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O processo administrativo lato sensu, o devido processo legal e o papel do mandado de segurança na esfera do ato disciplinar

01/02/2000 às 01:00
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1. INTRODUÇÃO

Os primeiros passos rumo a ruptura das amarras que aprisionavam o mundo civilizado à vontade mesquinha, soberana e indiscutível do Estado-Administração foram dados a mais de 700 anos atrás. Com a edição da Magna Carta de 1215, que inicialmente se reservava a proteger os interesses dos nobres ingleses, por via oblíqua e acidental, constituiu-se no marco de origem que hodiernamente concederia ao cidadão – segundo o inesquecível Rui Barbosa(1), "...o direito à proteção dos seus juizes, e a lei processual...", apregoada na expressão que se tornou consagrada junto aos operadores do direito, "hy the lawful judgement of his equals or by the law of the land", ou no original em latim "per legale judicium parium suorum, vel per legem terrae", significando que ninguém pode ser processado "senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou em harmonia com a lei do país".

A par desta inovadora ordem e seguindo as preleções expostas, inseriu-se no Direito Constitucional Americano, através da 5ª Emenda à Constituição datada de 1787, a cláusula do due process of law, conforme nos ensina o ilustre Doutor GERALDO BRINDEIRO(2), ipsis literis:

"A 5ª Emenda à Constituição Americana de 1787 foi, porém, a que introduziu a expressão due process of law, estabelecendo que "nenhuma pessoa pode ser privada da vida, liberdade e propriedade, sem o devido processo legal". E a 14ª Emenda, em 1868, vinculou os Estados da Federação à cláusula, o que permitiu à Suprema Corte americana, especialmente nos anos 60, durante o período do Chief Justice Earl Warren, desenvolver jurisprudência de proteção aos direitos civis assegurados no Bill of Rights".

Entretanto, esta cláusula indisponível não aportou no sistema constitucional norte-americano em sua teoria pura, mas conforme relata o abalizado mestre, "...numa primeira fase, como se sabe, apenas a garantias de natureza processual propriamente ditas, relativas ao direito a orderly proceedings, procedimentos ordenados por princípios como, no campo processual penal, a proibição de bill of attainder (ato legislativo que importa considerar alguém culpado pela prática de crime sem a precedência de um processo e julgamento regular em que lhe seja assegurada ampla defesa) e de leis retroativas (ex post facto law), além da vedação de auto-incriminação forçada (self incrimination), do julgamento duas vezes pelo mesmo fato (double jeopardy) e do direito à ampla defesa e ao contraditório. No campo processual civil, como no processo trabalhista, do direito constitucional à tutela jurisdicional do Estado e do devido processo legal resultam a instrução contraditória, o direito de defesa, o duplo grau de jurisdição e a publicidade dos julgamentos, dentre outras garantias. Segundo sua concepção originária e adjetiva, portanto, a cláusula do devido processo legal não visava a questionar a substância ou o conteúdo dos atos do Poder Público, mas sim a assegurar o direito a um processo regular e justo. Por isso, nesse sentido, aplica-se a denominação procedural due process".

Somente em 1890, já promulgada a 14ª Emenda à Constituição Americana, se passou a valoração das garantias outrora asseguradas no Bill of Rights. Coibindo a ação arbitrária, desmedida e inoportuna perpetrada contra o indivíduo pelo Estado, surgiu a proteção substantiva daqueles direitos (substantive due process), tornada certa, segundo BRINDEIRO, "pela atuação da Suprema Corte" que foi implacável, não poupando esforços para, "através da jurisprudência", construir uma base sólida e impenetrável, no que tangia a proteção das garantias fundamentais indissociáveis da pessoa humana. Procedimento que mais tarde, também seria adotado na ingerência das ações administrativas do Estado na vida privada do cidadão, resguardando-lhe, na prática, os direitos expostos na lei.

Perante estes impostergáveis preceitos informadores e garantidores do Direito das Gentes, já agora consagrados na Declaração Universal do Direitos Humanos - 1948, se inicia no Brasil a marcha para definitivamente assegurar, de forma imutável, frente a Constituição Federal, os princípios da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal.

Esse movimento revolucionário despertou a Nação Tupiniquim, que insuflada por ideais de Igualdade e Justiça, promulgou a Constituição da República Federativa do Brasil em 1988, a qual dispôs em seu artigo 5º, incisos LIV e LV, in literis:

          LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

Nestes termos, foram introduzidas expressamente em nosso ordenamento jurídico, através da Constituição Cidadã, com especial atenção – que outrora fôra negada – ao Direito Administrativo Pátrio, as garantias necessárias ao pleno exercício dos direitos dos administrados diante ao poder coercitivo do Estado, que se tornariam a mais poderosa arma de defesa dos servidores públicos contra os destemperos e vaidades do administrador público.


2. PROCESSO ADMINISTRATIVO LATO SENSU
E AS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS

Antes do advento da Constituição de 88, imperava, através do livre arbítrio do Julgador Administrativo, o procedimento da VERDADE SABIDA, pelo qual a autoridade que tomava conhecimento direto de possível infração disciplinar cometida pelo servidor, aplicava de imediato punição, sem que lhe fosse propiciado direito de defesa. Face a marcante evolução histórico-jurídica, abominável procedimento já se encontra banido de nosso sistema administrativo. Entretanto, algumas autoridades, esquecem-se disto, e por muitas vezes subtraem do acusado em processo administrativo os princípios constitucionais da ampla defesa e contraditório, merecendo, como mais a frente se verá, imediata reparação dos órgãos jurisdicionais.

Sob este prisma, a condução do processo administrativo disciplinar lato sensu, ou seja, em qualquer uma de suas modalidades (sindicância ou processo disciplinar) exige das autoridades julgadoras observância às garantias inalienáveis dos servidores (devido processo legal, com todos seus consectários) que, se negligenciadas, poderão dar fim prematuro, por absoluta nulidade, a qualquer sanção aplicada ou até mesmo ao próprio instrumento de apuração.

Relevante destacarmos a importância da sindicância administrativa, que antigamente era utilizada apenas para a apuração de fatos que ensejariam a propositura do inquérito ou processo administrativo, caracterizando-se pelo manto do sigilo, não sendo nesta fase deferido ao servidor o direito de defesa. Tratava-se de mera fase processual à possibilidade de propositura do instrumento indicador de responsabilidades propriamente dito, como bem assevera o insigne JOSE CRETELLA JÚNIOR, "sindicância é o meio sumário que se utiliza a Administração do Brasil para, sigilosa ou publicamente, com indiciados ou não, proceder à apuração de ocorrências anômalas no serviço público", trilhando o mesmo caminho, HELY LOPES MEIRELLES, conceituava a sindicância como sendo "o meio sumário de elucidação de irregularidades no serviço para subseqüente instauração de processo e punição do infrator", entretanto, tal não é hoje sua finalidade, como bem acentuou o próprio HELY LOPES(3), já na vigência da Constituição de 88, "a sindicância tem sido desvirtuada e promovida como instrumento de punição de pequenas faltas de servidores, caso em que deverá haver oportunidade de defesa para validade da sanção aplicada".

Surge, destarte, o procedimento administrativo – em regra, com precedência da sindicância e eventualmente instauração do competente processo administrativo - quando verificada pela autoridade a possibilidade de infração às normas administrativas de conduta, incidindo em uma possível transgressão disciplinar. A autoridade a que estiver subordinado o servidor deve, tomando conhecimento do fato que se quer atacar por ilegal, instaurar, inicialmente, a competente sindicância administrativa para a apuração dos fatos, e, de tudo, dando pleno e irrestrito conhecimento ao acusado. Essa efetiva apuração é imperativo de ordem pública, pois visa, primordialmente, oferecer à própria coletividade — de quem a administração está a serviço — garantias de que os bens e recursos públicos estão sendo utilizados corretamente para os fins a que se destinam, isto é, para a promoção do bem-estar social, facultado ao servidor todos os meios de prova (lícita) para ilidir sua responsabilidade. Saliente-se que, a autoridade superior, em omitindo as providências cabíveis pode, em tese, responder pelo crime de condescendência criminosa, descrito no Código Penal Brasileiro artigo 320.

Portanto, em todo e qualquer procedimento administrativo não se pode permitir – estando em jogo o destino, a imagem e a carreira de um servidor público – que o Espírito da Lei divorcie-se do devido processo legal como corolário lógico do contraditório e da ampla defesa, estando à eles direta e consequentemente atrelados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, os quais norteiam, na esfera de todos os poderes, os atos administrativos em espécie (art. 37, caput da CF).

Exemplo dos mais notáveis – onde resta patente que a longa manus do devido processo legal jamais poderá ser desprezada, sob pena de se cometer atrocidades irreversíveis – de aplicação ampla e analógica no Campo do "Direito Processual Administrativo" é o memorável leading case O ESTADO X MENDES TAVARES(4) (onde erroneamente se supôs que o réu deveria ser imediatamente condenado), oportunidade em que o Dr. EVARISTO DE MORAIS, em idos de 1911, consultou o Mestre RUI BARBOSA a despeito de aceitar ou não a defesa daquele réu, obtendo a seguinte resposta:

"Há de lhe ser árdua a tarefa. Não vejo na face do crime, cujo autor vai defender, um traço, que destoe da sua repugnante expressão que lhe desbaste o tipo da refinada maldade. Fala-me em elementos, de que está de posse, os quais "muito diminuem, senão excluem, sua responsabilidade". Queira Deus que se não iluda. Essa responsabilidade se acentua, no conjunto das provas conhecidas, com uma evidência e uma proeminência, que se me afiguram insusceptíveis de atenuação".

A par deste prejulgamento proferido pelo genial Rui Barbosa, que, concessa maxima venia, destoa de suas sempre atuais e respeitáveis lições, não se intimidou o nobre consulente, o qual obteve a absolvição do réu em três julgamentos sucessivos pelo Tribunal do Júri, esclarecendo que, "de fato, se chamarmos conjunto de provas conhecidas, (como em boa fé as classificou o insigne e incomparável jurisconsulto) as circunstâncias que a imprensa deu como apuradas; se aceitarmos, para formação do nosso juízo, puramente o que vinha sendo divulgado desde a data do crime até a data da memorável resposta, teremos de convir na justeza daquele acerto. Mas, felizmente, os autos não contêm aquele conjunto, nem qualquer coisa compacta, firme, segura, que lembre, de longe, o acervo de monstruosidades até então publicadas."

Buscando subsídios extasiantes, em breve incursão doutrinária, lançamo-nos nos ensinamentos do professor J. B. DE MENESES LIMA, "nas sindicâncias punitivas e nos processos administrativos (disciplinar ou criminal), as Comissões de Sindicâncias e as Comissões processantes (permanentes ou especiais) devem estender aos indiciados obrigatoriamente, na sua absoluta plenitude constitucional, o direito à ampla defesa e do contraditório, com os meios e recursos que lhe são inerentes."

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Na mesma linha de pensamento continua o festejado administrativista IVAN BARBOSA RIGOLIM, "... ao servidor indiciado em processo administrativo deve ser dado o direito de exercitar a sua mais completa e absoluta defesa. Nenhum meio, nenhum recurso, nenhum aparato ou aparelhamento lhe poderá ser furtado, cerceando, reduzindo ou de qualquer modo dificultando".

Extirpando qualquer dúvida, o ilustre doutrinador arremata, afirmando que é "desnecessário enfatizar que toda prova, dentre essas ou outras lícitas, pode ser exigida até por mandado de segurança, considerando-se o direito líquido e certo, constitucional e legal, de sua obtenção e utilização, por qualquer indiciado em processo administrativo ou judicial. Nunca procure a autoridade administrativa, em nome de economia ou comodismo, ou, pior, por má-fé, sonegar algum meio de prova legítima ao acusado. Comprovado o procedimento cerceatório, o Poder Judiciário de todo nível, provocado, com absoluta segurança anulará a punição, ou paralisará todo processo não definitivamente comprometido por má condução, mandando refazê-lo".

EDIMUR FERREIRA DE FARIA entende que as garantias constitucionais apenas atingem os servidores públicos ou autárquicos federais, regidos pela Lei nº 8.112/90, informando que nos demais casos (servidores estaduais e municipais) a sindicância não terá que observar a regra do due process of law. Não nos perfilhamos a esta corrente por entendermos que se encontra despojada de sustentação jurídica, repudiamo-la vorazmente pelas razões que até agora estão insistentemente exalçadas neste trabalho.

Assim, nos atos que digam respeito para com a liberdade do próprio servidor ou das garantias constitucionais que lhe são inerentes – ínsito deve estar, no animus do administrador, a busca da VERDADE MATERIAL (REAL), sendo vedado a Administração Pública negociar ou agir discricionariamente, estando inexoravelmente vinculada aos cânones constitucionais, como consequência da superposição do Texto Mater ao ordenamento infraconstitucional. Decorre daí, segundo FRITZ FLEINER(5) que, a "...Administração é posta em movimento pela lei e exercida nos limites de suas disposições".


3. O PAPEL DO MANDADO DE SEGURANÇA
COMO MEIO DE DEFESA DO SERVIDOR

Primordial relembrar, que é inafastável da apreciação do poder judiciário qualquer ato ou medida punitiva, que porventura tenha sido aplicada ao servidor, e que não esteja de acordo com os ditames da lei, é a ordem que emana do artigo 5º, inciso XXXV da Lex Maior. Logo, deve pautar-se o julgador administrativo, como verdadeiro magistrado, velando pela regularidade do processo, pela isonomia entre acusação e defesa e inclusive declarar de ofício as nulidades de ordem pública, sob pena da intervenção do poder judiciário na esfera administrativa com poder de invalidar os atos praticados com inobservância das formalidades exigidas ou sob a égide do abuso de poder.

É neste contexto – cercado de fórmulas processuais perfeitas, mas que infelizmente subvertem-se perante o egoísmo e a imperfeição humana – que surge o instrumento inibidor àqueles que pretendem, premeditadamente, violar a legalidade constitucional. Traduz-se no remédio heróico do MANDADO DE SEGURANÇA, posto a disposição do servidor público (como de qualquer outro cidadão) para arguir falta de preenchimento de requisito essencial a regularidade do feito administrativo (competência e forma) - inteligência do artigo 5º, inciso III da Lei 1533/51, que facilmente poderá ser manejado, quando, de qualquer forma o administrador for renitente em reconhecer a ilegalidade e repará-la tempestivamente.

Inúmeros magistrados podam-se quanto a análise do mérito administrativo no writ constitucional, argumentando em seu favor, a impossibilidade de interferência no meritum causae pelo impedimento que ressalta do dispositivo suprareferido. Entendemos, rogata venia, que admitir esta interpretação teratológica, é concordarmos com a falência do Estado Democrático de Direito. Imaginemos que determinado procedimento administrativo se encontra em sua estrutura formal, pari passu, com o que determina a norma de regência, e por outro lado, exala tirania despótica quanto ao mérito - ausente a VERDADE MATERIAL - com decisão lastreada em prova inexistente nos autos ou que não poderia de forma alguma embasar uma decisão punitiva. Estaria então o Poder Judiciário coibido de pronunciar-se? Pensamos que não, pois a trilhar por este iter, seria tolerar a impossibilidade de contenção do arbítrio daqueles que exercem o Poder. Neste sentido, chamamos à colação trecho do acórdão proferido pelo austero Ministro CELSO DE MELLO(6):

          "É preciso evoluir, cada vez mais, no sentido da completa Justiciabilidade da atividade estatal e fortalecer o postulado da Inafastabilidade de toda e qualquer fiscalização judicial. A Progressiva redução e eliminação dos círculos de imunidade do Poder há de gerar, como expressivo efeito consequencial, a Interdição de seu exercício abusivo".

Mais arrebatadora e contundente é a sustentação de HELY LOPES MEIRELLES(7), inadmitindo a tese do não conhecimento do mérito administrativo na ação mandamental, quando lecionou "... diante dos irrefutáveis argumentos do culto Min. Carlos Mário Velloso, apoiado em fundamentado acórdão do TFR (MS 85.850-DF), rendemo-nos ao seu entendimento, que considera a restrição da lei incompatível com a amplitude constitucional do mandamus. Realmente, se a Constituição vigente concede a segurança para proteger todo direito líquido e certo não amparado por habeas corpus, qualquer que seja a autoridade ofensora (art. 5º, LXIX), não se legitima a exclusão dos atos disciplinares, que, EMBORA FORMALMENTE CORRETOS E EXPEDIDOS POR AUTORIDADE COMPETENTE, PODEM SER ILEGAIS E ABUSIVOS NO MÉRITO, A EXIGIR PRONTA CORREÇÃO MANDAMENTAL". (Grifo nosso)


4. PROPOSTAS PARA A ALTERAÇÃO DA LEI 1533/51

Demonstrou-se que a autoridade judicial mais filauciosa – para furtar-se ao dever da efetiva prestação jurisdicional – continuará a pronunciar, às avessas, a célebre frase Shakespeariana: "Eu invoco a lei". E é a permeabilidade da própria Lei que rege o procedimento no mandamus (1533/51), a autorizativa deste dantesco excídio. Foi editada a mais de 40 anos, portanto incompatível com o novo sistema de garantias individuais insertas na Carta Política de 88, inviabilizando ao servidor injustiçado o pleno exercício destas prerrogativas.

Ousamos propor, como solução que a primeira vista se mostra viável frente a antinomia instalada entre o Texto Mater e a lei ordinária, diminuta alteração nesta última, evitando que se perdure o devastador confronto de normas, do qual, o único prejudicado é o cidadão – aqui categorizado no ente "servidor público". Longe estamos de apontar a melhor solução, e nem poderíamos ter a veleidade de assim proceder. Deixamos a colaboração a seguir – a título de SUGESTÃO – visando humildemente compactuar para o engrandecimento das Instituições Jurídicas de nosso País:

1) Suprimir, da redação do artigo 5º da Lei 1533/51, o inciso III, podendo todo ato disciplinar ilegal de autoridade perpetrado contra o servidor, ser avaliado em toda sua amplitude, moldando-se, portanto, no comando legal do artigo 5º, inciso LXIX da CF, ou;

2) Dar a seguinte redação ao inciso III, do artigo 5º da Lei 1533/51:

          "III – de ato disciplinar, salvo quando praticado por autoridade incompetente, com inobservância de formalidade procedimental ou com abuso na decisão de mérito".

Alteramos o verbete essencial – grafado no original do nominado inciso - por procedimental, suprimindo ao magistrado a faculdade para analisar apenas as questões que considere – no seu íntimo – violações ESSENCIAIS à forma.

Acrescentamos a expressão, "com abuso na decisão de mérito", por considerarmos que nenhuma lesão ou ameaça a direito – como já dito – pode ser excluída da apreciação do poder judiciário (art. 5º, XXXV da CF), devendo ser ampla a análise da legalidade, sendo vedado ao judiciário, apenas a manifestação quanto a oportunidade, conveniência, utilidade e necessidade da sanção disciplinar, como consequência da independência dos poderes.


5. FINAIS CONSIDERAÇÕES

Diante às dores produzidas face a injustiça derramada pelas Comissões Julgadoras nos processos administrativos lato sensu, erigiu-se, em 1988, a Nova Ordem Constitucional, com o intuito de curá-las.

Os caprichos e devaneios do administrador – que até agora considerava-se um SEMIDEUS – caíram por terra, ante a edição da cláusula do due process of law.

Como se vê, aos acusados em geral - sem hesitação - deve ser concedido o direito de defesa ampla, inclusive como forma de revestir os atos disciplinares interna corporis de absoluta legalidade, sem a qual nulificam-se de pleno direito.

Preterido este indispensável requisito para a validade do procedimento, e insistindo o Emérito Julgador Administrativo no erro, poderá o servidor prejudicado em seu direito de defesa, impetrar a competente Ação de Mandado de Segurança, com a merecida ampliação e abrangência que lhe deu a Constituição Federal. Com este instrumento, proporciona-se ao servidor público, a liberdade de jamais precisar regatear com direitos que lhe são assegurados pelo império da lei, e combater, se necessário, as arbitrariedades de seus superiores, como nos ensina o professor J.J. CALMON DE PASSOS(8), "Quem não é cidadão em face de quem o julga carece de cidadania em termos absolutos".


NOTAS

  1. Oração aos moços, a 29 de março de 1921, p.32
  2. Pronunciamento na abertura do Congresso Brasileiro de Direito Processual, realizado no Centro de Convenções de Pernambuco, em março de 1996,
  3. in Direito Administrativo Brasileiro, p.593, 14 ed.
  4. O Dever do Advogado, Carta a Evaristo de Morais, Fundação casa de Rui Barbosa, 1994.Ed. Aide
  5. Principes Generaux du Droit Administratif Allemand, 1933, p. 87, apud Elementos de Direito Administrativo, pg. 13, de Celso Antônio Bandeira de Melo, Ed. RT
  6. MS-20999-DF, DJ 25-05-90
  7. in
  8. MANDADO DE SEGURANÇA, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção, Habeas Data, atualiado por Arnold Wald, 1996, 17 Ed., Malheiros
  9. in, Direito, poder, justiça e processo – Julgando os que nos Julgam – Rio de Janeiro, 1999- Ed. R.Forense
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Sobre o autor
Luis Henrique Ishihara

bacharel em Direito em Brasília (DF)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ISHIHARA, Luis Henrique. O processo administrativo lato sensu, o devido processo legal e o papel do mandado de segurança na esfera do ato disciplinar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 39, 1 fev. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/405. Acesso em: 26 abr. 2024.

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