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Pensão estatutária e o novo Código Civil

01/05/2003 às 00:00
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O presente artigo pretende destacar e discutir as repercussões que o Novo Código Civil Brasileiro (Lei n° 10.406, de 10/01/2002), em vigor a partir do dia 11 de janeiro do corrente ano, trará para os dependentes de servidores públicos federais, especialmente quanto a cessação do benefício de pensão por morte, regulado na Lei n° 8.112/1990, dos arts. 215 usque 225.

De início gostaria de aduzir que a proposta de abordagem pretende apenas trazer à baila questionamentos e propor algumas interpretações a fim de abrir o debate e contribuir para o entendimento do assunto, sem querer com isso esgotá-lo.

Como as palavras ordinariamente apresentam mais de um significado, ou seja são polissêmicas, tanto na esfera do jurídico, quanto no comum, é mister demonstrá-los.

Nesse passo, para os léxicos a palavra pensão deriva do termo latino pensione que significa pagamento. No Dicionário Aurélio significa renda paga periodicamente a alguém (ex: pensão de aposentadoria, de invalidez). No âmbito da Previdência Social, significa benefício pago aos dependentes após a morte do segurado.

Em outra acepção, designa o foro ou prêmio da enfiteuse, também chamada de aforamento ou aprazamento, que consiste em um valor certo e invariável pago pelo enfiteuta. No sentido figurado, significa encargo, ônus, obrigação, fornecimento regular de comida a domicílio, pequeno hotel geralmente familiar. Todos esses sinônimos são encontrados também no Dicionário Silveira Bueno e Michaelis.

No Dicionário Jurídico Rideel, encontramo-lo na acepção de renda vitalícia paga pelo Estado ao cônjuge sobrevivente ou aos herdeiros de servidor.

Na legislação de regência (Lei n° 8.112/90), dentre as disposições estatutárias que dizem respeito à pensão por morte do servidor devida a seus dependentes, destaco as seguintes:

"Art. 217. São beneficiários das pensões:

... omissis ...

II – temporária:

a) os filhos, ou enteados, até 21 (vinte e um) anos de idade, ou, se inválidos, enquanto durar a invalidez;"

"Art. 222. Acarreta a perda da qualidade de beneficiário:

... omissis ...

IV – a maioridade de filho, irmão órfão ou pessoa designada, aos 21 (vinte e um) anos de idade". (grifei).

Neste último inciso, observa-se o uso da expressão "maioridade". Ela também será encontrada por exclusão no art. 9°, do Código Civil de 1916, cujo texto diz que a menoridade cessa aos 21 anos completos, quando a pessoa então está habilitada para todos os atos da vida civil, ou seja se considera plenamente capaz.

Voltemos agora nossa atenção ao Novo Código Civil. Nele a maioridade foi diminuída para 18 anos, fato que, ao primeiro olhar, autorizaria dizer que os dispositivos do estatuto dos servidores, acima aludidos, estariam irremediavelmente modificados, vale dizer revogados (derrogados). Procurarei mais abaixo demonstrar que não.

Como dito, o estatuto dos servidores públicos alude expressamente à maioridade. Essa constatação levou-me a indagar: 1° - O que a capacidade plena tem a ver com a concessão da pensão por morte ?; e 2° - Ela presume que o indivíduo possui condições materiais para prover sua subsistência ? Entendo que as respostas a esses dois questionamentos são muito importantes para o deslinde da discussão.

A boa hermenêutica nos ensina que se interpretarmos as normas considerando apenas o texto escrito (interpretação literal ou filológica), sem indagarmos os motivos que levaram a adoção da norma, não chegaremos a atingir o verdadeiro escopo da lei. De sorte que no caso ora examinado, acredito que na própria Lei n° 8.112/1990, encontraremos o norte da questão, ei-lo:

"Art. 184. O Plano de Seguridade Social visa a dar cobertura aos riscos a que estão sujeitos o servidor e sua família e compreende um conjunto de benefícios e ações que atendem às seguintes finalidades:

I – garantir meios de subsistência nos eventos de doença, invalidez, velhice, acidente em serviço, inatividade, falecimento e reclusão;" (grifei).

Daí advém, para nós, com clareza de doer nos olhos que a pensão por morte consiste em um benefício de natureza jurídica assemelhada a um seguro social, ou seja benefício de nítido caráter alimentar.

Em resposta às perguntas acima, entendo que a capacidade plena é uma presunção juris tantum de que a pessoa, a partir do momento que a adquire, não só poderá exercer todos os atos da vida civil como também tem condições de prover sua própria subsistência, contudo, por ser de natureza relativa, cederá a prova em contrário, mormente se o interessado comprovar que não possui meios para prover sua própria subsistência.

Vejamos a seguinte situação: determinado jovem de 17 anos, recém ingresso na faculdade, perdeu o pai, servidor público federal. O beneficiário habilita-se e passa a receber a pensão provisória normalmente. Com o advento do Novo Código Civil ao completar 18 anos perderá automaticamente o benefício.

Ora, no país do desemprego e do analfabetismo, não seria justo, nem jurídico, a Administração interromper o pagamento do benefício apenas por que o dependente atingiu certa idade e presumivelmente adquiriu capacidade plena de reger seus atos ou prover sua subsistência.

Para nós, a capacidade plena não constitui o único pressuposto de fato para a concessão da pensão, mas sim, tese que pugnamos, a comprovação de que o dependente necessita do benefício e não possui outro meio de prover sua subsistência. Claro está que este benefício não pode ser fruído perpetuamente.

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Apesar de inúmeros julgados em sentido contrário, destaco a seguinte decisão da 2ª Turma do Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que ao julgar o Agravo de Instrumento, Processo n° 2000.05.00.024856-5/PB, em 05/12/2000, proferiu a seguinte decisão:

"Administrativo. Agravo de Instrumento. Servidor público federal. Pensão por morte. Menor estudante universitário. Extensão até 24 (vinte e quatro) anos. Possibilidade. Hipótese onde se busca provimento judicial que garanta ao agravante, filho de servidor público federal, ora falecido, do qual era dependente, a manutenção de Benefício até os 24 (vinte e quatro) anos; Sendo o agravante estudante universitário e presumindo-se que até a conclusão de sua formação profissional encotrar-se-ia sob a dependência do de cujus, é de garantir-lhe a percepção do benefício até a idade de 24 (vinte e quatro) anos; Agravo de Instrumento provido".

Logo, por esta construção pretoriana de que o dependente terá maiores condições de prover sua subsistência após a colação de grau científico, até por estar melhor preparado para ingressar no mercado de trabalho, consideramos a idade de 24 anos um um limite razoável para o intérprete.

Nesse passo, a permanência da fruição da pensão por morte aos dependentes de servidor público, válidos e maiores de 18 anos, até o limite de 24 anos, acolhe o escopo social e a própria natureza do benefício, pois garantirá ao dependente o meio necessário para prover sua subsistência na falta do instituidor da pensão.

Por outro lado, o novíssimo Código também prescreve:

"Art. 2.043. Até que por outra forma se disciplinem, continuam em vigor as disposições de natureza processual, administrativa ou penal, constantes de leis cujos preceitos de natureza civil hajam sido incorporados a este Código".

Como visto acima, o conceito de maioridade será obtido por exclusão, tanto no Código revogado, quanto no novo. Por outro lado, ele também consta no Regime Jurídico Único (norma administrativa) só que expressamente. Ora, como esse conceito foi novamente incorporado pelo novo Código Civil e este expressamente excepcionou o princípio lex posteriori revogat priori, então a maioridade aos 21 anos, constante no estatuto dos servidores, continua, ex vi legis, em vigor até que seja disciplinado pelo legislador de outra forma.

Interessante ainda que o novel Codex, como no de 1916, a subsiste a regra emancipatória ao menor que colar grau em curso superior. A esse respeito a notável MARIA HELENA DINIZ, aduzia que dificilmente nos dias atuais alguém atingiria a maioridade em razão da aplicação desta causa de emancipação.

Ora, se sob a égide do antigo diploma civil era difícil alguém obter a emancipação em razão da incidência dessa regra, antes de completar os 21 anos de idade, imagine-se hoje com a redução para 18 anos, quando se sabe que os jovens normalmente ingressam na Universidade aos 17 ou 18 anos e pela extensão dos cursos superiores que, fora raras exceções, não são inferiores a 04 (quatro) anos, dificilmente terminarão antes dos 21 anos. Sem mencionar que as vagas nas melhores Universidades – as públicas – são preenchidas por pessoas das classes mais abastadas.

Mais curioso ainda é o que dispõe o Regulamento da Previdência Social, Decreto n° 3.048, de 06/05/1999, quanto a cessação do benefício de pensão por morte no Regime Geral de Previdência Social, vazado nestes termos:

"Art. 114. O pagamento da cota individual da pensão por morte cessa:

. . . omissis . . .

II – para o pensionista menor de idade, ao completar vinte e um anos, salvo se for inválido, ou pela emancipação, ainda que inválido, exceto, neste caso, se a emancipação for decorrente de colação de grau científico em curso de ensino superior". (grifei)

Assim, a despeito de no inciso I, do art. 16 e de no §2°, do art. 77, da Lei n° 8.213/1999, (Lei de Benefícios do RGPS) inexistir essa exceção, o regulamento da Previdência Social dispõe, quanto ao mesmo assunto (pensão por morte), de forma totalmente diversa do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis.

Não olvidamos que o RGPS não se aplica direta e imediatamente aos servidores públicos civis, contudo, no particular, essa norma não pode ser desprezada pelo intérprete, posto que pode ser usada por analogia no Plano de Seguridade Social do Servidor Público.

De tudo que foi exposto, entendo que a alusão à maioridade como causa de cessação do benefício de pensão por morte, no estatuto dos servidores, deve ser entendida cum grano salis, para, conforme o caso concreto, adotar-se a presunção de que a cessação do benefício ocorrerá somente quando da conclusão do curso superior pelo dependente, independentemente da idade deste, utilizado por analogia e pela construção pretoriana o limite de 24 anos, sem excogitar da comprovação da necessidade do benefício.

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Sobre o autor
André Márcio Costa Nogueira

procurador federal no Pará

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NOGUEIRA, André Márcio Costa. Pensão estatutária e o novo Código Civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 65, 1 mai. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4071. Acesso em: 23 nov. 2024.

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