarda dos filhos a partir de 2003, estaria assegurada a quem possuísse melhores condições financeiras para exercê-la. Novamente, pedimos vênia para demonstrar que tal ‘novidade’ não é real e sim uma frágil leitura que se faz do artigo 1584 do Novo Código. O Direito é um sistema e como tal deve ser compreendido de maneira global e integrada com institutos afins, como é o caso do Estatuto da Criança e do Adolescente e mesmo de nossa Carta Constitucional.
O que precede o direito de infância no Brasil é a doutrina denominada "proteção integral". Tal doutrina possui lastro no Direito Internacional, na carta da ONU. Ela torna a criança e o adolescente titulares de direitos fundamentais especiais em razão de sua condição peculiar de vida, cujas prestações necessárias à sua satisfação devem ser realizadas, na sua integralidade pelo Estado, pela família e pela sociedade. Aliás, nossa Carta Magna não usou meios termos, não fez rodeios e previu – há 14 anos – a ‘absoluta prioridade’ da criança em seu magnífico artigo 227, tendo o legislador repetido tal expressão no bojo do ‘Estatuto Infantil’.
Partindo da premissa de que nossa Constituição deve iluminar todo o ordenamento e raciocínio jurídico [1], fica evidente a constatação que não se poderia permitir uma visão simplista e comezinha do art. 1584 para dele extrair repugnante conceito de que as condições financeiras serão determinantes para a escolha da guarda. ‘Melhores condições’, sob a luz da proteção integral e de nossa Constituição, significam um meio de vida seguro, pacífico, moralmente aprovado e sentimentalmente acolhedor para o bom desenvolvimento daquele indivíduo que trilha a nascente de sua vida.
Também é falácia a afirmação de que – doravante – os pais terão igualdade para obter a guarda dos filhos. Tal possibilidade já existe de há muito. Não nos olvidemos de que – evidentemente – a vinculação materna se faz em outro plano que o paterno. A proximidade da mãe com seu filho é muito maior do que a deste com seu pai, o que decorre da própria natureza feminina. Mas nem sempre isso se traduz em - objetivamente - melhor tratamento para a criança. Há pais que ‘socioafetivamente’ falando são melhores do que a mãe. Sabendo disso, a Constituição de 1988 já previa, nas entrelinhas do art. 5°, I que criança (prioridade absoluta – art. 227 CF) ficaria com o cônjuge que a ela proporcionar melhores condições, independente do sexo do ascendente. Não há, destarte, nenhuma novidade que afetará a vida prática do cidadão.
2.3 Igualdade entre filhos
Outra ‘falsa novidade’ divulgada aos quatro ventos nesse turbilhão de informações relativas ao Novo Código Civil, é a de que o art. 1596 teria inovado a ordem jurídica, prevendo – doravante – a absoluta igualdade entre os filhos.
A redação do referido dispositivo é absolutamente idêntica à prevista em outros dois dispositivos. Pela primeira vez foi utilizada pelo Poder Constituinte Originário de 1988, ao inseri-la no art. 227 § 6° da Carta Política, representando cláusula pétrea (tendo em vista que os direitos individuais petrificados pelo art. 60 § 4°,IV não se esgotam no art. 5°, conforme seu próprio § 2° afirma). Tal redação foi repetida pelo art. 20 do ECA.
Outras várias ‘falsas novidades’ poderiam ser apontadas, mas o ponto nodal do presente artigo é trazer à lume exemplos de ‘verdadeiras mudanças’, alterações que influenciarão a vida prática do cidadão. É o que passamos a fazer.
3. Verdadeiras Novidades
3.1 Prescrição
3.1.1 Premissa básica: prescrição não extingue ação
Não se pode tratar sobre prescrição sem antes tornar cristalino um erro conceitual que permeia o mundo jurídico de modo generalizado. É corriqueiro ler que a prescrição extingue a ação. Tal afirmação é atécnica e só se sustenta quando baseada na avoenga teoria imanentista do Direito Romano. A ação está garantida ao credor de dívida prescrita que inclusive sairá vitorioso na demanda caso o réu não alegue a prescrição, dado que ao Juiz não é facultado conhecer da prescrição patrimonial de oficio, conforme o art. 219 § 5°do CPC contrariu sensu [2]; saindo por outro lado derrotado – com julgamento de mérito, conforme o art. 269, IV do mesmo ordenamento adjetivo – caso a alegue o solerte devedor. Ou seja, ação há e está à disposição do credor para ser promovida contra o Estado e em face do réu [3].
A prescrição – uma vez consumada – tem o condão de extinguir a pretensão processual, que nada mais é, senão o elo de ligação entre o direito material da parte e sua efetiva tutela jurisdicional. Tal ligação, por sua vez só vem a lume nos casos de violação do direito. Bom seria se todos que estudam a matéria lessem o memorável artigo do Professor Agnelo Amorin Filho [4].
O Novo Código Civil, corrigindo a omissão do legislador de 1916, sabiamente define a prescrição em seu art. 189: "Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206".
Dado que errar é humano, concluí-se que ‘se não errasse, o Novo Código seria desumano’ e de fato ele volta a mostrar confusão quanto aos fundamentos da prescrição, salientando a ‘imprescritibilidade da ação’ no art. 1601. Ora, como já frisamos não é a ação que prescreve e sim sua pretensão.
3.1.2 Suspensão e Interrupção do lapso prescricional
No campo deste importante assunto, o novo ordenamento civilista perdeu grande oportunidade de sanar dúvidas e imperfeições decorrentes da antiga redação do Código Civil de autoria do brilhante cearense Clóvis Bevilaqua. Para completar, inseriu novas disposições e prazos que foram recebidos com grande ressalva pela melhor doutrina pátria.
A primeira dessas disposições está consubstanciada no art. 193, cópia quase fidedigna do antigo art. 162. Nessa ocasião, o legislador salienta que "A prescrição pode ser alegada em qualquer grau de jurisdição, pela parte a que aproveita". Ora, todos sabemos que entre a letra fria da lei e o calor da práxis forense grande distância existe.
Tal afirmação contrasta com o princípio da eventualidade da defesa, previsto no art. 300 do Código adjetivo, onde se impõe ao réu alegar toda sua matéria de defesa (apesar de que o art. 303, III do mesmo ordenamento abre exceção para as defesas que – por expressa autorização legal – puderem ser formuladas a qualquer tempo ou juízo), evitando assim o desnecessário andamento da máquina estatal.
Mas como não bastasse, há ainda a questão do chamado ‘pré-questionamento’, onde se impõe às partes não alegar fato novo quando o recurso estiver nos Tribunais Superiores. A dúvida que fica é: será que a expressa disposição do art. 193 terá força suficiente para proporcionar ao réu a alegação da prescrição em qualquer grau de jurisdição? A jurisprudência dirá, mas é certo que o Novo Código poderia ter solucionado o problema no seu nascedouro e não o fez.
Ainda nas preliminares do assunto, o legislador pátrio do III milênio deixou de sanar um defeito conceitual, técnico ocorrido no Código Civil de 1916.
Note que a Seção II, do Capítulo I do Título IV, é denominada de ‘Causas que impedem ou suspendem a prescrição’, assim como a Sessão seguinte recebe o nome de ‘Causas que interrompem a prescrição’. Melhor seria a redação: ‘Das causas que suspendem (ou interrompem) o lapso prescricional’. Quando o artigo 202 diz: "A interrupção da prescrição...", na verdade ele quer dizer "A interrupção do lapso prescricional...", dado que é este e não aquela que se interrompe. Entre os que a isso dão a alcunha de ‘perfumaria’ e os que a denominam de tecnicismo, filiamo-nos aos últimos.
Quanto às hipóteses de suspensão da prescrição, o legislador enumera algumas em que não é de interesse social a fluência do prazo. O exemplo clássico (art. 197, I) é a suspensão do lapso prescricional entre cônjuges. De fato, imagine a situação do marido – credor de sua esposa – que vê fluir inexoravelmente o prazo para intentar a competente ação. Teria o varão que optar entre quedar-se na inércia (perdendo seu prazo), ou mover ação perdendo a confiança da virago. Prevendo tal ocorrência, o legislador impede o prosseguimento do prazo na ‘constância da sociedade conjugal’.
Mais uma vez o Código é omisso e enseja um sério questionamento: tal regra vale para a companheira na União Estável? Em caso afirmativo, a partir de quando haveria a paralisação do lapso? Desde o início do relacionamento ou apenas após transcorrido determinado tempo que ‘exteriorizaria a união pública, duradoura e com intenção de efetivamente constituir uma família’? Afinal, a Constituição Federal (art. 226 §3°) equiparou os institutos ou deu certa primazia ao casamento, mormente quando lecionou que a lei deveria ‘facilitar a conversão da União Estável em casamento’?
Mas ainda tratando de interrupção do lapso, o legislador consagrou uma regra perigosa, ensejadora de longos questionamentos e lides futuras. Fê-lo no próprio caput do art. 202, determinando que "A interrupção da prescrição somente poderá ocorrer uma vez (...)". Tal privilégio só era concedido à Fazenda Pública (hipótese na qual o prazo reinicia-se pela metade, conforme art. 3° do Decreto-Lei n.° 4597 de 19 de Agosto de 1942).
A interrupção da prescrição denota uma atitude do credor, que assim mostra-se solerte em defender seus direitos e seu crédito. Vendo passar seu prazo sem o adimplemento do devedor, e ciente de que o direito não socorre aos que dormem, o credor sai de sua inércia para interromper a prescrição e ver o seu prazo reiniciar desde o nascedouro.
O problema é que a limitação da possibilidade da interrupção em apenas uma ocorrência traz sério inconveniente quando confrontado com a hipótese do 202, VI, onde o legislador prevê a hipótese de interrupção da prescrição por ‘qualquer ato do devedor que importe reconhecimento do direito’.
Não é necessária grande dose de malícia para perceber que o devedor poderá valer-se de tal disposição para ‘reconhecendo o direito do credor’ esgotar a oportunidade deste, fazendo com que a prescrição escoe inexoravelmente até a ‘foz’ da perda da pretensão processual. Mais uma vez caberá à prodigiosa jurisprudência impedir - contra legem - que tal hipótese tenha efeito quando do reconhecimento da prescrição pelo devedor.
Mas a maior atecnia do Código Civil está consagrada no art. 202, I, afirmando que é o ‘despacho’ do juiz que terá o condão de interromper a prescrição. Doravante – ao menos na letra fria da lei – o destino da pretensão está nas mãos do juiz e não nas mãos de seu titular.
O art. 219 do CPC tratava do assunto de maneira inteligente, fazendo com que o ajuizamento da ação valesse como causa interruptiva, bastando que para tanto a citação se efetuasse em 100 dias; e ainda que tal centena se esgotasse sem culpa do autor, a citação possuía igualmente o condão de retroagir até a data do ajuizamento. Não é a redação do 202, I.
Assim, intentada ação restando 10 dias para ocorrência da prescrição, a mesma só será interrompida quando do despacho do juiz. Se isso ocorrer após 15 dias (prazo inclusive razoável em comarcas com grande fluxo processual) estará extinta a pretensão do solerte autor que moveu a máquina estatal ainda dentro de seu prazo.
Ainda tratando de interrupção do lapso prescricional, há outra efetiva novidade no bojo do Novo Código, marginalizada por aqueles que se ocupam em desvendar seus ‘mistérios’. Tal novidade está prevista no art. 202, III. Doravante o ‘protesto cambial’ terá o condão de interromper o curso da prescrição, fato que até então revelava-se impossível, ensejando inclusive a Súmula n.° 153 do STF – agora revogada – que assim dizia: ‘Simples protesto cambiário não interrompe a prescrição’.
3.1.3 Prescrição e decadência
Outro aspecto de imenso relevo do novo ordenamento, também pouco destacado, é sua didática ao tratar do tema relativo à Decadência. Além de prever no art. 206 apenas prazos eminentemente prescricionais, há quem sustente que o novo CC tornou fácil um tormentoso assunto do antigo ordenamento. Agora, para saber se um prazo é de prescrição ou de decadência, bastaria executar a interpretação topográfica (que leva em conta o local em que foi inserido determinado prazo). Por tal ensinamento, seriam prescricionais apenas e tão somente os prazos arrolados nos artigos 205 e 206, sendo de decadência todos os demais dispersos pelo Código Civil [5].
Apesar de entender que sempre haverá margem para erros (como de resto em qualquer regra distintiva entre os dois institutos, mesmo na consagrada distinção do inigualável Giuseppe Chiovenda), entendemos que tal afirmação tem grande valia para – modo geral – auxiliar na difícil distinção.
3.1.4 Direito Intertemporal
O instituto da prescrição influi diretamente na vida das Pessoas (quer físicas quer jurídicas), e sofreu uma considerável alteração, trazendo no seu bojo um problema de difícil solução: como conciliar os prazos em andamento com a entrada em vigor dos novos prazos do Código Civil de 2002? Direito intertemporal, tecnicamente falando. Esta é uma verdadeira mudança pouco ventilada pelos meios de comunicação e ensino.
Quando da entrada em vigor do novo Código Civil em 11 de janeiro de 2003, inúmeros prazos prescricionais estavam em andamento. São empresas multinacionais, associações, fundações, profissionais liberais e até simples pessoas físicas que têm a seu favor um crédito, um direito ainda não cobrado judicialmente. Contra elas flui um lapso prescricional que tem o condão de – uma vez consumado – extinguir a pretensão processual que resguarda o direito.
Tal lapso (maior ou menor dependendo da espécie de direito material violado) sofreu – com o Novo Código – uma grande redução na maior parte dos casos. Só para mencionar dois exemplos, prazos que outrora eram de cinco ou até vinte anos, diminuíram para três (respectivamente: a cobrança de alugueres e a pretensão de reparação civil, conforme art. 206 § 3°, I e V). Quanto a este último prazo, o Mestre Rui Stoco [6] alerta para sua impertinência, salientando que o prazo de três anos é por demais exíguo e pode não ser suficiente para ação de reparação. A mãe, v.g., pode não querer intentar referida ação em face do agente causador da morte de seu filho, evitando assim a ‘vitimização secundária do processo’. Relembrar, em menos de três anos, nos autos do processo (com fotos, exames, documentos e relatos), o pior capítulo de sua vida pode desestimular a infortunada genitora a mover o aparelho estatal.
A dúvida que surge é: como conciliar os prazos em andamento com os novos prazos? Imagine o exemplo – muito comum, aliás – de um prazo de 20 anos da Lei antiga, diminuído para 10 com a nova Lei. Como fazer se – na entrada em vigor do novo Código – já houver transcorrido 11 anos? Estará prescrita a pretensão? Terá o credor mais 10 anos para cobrar a dívida?
Prevendo essa hipótese, o legislador inseriu no artigo 2028 uma regra de transição, determinando a aplicação dos prazos antigos para os prazos em andamento quando da entrada em vigor do novo Código. Dispõe o mencionado artigo:
"Serão os da lei anterior os prazos, quando reduzidos por este Código, e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada".
Tal dispositivo – a par de fazer jus a elogios pela expressa previsão do problema – merece certa ressalva no que tange a sua redação, confusa e passível de duas principais interpretações que levam necessariamente a soluções opostas. Afinal, em que hipóteses aplicaremos o prazo antigo para as situações em curso em Janeiro de 2003?
A doutrina vem entendendo que isso ocorrerá em apenas uma situação exigindo, entretanto, dois requisitos para aplicação do prazo antigo: a) diminuição do prazo e b) transcurso da metade do lapso.
Tal interpretação data vênia, leva a uma inconstitucionalidade do artigo em estudo, pois viola o direito de igualdade, outorgando prazos maiores para o inerte credor - que deixou passar mais da metade do prazo – e prazos menores para os credores em que o lapso não transcorreu pela metade.
Repare neste exemplo:
- Prazo diminuído de 20 (vinte) para 3 (três) anos.
Credor A deixou já deixou fluir 11 (onze) anos (tendo passado metade do prazo, aplicamos o prazo antigo). Terá então mais 9 (nove) para cobrar o devedor.
Credor B já deixou correr 2 (dois) anos. (não tendo passado metade do prazo, aplicamos o novo prazo). Terá então apenas mais três anos para levar sua pretensão a juízo.
Utilizar tal interpretação prejudica o credor que verá seu prazo drasticamente diminuído em inúmeras situações, pelo simples fato de metade do prazo não ter escoado; o que inclusive afronta princípios básicos de um ordenamento civil como a segurança das relações jurídicas e a estabilidade social, sem falar na desigualdade entre os credores, que fere diretamente a Constituição Federal.
Para salvar a lei da inconstitucionalidade, sugerimos uma interpretação conforme [7], dando ao artigo uma nova leitura, aplicando o prazo antigo em duas situações distintas: a) em todos os prazos diminuídos pela nova Lei; b) em todos os prazos que – na data da entrada em vigor do Novo Código – já houver transcorrido mais da metade do tempo.
A inserção de um novo ordenamento civilista requer toda uma adaptação da sociedade que deve se integrar aos poucos com sua nova ‘constituição’. Não seria justo exigir a imediata aplicação dos novos prazos aos já em curso, mormente em face da redução de praticamente todos os prazos prescricionais (no que – na maioria dos casos – andou bem o legislador face à dinâmica das comunicações e da interação social).
Ademais, ‘tempus regit actum’, ou seja, para os negócios jurídicos celebrados durante a vigência da Lei de 1916, regra geral será a aplicação dos prazos nela estabelecidos. O instituto da prescrição existe para proteger a sociedade (a quem não interessa ver potenciais conflitos em aberto) e não o devedor.
Se o art. 2028 quisesse dois requisitos para só então possibilitar a utilização do prazo antigo teria retirado a partícula ‘e’ de sua redação, fazendo então sentido exigir tanto a diminuição quanto o transcurso da metade do prazo. Não foi o que ocorreu.
3.2 Defeitos do Negócio Jurídico
Dentro da parte geral não há capítulo que tenha recebido tamanho número de inovações quanto os defeitos do negócio.
Via de regra a lei empresta sua força para ratificar os acordos de vontade celebrados pelas partes. Obedecendo-se os já consagrados requisitos de validade do negócio (objeto lícito, agente capaz e forma prescrita ou não defesa em lei – art. 104), é lícito às partes esperar sinceramente que dele decorram os efeitos previstos e – se assim não ocorrer – confiar na lei e no Estado para ver cumprido forçosamente o pactuado. Esta a regra que atende, aliás, a um reclamo de segurança nas relações jurídicas da sociedade.
Entretanto, quando tal vontade é inquinada, quando a manifestação não é expressa de modo espontâneo ou o é, porém de modo turvado, decorrência de circunstâncias internas/externas que orbitam o negócio; ou ainda quando – a despeito da pudica manifestação – ela ocorre em flagrante prejuízo de direito alheio, o ordenamento lhes atribui a alcunha de negócios nulos ou anuláveis, dependendo da gravidade desta circunstância. Deveras, a Lei é implacável com aqueles que desobedecem a suas disposições. Objetivando punir os que de seu caminho se desviaram, ela tira os efeitos e a proteção que outrora conferia aos negócios assim celebrados e pune de maneira mais ou menos rigorosa, de acordo com o bem social atingido pelo descumprimento de suas disposições. O presente parágrafo define – em apertada síntese – o fundamento dos defeitos do negócio e sua conseqüente nulidade, seja absoluta, seja relativa.
Nas palavras do professor Washington de Barros Monteiro [8]: "(...) a vontade, é pois, base e fundamento do ato, sua razão de ser, a alma do negócio jurídico. Para que esta validamente exista, indispensável é a presença do elemento volitivo. Mais ainda, é necessário que esse elemento, além de ter existido, haja funcionado normalmente. Só então o ato produz os efeitos jurídicos almejados pelas partes".
Como norma de exceção que é, capaz de negar efeitos a negócios jurídicos, anulando-os prontamente ou permitindo à parte prejudicada que o faça, tal matéria reveste-se, por sua própria natureza, de peculiar importância no mundo do Direito Civil. Some-se a isso a inserção de dois novos ‘defeitos do negócio’, bem como a mudança de classe que a ‘simulação’ ganhou, elevando-se ao campo dos negócios nulos; tem-se como resultado a atenção redobrada que mereceria por parte da doutrina e mesmo da imprensa, levando aos quatro cantos desse país continental o conhecimento dos mais comezinhos direitos do indivíduo.
3.2.1 Estado de Perigo
Inovação do ordenamento civilista, tal vício caracteriza-se pela necessidade iminente que uma das partes tem de salvar-se, ou salvar pessoa de sua família de grave dano (art. 156). Em uma situação tão delicada e perigosa, a vontade da pessoa obviamente não se manifestará de maneira livre, desembaraçada. A busca pela integridade física, supera em muito qualquer raciocínio consciente e coerente da parte que promete muito além do que poderia normalmente oferecer.
Visando igualar o estado das partes neste tipo de situação o Código Civil reputa anulável o negócio celebrado nestas condições. É omisso o legislador no que se refere ao justo pagamento pelos serviços prestados pelo ‘salvador’. Pela equidade e até pela analogia com o § 2º do art. 157 [9] o Juiz deve fixar valor devido pelo serviço.
Extraímos da lição de Pablo Stolze Gagliano [10], um exemplo pelo qual infelizmente passou. Após acidente automobilístico, o Mestre chegou ao hospital na ambulância (nesse momento com sério risco de dano à sua integridade), necessitando de urgente atendimento médico. Funcionário do hospital alega então que o convênio médico não cobriria aquele tipo de situação, exigindo um cheque caução, para atendê-lo. Tal emissão de cheque poderia ser anulada, posto que estávamos em típica situação de Estado de Perigo. Estimamos melhor ventura a nosso amigo e professor.
Quem traz a melhor definição dessa nova espécie de defeito do negócio é a eminente professora Maria Helena Diniz [11] que leciona: "No estado de perigo haverá temor de grave dano moral ou material à pessoa ou a algum parente seu que compele o declarante a concluir contrato, mediante prestação exorbitante".
3.2.2 Lesão
Último dos vícios do consentimento, a lesão já havia sido prevista no CDC (Lei 8078 de 11 de Setembro de 1990, art. 6°, V 1ª parte) e se aproxima muito do Estado de Perigo, afinal, em ambos há desproporção entre o cobrado e o justo valor do serviço.
No vício do art.156, entretanto, uma das partes está em situação de perigo de dano à sua pessoa ou pessoa próxima, enquanto na lesão há uma necessidade premente de um dos contratantes ver celebrado um negócio, aproveitando-se a outra parte desta situação, para fixar valor muito superior ao que normalmente o faria. O § 2º do art. 157 dispõe que o negócio será mantido caso a parte favorecida concorde com a redução de seu proveito.
Um exemplo é o do aflito agricultor que – ciente da praga que toma conta dos arredores de seu sítio – procura o único vizinho que dispõe do inseticida capaz de solucionar o problema. Este, por sua vez, cobra valor inúmeras vezes acima do mercado. Lícito seria ao agricultor buscar a anulação do negócio com base na lesão sofrida.
Ainda, não há confundir a ‘onerosidade excessiva’ – prevista no art. 478 do Código – com a lesão. Aquela não é vício e é superveniente ao negócio. É fato imprevisível que rompe o equilíbrio, a sociabilidade do contrato. Não sendo vício, não há falar-se em anulação do contrato e sim em resolução ou modificação. A lesão, por sua vez, é antecedente à celebração do contrato, que já nasce contaminado.
O STJ concluiu que o acontecimento pode ser previsível e ainda assim se justifica a resolução do contrato. Na verdade, os efeitos é que devem ser imprevisíveis. (Vide: RESP n.° 417.927/SP; 2002/0019645-3 DJ: 01/07/2002 Pág.00339 Min. Nancy Andrighi).
3.2.3 Simulação
Com o advento do Novo Código Civil, a simulação passa a ser o único vício que enseja a nulidade absoluta. Outra era a orientação do legislador do século XX, que declarava o ato inquinado de tal vício como meramente anulável.
Pela simulação as partes, mediante um concerto, buscam deliberadamente atingir fim diverso do exteriorizado no negócio, visando prejudicar terceiros ou burlar a lei. Esta a síntese do que seja simulação. É mister ressaltar que a simulação pode esconder negócio real, vedado pela lei; como também pode não ocultar nenhum outro ato. Conforme a hipótese, a simulação receberá o nome de relativa ou absoluta.
3.2.3.1 Simulação Absoluta
Ocorre a simulação absoluta quando, por detrás do ato simulado, nenhum ato existe. O exemplo clássico é o do devedor que – ciente da execução que lhe bate às portas – elabora documento de confissão de dívidas com oferecimento de garantia real a amigo, objetivando assim subtrair seus bens dos efeitos constritivos da execução. Não há dívida com o amigo, não há outro negócio que se busque esconder. De verdadeiro há apenas a intenção de prejudicar os verdadeiros credores.
3.2.3.2 Simulação Relativa
Diz-se da simulação que esconde outro ato proibido pela lei. O exemplo tradicional é o do marido que – impossibilitado de efetuar doação à concubina – simula com ela contrato de venda e compra. Note que por detrás deste último contrato há outro ato real e desejado pelas partes, a despeito da vedação legal.
Mais freqüente ainda a declaração de valor abaixo do realmente acordado visando menor recolhimento de imposto aos cofres públicos. Nesta espécie de simulação, a lei ainda dispõe: "subsistirá o que se dissimulou se válido for na substância e na forma" (art. 167).
Os parágrafos do art. 167 ainda tratam de exemplos em que haverá simulação. Os exemplos dos dois primeiros incisos já foram acima abordados e o terceiro prevê a hipótese de "instrumentos particulares antedatados ou pós-datados".
A mudança de categoria do vício em análise com o advento do Novo Código é de grande relevo para a vida prática do cidadão e merece ser analisada. As principais conseqüências de um ato ser tachado pela lei de nulo, ao invés de anulável são as seguintes:
Enquanto o ato nulo não prescreve, o ato anulável prescreve em prazos maiores ou menores segundo o vício que os inquina (arts. 169/178 e 179); o ato nulo pode ser alegado por qualquer interessado, pelo MP e pelo Juiz, de oficio, enquanto que o ato anulável só pode ser alegado pelos interessados (arts. 168/177); por fim, o ato nulo não se confirma enquanto que o ato anulável é passível de confirmação (art. 169/177).
3.3 Sucessões
Muito se tem falado sobre o tema, mas quando analisado detidamente percebemos claramente que as mudanças existem mas são bem distantes das superficiais informações que circulam no mundo jurídico.
As modificações mais relevantes ocorreram em três capítulos específicos: a) ordem de vocação hereditária (art. 1829), b) sucessão do cônjuge e c) sucessão do companheiro. Com a detida análise de todos esses institutos, perceberá o leitor que as efetivas mudanças que afetarão o cidadão em sua vida prática, encontram restritas fronteiras.
3.3.1 Premissa básica: Meação e Sucessão
Em nossas palestras e aulas, é cediço ocorrer confusão, de resto inadmissível, para os operadores do Direito. A meação é um direito individual e fundamental do companheiro, aliás, reflexo do caput do art. 5°, onde está previsto o direito de propriedade.
O substantivo meação (derivado do verbo mear) nada mais é do que a simples atribuição dos bens a cada um dos cônjuges que unidos trabalharam (cada um em plano diferente) para construir o patrimônio que – por ocasião da dissolução da sociedade conjugal – (divórcio, separação judicial, morte e anulação) deverá ser partido ao meio, meado [12].
A confusão se dá porque uma das hipóteses de dissolução da sociedade conjugal coincide com a premissa básica das sucessões: o falecimento. Assim, quando o ocaso irrompe para um dos cônjuges, o primeiro raciocínio jurídico que devemos elaborar é que metade dos bens adquiridos na constância do casamento deverá ser entregue nas mãos do seu verdadeiro proprietário, o cônjuge sobrevivente. Sobre a outra metade é que o instituto da sucessão encontra terreno fértil e é ali que concentraremos nossos esforços nos próximos parágrafos.
3.3.2 Ordem de vocação hereditária
A ordem de vocação hereditária é a seqüência de pessoas que a lei estabelece como destinatários da herança deixada pelo de cujus. É a ordem que a lei presume seja a vontade do falecido.
No revogado Código Civil, era correto afirmar que a bisavó herdava antes que o cônjuge. De fato, o art. 1603 do Código Civil/1916 entregava aos ascendentes (na falta de descendentes) todo o patrimônio do de cujus, sem restrições ou divisões.
O Novo Código Civil – conforme alardeado pela imprensa – sofreu realmente grandes alterações em tal artigo, outorgando ao cônjuge uma posição que ganhará destaque apenas se não houver descendentes, como veremos no próximo item.
De qualquer maneira, cabe deixar consignado que a ordem de vocação doravante apresenta-se nos seguintes moldes, lapidados pelo art. 1829: "I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1640 [13] § único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais".
3.3.3 Sucessão do Cônjuge em concorrência com descendentes
Uma rápida análise do inciso I do referido artigo já nos deixa claro que o tema não é dos mais simples. Não é em qualquer hipótese que o cônjuge terá o direito de concorrer com os descendentes do de cujus. A lei impõe – em péssima redação – uma série de requisitos e circunstâncias que tornam a hipótese da concorrência deveras limitada. A começar impede (justamente, a nosso ver) de participar na herança o cônjuge separado judicialmente ou mesmo de fato, desde que – nesse último caso – há mais de dois anos, salvo a impossível prova de que a convivência tornara-se impossível sem sua culpa; sim porque para provar que a separação de fato decorreu da culpa do de cujus, o Juiz deverá ouvi-lo o que – naturalmente – é impossível.
Devemos em seguida atentar para o regime de bens que disciplinava a relação do casamento. De plano já eliminamos dois tipos de regime de bens que não darão ao cônjuge o direito de concorrer com os filhos do de cujus. São eles: a) comunhão universal; b) separação obrigatória.
Evidente a mens legis: naquele primeiro regime o cônjuge já herda metade de absolutamente todo o patrimônio do falecido. Logo, não seria justo ainda concorrer com os filhos na outra metade; no regime de separação obrigatória (cuja referência no texto da lei está errada, querendo na verdade dizer: art. 1641), também é justa a disposição da lei, dado que em casamentos dessa natureza (pessoas que contraírem casamento com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; pessoas que casarem contando mais de sessenta anos; pessoas que dependerem de suprimento judicial para casar) o legislador não vê com bons olhos a transferência de patrimônio entre os cônjuges. Já na separação convencional e no regime de participação final de aquestos há direito a concorrência com descendentes e ascendentes.
O problema (e o interesse também, dado que entraremos agora no ‘lugar comum’ dos regimes de bens) afigura-se quando observamos as regras atinentes ao regime da comunhão parcial. E – propositadamente ou não – foi nesse específico ponto que o legislador outorgou uma redação ainda mais confusa e de difícil interpretação, não só pela ‘dupla negativa’ que a frase carrega em seu bojo como também pela omissão sobre a ‘base de cálculo’ para a concorrência com os descendentes, como logo veremos. [14]
No regime da comunhão parcial, o supérstite só concorrerá com os descendentes na hipótese de o de cujus ter deixado bens particulares [15]. A mens legis também é flagrante: nos bens comuns, a metade já pertence ao cônjuge, por direito próprio de meação.
A pergunta seguinte é: concorrerá sobre qual patrimônio? Sobre todos os bens que os filhos receberão ou apenas sobre os particulares? A dúvida procede em face da imperdoável omissão legislativa. Se havia um artigo dentre os 2046 que o Código não poderia silenciar, estamos diante dele.
A resposta mais justa seria a de que em virtude da mens legis, em uma interpretação teleológica, poderia se deduzir que o cônjuge já recebeu metade do patrimônio, restando aos descendentes apenas a outra metade. Assim o correto, o equânime seria que ela herdasse apenas sobre os bens particulares.
Mas nesse diapasão, o Professor José Fernando Simão [16], alerta que a lei não falou em momento nenhum em legado e sim em herança. Naquele haveria sucessão em face de bens singulares, determinados, nesta a sucessão ocorre de modo universal, sobre todo o patrimônio do de cujus, solução que – aparentemente – será outorgada ao cônjuge pelos Tribunais.
Desse modo, havendo descendentes e sendo a comunhão parcial o regime de bens do casamento, bastaria haver um único bem particular para que o supérstite concorra in totum com aqueles.
Nesse caso, concorrendo com os descendentes comuns [17], a lei (art. 1832) ainda preserva o mínimo de ¼ da herança ao cônjuge. Isso significa que – havendo mais de 3 filhos – no mínimo a quarta parte ficará para o cônjuge.
No caso de filhos não comuns [18], cai a regra da quarta parte e o cônjuge herda como se filho fosse, normalmente.
3.3.4 Sucessão do Cônjuge em concorrência com ascendentes
Muito menos tormentosa a solução para esses casos. Aqui a lei não insere nenhum regime de bens como condição para o direito do sobrevivente e a intenção da lei não encontra qualquer obscuridade. Assim, não importando o regime de bens, não existindo descendentes, porém havendo ascendentes, o cônjuge concorre com estes em toda a herança.
A indagação seguinte é: Concorre em que proporção? É o art. 1836 quem responde. Havendo pai e mãe do de cujus, ao supérstite a lei reserva apenas 1/3 dos bens. Qualquer que seja outra hipótese de ascendentes (apenas o pai, apenas avós, ambos avôs...) ½ dos bens serão destinados ao cônjuge e a outra ½ terá como destinatário os ascendentes, sejam quantos e quem for.
3.3.5 Sucessão do Cônjuge inexistindo ascendentes e descendentes
Nessa hipótese, não há dúvidas. Tudo pertence ao cônjuge, como aliás era a regra do 1603 do Código Civil de 1916, independente de regime de bens.
3.3.6 Sucessão do Companheiro
Se até 2003 casar ou viver em União Estável apresentava poucas diferenças práticas, o mesmo não acontece hoje em dia. O companheiro na União Estável apresenta séria discriminação no que diz respeito à sucessão.
Primeiramente porque sua sucessão foi disciplinada em local indevido, a saber, nas disposições gerais do Direito das Sucessões. Em seguida porque o art. 1790 constitui-se em verdadeira afronta aos direitos daquele.
Assim, em termos simples, o companheiro só tem direito a herança dos bens adquiridos na constância da união e a título oneroso. Os demais bens estão fora de sua alçada. Para tornar ainda mais delicada a situação do companheiro, ele concorrerá com descendentes, ascendentes e colaterais na ordem estabelecida pelo malsinado artigo. As regras são claras:
Concorrendo com filhos comuns, herdará como se fosse mais um deles, dividindo em partes iguais a herança; concorrendo com descendentes só do de cujus, recebe apenas a metade do que àqueles caiba e por fim, concorrendo com outros parentes sucessíveis (primos, v.g.) terá direito apenas a 1/3 da herança, ficando os outros 2/3 destinados a primos, tios etc.
E não se iluda o leitor com a aparente benevolência do inciso IV, pois por princípio mínimo de interpretação jurídica, os incisos devem ser lidos em consonância com seu caput. Assim, quando referido inciso diz: ‘não havendo parentes sucessíveis, terá direito à totalidade da herança’, devemos entender que ele está se referindo apenas e tão somente aos ‘bens adquiridos onerosamente e na constância da União’. Dessa forma, quanto aos outros bens, não havendo parentes sucessíveis, seu destino seria o Município, conforme o art. 1819. Porém, a redação do art. 1844 dá margem a compreensão diversa, concluindo que mesmo os bens adquiridos antes da união poderiam se destinar ao companheiro. É mais uma tormentosa questão que a jurisprudência se incumbirá de solucionar.