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Reflexos da Lei nº 9.784/99 no processo administrativo disciplinar no âmbito da Administração Federal

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O ordenamento jurídico brasileiro, particularmente o processo administrativo disciplinar no âmbito da Administração Pública direta e indireta dos três Poderes da União, sofreu reflexos dignos de nota com a edição da Lei Federal nº 9.784 , de 29 de janeiro de 1999 (regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal), diploma legal alvissareiro e que enseja elogios pelas garantias, princípios e pela indicação de procedimentos a ser observados nos feitos administrativos, inclusive os de natureza punitiva.


Preliminarmente, anote-se que a aplicação das regras elencadas na Lei Federal nº 9.784/99 aos processos administrativos disciplinares (regidos por lei especial - Lei 8.112/90) será subsidiária, vale dizer, a lei geral incidirá nas partes omissas e sempre que não houver disposição especial no Estatuto dos Servidores Públicos Federais, como prevê o art. 69. da Lei 9.784/99.

Cumpre, pois, trazer a lume os dispositivos da Lei 9.784/99 (norma geral) que ensejam aplicação subsidiária no processo administrativo disciplinar, regido pela Lei 8.112/90 (norma especial). De início, sublinhe-se que, para os fins da lei geral do processo administrativo, os próprios servidores públicos federais que figurem como acusados em feitos disciplinares são considerados administrados (art. 3º, caput, Lei 9.784/99), por estarem sujeitos ao poder de império e disciplinar da Administração Pública a que se vinculam, e também interessados, porque se amoldam à figura legal daqueles que têm direitos ou interesses que podem ser afetados pela decisão a ser adotada no processo (art. 9º, II, Lei 9.784/99), de sorte que os processados gozam da proteção legal subsidiária da norma genérica em apreço, sem embargo das garantias asseguradas pela Lei 8.112/90.

Registre-se: a Lei 9.784/99 estabeleceu que os feitos administrativos serão informados pelos consagrados princípios de baldrame constitucional (legalidade, ampla defesa, contraditório, moralidade e eficiência – artigos 37, caput, e 5º, LV, da Constituição Federal de 1988), acrescidos dos preceitos de alicerce infraconstitucional da finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, segurança jurídica e interesse público (art. 2º, caput, Lei 9.784/99), não obstante o princípio da proporcionalidade estar implícito na Constituição, segundo entendimento da doutrina corrente e do colendo Supremo Tribunal Federal (Gilmar Ferreira Mendes, em Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, págs. 72/87, invoca nesse sentido os precedentes dos RE 18.331, HC 45.232, Rp 1.054, Rp 1.077, ADIN 855 e outros).

A própria Lei 9.784/99, conquanto de forma não conclusiva e em numerus apertus, indicou os reflexos desses princípios sobre o processo administrativo, inclusive o inquérito disciplinar, intitulando-os de critérios de atuação vinculantes da atividade da Administração (art. 2º, parágrafo único, I a XIII). Assim, o princípio do devido processo legal vem expresso como critério de atuação conforme a lei e o Direito (art. 2º, parágrafo único, I); os da finalidade e do interesse público como o atendimento a fins de interesse geral (art. 2º, parágrafo único, II); os da proporcionalidade e da razoabilidade como a adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas estritamente necessárias (art. 2º, parágrafo único, VI); o da moralidade e da motivação com a atuação segundo padrões éticos de probidade, decoro e boa-fé (art. 2º, parágrafo único, IV) e a indicação dos pressupostos de fato e de direito que determinarem a decisão (art. 2º, parágrafo único, VII), dentre outros critérios indicados.

Por corolário, nos feitos punitivos, as formas previstas em lei deverão ser respeitadas pela comissão processante (devido processo legal); as decisões e atos de indiciação, o relatório, eventual parecer do órgão jurídico e o decisum final deverão estar alicerçados nas provas carreadas aos autos (motivação); a sanção porventura aplicada deverá ser moderada e conforme a gravidade ou não do fato (razoabilidade e proporcionalidade). A respeito do princípio da proporcionalidade, alumiando os requisitos inerentes da adequação e da necessidade, pontifica Gilmar Ferreira Mendes: “ Um juízo definitivo sobre a proporcionalidade ou razoabilidade da medida há de resultar da rigorosa ponderação entre o significado da intervenção para o atingido e os objetivos perseguidos (...) o pressuposto da adequação exige que as medidas interventivas adotadas mostrem-se aptas a atingir os objetivos pretendidos. O requisito da necessidade ou da exigibilidade significa que nenhum meio menos gravoso para o indivíduo revelar-se-ia igualmente eficaz na consecução dos objetivos pretendidos” (Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, Celso Bastos Editor, 2ª ed., 1999, p. 192). Por conseguinte, a aplicação de penalidades disciplinares só se legitimam quando o meio adotado seja o próprio e adequado à suposta infração cometida pelo servidor, sendo de se invocar o princípio da insignificância em sede de defesa, mesmo como reflexo do princípio da proporcionalidade.

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Outrossim, a instrução deverá ser célere no que suficiente para propiciar os elementos necessários de convicção para julgamento da autoridade (eficiência e segurança jurídica); haverá de ser respeitado o direito de o advogado constituído aconselhar o acusado, durante o interrogatório, do direito do processado de não responder a perguntas quaisquer ou aquelas consideradas capazes de produzir auto-incriminação; de o causídico reclamar, verbalmente ou por escrito, contra a inobservância de preceito de lei ou descumprimento de princípio regedor do processo disciplinar ou da Administração Pública; o direito de pedir a palavra pela ordem para fazer esclarecimentos de questões de fato ou para replicar censura ou acusação que lhe seja feita, inclusive com registro em ata, mesmo no curso da inquirição de testemunhas (princípio da legalidade, com os consectários dos incisos X e XI do art. 7º da Lei 8.906/94), além de outras inúmeras garantias conseqüentes. O acusado nos processos disciplinares goza, enquanto administrado (artigo 3º, I a IV, Lei 9.784/99), do direito de ser tratado com respeito pela comissão processante e pela autoridade julgadora, que deverão facilitar o exercício de seus direitos; de ter ciência da tramitação dos feitos em que seja interessado; ter vista dos autos e obter cópias de documentos e ser cientificado das decisões proferidas; de formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, que deverão ser analisados pelo órgão processante e pela autoridade julgadora - é o direito de ter suas razões e provas produzidas consideradas, como bem anota o Constitucionalista Gilmar Ferreira Mendes: "Daí afirmar-se, corretamente, que a pretensão à tutela jurídica, que corresponde exatamente à garantia consagrada no art. 5º, LV, da Constituição, contém os seguintes direitos: (...) direito de ver seus argumentos considerados, que exige do julgador capacidade de apreensão e isenção de ânimo para contemplar as razões apresentadas (...) é da obrigação de considerar as razões apresentadas que deriva o dever de fundamentar as decisões" (Obra citada, págs. 98/99)

Ademais, as hipóteses de impedimento e suspeição, previstas nos artigos 18 a 20, da Lei 9.784/99, podem ser invocadas pelos acusados em feitos administrativos disciplinares. No que respeita aos prazos para a prática de atos administrativos, estes serão praticados em dias úteis, no horário normal de funcionamento da repartição onde tramita o processo (art. 23, Lei 9.784/99).

Também foram adotas regras para comunicação dos atos, prevista a intimação do acusado, na qualidade de interessado (art. 26, caput, Lei 9.784/99), observado o prazo mínimo de três dias úteis para as intimações (art. 26, § 2º, Lei 9.784/99), sob pena de nulidade, ressalvado o comparecimento espontâneo do interessado (art. 26, § 5º, Lei 9.784/99). Reiterou-se a eficácia do princípio constitucional do direito ao silêncio (art. 5º, LXIII, Carta Política de 1988), quando figura que o desatendimento da intimação não importa o reconhecimento da verdade dos fatos, nem a renúncia a direito pelo administrado (art. 27, caput, Lei 9.784/99), de modo que o acusado, no intererrogatório, pode deixar de se pronunciar sobre os fatos, sem que o silêncio, de per si, implique qualquer gravame ao servidor.

No que concerne à instrução, vedou-se o emprego de provas ilícitas (art. 30, Lei 9.784/99); à luz dos princípios da oficialidade e da verdade material, impôs-se à comissão processante que diligencie por reunir aos autos do feito disciplinar as provas de fatos e dados constantes na própria Administração apontados pelo acusado (art. 37, Lei 9.784/99). O acusado deverá ser intimado de prova ou diligência ordenada com antecedência mínima de três dias úteis (art. 41, Lei 9.784/99). Reconheceu-se, de modo expresso, o direito de o acusado juntar documentos, pareceres, requerer diligências e perícias (estas últimas já garantidas na Lei 8.112/90), bem como falar da matéria objeto do processo (art. 38, caput, Lei 9.784/99). Mais ainda, na motivação e do relatório, as provas produzidas deverão ser consideradas, sob pena de arbítrio e vilipêndio ao princípio da motivação (art. 38, § 1º, Lei 9.784/99)

A lei disciplina os prazos, que se iniciam a partir da cientificação oficial, excluindo-se o dia de começo e incluindo-se o dia de vencimento (art. 66, Lei 9.784/99), prorrogando-se para o primeiro dia útil o vencimento do prazo quando findo em dia que não houver expediente ou quando houver encerramento do expediente antes da hora normal (art. 66, § 1º, Lei 9.784/99).

São essas as anotações julgadas dignas de nota a respeito dos reflexos da Lei 9.784/99 sobre os processos administrativos disciplinares no âmbito da Administração Pública direta e indireta dos três Poderes da União, que continuam regidos pela Lei 8.112/90, mas foram largamente aprimorados com os dispositivos do novel estatuto geral, de aplicação subsidiária. O que importa registrar é o dever de observância pelas comissões processantes e pela autoridade julgadora dos princípios estabelecidos no art. 2º, caput, da Lei 9.784/99, e os seus reflexos nos atos processuais realizados no curso dos feitos administrativos disciplinares, sob pena de ilegalidade que pode tornar nulo o ato praticado e os que dele decorram, afigurando-se oportuno consignar que a Administração Pública deve sempre pautar toda a sua atividade com respeito à lei e aos preceitos do direito positivo e aos princípios gerais do direito, sob pena de controle de ilegalidade perante o Poder Judiciário.

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Sobre o autor
Antonio Carlos Alencar Carvalho

Procurador do Distrito Federal. Especialista em Direito Público e Advocacia Pública pelo Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Advogado em Brasília (DF).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARVALHO, Antonio Carlos Alencar. Reflexos da Lei nº 9.784/99 no processo administrativo disciplinar no âmbito da Administração Federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. -1278, 1 jan. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/408. Acesso em: 22 nov. 2024.

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