3. A FIGURA DO DIRETOR NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO
3.1 Da evolução da legislação brasileira
Mister se faz uma retrospectiva da evolução da legislação previdenciária no tocante a caracterização do Diretor não-empregado como contribuinte individual.
Inicialmente, encontra-se o Decreto nº 83.081/79, Regulamento da Previdência Social alterado pelo Decreto nº 90.817/85 que estabelecia:
"Art. 5º. É segurado obrigatório da previdência social urbana, filiado ao regime da CLPS e legislação posterior pertinente, ressalvadas as exceções expressas:
.....................................................................
V – o titular de firma individual urbana e o Diretor, membro do Conselho de Administração de sociedade anônima, sócio gerente, sócio solidário, sócio cotista que recebe pro-labore e sócio de indústria de empresa de qualquer natureza, urbana ou rural.
Verifica-se que a legislação elencava a figura do Diretor como segurado obrigatório, sem, contudo, estabelecer qualquer espécie de distinção.
Posteriormente, o Decreto nº 356/91, e, após, em idêntico sentido, o Decreto n.º 612/92, passou a distinguir o Diretor empregado do Diretor não-empregado, trazendo em suas disposições:
Art.10. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
I-como empregado:
a) aquele que presta serviço de natureza urbana ou rural em caráter não eventual a empresa, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como Diretor empregado;
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II- como empresário:
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a)o Diretor não-empregado
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e) o sócio-quotista que participa da gestão ou que recebe remuneração decorrente de seu trabalho na sociedade por quotas de responsabilidade limitada, urbana ou rural;
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Parágrafo 1º. Considera-se Diretor empregado aquele que, participando ou não do risco do empreendimento, seja contratado ou promovida para cargo de direção, mantendo as características inerentes à relação de emprego (grifamos).
Constata-se nesse período que o legislador diferenciou o tratamento previdenciário do Diretor empregado em relação ao Diretor não-empregado, contudo, somente definiu o primeiro.
Após, foi editado o Decreto nº 2.173/97, que depois de elencar o Diretor empregado e não-empregado bem como o sócio-quotista – como segurados obrigatórios da mesma maneira dos diplomas acima, assim, esclarecia:
Art.10. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
I-como empregado:
a)aquele que presta serviço de natureza
urbana ou rural em caráter não eventual a empresa, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como Diretor empregado;
--------------------------------------------------------
I- como empresário:
------------------------------------------------------
a)o Diretor não-empregado
------------------------------------------------------
e) o sócio-quotista que participa da gestão ou que recebe remuneração decorrente de seu trabalho na sociedade por quotas de responsabilidade limitada, urbana ou rural;
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Parágrafo 2º. Considera-se Diretor empregado aquele que, participando ou não do risco do empreendimento, seja contratado ou promovida para cargo de direção, mantendo as características inerentes à relação de emprego.
Parágrafo 3º. Considera-se Diretor não-empregado aquele que, participando ou não do risco econômico do empreendimento, seja eleito, por Assembléia Geral dos acionistas, para cargo de direção das sociedades anônimas, não mantendo as características inerentes à relação de emprego (grifamos).
Parece que a intenção do legislador no parágrafo 3º foi de definir que a figura do Diretor não-empregado refere-se tão somente às sociedades anônimas.
O atual Regulamento da Previdência Social, Decreto nº 3.048/99, modificado pelo Decreto nº 3.265/99, assim dispõe sobre a questão:
Art.9. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
I-como empregado:
a)aquele que presta serviço de natureza
urbana ou rural em caráter não eventual a empresa, sob sua subordinação e mediante remuneração, inclusive como Diretor empregado;
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I-como contribuinte individual:
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f_o Diretor não-empregado e o membro do
Conselho de Administração na sociedade anônima;
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h) o sócio-gerente e o sócio-quotista que participa da gestão ou que recebe remuneração decorrente de seu trabalho na sociedade por quotas de responsabilidade limitada, urbana ou rural;
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Parágrafo 2º. Considera-se Diretor empregado aquele que, participando ou não do risco do empreendimento, seja contratado ou promovida para cargo de direção das sociedades anônimas, mantendo as características inerentes à relação de emprego (grifamos).
Parágrafo 3º. Considera-se Diretor não-empregado aquele que, participando ou não do risco econômico do empreendimento, seja eleito, por Assembléia Geral dos acionistas, para cargo de direção das sociedades anônimas, não mantendo as características inerentes à relação de emprego (grifamos).
Atualmente, portanto, a figura do Diretor não-empregado é tratado como segurado obrigatório como contribuinte individual e não mais como empregador como acontecia outrora.
Ressalte-se que mais uma vez, consta de forma expressa, o Diretor não-empregado como relativo à sociedade anônima.
Além disso, houve uma modificação quanto à legislação anterior no tratamento do Diretor empregado no parágrafo 2º, esclarecendo-se que este refere-se tão somente ao Diretor contratado ou eleito em sociedades anônimas.
Desta forma, percebe-se que não qualquer menção sobre o status do
Diretor na sociedade limitada, somente dispondo sobre o sócio-gerente e o sócio-quotista que participa da gestão ou que recebe remuneração decorrente de seu trabalho.
3.2 Do Parecer n.º 2.484/2001 do MPAS
A consultoria jurídica do Ministério da Previdência e Assistência Social foi instada a manifestar-se sobre a hipótese de se considerar o Diretor de sociedade por quotas de responsabilidade limitada como segurado empregado ou contribuinte individual.
Posicionou-se o MPAS no sentido de que não pode existir a figura do Diretor empregado nas sociedades por quotas de responsabilidade limitada, mas, tão somente, nas sociedades anônimas.
O Parecer n.º 2.484 foi editado em 05 de junho de 2.001 sobre referido assunto com a seguinte ementa:
"Direito Previdenciário e Direito Comercial. Sociedade por quotas de responsabilidade limitada. Diretor empregado. A sociedade por quotas é administrada por sócios-gerentes, obrigatoriamente pessoas que tenham contribuído para a formação do capital social (sócios). Já na sociedade anônima, a administração fica a cargo, além do Conselho de Administração, da Diretoria, sendo que os Diretores não precisam ser, necessariamente, acionistas da empresa. Assim, não existe nas sociedades por quotas a figura do Diretor Não –Empregado, exclusivo das sociedades anônimas. Diretor de sociedade limitada apenas pode ser, portanto, Diretor empregado.
Para chegar a essa conclusão, o referido Parecer faz um levantamento histórico da legislação previdenciária, partindo do Decreto nº 83.081/79 até o Decreto nº 3.048 (alterado pelo nº 3.265/99), comparando alguns dispositivos de cada um.
Portanto, no entender do MPAS, desde 1.997 (através do Decreto nº 2.173/97), para efeito de legislação previdenciária, a figura do Diretor empregador somente se aplicaria às sociedades anônimas, posto que, para as por quota de responsabilidade limitada, apenas os sócios-gerentes e os quotistas seriam enquadrados como contribuintes individuais.
Ademais, argumenta-se, nesse Parecer do MPAS, que na sociedade limitada a figura da gerência é exercida apenas por quem é sócio da sociedade, ao passo que na sociedade anônima os Diretores não precisam ser necessariamente acionistas da companhia.
Nestes termos, conclui o Parecer: "na sociedade limitada, o contribuinte individual ou será sócio-quotista ou será sócio-gerente. Deste modo, quando a sociedade elege um Diretor o faz na qualidade de empregado e nunca de empregador".
Muito embora seja esse o novo posicionamento do MPAS, é imperioso ressaltar novamente, que a doutrina do Direito Societário, bastante especializada, entende diferente.
Como citado anteriormente neste trabalho, Waldirio Bulgarelli defende que: "a sociedade por quotas de responsabilidade limitada tem ampla liberdade contratual de fixação da estrutura administrativa, pois poderá estruturar-se meramente como as sociedades de pessoas, com apenas um ou mais gerentes, ou então adotar a sistemática das sociedades anônimas, criando uma administração mais complexa e sofisticada, com Diretoria, Conselhos de Administração e Fiscal, assembléia de quotistas e etc..."
Neste particular, ressaltamos novamente que o art. 18 do Decreto nº 3.708/19, autoriza a aplicação subsidiária dos dispositivos das sociedades anônimas às por quotas de responsabilidade limitada, sempre que não houver conflito entre os dois regramentos.
Cita o referido Autor, ainda, o art. 13 do referido decreto, que permite a delegação do uso da firma pelos sócios-gerentes, o que vem sendo praticado usualmente pelas empresas.
Depreende-se, então, que a matéria não é tão pacífica como pretende fazer crer o Parecer do MPAS, tendo em vista que os autores de Direito Societário, em peso, embasados nos artigos 13 e 18 do Decreto nº 3.708/19, defendem a possibilidade de terceiros gerirem a sociedade por quotas de responsabilidade limitada, mediante delegação de seus sócios, ficando substituídos estes, para todos os efeitos de representação, seja perante terceiros, seja ante as autoridades públicas.
Salienta-se que o art. 135 do Código Tributário Nacional prevê a responsabilidade pessoal de mandatários, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas, em caso de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatuto.
No mesmo sentido, a legislação previdenciária, mais especificamente o art. 95, parágrafo 3º, da Lei nº 8.212/91, recentemente alterada, responsabiliza pessoalmente os sócios solidários, gerentes, Diretores ou administradores das empresas que tenham incorrido nos fatos típicos ali previstos.
Há flagrante contra-senso, pois se o Diretor ou gerente delegado de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada não tem reais poderes para representar a empresa, não deveria, então, poder ser responsabilizado em caso de eventuais irregularidades fiscais e previdenciárias.
Além disso, a legislação previdenciária citada no Parecer do MPAS não é tão clara. E pior, mal interpretada, talvez de forma parcial, pelo próprio Ministério.
Igualmente, os parágrafos 2º e 3º deste artigo do Decreto, transcritos acima [31] e no Parecer, tratam, respectivamente, da conceituação dos "Diretores empregados" e dos "Diretores não-empregados", sendo que, em ambos os casos, se limitam a falar em "cargo de gestão das sociedades anônimas".
Percebe-se que quanto o MPAS interpreta o parágrafo 2º - sobre Diretor empregado -, o faz tanto para as sociedades anônimas, quanto para as limitadas, mesmo com o texto legal fazendo referência, apenas, às primeiras.
Contudo, ao interpretar o parágrafo 3º (referente ao Diretor não- empregado) o Parecer restringe a sua aplicação às sociedades anônimas.
Trata-se de um processo de hermenêutica bastante contraditório.
De qualquer modo, em que pesem as considerações acima, caso as empresas desejem adotar uma posição mais conservadora, devem seguir a nova orientação previdenciária, estando cientes de que, mesmo que não haja subordinação jurídica, o Diretor de uma sociedade por quotas de responsabilidade limitada (não-sócio) será considerado como empregado para fins de recolhimento previdenciário.
4. A FIGURA DO DIRETOR NA LEI DO FGTS
A Lei nº 8.036, de 11/05/90, que dispõe sobre o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço, regulamentada pelo Decreto nº 99.684, de 08/11/90, em seu art. 16, prevê que:
"Art. 16. Para efeito desta Lei, as empresas sujeitas ao regime da legislação trabalhista poderão equiparar seus Diretores não-empregados aos demais trabalhadores sujeitos ao regime do FGTS (grifamos). Considera-se Diretor aquele que exerça cargo de administração previstos em lei, estatuto ou contrato social, independente da denominação do cargo."
O legislador expressou seu entendimento na parte final deste artigo, no sentido de que os "Diretores não-empregados" são aquelas pessoas que exercem cargos de administração previstos em lei, estatuto ou contrato social (grifamos).
O parágrafo 2° do referido artigo reza que se aplica as sociedades comerciais e civis, as empresas públicas e sociedades de economia mista, as associações e fundações, inclusive as instituídas ou mantidas pelo Poder Publico, bem como as autarquias em regime especial relativamente a seus Diretores não-empregados.
Nas sociedades anônimas, a relação entre a sociedade e seus administradores apresentam natureza comercial e não trabalhista. Desta forma, o Diretor não-empregado é eleito, com prazo de gestão de até 3 (três) anos e pode ser destituído pelos órgãos competentes a qualquer tempo.
Nas sociedades por quotas de responsabilidade limitada, a gerência cabe aos sócios-gerentes, sócios-Diretores, ou qualquer outra denominação, designados no contrato social.
Desta forma, o sócio-gerente diferencia-se dos demais, entre outras particularidades, visto que não depende de eleição, bem como não possui mandato a ser cumprido, a não ser que os próprios sócios assim o deliberem.
Segundo o ofício circular da Caixa Ecônomica Federal n.º 19, de 17/06/92, em seu item 1.3, os sócios-gerentes, sócios-Diretores ou outros cargos de sociedades quaisquer, que detivessem efetiva e intensa participação na gestão do negócio e de seus lucros e perdas, não fariam jus, mesmo por liberalidade da empresa, ao depósito do FGTS. Contudo, tal entendimento foi alterado com o advento da Lei nº 8.036/90.
Quanto ao saque do FGTS pelos sócios-gerentes, há uma grande controvérsia na Caixa Ecômica Federal, uma vez que só é permitido o saque na ocorrência de aposentadoria concedida pela Previdência Social, falecimento, aquisição ou quitação de saldo devedor ou amortização de prestação de imóvel próprio, ou se o titular da conta permanecer três anos ininterruptos, a partir de 1º de junho de 1990, fora do regime do FGTS.
Tal restrição está em virtude da falta de previsão legal, principalmente na Circular CEF n.º 05, de 21.12.90, de situações e códigos específicos adaptados ao sócio-gerente, visto que referido ato refere-se apenas ao término de mandato ou exoneração do Diretor não empregado, comprovados por meio de cópia da ata de assembléia, o que não existe na sociedade limitada, pois o sócio só deixa a sociedade por vontade própria, na hipótese de venda de sua participação. Tal fato poderia ser equiparado aos efeitos de um pedido de demissão, contudo não acarreta direito ao saque do saldo do FGTS.
Finalmente, apesar de tal divergência ainda hoje existente, a empresas podem estender aos seus administradores, na acepção dada pelo art. 16, da Lei n.º 8036/90, o regime do FGTS, ficando ressalvada a restrição existente quanto ao saque dos valores depositados no caso de sócios-gerentes, ressalvada a possibilidade de discussão da questão, inclusive pela via judicial.