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A falência do poder punitivo estatal e os fatores sociais que geram a criminalidade no Brasil

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3 SEGURANÇA PÚBLICA E O SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO

Os direitos dos cidadãos, entre os quais o direito à vida, está garantindo na Constituição Federal de 1988. Esta Carta Magna, conhecida como Constituição Cidadã, é norteadora dos direitos e deveres individuais e coletivos. Assim, compreende-se que todos os direitos dos cidadãos estão amparados legalmente. Este instrumento legal foi propulsor de mudanças significativas e relevantes em muitos campos das políticas públicas, o que não aconteceu no campo da segurança pública.

Segundo Bobbio, no Estado de Direito, o exercício do poder estatal é limitado pela existência do direito. Assim, só o poder cria o direito, e só o direito limita o poder(apud MOUGENOT, 2012.p. 156), com o que se define a origem do direito – o poder – e sua função limitativa – do poder.

Por isso, a compreensão de direitos e deveres, varia de acordo com o modelo de organização da vida social e do contexto histórico. No Brasil, as violações contínuas, vieram deste a ocupação colonial, da escravidão e da história de exclusão de uma grande maioria de brasileiros. Deste modo, o não compromisso histórico das elites brasileiras com o povo formou um Brasil onde a violência é ocultada, dificultando a existência de uma sociedade igualitária.

O delito é uma ofensa antissocial, e a lei serve para segregar o transgressor. Os presídios estão lotados de enfermos de espírito e nem tanto de corpo. O crime, vida de regra, não é mais que uma explosão egocêntrica na sua raiz, de nada importando a pessoa da vítima [...] é preciso tratar o preso como um ser humano para nele perceber a centelha que esquiva, de um anseio de amizades que a pena, em vez de extinguir, deve reacender. (FERNANDES e FERNANDES, 2000 p. 371).

De acordo com o Art. 144 da Constituição Federal, a segurança Pública é dever do Estado, direito e responsabilidade de todos; é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio (CF/Brasil: 88). A ausência de políticas públicas é um dos fatores que agrava a violência, existem grupos que se torna excluídos e vulneráveis na nossa sociedade, estes seriam os negros, periféricos e pobres, com baixos níveis de escolaridade.

O contexto não difere do sentido geral em que as consequências da falta de atenção e de investimentos públicos, na área social, por muitas décadas produziram no país. Assim, o extermínio vai se configurando como um dos problemas que tem afetado a juventude e, é uma problemática que vai se revelar de modo mais contundente, causando prejuízos sociais e impactos nas histórias familiares, com remotas possibilidades de reversão.

Conforme ensina Manoel Pedro Pimentel, hoje está assentado que, mais do que causas, o crime tem fatores. Representa o crime, geralmente, a somação de determinados fatores. Em menor escala é que resulta de causas.

Em sua obra Falência da pena e da prisão, Cezar Roberto Bittencourt explica que a gama de fatores que impregnam o ambiente carcerário é que fixa seu matrizcriminógeno. Tais fatores, realça Bittencourt, podem ser materiais (insalubridade e promiscuidade das celas, carência de eficiente laborterapia, falta de efetiva assistência médica, etc.), psicológicos (disciplinamento inadequado que gera a dissimulação e a mentira, surgimento de consciência coletiva degenerada, amadurecimento do potencial criminoso etc.) e sociais (segregação do convívio familiar, total afastamento da coletividade em geral etc.). Agregadas, parcial ou totalmente, essas condições representarão fatores seguros de criminalidade. (FERNANDES e FERNANDES. 2000, p. 373).

O nosso sistema penitenciário vive uma verdadeira falência, os apenados são tratados como animais, não vivem em uma situação onde os levarão a uma ressocialização, o Estado falha quando o assunto é prisão e sistema carcerário. O homem por si só, não se adapta a viver preso, imagine então, em ambiente onde não tem respeito, assistência e educação. A prisão servirá apenas para se formar sociedades entre os presos, que estarão dominando o mundo do crime fora da cadeia, ou seja, formando grupos criminosos com tempo suficiente para controlar, reprimir, dominar e mandar.

Diante da análise do atual sistema é notável a ausência de legitimação penal, são vários os problemas enfrentados e que só aumentam cada dia mais, a superlotação é um exemplo que fere os direitos, a dignidade da pessoa humana, nesse raciocino e seguindo a linha de pensamento de Edmundo de Oliveira, ele cita que:

[...] o sistema penitenciário não serve para, o que diz servir, pois neutraliza a formação ou o desenvolvimento de valores, estigmatiza o ser humano, contribui de forma singular à reprodução da carreira criminosa, estimula a despersonalização, além de legitimar o desrespeito aos direitos humanos (apudTOURINHO, 2014. p, 62).

O aprisionamento se torna uma escola do crime quando não se respeita os direitos dos presos, temos por sinal uma lei de execução penal que é a mais completa do mundo, mas na prática não sai do papel, chegamos hoje na 3º maior sociedade carcerária, nessa situação, podemos entender que prender mais não é a solução para uma sociedade mais livre, justa e igualitária, talvez este seja o momento de buscar penas alternativas como solução para o problema carcerário superlotado.

A prática intracarcerária deveria ser direcionada à proteção dos direitos do homem [...] contudo, a atual realidade prisional se distancia desse propósito protecionista, vulnerando direitos fundamentais, seja em relação à integridade física das pessoas que se encontram privadas da liberdade, ou mesmo em relação às garantias básicas do homem, como alimentação, saúde, comunicação e acesso a um processo justo (apudTOURINHO, 2014. p, 72).

Tubenchlak (1986), em seus estudos penais, conclui que a prisão, por vulnerar um dos direitos fundamentais do ser humano, exige a maior prudência do legislador ao ensejo de sua previsão. As Políticas Públicas Brasileiras tendem a considerar o jovem sob duas vertentes, uma como problema social, considerando a delinquência, a exclusão de setores como educação, saúde, e outra como um potencial trabalhador a ser preparado para o mercado de trabalho.

Segundo Fragoso (2002), no ramo do ordenamento jurídico, o Direito Penal se distingue precisamente pelo meio de coação e tutela com que atua e que é a criminal. Os demais ramos do direito interno distinguem-se não pela natureza da sanção, que é a mesma para todos, mas pela natureza dos preceitos e relações jurídicas que estabelecem.

Observa Garcia (2008), é em função desses dois conceitos – interesse individual e interesse público – que se traça a distinção entre o ilícito civil e o ilícito penal. Nos primórdios da marcha evolutiva do Direito Penal, havia confusão entre as duas qualidades de interesses, distinguindo-se imperfeita­mente o individual do público. Paulatinamente, foi-se estabelecendo a diferenciação, que teorias modernas procuram acentuar e explicar, sem desprezar o característico de que o Direito Penal preserva exaccidente o cidadão, ao colimar a sua finalidade essencial de assegurar a ordem coletiva.

A prisão nos traz muitas contradições, acaba separando ricos e pobres, dentro do encarceramento da prisão, o apenado é tratado como animal, perdendo assim, sua dignidade tão bem tratada e respeitada na Constituição, essa deficiência estar na administração, na falta de políticas públicas e atenção do Estado nas relações prisionais. O tratamento inadequado aos apenados viola seus direitos e aumenta a violência, marginalidade, com tratamento desumano; a prisão passa a ser vista como a escola do crime, lugar de criminosos violentos e más pessoas, além de inferioriza-las perante a sociedade, que além de julgar não dão apoio.

Que são atribuídos ao Estado a previsão de sanções com suporte de defesa da sociedade, uma vez que, de tal modo, estaria o grupo social a defender-se de si próprio, haja vista ser o crime, por inteiro, um fato societário, no sentido de favorecer a harmonia que conduz na comunidade ao aprimoramento de suas relações. (TUBENCHLAK, 1986, p. 22).

O Estado está ligado à noção de poder, onde impõe restrições, reprimindo os infratores da lei, limitando por tanto sua liberdade individual, ficando totalmente submetido à restrição e autoridade desse poder, onde muitas vezes deixa a desejar quando o assunto é violação de valores, direitos e garantias dos apenados.

O Estado é num sentido direto o instrumento de dominação de classe, e que, portanto, a maioria de suas características organizacionais depende do sistema capitalista de relações de classes e a de que o Estado é uma agência coordenadora, responsável pelas operações administrativas globais da sociedade, dentro da qual uma relação de dominação de classe pertence à esfera econômicas separadas (apud GALLIANO, 1981, p, 226).

A violação e o desrespeito aos direitos humanos dentro da prisão chegam a ser pior do que o desrespeito nas favelas brasileiras, à falta de atenção do Estado e a violação aos direitos fundamentais fere diretamente a dignidade da pessoa humana. O Estado Democrático de Direito deve agir para corrigir as faltas e manter o equilíbrio do sistema, penso que deveria ser adotadas medidas para intervir nos direitos violados, uma vez que falta o Estado agir e dar prioridades, mas sabemos que isso dificilmente ocorrer, pois, as politicas públicas dependem de políticos que só pensa em interesses pessoais.

É preciso adequar a polícia às condições e exigências de uma sociedade democrática, aperfeiçoando a formação profissional e orientando-a para a obediência aos preceitos legais de respeito aos direitos do cidadão, independemente de sua condição social. (SILVA, ANO p. 711).

Há muitas violações de direitos humanos no sistema prisional, grandes queixas desde o processo criminal. Há uma falta de ordem e disciplina, crueldade, as condições são desumanas e degradantes, além de isolamento, tortura, falta de educação, formação profissional injustificada, extorsão, suspensão e recusa de acesso de visitantes as prisões. Talvés uma mudança seja possível através de um diagnóstico para estabelecer as transformações necessárias e integrar um sistema de direitos e de respeito ao indivíduo, instrumentos de defesa e proteção integral dos direitos humanos das pessoas privadas de liberdade para obtermos um melhor sistema prisional.


4 REALIDADE SOCIAL DAS PERIFERIAS

A periferia é totalmente abandonada pelo poder público, seja na questão de segurança, quanto na questão de infraestrutura. As deficiências são diversas, merecem atenção especial, pois os investimentos nesse campo induzem o crescimento econômico e, de certo modo, contribuem para a distribuição de renda.

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Na periferia é notável constatar a precariedade das condições de vida e a violência. Compreender a necessidade das políticas de ações afirmativas para a juventude pode ser o começo da efetivação da cidadania. É necessário relacionar tal situação vivida pelos jovens ao contexto mais amplo de desigualdade social e de práticas racistas. Entender os caminhos pelos quais o jovem da periferia é definido como “perigoso” e, portanto, objeto de toda repressão e hostilidade policial.

A realidade desses locais são os maiores índices criminalidade, a má destruição de renda, os moradores, sofrem cada vez mais com o crescimento do tráfico de drogas e o assassinato de adolescentes, talvez a principal dificuldade é a falta de um local especializado para tratar dos jovens apreendidos, os moradores vivem inseguros com a criminalidade e ameaças, comunidade que vivem em confrontos para dominar bocas de fumo e poder sobre a população, além de desavenças entre usuários e traficantes.

A falta de infraestrutura impede o crescimento pessoal, e melhores oportunidades às pessoas, devido à falta de recursos e ao baixo salário das famílias, as crianças começam a servirem de “aviões” para ajudar nas despesas da casa, muitas residências estão sendo transformadas em pontos de drogas e o poder familiar também falha quando não se tem nem a estrutura de vida e nem a atenção das políticas públicas.

O processo social básico de transformação é a cooperação, em que os indivíduos ou grupos agem em conjunto e complementarmente, visando atingir um objetivo comum [...] os agentes da mudança social são os indivíduos e grupos que participam da introdução ou da difusão de novos valores ou idéias na sociedade. Definem-se, assim, como os agentes sociais cuja ação, sob certos aspectos, se caracteriza como ação histórica (GALLIANO, 1981, p. 248).

Muitas periferias tem na sua maior parte saneamento básico, posto de saúde, escola e creche, tem um projeto para as crianças como de leitura, jogos educacionais, mas falta o atendimento do Estado junto à prefeitura para acolher essas pessoas que vivem com medo, querendo respostas e melhorias. Talvez a solução parcial do problema, seria a ação da polícia para acabar com o tráfico, além da assistência da prefeitura junto ao governo federal, os moradores sofre abandono e descaso social, o medo faz parte de suas rotinas.

Podemos claramente observar que nas periferias há as chamadas cifras negras que é a diferença existente entre a criminalidade real e a criminalidade registrada, os dados mais relevantes sobre a cifra negra podem ser assim resumidos em a criminalidade real que é muito maior que aquela registrada oficialmente; no âmbito da criminalidade menos grave a cifra negra é maior que no âmbito da criminalidade mais grave; a magnitude varia consideravelmente segundo o tipo de delito; e por fim, a delinquência juvenil ocorre a maior porcentagem de crimes com a menor quantidade de pena.

A possibilidade de ser enquadrado na cifra negra depende da classe social a que pertence o delinquente. O que falta são políticas públicas realistas, que se utilize de dados reais e sem levar em conta utopias que acham que podem modificar o ser humano através de uma caneta.

A politica criminal entendida como o poder de definição das condutas constantes na criminalização não é ilimitada, isto é, deve estar atrelada a proteção de um bem jurídico, função essa, que acaba sendo desqualificada em nome de politicas criminais totalitárias, de lei e ordem apenas, ao invés de se buscar uma política democrática, se torna num discurso acrítico do sistema penal, que se aposta na contramão da criminalização.

A missão fundamental dodireito penalé protegeros interesses, que são essenciais para a sociedade e permitira manutenção da pazsocial. No entanto, a questão é como o Estado dirigea missão, para que ele possaficar em pilares que dão legitimidade a suas ações. Geralmente se diz que a finalidade do direito penal é identificado com a finalidade de estar ligado às suas consequências jurídicas, ou seja, às penas e medidas de segurança. Isso é discutível, uma vez que, o direito penal também está envolvido quando não são impostas nem punição nem outras medidas cabiveis.

O direito penal é legitimado na medida em que, por um lado, impede a prática de crimes e, por outro, impede que a justiça seja realizada de forma arbitrária. No entanto, para esta tarefa, é necessário utilizar instrumentos que visam pura intimidação, tais mecanismos devem corresponder ao que o público espera de sua legislação penal.

O exercício do instrumento punitivo deve encontrar seu fundamento no consenso social. Neste sentido, o papel motivador das decisões judiciais também desempenha uma função importante na legitimação do direito penal. Com efeito, o dever de fundamentação das decisões é fundamental dentro do Estado de direito, uma vez que o controle final da atividade judicial tem sobre as pessoas.

A finalidade do direito penal não é apenas punição, mas também a proteção sob a ameaça de sanção dos direitos legais. No entanto, o direito penal não pode ser uma proteção absoluta da moral: a defesa da ordem social deve realizar através da prevenção e posterior execução.

[...] a dignidade da pessoa humana concretiza-se no reconhecimento de direitos fundamentais, sem os quais a condição humana fica aviltada, reduzida, conspurcada. Quando vigentes os direitos fundamentais, fica obstada, no plano jurídico, a possibilidade de transformar as pessoas em meios, em objetos. Eles realizam, no plano jurídico, o conteúdo da dignidade da pessoa humana, positivando os postulados indispensáveis para que o homem seja tratado e respeitado como fim em si mesmo. Por isso, é possível dizer que a dignidade da pessoa humana é representada, no âmbito jurídico, por uma gama de direitos e garantias fundamentais, considerado como tal (apud. TOURINHO, 2014, p. 58).

Como percebemos, a limitação da atividade punitiva estatal deve estar centrada na dignidade da pessoa humana, alicerce do estado democrático e contitucional de direito, sendo vedade, portanto, uma atividade arbitrária de controle.

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Sobre os autores
Luciano de Oliveira Souza Tourinho

Advogado. Mestrando em Direito Público – Direito Penal pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em Direito Público e em Ciências Criminais pela Faculdade Independente do Nordeste. Graduado em Direito pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Graduado em Direito pela Faculdade Independente do Nordeste. Professor auxiliar de Direito Penal e Teoria da Constituição na Universidade do Estado da Bahia. Professor Substituto de Direito Penal I, Direito Penal II e Criminologia na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Professor de Direito Penal e Prática Penal na Faculdade de Guanambi. Professor de Direito Penal, Legislação Penal Extravagante e Direito Processual Penal III na Faculdade Independente do Nordeste. Coordenador do GEPCRIM – Grupo de Estudo e Pesquisa sobre a Criminalidade, na cidade de Guanambi. Diretor Acadêmico da Área de Ciências Sociais Aplicadas e Humanas do Centro Educacional do Sudoeste da Bahia. Coordenador do Curso de Perícias Criminais e do Curso de Práticas Jurídicas do Centro Educacional do Sudoeste da Bahia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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