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Legislação desportiva.

Projeto de Lei de Conversão nº 01/2003, que altera a Lei nº 9615/98. Sanção ou veto?

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5. Ligas/entidades de administração - Calendários

"Art. 20

§ 6º As ligas formadas por entidades de prática desportiva envolvidas em competições de atletas profissionais equiparam-se, para fins do cumprimento do disposto nesta Lei, às entidades de administração do desporto.

§ 7º As entidades nacionais de administração de desporto serão responsáveis pela organização dos calendários anuais de eventos oficiais das respectivas modalidades."(NR)

Sugestão: Sanção

Fundamentos:

As ligas são entidades criadas com a finalidade de congregar entidades de prática para a organização e administração de eventos esportivos. A proposta equipara acertadamente essas figuras aparentemente distintas - Entidades de administração X Ligas. Em verdade, a sobredita equiparação está fundada na impossibilidade de utilização, por via transversa, de uma figura jurídica própria - liga, para escapar das amarras da lei. Demais disso, parece possuir endereço certo e impedir que tais entidades venham a substituir ou ganhar força em detrimento das entidades oficiais. Todavia, é preciso dizer que existem ligas esportivas remanescentes de um modelo arcaico e filiadas a entidades diretivas como sendo entidades de prática do desporto. Prática, aliás, muito comum em federações de futebol para angariar votos em processos eleitorais.

Parece óbvio, mas é preciso uma lei para dizer que as entidades nacionais são as responsáveis pela elaboração do calendário anual oficial da respectiva modalidade. Isto porque, provavelmente, pretende-se a responsabilização das entidades nacionais ao seu descumprimento. Demais disso, os calendários do futebol sempre foram alvo de inúmeras críticas. Daí a finalidade da proposta que se apresenta.

Destaque-se, a despeito da adequada finalidade pretendida pelo dispositivo, sua aparente inadequação terminológica quando menciona ‘entidades de prática envolvidas em competições de atletas profissionais’. Isso porque o sistema vigente reconhece como profissional apenas o atleta com vínculo empregatício refletido em CTPS, firmado com entidade de prática desportiva (Art. 3º, da Lei n.º9.615/98). Sendo assim, a entidade de prática é ou não contratante de atleta profissional. Nesta hipótese, portanto, melhor seria que o dispositivo estipulasse ‘As ligas formadas por entidades de prática contratantes de atletas profissionais (...)’.

Mesmo porque, profissionalismo está relacionado à pessoa física do atleta. O atleta é profissional, não a competição, o clube, a liga, a federação, a confederação ou o esporte. Sendo profissional, o atleta levará seu profissionalismo à competição e assim sucessivamente.


6. Afastamento preventivo de dirigentes

"Art. 23

Parágrafo único. Independentemente de previsão estatutária é obrigatório o afastamento preventivo e imediato dos dirigentes, eleitos ou nomeados, caso incorram em qualquer das hipóteses do inciso II, assegurado o processo regular e a ampla defesa para a destituição."(NR)

Sugestão: Sanção

Fundamentos:

Seguindo a linha delineada pelo princípio da responsabilização social do dirigente desportivo, a MP 79 avança para criar uma espécie de suspensão preventiva da atuação do dirigente pela prática de atos lesivos às entidades sob sua administração, por problemas com prestações de contas, em decorrência de condenação na esfera criminal etc.

A MP 79 preconiza um afastamento imediato e preventivo para o suposto gestor irresponsável. Como a redação originária da Lei Pelé previa apenas a inelegibilidade, os dirigentes praticantes dos atos capitulados no inc. II do art. 26, continuavam no poder até o advento do próximo processo eleitoral. Veio em boa hora o afastamento imediato para apuração dos fatos lesivos, desde que assegurado o devido processo legal.

Como alardeiam os defensores do associativismo no desporto exercido profissionalmente, a atividade diretiva é uma atividade diletante por excelência, razão pela qual não haveria prejuízos de ordem econômica pessoal no período de suspensão temporária para o exercício das funções dirigentes.

Por outro lado, reconhecidos os princípios vinculados ao exercício de atividade econômica, agigantam-se razões de precaução em relação ao afastamento preventivo. Sob tais fundamentos, imantados pelo princípio do devido processo legal insculpido pela Constituição Federal, deve-se assegurar o contraditório e a ampla defesa prévios à destituição dos dirigentes.

Neste caso, para assegurar o contraditório e ampla defesa, não há que se falar em procedimentos simplificados ou julgamentos sumários. A forma de destituição, regra geral, dependerá de previsão no estatuto ou contrato social. Aliás, a destituição de administradores está prevista no art. 59, II do novo Código Civil, sendo exigido o voto concorde de dois terços dos presentes à assembléia especialmente convocada para esse fim, não podendo ela deliberar, em primeira convocação, sem a maioria absoluta dos associados, ou com menos de um terço nas convocações seguintes.


7. Competição profissional - conceito

"Art. 26.

Parágrafo único. Considera-se competição profissional para os efeitos desta Lei aquela promovida para obter renda e disputada por atletas profissionais cuja remuneração decorra de contrato de trabalho desportivo."

Sugestão: Veto

Fundamentos:

A proposta consiste em definição de ‘competição profissional’, como sendo aquela que objetiva obter renda aliada à participação de atletas remunerados mediante contrato formal de trabalho.

O sistema jurídico desportivo brasileiro, até este momento, positivou exclusivamente o conceito de atleta profissional, aliado à classificação das formas de prática do desporto, notadamente do desporto de rendimento.

A Lei n.º8.672/93 estabelecia, de forma textual, que o desporto profissional caracterizava-se por remuneração pactuada em contrato formal de trabalho ou demais formas contratuais pertinentes. A Lei n.º9.615, por seu turno, restringiu ainda mais o conceito, para reconhecer a presença do atleta profissional apenas quando o mesmo faça parte de contrato formal de trabalho.

Esta situação, nobre no objetivo de evitar contratos paralelos que ocultem a relação de emprego, acaba por deixar a descoberto diversos atletas que, apesar de exercer suas atividades com profissionalismo, não são reconhecidos como profissionais. Assim ocorre porque o conceito de atleta profissional não deveria partir dos elementos do contrato de trabalho, mas dos requisitos do profissionalismo. Como leciona Orlando Gomes, a profissão pode estar vinculada ou não ao contrato de trabalho subordinado, ‘...é a particular forma de atividade que o indivíduo escolhe como seu trabalho ordinário e contínuo, com fim de sustento quase sempre, mas sobretudo a serviço das necessidades gerais.’ [10]

Deste ponto, a despeito da crítica à opção do conceito legislativo, é inegável que o centro do profissionalismo encontra-se no atleta. Sendo assim, constata-se uma tentativa de inovação através da conceituação legal da ‘competição profissional’.

Na realidade, é possível adjetivar uma competição como profissional, ainda que se revele desnecessário. Bastaria fazer referência à competição da qual participem atletas profissionais. Ocorre que a opção legislativa transcendeu este requisito, para exigir que a competição, para ser considerada profissional, ‘seja promovida para obter renda’. O legislador – neste caso – parece compelido a evitar inserir no conceito aquelas competições em que o profissional participa, mas não há objetivo de renda.

Ora, uma competição que envolva atletas profissionais será, sempre, uma competição profissional, ainda que não seja cobrado ingresso. Por outro lado, uma competição entre associações do modo não-profissional, na qual haja cobrança de ingressos, não passará a ser profissional por esse motivo.

Por outro lado, o critério de conceituação pela ‘renda’ pode causar uma série de empecilhos, especialmente aos atletas não profissionais, que poderão ser restringidos a participar de competições, simplesmente porque as mesmas objetivam renda.


8. Entidades de administração, ligas e entidades de prática - Gestão - Recursos públicos - Forma jurídica - Reescalonamento de dívidas

"Art. 27. As entidades de prática desportiva participantes de competições profissionais e as entidades de administração de desporto ou ligas em que se organizarem, independentemente da forma jurídica adotada, sujeitam os bens particulares de seus dirigentes ao disposto no art. 50 da Lei nº10.406, de 10 de janeiro de 2.002, além das sanções e responsabilidades previstas no caput do art. 1.017 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, na hipótese de aplicarem créditos ou bens sociais da entidade desportiva em proveito próprio ou de terceiros.

§ 3º (revogado)

§ 4º (revogado)

§ 5º O disposto no art. 23 aplica-se, no que couber, às entidades a que se refere o caput deste artigo.

§ 6º Sem prejuízo de outros requisitos previstos em lei, as entidades de administração do desporto, as ligas e as entidades de prática desportiva, para obter financiamento com recursos públicos deverão:

I - realizar todos os atos necessários para permitir a identificação exata de sua situação financeira;

II - apresentar plano de resgate e plano de investimento;

III - garantir a independência de seus conselhos de fiscalização e administração, quando houver;

IV - adotar modelo profissional e transparente; e

V - elaborar e publicar suas demonstrações financeiras na forma definida pela Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, após terem sido auditadas por auditores independentes.

§ 7º Os recursos do financiamento voltados à implementação do plano de resgate serão utilizados:

I - prioritariamente, para quitação de débitos fiscais, previdenciários e trabalhistas; e

II - subsidiariamente, para construção ou melhoria de estádio próprio ou de que se utilizam para mando de seus jogos, com a finalidade de atender a critérios de segurança, saúde e bem estar do torcedor.

§ 8º Na hipótese do inciso II do § 7º, a entidade de prática desportiva deverá apresentar à instituição financiadora o orçamento das obras pretendidas.

§ 9º É facultado às entidades desportivas profissionais constituírem-se regularmente em sociedade empresária, segundo um dos tipos regulados nos arts. 1.039 a 1.092 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.

§ 10. Considera-se entidade desportiva profissional, para fins desta Lei, as entidades de prática desportiva envolvidas em competições de atletas profissionais, as ligas em que se organizarem e as entidades de administração de desporto profissional.

§ 11. Apenas as entidades desportivas profissionais que se constituírem regularmente em sociedade empresária na forma do § 9º não ficam sujeitas ao regime da sociedade em comum e, em especial, ao disposto no art. 990 da Lei nº10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.

§ 12. Observado o disposto nos parágrafos anteriores, as entidades de prática desportiva profissional poderão ser beneficiadas por programa especial de reescalonamento relativo a tributos e contribuições fiscais e parafiscais, inscritos ou não em dívida ativa, ajuizados ou a ajuizar, com exigibilidade suspensa ou não, inclusive decorrentes de falta de recolhimento de valores retidos, podendo tais dívidas ser pagas, na forma e hipóteses definidas em regulamentação específica, com:

I - a prestação de serviços desportivos sociais em prol de comunidades carentes; e

II - a compensação das despesas comprovadas e exclusivamente efetivadas na formação desportiva e educacional de atletas.

§ 13. Para os fins de fiscalização e controle do disposto nesta Lei, as atividades profissionais das entidades de prática desportiva, das entidades de administração de desporto e das ligas desportivas, independentemente da forma jurídica como estas estejam constituídas, equiparam-se às das sociedades empresárias, notadamente para efeitos tributários, fiscais, previdenciários, financeiros, contábeis e administrativos."(NR)

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Sugestão: Veto parcial

Fundamentos:

A adoção do modelo empresarial para as entidades de prática desportiva tornou-se o tema mais debatido no âmbito da legislação desportiva, desde a proposta de alteração paradigmática apresentada pela Lei Zico (n.º8.672/93). Como sabido, a imposição do ‘clube-empresa’ consistiu-se em pretensão do Estado, diversas vezes rechaçada pela maioria dos clubes e seus dirigentes.

Entretanto, a retirada deste ponto específico da Medida Provisória desnaturou o dispositivo ora comentado. De qualquer maneira, o caput preserva um objetivo de transparência, retidão e probidade inerentes aos princípios ora instituídos pela legislação desportiva e já reconhecidos pela legislação civil.

Finalmente, no que concerne ao reescalonamento de dívida, constitui uma medida de saneamento de entidades desportivas, sob o aspecto tributário. Evidencia-se que a referida previsão legal veio para minimizar o impacto do chamado "clube-empresa". Sob a bandeira da moralização, a barganha legislativa parece ultrapassar o limite do razoável.

Já não é de hoje que se discute a necessidade de uma lei de incentivos fiscais para o desporto não profissional. No entanto, no passado, além da falta de vontade política, tecnicamente justificava-se a inexistência pelo seu elevado potencial de evasão fiscal. Em outras palavras, o incentivo daria margem à efetiva sonegação. Como no esporte as coisas são sempre "nebulosas", tais incentivos seriam um "prato cheio". Com efeito, partíamos da seguinte premissa: se os poderes instituídos querem destinar recursos para o desporto, que o façam através de valores mais consistentes no momento da elaboração dos orçamentos públicos e não mediante isenção tributária. Todavia, o reclame da social por uma lei próxima da Lei Rouanet de apoio a projetos culturais, para o desporto, no projeto atual, reveste-se de uma medida incentivadora da adesão ao modelo empresarial que mistura reescalonamento de dívida tributária de qualquer natureza e em todas as dimensões com possibilidade de isenção fiscal a projetos sociais desportivos. Seria a tradicional mágica das festas de aniversário ou um ilusionismo em grandes proporções? Qual o problema então? A resposta é simples: Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF.

A Lei de Responsabilidade Fiscal estabelece:

"Art. 11 – Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação.

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1º – A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

..."

A receita tributária é oriunda da cobrança dos tributos em geral, englobando os impostos, taxas e contribuições de melhoria que são pagas pelos contribuintes em razão de suas propriedades, rendas, atividades, operações financeiras e dos benefícios diretos e imediatos que recebem do Estado. Essa receita tributária decorre do poder que o Estado tem de exigir da população prestações pecuniárias destinadas ao custeio das atividades gerais de atendimento ao interesse público.

A Lei Complementar nº 101/00 (LRF), em seu art. 11, estabelece como requisito essencial da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos de competência constitucional dos respectivos entes da Federação. Em outras palavras devem União, Estados e Municípios arrecadar valor monetário (devidamente instituído em lei e tecnicamente previsto) para cada uma das modalidades de tributos que a Constituição Federal lhes atribui (competência para instituir, nos termos de seu artigo 145).

Existe diferença entre instituir e prever a arrecadação de determinado tributo. Instituir significa estabelecer na legislação tributária da pessoa jurídica de direito público interno, mediante autorização da Casa Legislativa, as condições gerais para identificar o fato gerador, o sujeito passivo da obrigação tributária e as formas de lançamento, arrecadação e recolhimento de determinado tributo. Prever é realizar estudos técnicos especializados para projeção quantitativa e qualitativa dos contribuintes potenciais, dimensionar época própria para impor o crédito tributário e detectar o aparelhamento administrativo necessário à concretização da arrecadação e do recolhimento.

Quando a lei exige a efetiva arrecadação de todos os tributos, não basta dispor de toda uma estrutura de normatização legal, previsão e planejamento de todos os tributos da competência constitucional. Deve-se, além disso, possuir alguma arrecadação concreta que justifique monetariamente a existência do tributo.

Pode-se entender, então, por efetiva arrecadação o manifesto esforço do administrador público em arrecadar os tributos de sua competência. Faz-se tal ressalva em virtude da possibilidade de ocorrerem situações em que, por razões alheias à vontade da Administração, o valor do tributo não venha a ingressar nos cofres públicos, embora tenha o agente público adotado todas as providências cabíveis.

E a renúncia de receita compreende situação em que o ente federativo, abdica do direito de arrecadar parte das receitas de sua competência (envolvendo perda fiscal), pela concessão de benefícios a grupo de pessoas ou contribuintes.

A renúncia de receita é decorrente de autorização legal, seja esta genérica ou específica, com vistas ao incentivo e/ou ampliação competitiva nos setores de produção ou desenvolvimento regional deverá atender às condições do art.14, incisos I e II da LRF ressalvados os casos descritos no § 3º, incisos I e II, do referido artigo.

Segundo Flávio da Cruz, "A Lei de Responsabilidade Fiscal, nitidamente, visa dificultar a realização de medidas de renúncia de receita ou compensações que resultem em dúvidas sobre a aplicação de critérios igualitários aos contribuintes."

No caso das atividades desportivas, resta evidenciado pelas denúncias veiculadas na imprensa e resultados das investigações das CPIs da Câmara e do Senado que, regra geral, as entidades esportivas vinculadas ao desporto profissional não vem recolhendo os respectivos tributos, notadamente INSS, FGTS e Imposto de Renda. Além disso, não se pode ignorar que muitos clubes, federações e confederações comercializam produtos ou prestam serviços de natureza esportiva, portanto, também é imperioso que haja o recolhimento de ISS, ICMS, Contribuição Social, e Cofins, conforme o caso. No caso da Seguridade Social a questão é ainda mais grave, pois existe a obrigatoriedade de retenção previdenciária, consoante a Ordem de Serviço nº 209 do INSS e não ocorre apenas na transação ou pagamento de salários a atletas, mas com os referenciados "borderôs" – anotação consolidada de ingressos em estádios de futebol.

Assim, mesmo que seja atinente a atividades desportivas em geral, não haverá discricionariedade em cobrar ou não os tributos de competência da União, Estados e Municípios.

O reescalonamento de dívida conjugado com incentivo a projetos sociais (troca da tributação tradicional por aplicação de recursos em projetos) via regulamento e nos moldes propostos é o que se denomina de "excrescência" jurídica, conspirando com os ditames da LRF e da austeridade fiscal do novo Governo.

É importante, ainda, alertar que o Administrador Público que não observar as prescrições contidas na lei de responsabilidade fiscal, quanto à efetiva instituição, arrecadação e cobrança de tributos de sua competência ou, que realizar renúncia de receita sem as devidas medidas compensatórias estará sujeito às penalizações fiscais previstas na LRF e Lei de Crimes Fiscais, bem como as contidas na Lei 8429/92 e Decreto Lei nº 201/67.

De todo modo, as regras da LRF não impedem que haja renúncia de receita (isenção fiscal) para aplicação no desenvolvimento do desporto. Apenas estabelece, como se disse, requisitos inafastáveis à sua implementação, à medida que projetos de lei dessa natureza devem estar acompanhados de estimativas que demonstrem, objetivamente, quanto o Poder Público deixará de arrecadar e, ainda: (i) previsão nos instrumentos orçamentários de modo que a renúncia não comprometa as metas fiscais estabelecidas no Anexo de Metas Fiscais à Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO; (i) medidas de compensação, como elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

Diante de todo esse contexto, o que fazer? A resposta também é simples: Aproveitar as leis de incentivo existentes, direcionando parte ou a totalidade dos valores renunciáveis para as atividades de fomento do desporto não profissional (verdadeiros beneficiários) e não para beneficiar àquelas que já encontram-se inadimplentes perante o fisco.

É importante ressaltar que no Anexo de Metas Fiscais, peça integrante da Lei da Diretrizes Orçamentárias- LDO, são estabelecidas metas anuais relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública para o exercício de referência e para os dois subsequentes. O referido Anexo, além das metas anuais mencionadas, deverá conter, nos termos do § 2º do art.4º da LRF, o demonstrativo da estimativa e compensação da renúncia de receita e da margem de expansão das despesas obrigatórias de caráter continuado.

Assim, a Administração ao estabelecer as metas anuais de receita, com memória e metodologia de cálculo fixa os resultados pretendidos, tendo em conta os três exercícios anteriores. Importante observar que as estimativas de receita para determinado exercício são elaboradas no ano anterior, em função dos prazos constitucionais para encaminhamento ao Legislativo das propostas orçamentárias anuais do Governo.

Neste sentido, presume-se que as estimativas de receita, fixação de despesa e metas anuais, são elaboradas de maneira a considerar todas as ocorrências possíveis dentro do que foi adequadamente planejado para o exercício financeiro, observada a legislação vigente.

Conclui-se, portanto, que o legislador foi além do razoável para tentar seduzir as entidades desportivas ao modelo empresarial. Qualquer empresa à beira da falência por falta de recolhimento regular de tributos e que emprega inúmeros trabalhadores, ou mesmo os clubes sociais que não participam de competições profissionais, deveriam possuir tratamento idêntico - isonomia. É um REFIS às avessas, com privilégios sem precedentes e totalmente contrário ao interesse público. Em síntese, a proposta sob análise denomina de reescalonamento o que, na verdade, constitui renúncia de receita, ou mesmo vinculação da receita tributária através de incentivo à aplicação em projetos sociais desportivo. Vai além, ao dispor que será definido por regulamento as hipóteses de transação com a prestação de serviços desportivos sociais em prol de comunidades carentes e a compensação das despesas comprovadas e exclusivamente efetivadas na formação desportiva e educacional de atletas. Ou seja, pretende-se tornar disponível o que, por essência, é indisponível e que deve sujeitar-se ao princípio da supremacia do interesse público - quais sejam os tributos e contribuições fiscais e parafiscais, inscritos ou não em dívida ativa, ajuizados ou a ajuizar, com exigibilidade suspensa ou não, inclusive decorrentes de falta de recolhimento de valores retidos.

Em síntese, a redação do parágrafo 11, institui um privilégio contrário ao princípio da transparência que instigou o surgimento da iniciativa: basta transformar o clube em empresa para que os desmandos administrativos sejam perdoados e os administradores ímprobos possam continuar impunes.

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Sobre os autores
Alexandre Hellender de Quadros

Mestre em Direito Empresarial pela Faculdade de Direito de Curitiba. Pós-graduado "lato sensu" em Direito Administrativo e em Direito do Trabalho. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Advogado sócio de Pereira dos Santos, Quadros & Advogados (PSQA). Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção do Paraná. Professor do Curso de Direito da Universidade Positivo. Professor convidado da Escola Superior de Advocacia de São Paulo, da Escola Superior de Advocacia do Paraná e do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo. Membro da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Paraná, do STJD do Futebol (auditor indicado pelo Conselho Federal da OAB), do STJD do Ciclismo (presidente), do STJD do Judô (auditor), do Conselho Executivo da Revista Raízes Jurídicas (Universidade Positivo) e da Igreja Evangélica Menonita Nova Aliança. Presidente da Comissão de Direito Desportivo da OAB/PR. Diretor Regional do IBDD.

Marcílio Krieger

advogado, professor de cursos de pós-graduação em Direito Desportivo, membro de tribunais desportivos, membro do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD), debatedor no fórum esportivo virtual CevLeis

Paulo Marcos Schmitt

Advogado. Membro da Comissão de Estudos Jurídicos Desportivos do Ministério do Esporte e da Comissão Especial incumbida da elaboração do Código Brasileiro de Justiça Desportiva. Secretário da Comissão de Direito Desportivo do Conselho Federal da OAB e membro de Comissões de Direito Desportivo junto à seção OAB-Paraná e subseção de Curitiba, Procurador-Geral do STJD do Futebol. Presidente do STJD do Judô. Professor de inúmeros cursos. Autor de várias publicações em Direito Desportivo. Debatedor no fórum esportivo virtual CevLeis.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

QUADROS, Alexandre Hellender ; KRIEGER, Marcílio et al. Legislação desportiva.: Projeto de Lei de Conversão nº 01/2003, que altera a Lei nº 9615/98. Sanção ou veto?. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 65, 1 mai. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4085. Acesso em: 8 mai. 2024.

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