“Os canalhas também envelhecem”
Recordo-me de que quando assumi a Delegacia de Polícia de Guaimbê(SP), em novembro de 1998, algumas pessoas revelavam preocupações com abusos sexuais de crianças que três idosos octogenários promoviam na casa de um deles. O morador tinha 86 anos e costumava ficar sentado diante do imóvel onde o trio se reunia. Não raramente cochilava ali mesmo. O seu estado físico era visivelmente debilitado, tinha dificuldade de locomoção, mas, mesmo assim, conforme conseguimos apurar, ele e os parceiros faziam pequenas doações em dinheiro para que crianças de quatro a dez anos (salvo engano, identificamos seis) de ambos os sexos permitissem práticas libidinosas diversas da conjunção carnal (como carícias íntimas e sexo oral). Na época o delito imputado foi o atentado violento ao pudor, mas atualmente o Código Penal trata todo tipo de abuso como estupro. Pessoa do sexo masculino, portanto, já pode ser vítima desse delito. Suspeitávamos, mas não conseguimos comprovar, que pelo menos uma das mães incentivava seus dois filhos a pedirem dinheiro aos idosos. O problema era antigo e não tive escolha: representei pela prisão preventiva do dono da casa. Ela foi decretada e ele foi recolhido na Cadeia Pública de Getulina, tendo sido libertado algum tempo depois sob a condição de a família cumprir a promessa de levá-lo para outra cidade. O caso repercutiu tanto que foi veiculado no programa do apresentador Ratinho. Tenho o vídeo guardado até hoje e sempre me revolto com o comentário debochado feito por Ratinho: “Eu acho que ele não deveria ser preso não. A gente deveria perguntar o que ele toma...” (referindo-se à preservação do apetite sexual).
Sempre que uma pessoa idosa é presa surgem questionamentos sobre como a lei trata dessa questão. Isso tem acontecido por conta de operações de combate à corrupção. Às vezes as pessoas se sensibilizam, mas se esquecem de que o idoso em liberdade pode constituir ameaça à ordem pública, especialmente no caso de crimes contra a dignidade sexual. Afinal, já alertava Ruy Barbosa: “Não se deixem enganar pelos cabelos brancos, pois os canalhas também envelhecem” (na Internet também encontrei atribuição da autoria a Rachel de Queiroz).
Normalmente idosos se envolvem em crimes sexuais e porte de arma, mas são mais comuns os envolvimentos em estelionatos, pois o golpista profissional faz da fraude o seu meio de vida...
A apuração de crime imputado ao idoso se desenrola sem nenhuma alteração por conta da idade do réu. O maior de 70 anos na data da sentença faz jus, todavia, à redução do prazo prescricional pela metade (art. 115 do Código Penal). Por isso, é recomendável maior agilidade na condução do processo se o réu estiver se aproximado dessa idade.
Uma vez condenado, o idoso deverá dar início ao cumprimento da pena imposta. O Estado deverá se atentar para o princípio da dignidade humana, um dos fundamentos estruturantes do Estado Democrático de Direito (Constituição Federal, art. 1º, III, c/c o art. 5º, XLIX). O art. 5º da Constituição, no inciso XLVIII, determina que a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade, e o sexo do apenado. Conforme art. 82 da Lei de Execuções Penais, o maior de 60 anos deverá ser recolhido a estabelecimento próprio e adequado à sua condição pessoal. No caso de regime fechado ou semiaberto o réu será preso, respectivamente, em estabelecimento de segurança máxima ou média; ou em colônia agrícola, industrial ou estabelecimento similar. A pena superior a oito anos e a reincidência normalmente justificam regime fechado. A pena superior a quatro anos e inferior a oito autoriza o regime semiaberto. Mas cada caso é um caso e as condições judiciais previstas no art. 59 do Código serão determinantes para a escolha.
Segundo o art. 77, a execução da pena privativa de liberdade não superior a quatro anos poderá ser suspensa desde que o condenado seja maior de setenta anos de idade ou razões de saúde justifiquem a suspensão. Trata-se da suspensão condicional da pena, também conhecida como “sursis” (pronuncia-se “sursí”), cabível quando o condenado não é reincidente em crime doloso (salvo se condenado ao pagamento de multa) e a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício.
Uma vez encarcerado, o maior de 70 anos ou o condenado acometido de doença grave que estiver no regime aberto terá direito à prisão domiciliar, conforme art. 117 da Lei de Execuções Penais. O Supremo já decidiu que com o advento do Estatuto do Idoso e a fixação da idade de 60 anos para o reconhecimento dessa condição, as previsões penais sobre 70 anos não se alteraram (HC 88083). O STF e o STJ têm decidido que a prisão domiciliar para enfermos exige demonstração cabal de que o estabelecimento prisional não oferece condições de tratamento (confiram-se no STJ, HC 40.272/MS, de 1º/9/2005; HC 41935⁄MG, DJ 23/5/2005; HC 33777⁄RJ, DJ 8/11/2004; HC 17.429/PR, julgado em 15/8/2002). O STJ, excepcionalmente, já admitiu a prisão domiciliar para enfermo (só para ele, não para o idoso) que cumpre pena em regime prisional diverso do aberto. E já estendeu o favor do regime domiciliar para o idoso e doente preso por débito de pensão alimentícia, muito embora tenha ressaltado que o STF não vinha aplicando a Lei de Execuções Penais à prisão civil (HC 57.915/SP, julgado aos 3/8/2006; RHC 13.165/SP, julgado ao 1º/10/2002).