Chegou a hora de celebrar a estupidez humana

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Nota acerca da aprovação da redução da maioridade penal pela Câmara dos Deputados.

"Apenas 24 horas após o plenário rejeitar a redução da maioridade para crimes graves, a Câmara dos Deputados, por uma manobra do Presidente Eduardo Cunha, colocou novamente o tema em votação e aprovou na madrugada desta quinta-feira (2) a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que reduz de 18 para 16 anos a idade penal para crimes hediondos, homicídio doloso e lesão corporal seguida de morte. Para virar lei, o texto ainda precisa ser apreciado mais uma vez na Casa e, depois, ser votado em outros dois turnos no Senado." - via G1. 

A notícia acima causou grande alvoroço nos meios político e jurídico. O país vive frenética instabilidade, como agitado formigueiro de formiga saúva em fogo ateado sabe-se lá por quem.

Não é de se espantar. A preocupação agora é identificar o que é pior: uma emenda constitucional ser colocada em votação, por meio de uma “manobra” do Presidente da Câmara dos Deputados, ao arrepio da Constituição Federal e do Regimento Interno, ou o próprio cunho da emenda, com a velha discussão de que mãos de ferro resolvem tudo.

Segundo pesquisa do Datafolha de 15 de abril, 87% dos brasileiros são favoráveis à redução da maioridade penal de 18 para 16 anos, o maior percentual já registrado pelo instituto desde a primeira pesquisa realizada sobre o tema, em 2003.

Entendam de uma vez, senhores, a redução da maioridade penal não diminui a violência, pelo menos é o que resta comprovado nos índices dos 54 países que aprovaram a redução. Isso sem contar os efeitos catastróficos da prisão de jovens que terão seu futuro educacional e profissional comprometido.

Mas no Brasil, claro, tudo é diferente. Caminhar na contramão parece ser especialidade dos representantes políticos destas terras tupiniquins.

Será que realmente acreditam que reduzir a maioridade penal irá milagrosamente resolver o problema da criminalidade?

Trancafiar adolescentes em estabelecimentos penitenciários que nem mesmo na linha do horizonte oferecem a possibilidade de ressocialização, não parece ser a melhor solução para a violência hoje instalada em nosso país. Retirar desses jovens os meios de receberem educação e oportunidades de trabalho, é de fato o futuro que queremos construir? 

Quando a população carcerária superar a população empregada, quem pagará a conta? Por mais que pareça exagero pensar desta forma, não nos admira, diante da banalização do Direito Penal, se num futuro não tão distante vier a ocorrer.

“As prisões não são capazes de melhorar os jovens, pelo contrário, aumentam os casos de reincidência”, afirma Arthur Kreuzer, ex-diretor do Instituto de Criminologia da Universidade de Giessen, na Alemanha.

Segundo os dados fornecidos pela ONU, apenas 0,013% dos 21 milhões de adolescentes brasileiros cometeram atos contra a vida, como homicídio ou latrocínio. Em contrapartida 36% das vítimas de homicídio no Brasil são adolescentes, segundo dados do Ministério da Justiça.

Ademais, negar os valores do Estatuto da Criança e do Adolescente e enfatizar a redução da maioridade penal como solução para a crise da segurança é mais do que escamotear a verdade. Não adianta tapar os olhos porque não quer enxergar o que está lá.

Ninguém escolhe a vida do crime, ninguém nasce delinquente ou criminoso. A criança, o adolescente, ingressa no crime porque falta escolaridade, falta equilíbrio nas relações familiares, faltam incentivos sociais, falta lazer, falta esporte, falta arte. O menor infrator, nada mais é do que o resultado do descaso do Estado em relação às garantias constitucionalmente previstas. Reduzir a maioridade penal é tratar o efeito, não a causa!

A pergunta que não quer calar: porque emendar a Constituição Federal e despejar os jovens no sistema prisional, se podemos trabalhar em cima de propostas e medidas que possam garantir a efetividade aos preceitos do ECA?

Porque uma mudança como esta, que atende os reclames da população, é o engodo perfeito para atrair atenção e conquistar votos. 

Na República das Bananas legislar é brincadeira de criança, de exímios conhecedores de pega-pega, esconde-esconde e amarelinha. Pega-pega o infante e coloca na cadeia; esconde-esconde a sujeira do povo até não poder mais; e a amarelinha... Ah, é como fica a nossa cara no final disso tudo.

Como diria o poeta Renato Russo: “Vamos celebrar a estupidez humana, a estupidez de todas as nações. O meu país e sua corja de assassinos, covardes, estupradores e ladrões. Vamos celebrar a estupidez do povo, nossa polícia e televisão. Vamos celebrar nosso governo e nosso Estado que não é nação. Celebrar a juventude sem escola, as crianças mortas. Celebrar nossa desunião.”

Chegou a hora de celebrar a nossa falta de bom senso, de aplaudir a violência e o descaso com a educação.

Mas não há porque se preocupar, já que a voz do povo é a voz de Deus, não é mesmo? Se preciso for, queimaremos a bandeira nacional, rasgaremos a Constituição Federal e aprovaremos emendas e mais emendas, quantas preciso forem em defesa da “democracia”. Por ela tudo está justificado.

Ocorre que, neste caso, não se pode dizer que os fins justificam os meios, pois os procedimentos conduzidos por atos inconstitucionais e/ou imorais inevitavelmente contaminam os resultados daí advindos, tornando-os, proporcionalmente, imorais.

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A inobservância aos preceitos constitucionais em favor de interesses e vontades dos representantes políticos, sustentados pelas paixões e pelo falso sentimento de justiça, agride a própria noção de Estado Democrático de direito, ao passo que nos faz reviver os tristes momentos do Estado de Exceção, personagem que sobreviveu no submundo da Democracia e atualmente possui sobrenomes conhecidos e veste trajes limpos.

Seria a “magnânima” Câmara Federal dos Deputados uma máquina do tempo?

Se for, preparem-se, porque tempos sombrios estão por vir!

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Sobre os autores
Thomas Ubirajara Caldas de Arruda

Advogado e Assessor Jurídico da Defensoria Pública de MT

Jaqueline Piovesan

Acadêmica de Direito

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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