"Quem se mostra disposto a sacrificar um interesse em favor da preservação de um princípio constitucional, fortalece o respeito à Constituição e garante um bem da vida indispensável à essência do Estado, mormente ao Estado Democrático. Aquele que, ao contrário, não se dispõe a esse sacrifício, malbarata, pouco a pouco, um capital que significa muito mais do que todas as vantagens angariadas e que, desperdiçado, não mais recuperado."
(Konrad Hesse, A Força Normativa da Constituição Federal. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991, p. 23).
"Temos que ter a humildade de estar sempre lendo e relendo a lei, porque, a cada vez que vamos ao texto, seja na sua literalidade, seja através da interpretação sistemática, histórica, lógica etc., se propiciam conclusões novas."
(Professor Caio Tácito)
Sumário: Siglas e abreviaturas; Introdução;Direito Comparado, 2.1.Direito Italiano, 2.1.1.Decreto – legge; 2.1.1.1.O abuso no uso de Decreto- lege; 3.Decreto- lei no Brasil; 4.Decreto – lei e medida provisória; 5.Medida provisória e lei; 6.Emenda constitucional n° 32/1; 7.Medida provisórias; 7.1.Natureza jurídica, 7.2.Competência para edição, 7.2.1.Competência dos Estados e Municípios, Requisito para edição, 7.4.Alcance material, 7.5.Efeitos, 7.6.Durabilidade, 7.7.Controle pelo Congresso Nacional, 7.7.1.Prazo de apreciação, 7.7.2.Emendas ao texto original, 7.7.3.Decreto legislativo, 7.8.Reedições, 7.9.Controle pelo judiciário; 8.Situação das medidas provisórias vigentes antes da publicação da EC n°32/01; 9. Conclusão; Notas; Bibliografia; Anexo
Siglas e Abreviaturas
ADCT – Atos das Disposições Constitucionais Transitórias
ADIn – Ação Direta de Inconstitucionalidade
ADIns – Ações Diretas de Inconstitucionalidades
AI – Ato Institucional
Art. – Artigo
CF – Constituição Federal
CN – Congresso Nacional
DL – Decreto-Lei
EC – Emenda Constitucional
ECR – Emenda Constitucional de Revisão
MP – Medida Provisória
MPs – Medidas Provisórias
PEC – Projeto de Emenda Constitucional
STF – Supremo Tribunal Federal
1 - Introdução
O instituto da medida provisória surgiu no ordenamento jurídico brasileiro com o advento da Constituição Federal de 1988 e tem como uma de suas características principais o fato de, ao ser publicado, entrar em vigor imediatamente com força de lei. Desde então, tem sido usado cotidianamente pelo Presidente da República como um meio prático e legal para legislar. Relevância e urgência são requisitos principais para a sua edição, entretanto a eletividade desses requisitos é critério subjetivo do Chefe do Executivo, não cabendo interferência dos outros poderes.
Embora a medida provisória tenha sido instituída pela Constituição de 88, ela não é norma nova, pois teve como fonte inspiradora o decreto-lei disciplinado em nosso sistema desde a Constituição de 37, embora este tenha obtido maior relevância só com a Emenda Constitucional n.º 01 de 1969, que incorporou o AI n.º 05 de 1967. É bem verdade que entre o decreto-lei e a medida provisória existem várias diferenças, no entanto, a essência continua a mesma, ou seja, é um instrumento a ser usado pelo Presidente da República, excepcionalmente, como agente legiferante, no intuito de resolver problemas que suscitam relevância e urgência.
Após a Constituição de 88 o Chefe do Executivo passou a legislar constantemente, fazendo uso das MPs para normatizar quaisquer assuntos, bastando para isso um interesse político, social ou qualquer outro capaz de despertar o interesse do Presidente da República. A partir desse uso imoderado, a sociedade, bem assim as autoridades em geral começaram a exigir limitações para o exercício desse poder. Em 1995 com a inserção, na Carta Magna, do artigo 246, pelas Emendas Constitucionais n.ºs 6 e 7, houve uma limitação das matérias passíveis de regulamentação por intermédio das MPs, ou seja, os artigos constitucionais modificados por EC a partir de 1995 não poderiam mais ser objeto de medidas provisórias. E no mesmo ano de 1995 o Senador Espiridião Amim elaborou projeto de emenda constitucional, que modificava o artigo 62 da Constituição, projeto esse que só veio ser aprovado definitivamente no dia 11 de setembro de 2001, com o título de Emenda Constitucional n.º 32.
A Emenda Constitucional n.º 32 trouxe novas regras para a edição das MPs, em especial no que concerne à reedição e ao prazo de apreciação pelo Congresso Nacional. Os efeitos, caso não seja convertida em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável por igual período e por uma única vez, ou não seja editado decreto legislativo até 60 dias após sua rejeição ou perda de eficácia, são ex nunc, o que é uma inovação em relação à normatização anterior, segundo a qual os efeitos, caso não fosse convertida em lei no prazo de 30 dias após sua edição, eram ex tunc, cabendo ao Congresso Nacional disciplinar as relações jurídicas delas decorrentes.
Dessa forma, este trabalho tem o objetivo de analisar as medidas provisórias sob a égide da Carta Constitucional de 1988, e, em especial, sua situação após a edição da Emenda Constitucional n.º 32/01, que, de certa forma, veio limitar o abuso político no uso desse remédio jurídico emergencial, onde o Chefe do Executivo, de maneira excepcional, assume função típica do Legislativo, qual seja a de legislar. Embora seja um estudo específico de monografia, espero poder contribuir para o estudo jurídico de alguma forma.
Que este trabalho não sirva de conhecimento apenas para mim, o professor orientador e a banca julgadora, mas que, após sua concretização, possa alcançar outros acadêmicos, independentemente da área em que atuem ou estudem.
2. Direito comparado
Segundo Tabosa de Almeida (1), na Inglaterra se exige uma delegação do Poder Legislativo ao Executivo para que este possa legislar mediante decreto-lei e, embora o nosso direito constitucional tenha sofrido influência do direito norte-americano no passado, ele, como é sabido, teve maior influência do sistema francês, o qual faz uso freqüente desse instituto desde a primeira guerra mundial.
O Autor prossegue, com inspiração no livro Droit Constitucionnel et Institutions Politiques de Hauriou, dizendo que a "Constituição Francesa de 1958 que, em seu art. 47, diz que se o Parlamento não se pronunciar no prazo de sessenta dias, o projeto de lei sobre matéria financeira pode entrar em vigor por ordonance" (instituto semelhante ao DL).
Abstrai-se, também, do citado texto que o artigo 54 da Constituição de 1940 do Paraguai concede ao Poder Executivo a faculdade de editar decretos com força de lei durante o recesso parlamentar.
Já o ordenamento jurídico nicaragüense permite ao Poder Executivo expedir decreto-lei; no entanto, tem que o submeter à Assembléia Nacional.
A Constituição espanhola, em seu artigo 13, exige motivos de urgência para que o Executivo edite decretos-leis, bem assim o faz, também, a Constituição portuguesa.
No ordenamento jurídico português o decreto-lei surgiu com a Constituição de 1911, primeira da República portuguesa, que previa a sua edição pelo Executivo, desde que fosse com autorização do Legislativo, assim o foi até a Constituição de 1933, que dispensou a autorização do Legislativo, condicionando sua edição aos casos de urgência e necessidade.
Em 1976, sob o amparo da nova Constituição, o decreto-lei português ganhou maior força, pois o constituinte deu-lhe maior autonomia e amplitude, segundo Canotilho (2), pois quando a matéria não é reservada à Assembléia da República (equivalente ao nosso Congresso Nacional), tais como matéria relativa à organização e funcionamento do próprio governo, o Presidente pode, em concorrência com a Assembléia, editar atos legislativos para as regular, fazendo uso, assim, de uma competência legislativa originária. No entanto, há também a competência legislativa dependente, ou seja, relativamente a determinadas matérias, que a própria Constituição elenca e, por conseguinte, o Governo precisa de autorização do legislador para a edição dos referidos decretos-leis, assim permanecendo atualmente.
Tabosa (3) afirmou também que nos países comunistas, "como Cuba (art. 147, alínea "a"), Hungria (art. 20, item V) e até certo ponto a Polônia (art. 16, alínea ‘b’), as respectivas Constituições prevêem a hipótese de expedição de decretos-leis".
2.1. Direito italiano
O decreto-lei brasileiro teve como base originária o decreto-legge italiano, onde o governo o utiliza para atender a casos de urgência que não permitem a demora despendida pelo processo legislativo.
Assim a forma como esse ordenamento o concebe não poderia deixar de ser analisada, mesmo que de maneira breve.
Inicialmente cabe informar que a Itália não adota o Regime Presidencialista e sim o Regime Parlamentarista ("regime de governo em que a Chefia de Governo - administração - é confiada ao próprio Parlamento - daí a expressão parlamentarismo - sendo exercida por um primeiro-ministro que comanda um Gabinete formado por ministros auxiliares, ao passo que a Chefia de Estado - representação do Estado perante outros Estados - é confiada ao Presidente da República ou, se a forma do governo for a monárquica, ao rei") (4). Portanto, o decreto-lei origina-se de um regime diferente do nosso e que, por sua vez, foi adaptado ao sistema nacional, que é o presidencialista.
Na Itália, já em 1926 existiam os decretos-leis, através da Lei n.º 100, de 31 de janeiro de 1926, que disciplinava o assunto para os casos de absoluta e urgência necessidade (5). No entanto, com edição da Lei n.º 129, de 19 de janeiro de 1939, a prática ficou um pouco limitada, o que perdurou até o pós-Segunda Guerra, tempo de eliminação do regime fascista e de promulgação da atual Constituição italiana que deu uma nova dimensão aos decretos-leis. Todavia à época se tenha cogitado a idéia de os retirar do ordenamento constitucional, mas antevendo situações emergenciais que obrigassem a edição de decretos-leis ilegítimos, ou seja, não previstos em lei, o legislador peninsular entendeu por bem mantê-los.
2.1.1. Decreto-Legge
Segundo Alexandre Mariotti (6), o decreto-legge italiano foi idealizado por Biscaretti di Ruffia logo após a Segunda Guerra Mundial, que assim o defendeu:
"Mas existe um último caso, de difusão universal, atinente ao exercício da faculdade legislativa por parte do Poder Executivo, e é aquele que diz respeito às múltiplas e variadas eventualidades nas quais o Chefe de Estado, o Governo, ou outras autoridades executivas menores (especialmente militares) são levadas por motivos urgentes de necessidade a editar ordenações com força de lei.
Quando tais ordenações de necessidade ou de urgência são postas em vigor pelo Chefe de Estado com seus decretos – submetidos normalmente a uma subseqüente aprovação parlamentar – tomam então o nome de ‘decreti-legge’. Eles são geralmente justificados e admitidos pelos teóricos e pelos práticos do direito porque, na realidade, muitas vezes é preciso atender à necessidade com uma prontidão tal que não permite seguir a via legislativa normal, submetendo previamente o projeto de lei à aprovação das Câmaras".
Com base no texto, abstrai-se que o direito italiano exige como requisito essencial do decreto-legge uma situação de necessidade que deve ser resolvida com urgência pelo Chefe do Executivo, o qual deve editar atos com força de lei, submetendo-os posteriormente ao Parlamento. Sendo que, devido à urgência da situação, não se pode esperar pelo trâmite normal do processo legislativo, que leva considerável tempo.
O artigo 77 da Constituição italiana de 1947 dispõe sobre o decreto-legge desta forma:
"O governo não pode, sem delegação das Câmaras, editar decretos com valor de lei ordinária.
Quando, em casos extraordinários de necessidade e urgência, o Governo, sob sua responsabilidade, adotar medidas provisórias com força de lei, deverá, no mesmo dia, submetê-las para efeitos de conversão às Câmaras, as quais, se dissolvidas, são convocadas para este fim e reúnem-se dentro de cinco dias.
Os decretos perdem eficácia desde o início se não forem convertidos em lei nos sessenta dias posteriores à sua publicação. As Câmaras, todavia, podem regular por lei as relações jurídicas decorrentes dos decretos não convertidos." (7)
Observa-se que a legislação italiana faz referência tanto à expressão decreto-lei quanto à medida provisória. Segundo Clèmerson Merlin Clève (8), na Itália as medidas provisórias têm como veículo de edição os decretos, daí serem chamadas de decretos-leis. E, além das medidas provisórias, os decretos ainda podem veicular atos políticos, administrativos individuais ou regulamentares, de forma que as normas não se confundem com seu veículo de edição. Assim sendo, no direito italiano a medida provisória não se apresenta como espécie normativa autônoma integrante do processo legislativo, como acontece no Brasil.
Segundo entendimento de Leomar Barros Amorim de Sousa (9), no que diz respeito à matéria de limitação dos decretos-leis italianos, não há restrição alguma, senão as mencionadas no artigo 77 da Constituição respectiva, haja vista a necessidade e urgência serem "consideradas como condições do conteúdo, e não somente como condição formal do exercício da extraordinária potestade" de edição desse tipo de norma. De forma que o poder legiferante do Chefe do Executivo está tão-somente condicionado pela necessidade de que fala a Constituição, "sobretudo no que toca ao objeto e conteúdo do ato". "O que implica, de um lado, uma extensão, e, de outro, uma restrição da competência legislativa de urgência do Governo." Pois quaisquer atos deste ficam adstritos às determinações da Lei Maior.
A Constituição italiana em seu texto original não faz menção à medida provisória, pois utiliza a expressão provvedimenti provvisiori com força de lei.
Leomar (10) afirma, também, que o doutrinador Lavagna sustenta a opinião de que "os decretos-leis podem disciplinar quaisquer matérias, por ter essa disciplina caráter temporário e servir para regular fattispecie excepcional, carecedor de uma regulamentação inadiável".
Menciona, ainda o Autor, a opinião de Carlos Esposito, que doutrina haver limitações na edição de decretos-leis, todavia, a princípio, essas serem limitações quase imperceptíveis. Para Esposito os limites são os seguintes:
"a) o provimento não pode aprovar ou autorizar a aprovação do próprio provimento;
b)um decreto-lei não pode proceder à conversão em lei de outro decreto-lei, subtraindo-se a conversão, porquanto tal conduta implicaria em suspender-se a funcionalidade do Parlamento;
c)o decreto-lei não pode determinar situações irreversíveis, como é o caso de matéria eleitoral de atuação imediata;
d) como corolário da hipótese anterior, também a suspensão de disposições constitucionais que venha a modificar a estrutura e a organização fundamental do Estado." (11)
Enquanto Alexandre Mariotti (12) afirma contrariamente que na doutrina italiana foi estabelecido consenso de que não caberia ao governo utilizar o decreto-legge para dispor sobre matéria insuscetível de delegação legislativa, matéria eleitoral, autorização para emitir leis delegadas, autorização para o Chefe de Estado ratificar tratados internacionais e matéria orçamentária.
A partir dessas observações, pode-se concluir que o Constituinte brasileiro não se preocupou em adaptar o instituto das medidas provisórias "parlamentaristas" ao sistema de governo presidencialista.
2.1.1.1. O abuso no uso do decreto-legge
O Governo italiano, segundo informa Mariotti (13), abusou da expedição dos decreti-leggi, por isso o Parlamento peninsular foi obrigado a limitar a matéria passível de ser disciplinada pelos decretos-leis, sobretudo no que diz respeito à reedição, por intermédio da "Lei n.º 400, de 23 de janeiro de 1988, que veda expressamente a edição de decreto-leggi para: a) conceder delegações legislativas; b) dispor sobre matéria constitucional e eleitoral, autorizar a ratificação de tratados internacionais, aprovar orçamentos e prestação de contas orçamentárias (bilanci e consuntivi); c) renovar as disposições de atos cuja conversão em lei tenha sido negada, ainda que por uma só das Câmaras do Parlamento; d) represtinar disposições que a Corte Constitucional tenha declarado ilegítimas por vícios substanciais ou de competência; e) regular as relações jurídicas decorrentes dos atos não convertidos em lei".
O Autor prossegue dizendo, ainda, que essa Lei exige que os decretos-leis contenham "medidas de imediata aplicação e com conteúdo específico, homogêneo e correspondente ao título que os designa". (14)
Para Mariotti a Lei n.º 400 não alcançou sua finalidade, nem eficácia alguma no ordenamento italiano, não sendo levada em consideração pelo próprio Parlamento, dando-se prosseguimento à prática "abusiva" na edição e reedição dos decretos-leis.
3. Decreto-Lei no Brasil
Hodiernamente não se fala mais em decreto-lei em nosso sistema constitucional, pois o constituinte o renunciou em prol do instituto da medida provisória. Entretanto, desde a Constituição outorgada em 1937 ele se fazia presente em nosso país e, para melhor compreensão das medidas provisórias, faz-se necessário um histórico nacional daquele.
Consoante afirmações de Ronaldo Poletti (15), "o decreto com força de lei, ou simplesmente decreto-lei, institucionalizado pela Constituição do Brasil, não é uma extemporaneidade histórica. Ao contrário, julgando os acontecimentos a partir do declínio da liberal democracia, passando-se pela social democracia da Constituição de Weimar, posteriormente pelos regimes ditatoriais, e, ainda, pelas Constituições do pós-guerra, verifica-se que o decreto-lei, variável em suas formas, tem sido largamente utilizado".
Em 1937 o decreto-lei foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro por intermédio da Carta Constitucional outorgada por Getúlio Vargas, concedendo ao Presidente da República a faculdade de, após autorização do Parlamento e sob as condições e limites contidos nessa autorização, editar decretos-leis.
Segundo Mariotti (16) a Constituição de 37 trazia quatro possibilidades de expedição do decreto-lei, quais sejam: "a) decretos-leis autorizados pelo Parlamento, que fixa as respectivas condições e limites (art. 12); b) decretos-leis de necessidade, emitidos no período de recesso do Parlamento ou de dissolução da Câmara dos Deputados, excluídas determinadas matérias (art. 13); c) decretos-leis sobre matéria reservadas ao Presidente da República (art. 14); e d) decretos-lei de Governo de fato, expedidos pelo Presidente da República enquanto não se reunir o Parlamento Nacional (art. 180)". Ocorre que Vargas instalou o regime ditatorial, conseqüentemente não reuniu o Parlamento, que segundo o art. 4º da EC nº 9/45 deveria ter, dentro de 90 dias contados a partir de 28 de fevereiro de 1945, fixada em lei, a data para a sua primeira eleição. Entretanto, o Governo, administrando sozinho, fez uso apenas da faculdade do artigo 180, expedindo, segundo Mariotti, até 1946, nada mais que 9.908 decretos-leis.
A Carta Suprema de 46 eliminou expressamente a expedição do decreto-lei pelo Chefe do Executivo, atribuindo tal faculdade ao próprio Legislativo (art. 37).
Só em 1965, com o Ato Institucional n.º 2, de 27 de outubro de 1965, que o decreto-lei reapareceu, facultando ao Presidente da República expedir decretos-leis em matéria de segurança nacional e sobre quaisquer matérias durante o recesso legislativo. Depois, já em 1966, com ao AI n.º 4, de 7 de dezembro de 1966, a matéria objeto do decreto-lei foi ampliada, incluindo-se matéria de caráter financeiro durante a convocação extraordinária do Congresso e de caráter administrativo no lapso temporal entre a convocação extraordinária e a reunião ordinária.
A Constituição de 1967 autorizava a expedição de decreto-lei com força de lei em matéria de segurança nacional e finanças públicas, todavia vedava o aumento de despesa. Os decretos-leis deveriam ser apreciados pelo Congresso Nacional no prazo de sessenta dias, e caso essa apreciação não se realizasse, ter-se-iam por aprovados. Não se permitia a possibilidade de emendas.
Segundo Janine (17), a submissão do decreto-lei à apreciação do Congresso Nacional se apresentou como a diferença de maior significância em relação às previsões do AIs n.ºs 2 e 4.
Em 1969, agora já sob a égide da Emenda Constitucional nº 1, foi inserida no léxico constitucional a expressão decreto-lei, in verbis:
"Art. 55. O Presidente da República, em casos de urgência ou de interesse público relevante, e desde que não haja aumento de despesa, poderá expedir decretos-lei sobre as seguintes matérias:
I – segurança nacional;
II – finanças públicas, inclusive normas tributárias; e
III – criação de cargos públicos e fixação de vencimentos.
§ 1º Publicado o texto, que terá vigência imediata, o decreto-lei será submetido pelo Presidente da República ao Congresso Nacional, que o aprovará ou rejeitará, dentro de sessenta dias a contar do seu recebimento, não podendo emendá-lo; se, nesse prazo, não houver deliberação, aplicar-se-á o disposto no § 3º do art. 51.
§ 2º A rejeição do decreto-lei não implicará a nulidade dos atos praticados durante sua vigência."
O § 3º do artigo 51 prescreve, in verbis:
"§ 3º Na falta de deliberação dentro dos prazos estipulados neste artigo e parágrafos anteriores, considerar-se-ão aprovados os projetos."
Afirma Ronaldo Poletti (18) que "(...) o decreto-lei institucionalizado em 1967 no Brasil nada tem a ver com o da Constituição de 1937. (...) A seara histórica do decreto-lei da Constituição de 1967 não começa em 1937, sim nos atos institucionais da Revolução de 1964. De fato, o Ato Institucional n.º 2, de 27/10/65, determinava em seu art. 30 que o Presidente da República poderia baixar decretos-leis sobre matéria de segurança nacional. E mais, que o recesso do Congresso Nacional, das Assembléias Legislativas e das Câmaras de Vereadores, decretado por ato complementar do Presidente da República, o Poder Executivo correspondente ficaria autorizado a legislar mediante decretos-leis em todas as matérias previstas na Constituição e na lei orgânica.
Na evolução dos acontecimentos, veio o Ato Institucional nº 4, de 07/12/66, onde se reafirmava o disposto no art. 30 do AI-2, e dispunha, ainda, que o Presidente da República podia também baixar decretos-leis sobre matéria financeira. Esclareça-se que o AI-4 convocava o Congresso para se reunir extraordinariamente, e mesmo assim o Presidente podia legislar por decretos-leis sobre segurança nacional e matéria financeira."
A redação do artigo 55 da EC n.º 1/69 vigorou sem alterações até 1978, quando foi alterada pela Emenda Constitucional n.º 11, de 13/10/78, que lhe deu nova redação quanto aos parágrafos primeiro e segundo, in verbis:
"Art. 55 (omissis)...
§ 1º Publicado o texto, que terá vigência imediata, o decreto-lei será submetido pelo Presidente da República ao Congresso Nacional, que o aprovará ou rejeitará, dentro 60 (sessenta) dias a contar de seu recebimento, não podendo emendá-lo; se, nesse prazo, não houver deliberação, o texto será tido por aprovado.
§ 2º A rejeição do decreto-lei não implicará a nulidade dos atos praticados durante sua vigência."
A nova redação do artigo 2º concedeu efeitos ex nunc aos decretos-leis, ou seja, mesmo que o DL fosse rejeitado, os atos praticados durante sua vigência seriam válidos.
No ano de 1982 com a edição da EC n.º 22, foi dada nova redação ao parágrafo terceiro do artigo 51 da EC n.º 01/69, in verbis:
"Art. 51 (omissis)...
§ 3º Na falta de deliberação dentro dos prazos estabelecidos neste artigo e no parágrafo anterior, cada projeto será incluído automaticamente na ordem do dia, em regime de urgência, nas dez sessões subseqüentes em dias sucessivos; se, ao final dessas, não for apreciado, considerar-se-á definitivamente aprovado." (19)
Assim, a regulamentação dos decretos-leis no Brasil, bem como seu constante exercício, perdurou em nosso sistema constitucional até o Constituinte de 88 achar por bem o extinguir e dar lugar às medidas provisórias, que estão presentes até o momento e, por ora, não se cogita sua extinção ou substituição, pois têm beneficiado muito o Poder Executivo, principalmente, nas duas administrações do Presidente Fernando Henrique Cardoso, que as usa, de certa forma, com abuso quanto ao seu objeto material e quanto à faculdade de reedições, abuso esse que, espero, tenha sido restringido, pelo menos em parte, com o advento da EC n.º 32/01.