O dano social como nova categoria de dano na responsabilidade civil e a destinação da sua indenização

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Conceituar o dano social e identifica quais são as diferentes correntes sobre destinação dada a sua indenização, bem como quais são os fundos aos quais tal verba pode ser revertida.

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SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. O dano social como nova categoria de prejuízo. 2.1. A tese do professor Antonio Junqueira de Azevedo. 2.2. O dano social e seus requisitos. 2.3 A indenização do dano social. 2.4 A destinação da indenização por dano social. 3. Análise de alguns julgados. 3.1 O dano social em matéria contratual. 3.2 Os danos sociais na matéria trabalhista. 3.3 O dano social na relação de consumo. 4. Considerações finais. 5. Referências.

1. Introdução.                                                                        

O Código Civil, além do personalismo ético, tem como valores centrais ou paradigmas axiológicos a socialidade e a eticidade. Esses princípios correspondem à necessidade de uma conduta cooperativa entre as pessoas, ou seja, determina que as pessoas sejam solidárias em suas relações individuais (eticidade) e em suas relações com o meio social (socialidade). Por essa razão, a repercussão das ações das pessoas no meio social tem ganhado especial atenção por parte do Estado e do sistema jurídico. Especialmente quanto àqueles agentes que exercem atividades voltadas para a sociedade, como os agentes econômicos ou os prestadores de serviços essenciais.

Por esse mesmo motivo, o dano moral desde 1988, vem ganhando novos contornos e certa ascensão nas demandas judiciais, ao lado do já consagrado dano patrimonial ou material. Contudo, essas duas hipóteses de dano, não eram, muitas vezes, suficientes para abranger toda a lesividade da conduta de um agente. Desse modo, fez-se necessário reconhecer que certas condutas atingem não apenas a uma pessoa determinada, mas, também, a um grupo indeterminado ou a toda a sociedade. Essa lesão descumpre com a solidariedade e coloca em risco a segurança social. Essa lesão foi designada de dano social. O reconhecimento desse dano propiciou uma série de desdobramentos que nos leva a questionar: à luz do Código Civil e das tendências atuais, qual é a destinação dada à verba indenizatória do dano social?

Aqui será caracterizado o dano social, identificando a parte legítima para pleiteá-lo, bem como verificar a destinação dada ao valor da indenização pela jurisprudência, e identificar os fundos sociais para os quais poderão ser encaminhados os valores atribuídos a título de indenização por dano social.

Serão levantadas teorias jurídicas sobre a destinação da indenização do dano social, analisando, para tanto, o estudo desenvolvido pelo professor Antonio Junqueira de Azevedo e o Código Civil vigente.

Nos tribunais, o entendimento é de que a destinação mais correta para a indenização por dano social são os fundos sociais, sob o argumento de que a sociedade é vítima principal dessa categoria de dano, e, portanto, a forma mais adequada de ressarci-la do prejuízo causado é revertendo a quantia indenizatória para fundos dessa natureza.

2. O dano social como nova categoria de prejuízo

Neste capítulo aborda-se a existência de uma nova categoria de dano no direito brasileiro, desenvolvido pelo Professor Antonio Junqueira de Azevedo, que é o dano social, com o intuito de adequar a responsabilidade civil para a realidade atual.

Tal adequação consiste no fato de que hoje, no Brasil, a indenização visa somente à compensação da vítima do dano, sem, contudo, levar em consideração possíveis medidas a inibir o agente lesivo praticar novamente atos danosos. É nesse cenário que surge o dano social, como uma alternativa encontrada para solucionar essa questão, pois a indenização possuirá, além do condão compensatório da vítima, o punitivo e dissuasório do causador do dano.

2.1 A Tese do Professor Antonio Junqueira de Azevedo

É sabido que no direito brasileiro existem duas categorias tradicionais de danos, que são o dano patrimonial e o dano moral. Aquele ocorre quando há uma lesão a um bem material determinado, cuja indenização tem o objetivo de conduzir a vítima ao estado anterior ao dano, seja por aquilo que efetivamente se perdeu (dano emergente), ou o que razoavelmente deixou de lucrar (lucro cessante). Assim, temos que o dano patrimonial é quantificável, possível de ser exprimido em dinheiro.

No tocante ao dano moral, a lesão é causada a um bem imaterial, que causa sofrimento à vítima, não sendo, portanto, capaz de ser quantificada, e a indenização somente compensará o sofrimento da vítima. Dessa maneira, conclui-se que em ambas as categorias danos, a indenização concentra sua atenção somente na vítima, em compensá-la ou reconduzi-la ao status a quo pelo dano causado.

 É nesse contexto que o professor Antonio Junqueira de Azevedo (2004) desenvolveu a tese que, além da função compensatória, a indenização deve ser acrescida de um plus a título de pena e dissuasão, em que essa verba terá sua atenção totalmente voltada para o agente do dano, e não para a vítima.

No entanto, o acréscimo desse plus no quantum indenizatório a ser pago pelo causador do dano encontra uma vedação prevista no artigo 944 do Código Civil (BRASIL, 2014a) vigente, onde dispõe que a indenização mede-se pela extensão do dano. Vale dizer que não é possível atribuir à indenização uma função punitiva, visto que ela ficará restrita a extensão do dano, e não a conduta do agente lesivo.

Não obstante a vedação legal, Antonio Junqueira de Azevedo (2004) encontrou, sob um novo ponto de vista, a solução desse entrave jurídico, e, consequentemente, a possibilidade de existir no direito brasileiro o caráter punitivo da indenização, que é a criação de uma nova categoria de dano na responsabilidade civil: o dano social.

2.2 o dano social e seus requisitos

Conforme exposto anteriormente, o dano social foi desenvolvido como uma nova categoria de dano na responsabilidade civil, que repercute em toda a sociedade, e não somente para a vítima. Antonio Junqueira de Azevedo assim conceitua:

Os danos sociais, por sua vez, são lesões a sociedade, no seu nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral – principalmente a respeito da segurança – quanto por diminuição de sua qualidade de vida. (2004, p. 216).

Dessa maneira, para que ocorra o dano social, o ato deve ser lesivo não só ao patrimônio material e moral da vítima, mas também à coletividade. Isso se traduz na ideia de segurança, na redução da qualidade de vida, pois, quanto mais seguro for o local, melhor é para se viver. Quanto menos seguro, pior. Assim, quando um sujeito lesar a segurança do outro, seja por uma ofensa física ou psíquica, causa, além de um dano patrimonial ou moral, também um dano social.

No mesmo contexto, os atos negativamente exemplares também causam uma lesão a tranquilidade e ao bem-estar coletivo de vida. Nas palavras de Junqueira:

Por outro lado, o mesmo raciocínio deve ser feito quanto aos atos que levam à conclusão de que não devem ser repetidos, atos negativamente exemplares – no sentido de que sobre eles cabe dizer ‘imagina se todas as vezes fosse assim’. Também esses atos causam um rebaixamento do nível coletivo de vida – mais especificamente na qualidade de vida. (2004, p. 215).

Logo, para que haja dano social, é preciso que ato lesivo ultrapasse a esfera individual do lesado, de forma a comprometer também a segurança da sociedade, ou que cause reprovação por ser negativamente exemplar.

Nesse diapasão, o dano social difere-se do dano patrimonial no que tange a esfera atingida pelo ato lesivo. Isso porque o dano patrimonial consiste no prejuízo material que a vítima suportou, economicamente quantificável, de forma que para sua reparação basta somente substituir o bem danificado, ou então indenizar a vítima numa quantia suficiente a reparar o dano e conduzi-la ao status quo.

Além disso, o dano social não se confunde com o dano moral. Nesta categoria de dano, a vítima sofre uma lesão incapaz de ser quantificada em dinheiro, visto que não houve uma lesão a um bem material, mas sim a um direito da personalidade que causa dor, angustia, sofrimento, que não pode ser atribuído valor econômico. Nas palavras de Sérgio Cavalieri Filho:

Nessa linha de princípio, só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar. (2010 p.87).

                                                                                                                      

Logo, a indenização terá o caráter compensatório da pessoa lesada, pois não há como reparar um dano dessa natureza, já que definir exatamente a profundeza e os contornos que tal dano assume na pessoa da vítima mostra-se impossível. No entanto, a indenização do dano moral poderá assumir, em casos excepcionais, um caráter compensatório/ punitivo, visando não somente a compensação da vítima, mas também a punição do ofensor. Carlos Roberto Gonçalves assim aduz:

Tem prevalecido, no entanto, o entendimento de que a reparação pecuniária do dano moral tem duplo caráter: compensatório para a vítima e punitivo para o ofensor. Ao mesmo tempo em que serve de lenitivo, de consolo, de uma espécie de compensação para atenuação do sofrimento havido, atua como sanção ao lesante, como fator de desestímulo, a fim de que não volte a praticar atos lesivos à personalidade de outrem. (2009, p.376).

Dessa maneira, vislumbra-se que a indenização por dano moral assume além de um condão compensatório, também um punitivo para o ofensor, para que ele não cometa mais atos danosos.

Muito embora os as funções das indenizações se pareçam, não há que se confundir a função punitiva do dano moral com o dano social. Neste há o cometimento de um novo dano, cuja vítima é a sociedade, em que haverá o acréscimo de um plus no quantum indenizatório para reparar o dano à ela causado, seja pela redução da qualidade de vida ou pela diminuição da segurança do local em que vivem as pessoas.

2.3 a indenização do dano social

A indenização do dano social possui uma função diversa da indenização decorrente dos danos individuais (patrimonial e moral), pois nesta categoria, a função da indenização não é exclusivamente a reparação da vítima pela lesão sofrida, até porque a vítima aqui é a sociedade, mas também a coerção do agente lesivo, por meio de um plus, assumindo assim um papel punitivo, para que condutas como essas sejam desestimuladas.

Tem-se então que a indenização por dano social pode ocorrer tanto com o intuito de punir o agente ofensor pelo ato praticado, como por desestimulo à atividade desenvolvida, fazendo, dessa forma, com que outras pessoas não incorram no mesmo erro.

Para Antonio Junqueira de Azevedo (2004), deve-se observar que a indenização por desestímulo, muito embora também seja oriunda de um dano social, possui finalidade e características diversas da punição. Tal raciocínio justifica-se na ideia de que o desestímulo visa um comportamento futuro, servindo tanto para o agente ofensor, quanto para outros a não cometerem o mesmo ato ilícito. Logo, tal indenização possuirá um caráter didático. Além disso, esse tipo de indenização aplica-se especialmente às pessoas jurídicas que cometem atos ilícitos em suas atividades que visam atender ao público.

A corroborar o exposto, Antonio Junqueira de Azevedo assim aduz:

Observamos, sobre isso, que a pena tem em vista um fato passado enquanto que o valor de desestímulo tem em vista o comportamento futuro; há punição versus prevenção. [...] O valor por desestímulo, por outro lado, voltando a comparação com punição, é especialmente útil quando se trata  de empresa, pessoa jurídica, agindo no exercício de suas atividades profissionais , em geral atividades dirigidas ao publico [...] portanto, apesar do mesmo fundamento – dano social – as verbas devem ser discriminadas; as diferenças entre verbas de punição e por desestímulo se apresentam nas razões justificadoras (fatos passados e fatos futuros) e, em linha de principio, também quando se põe a atenção nas pessoas visadas (pessoas físicas na punição e pessoas jurídicas na dissuasão).(2004, p. 214).

Seguindo a mesma lógica, é possível inferir também que a indenização como punição é voltada para os atos ilícitos passados, cometidos por pessoas físicas. Nesse viés, Antonio Junqueira de Azevedo (2004) entende ser causa de indenização punitiva o dano social cometido por dolo ou culpa grave que causar lesão à sociedade, no nível de vida, tanto por rebaixamento de seu patrimônio moral, principalmente no tocante a segurança, quanto por diminuição da qualidade de vida.

Dito isso, a indenização por dano social pode revestir-se de caráter dissuasório, quando visar o desestímulo por parte de empresas ou pessoas jurídicas a não cometerem o ato ilícito no futuro (prevenção), bem como revestir-se do caráter punitivo, quando objetivar a punição do agente (pessoa física) por ter cometido algum ato ilícito que reduziu a qualidade de vida da sociedade, principalmente no tocante a segurança (punição).

Outra importante questão a ser discutida é a fixação da indenização por dano social. Sabe-se que este é um tipo de dano extrapatrimonial, e que, portanto, a indenização não é facilmente quantificável, como no dano material. Nele, assim como no dano moral, é necessário o arbitramento do quantum indenizatório pelo Poder Judiciário, valendo-se o magistrado da razoabilidade no ato da fixação.

Para tanto, alguns critérios devem ser observados, em analogia aos critérios de fixação do dano moral, no que couber, para se arbitrar a indenização do dano social. É certo que não existem critérios fixos para se chegar a tal fim, contudo alguns deles possuem maior destaque para autores como Carlos Roberto Gonçalves, que nesse sentido dispõe:

Algumas recomendações da lei de imprensa, feitas no art. 53, no entanto, continuam a ser aplicadas na generalidade dos casos, como a situação econômica do lesado; a intensidade do sofrimento; a gravidade, a natureza e repercussão da ofensa; o grau de culpa e a situação econômica do ofensor, bem como as circunstancias que envolveram os fatos. (2009, p.380).

Desta feita, o autor supracitado entende que devem ser levados em consideração, de modo geral, a culpa do agente, capacidade econômica das partes e a extensão do prejuízo, que exterioriza-se por meio da repercussão e gravidade da ofensa, para arbitrar a indenização por dano moral.

Por seu turno, Sérgio Cavalieri Filho assim aduz:

Creio, também, que este é outro ponto onde o princípio da lógica do razoável deve ser a bússola norteadora do julgador. Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda certa proporcionalidade. A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e consequências, de modo a aferir a lógica da decisão. [...] importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstancias mais que se fizerem presentes. (2010, p.98).

O autor supramencionado aduz que o magistrado deve valer-se, além dos outros critérios comumente utilizados, da razoabilidade para fixar a indenização por dano moral, pois só dessa maneira é possível ter uma decisão lógica e justa. Logo, extrai-se dos autores citados que os principais critérios de fixação são a capacidade econômica das partes (ofendido e ofensor), a culpa do agente ofensor, sofrimento da vítima, gravidade da lesão e a extensão do dano. Pois bem.

Feitas tais considerações acerca dos critérios fixadores da indenização por dano moral, passaremos a analisar, de forma analógica, os critérios utilizados para fixar a indenização por dano social. É sabido que nesta categoria de dano, a vítima principal é a sociedade na qual o ofendido e o ofensor estão inseridos. Dessa maneira, devemos desconsiderar como critério de fixação da indenização por dano social o sofrimento da vítima, já que não é possível determinar quantas pessoas foram atingidas pela conduta danosa, muito menos o sofrimento que cada uma delas suportou.

A culpa do agente ofensor é, sem dúvida, um critério fixador extremamente importante. Tal importância deve-se ao fato de que a indenização deverá ser fixada levando em consideração o grau de culpa do agente, seja por negligência, imprudência ou imperícia, ou seja por dolo. Ou seja, deverá ser ponderada qual a real intenção que o agente possuía ao adotar determinada conduta que resultou num dano, para que a verba a ser paga sirva de punição por tal prática, ou então como dissuasão, para que o agente tenha mais cautela e não venha a reincidir no erro. (GONÇALVES, 2009).

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A capacidade econômica das partes, nesse caso, terá especial relevância na capacidade econômica do ofensor, pois como a lesão causada extrapola a esfera da pessoa ofendida e atinge a sociedade na qual ela está inserida, de pouca relevância se torna considerar a condição financeira da vítima direta. Portanto, o quantum a ser fixado deve levar em consideração a culpa do ofensor, bem como sua capacidade financeira de arcar com o pagamento da indenização. Isso se mostra justificável sob o argumento de que uma indenização exorbitante, fixada sem levar em consideração qualquer critério, poderá perder a eficácia punitiva ou dissuasória do pela incapacidade de pagamento do ofensor, ou então de ser causa de enriquecimento ilícito da parte adversa, que se valerá de um dano como fonte de obter lucro, devendo o magistrado utilizar-se da razoabilidade para encontrar um valor que alcance a finalidade pretendida. (CAVALIERI FILHO, 2010).

A gravidade da lesão também se faz presente como critério fixador na indenização por dano social, pois a fixação deverá ocorrer de forma proporcional às consequências advindas do evento danoso. É evidente que o um ato mais grave merece a imposição de um valor indenizatório mais alto do que um evento menos grave. Aqui, o magistrado deverá considerar, conjuntamente com os outros critérios, a proporcionalidade, caso contrário não haverá justiça e coerência na decisão. (CAVALIERI FILHO, 2010).

Por fim, mas não menos importante, outro critério utilizado é a extensão do dano. Ora, sem dúvidas quanto maior a magnitude do dano, maior será o valor fixado, respeitados os demais critérios. Isso se deve ao fato de que quanto maior o número de pessoas atingidas pelo evento danoso, e os estragos que este causou, mais extenso será o dano. Certamente um ato lesivo que atinja mil pessoas será mais extenso que um ato que atinge cem pessoas, o que não quer dizer que o ato mais extenso será mais grave do que o menos extenso, visto que o que se discute aqui é somente a extensão do dano, e não gravidade, muito embora os danos mais extensos sejam mais graves, via de regra. (CAVALIERI FILHO, 2010).

Dito isso, vale ressaltar que todos os critérios de fixação da indenização devem ser analisados e aplicados pelo magistrado conjuntamente, respeitadas as peculiaridades de cada caso concreto.

2.4 A destinação da indenização por dano social

Outra questão importante a ser discutida é a destinação da indenização por dano social. De nada vale o ordenamento jurídico brasileiro adotar uma nova categoria de dano, cuja indenização pode assumir um caráter punitivo ou dissuasório se não soubermos qual é o fim a que ela se destina, e quem são os legitimados a pleiteá-la, já que nesta categoria dano a vítima passa da figura da pessoa, atingindo também a sociedade na qual ela está inserida.

Existe a possibilidade de tal plus indenizatório ser destinado aos fundos de reparação à sociedade, como é feito nos casos de danos ambientais. Ocorre que a melhor forma para que tal verba seja destinada para esse fim seria por meio de ações movidas pelos órgãos da sociedade.

Para Antonio Junqueira (2004), essa ideia de destinar a indenização para fundos não é plausível, pois órgãos como o Ministério Público já possuem grande demanda, e certamente não teriam condições de assumir ações dessa natureza. Para o autor, a indenização deve ser entregue à vítima, pelo fato dela ter atuado no processo, pois foi ela quem trabalhou para a obtenção da verba.

Tal entendimento tem fulcro na ideia de que quando o particular propõe sua ação individual, este exerce uma função pública, defendendo, além dos seus direitos, os da sociedade, merecendo, portanto, a recompensa por isso. Dessa maneira, haverá um estimulo para que o particular mova as ações pleiteando esse plus indenizatório, pois assim, este agirá também em nome da sociedade.

Flavio Tartuce, por sua vez, entende que a destinação mais apropriada para a verba indenizatória oriunda do dano social é para os fundos sociais:

A ideia, nesse sentido, é perfeita, se os prejuízos atingiram toda a coletividade, em um sentido difuso, os valores de reparação devem também ser revertidos para os prejudicados, mesmo que de forma indireta. (2011, p. 438).

Desse modo, o autor supramencionado aduz que se a coletividade foi vítima do dano, os valores da reparação devem ser revertidos para os fundos sociais, pois assim, ela será ressarcida, mesmo que forma indireta.

Portanto, conclui-se que dano social consiste na lesão que causa redução da segurança e qualidade de vida da coletividade, cuja indenização possui a função punitiva e dissuasória do agente ofensor, para que ele e outras pessoas não venham incidir em condutas lesivas.

Ademais, apesar de não existirem critérios fixadores do quantum indenizatório do dano social, é possível arbitrá-lo por analogia aos critérios utilizados na fixação da indenização por dano moral, no que couber. Verifica-se que apesar de Antonio Junqueira de Azevedo (2004), que desenvolveu a tese do dano social, entender que a melhor destinação para a verba indenizatória do dano social é a própria vítima, Flavio Tartuce (2011) entende que a melhor destinação para esse dinheiro são os fundos sociais, pelo fato da lesão extrapolar a esfera individual da vítima e atingir a coletividade, fazendo todas as pessoas inseridas no local da ocorrência do dano vítimas da conduta lesiva, o que demonstra divergência sobre o tema.

3.  Análises de alguns julgados

3.1 Dano social em matéria contratual

Segundo consta do julgado em análise, houve uma fraude no sistema de loterias, chamado de “Toto Bola”, em que as pessoas compravam as cartelas, sem, contudo, obter chances de êxito. Com isso, o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul entendeu pela ilicitude da prática e aduziu que o dano material sofrido pelas vítimas limitava-se ao valor da cartela adquirida pelos consumidores, bem como entendeu pela inexistência de dano moral puro, ante a ausência de lesão a algum direito da personalidade:

TOTO BOLA. SISTEMA DE LOTERIAS DE CHANCES MÚLTIPLAS. FRAUDE QUE RETIRAVA AO CONSUMIDOR A CHANCE DE VENCER. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. DANOS MATERIAIS LIMITADOS AO VALOR DAS CARTELAS COMPROVADAMENTE ADQUIRIDAS. DANOS MORAIS PUROS NÃO CARACTERIZADOS. POSSIBILIDADE, PORÉM, DE EXCEPCIONAL APLICAÇÃO DA FUNÇÃO PUNITIVA DA RESPONSABILIDADE CIVIL. NA PRESENÇA DE DANOS MAIS PROPRIAMENTE SOCIAIS DO QUE INDIVIDUAIS, RECOMENDA-SE O RECOLHIMENTO DOS VALORES DA CONDENAÇÃO AO FUNDO DE DEFESA DE INTERESSES DIFUSOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Não há que se falar em perda de uma chance, diante da remota possibilidade de ganho em um sistema de loterias. Danos materiais consistentes apenas no valor das cartelas comprovadamente adquiridas, sem reais chances de êxito.Ausência de danos morais puros, que se caracterizam pela presença da dor física ou sofrimento moral, situações de angústia, forte estresse, grave desconforto, exposição à situação de vexame, vulnerabilidade ou outra ofensa a direitos da personalidade.Presença de fraude, porém, que não pode passar em branco. Além de possíveis respostas na esfera do direito penal e administrativo, o direito civil também pode contribuir para orientar os atores sociais no sentido de evitar determinadas condutas, mediante a punição econômica de quem age em desacordo com padrões mínimos exigidos pela ética das relações sociais e econômicas. Trata-se da função punitiva e dissuasória que a responsabilidade civil pode, excepcionalmente, assumir, ao lado de sua clássica função reparatória/compensatória. O Direito deve ser mais esperto do que o torto, frustrando as indevidas expectativas de lucro ilícito, à custa dos consumidores de boa fé.Considerando, porém, que os danos verificados são mais sociais do que propriamente individuais, não é razoável que haja uma apropriação particular de tais valores, evitando-se a disfunção alhures denominada de overcompensantion. Nesse caso, cabível a destinação do numerário para o Fundo de Defesa de Direitos Difusos, criado pela Lei 7.347/85, e aplicável também aos danos coletivos de consumo, nos termos do art. 100, parágrafo único, do CDC. Tratando-se de dano social ocorrido no âmbito do Estado do Rio Grande do Sul, a condenação deverá reverter para o fundo gaúcho de defesa do consumidor. (RIO GRANDE DO SUL, 2014a).

No entanto, o referido tribunal entendeu que o dano causado por essa prática repercutiu mais na esfera social que no pessoal, causando assim um dano social, passível de reparação. Nesta senda, a indenização assumiria um caráter punitivo/ dissuasório, objetivando punir os autores pela prática danosa, mas também coibir que atos lesivos como esse se repitam, fugindo da tradicional concepção compensatória/ reparatória que a indenização possui.

Por entender que a sociedade foi a vítima maior dessa prática ilícita, o respectivo tribunal determinou que a verba indenizatória fosse destinada a um fundo social, pois, caso esta fosse revertida para o particular, o quantum indenizatório seria exagerado, caracterizando enriquecimento ilícito por parte da vítima, o que ficou qualificado no julgado como over compensation. Por esses motivos, o valor foi revertido para o Fundo Gaúcho de Defesa do Consumidor, criado pela lei estadual nº 10913 de 1997 (RIO GRANDE DO SUL, 2014b).

O caso em tela trata de protesto indevidamente realizado pelo Banco Santander de uma duplicata, o que levou a autora a ajuizar ação pleiteando danos morais, materiais e sociais. A sentença, no entanto, entendeu que o banco era parte ilegítima na ação, oportunidade em que extinguiu o processo sem resolução do mérito. Irresignada, a autora interpôs apelação objetivando a reforma da sentença, no sentido de reconhecer a legitimidade passiva do Banco Santander, bem como condená-lo em danos morais, pela negativação indevida de seu nome, em danos materiais, pelas despesas que esta teve com honorários advocatícios para propor a demanda, e em danos sociais, visto que tal ato gera reflexos não só na autora, mas também em todos os clientes do banco, que possam ser vítimas desse tipo de conduta

APELAÇÃO DUPLICATA INDENIZAÇÃO DANOS MORAIS E MATERIAIS PROTESTO INDEVIDO LEGITIMIDADE ENDOSSO-MANDATO 'QUANTUM' HONORÁRIOS CONTRATUAIS DANO EMERGENTE DANO SOCIAL REPELIDO. - Duplicata que é título causal, exigível, a despeito da falta de aceite, desde que demonstrado o negócio jurídico, com de documento hábil da entrega da mercadoria (art. 15, II, b, da Lei 5.474/68) requisitos cumulativos; - Negócio jurídico subjacente quitado vício no negócio que impede a exigibilidade do título, carente de lastro; - Inconteste legitimidade, aferida a partir da relação de direito material - endosso-mandato ou translativo que não repelem a responsabilidade da instituição bancária de garantir a higidez do título emitido de forma fraudulenta precedentes desta C. Câmara; - O abalo de crédito viola elemento integrante da moral humana, constituindo dano (modalidades própria e imprópria) indenizável inteligência dos artigos 186, 188 e 927 do Código Civil; - 'Quantum' arbitrado de acordo com a extensão do dano e com os paradigmas jurisprudenciais (art. 944, do CC) R$10.000,00; - Divergência doutrinária e jurisprudencial acerca da natureza dos honorários expressos nos artigos 389 e 404 do Código Civil. Função social do contrato que permite a eficácia externa do contrato de honorários, para garantir a plena restituição dos danos materiais impostos em decorrência de violação contratual precedentes; - Danos materiais que dependem de efetiva comprovação (art. 402 do Código Civil), recibo de patrono, em valor compatível com a razoabilidade e proporcionalidade da pretensão principal, honorários que consistem em dano emergente procedência do pedido indenizatório; - Dano social correspondência da eficácia punitiva da indenização com a interpretação restrita do artigo 944, do Código Civil doutrina e jurisprudência; - Dano social não verificado conduta danosa que não se qualificou como especialmente relevante para a sociedade eficácia SOCIAL da conduta que não pode ser considerada a partir da simples reiteração da falta de zelo da Instituição Bancária no protesto de títulos; RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.(SÃO PAULO, 2014a).

O Tribunal de Justiça de São Paulo, ao julgar o aludido recurso, reformou a decisão de piso para reconhecer a legitimidade do banco, bem como condená-lo em danos morais e materiais, pela negativação indevida do nome e as despesas com advogado que a autora suportou. Contudo, no tocante ao dano social, o tribunal entendeu não estar configurado, sob o argumento de que a mera conduta reiterada não é suficiente para caracterizar o dano social, devendo o mesmo possuir lesividade para além das partes envolvidas, e a conduta do banco não possui relevância social, motivo pelo qual afastou a incidência do dano social no caso concreto.

3.2 danos sociais na relação trabalhista

No caso em tela, o Tribunal Regional do Trabalho do Estado de Rondônia analisou a prática do chamado “dumping sócio- trabalhista”. Tal prática ocorre quando as empresas, objetivando obter maiores lucros e competitividade de seus produtos no mercado, agem em detrimento dos direitos trabalhistas e reduzem os trabalhadores a condições precárias de trabalho, pois dessa maneira os custos de produção serão reduzidos, mesmo que para isso aqueles sejam submetidos a condições desumanas de trabalho. É certo que essa constitui uma prática ilícita:

DUMPING SÓCIO-TABALHISTA - CONCEITO E APLICAÇÃO NO DIREITO DO TRABALHO - INDENIZAÇÃO PELO DANO SOCIAL DE NATUREZA SUPLEMENTAR EM PROL DO FAT - Dumping sócio-trabalhista é um termo utilizado para designar a prática empresarial visando à redução dos custos da mão obra, mediante o descumprimento reiterado da legislação. Segundo a doutrina de Jorge Luiz Souto Maior, a precarização completa das relações sociais, decorrentes das reiteradas agressões aos direitos trabalhistas, traduzem a prática de Dumping Social, capaz de gerar um dano à sociedade, ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos artigos 186, 187 e 927 do Código Civil. Segundo o doutrinador, os fundamentos positivistas da reparação por dano social encontram-se no art. 404, parágrafo único do Código Civil, e artigos 652, d, e 832, § 1º, da CLT. Nesse contexto, caracteriza-se o dumping quando a empresa obtém vantagens em decorrência da supressão ou do descumprimento total ou parcial de direitos trabalhistas, reduzindo com essa postura o custo da produção, e potencializando maior lucro, o que, no fundo e em última análise, representa uma conduta desleal de prática comercial de preço predatório, além, é claro, da evidente violação aos direitos sociais. Esse importante tema foi objeto de estudo da 1ª Jornada de Direito Material e Processual na Justiça do Trabalho, realizada no final de 2007, e desaguou no Enunciado nº 4, in verbis: ‘DUMPING SOCIAL. DANO À SOCIEDADE. INDENIZAÇÃO SUPLEMENTAR. As agressões reincidentes e inescusáveis aos direitos trabalhistas geram um dano à sociedade, pois com tal prática desconsidera-se, propositalmente, a estrutura do Estado Social e do próprio modelo capitalista com a obtenção de vantagem indevida perante a concorrência. A prática, portanto, reflete o conhecido 'dumping social', motivando a necessária reação do Judiciário Trabalhista para corrigi-la. O dano à sociedade configura ato ilícito, por exercício abusivo do direito, já que extrapola limites econômicos e sociais, nos exatos termos dos arts. 186, 187 e 927 do Código Civil. Encontra-se no art. 404, parágrafo único, do Código Civil, o fundamento de ordem positiva para impingir ao agressor contumaz uma indenização suplementar, como, aliás, já previam os artigos 652, 'd', e 832, § 1º, da CLT’. Assim, evidenciada a prática de dumping sócio-trabalhista, impõe-se a condenação da empresa ao pagamento de uma indenização suplementar em prol do FAT. (BRASIL, 2014d).

Dessa maneira, entende o aludido tribunal que tal prática configura um dano social, visto que as supressões reiteradas de direitos garantidos na legislação social é uma prática altamente reprovável, pois afeta diretamente o Estado social e a estrutura do sistema capitalista, em virtude da concorrência desleal proporcionada no mercado, merecendo, portanto, punição por parte do Judiciário.

Assim, diante do dumping sócio-trabalhista cometido pela empresa, o Tribunal condenou-a por dano social, impondo o pagamento de indenização suplementar de caráter punitivo, cuja verba foi revertida para o FAT (Fundo de Assistência ao Trabalhador), que é um fundo de natureza contábil- financeira, vinculado ao Ministério do Trabalho e Emprego, e destina-se a custear programas do Seguro-Desemprego, Abono Salarial e ao financiamento de Programas de Desenvolvimento Econômico. (FUNDO..., 2014).

Dessa forma, a indenização revertida para esse fundo social auxiliará no desenvolvimento e na própria qualidade de vida do trabalhador, que poderá usufruir de programas voltados para seu próprio benefício.

3.3 Dano social em relação de consumo

No presente julgado, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul reconhece a existência do dano social, bem como a função punitiva/dissuasória que a responsabilidade pode civil pode possuir, o que torna cada vez mais evidente a consolidação do dano social no direito brasileiro, quebrando assim o paradigma que a indenização fica tão somente restrita a reparar ou compensar a vítima pelo dano sofrido:

Ementa: DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO PARA CANCELAMENTO DE SERVIÇOS NÃO CONTRADOS. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MULTA COMINATÓRIA. Hipótese dos autos que revela a ocorrência de lesão a direitos de personalidade. Na espécie, vislumbra-se a presença de dano social na conduta da ré, a justificar a invocação da função punitiva/dissuasória da responsabilidade civil. A decisão que fixa astreintes em sede de tutela antecipada possui caráter executivo autônomo, não sendo passível de análise a questão da incidência e cômputo da cominação no acórdão que julga a apelação. Confirmados os honorários advocatícios arbitrados na sentença em valor proporcional à singeleza da demanda. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA, POR MAIORIA. (RIO GRANDE DO SUL, 2014c).

Trata-se de julgado proveniente do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no qual este condenou a operadora de plano de saúde no pagamento de danos morais à vítima, pela negativa em prestar atendimento diante de um caso de infarto. Além disso, o Tribunal entendeu que tal prática caracterizou um dano social, visto que o direito a saúde da pessoa foi diretamente atingido na presente situação.

PLANO DE SAÚDE. Pedido de cobertura para internação. Sentença que julgou procedente pedido feito pelo segurado, determinado que, por se tratar de situação de emergência, fosse dada a devida cobertura, ainda que dentro do prazo de carência, mantida. DANO MORAL. Caracterização em razão da peculiaridade de se cuidar de paciente acometido por infarto, com a recusa de atendimento e, consequentemente, procura de outro hospital em situação nitidamente aflitiva. DANO SOCIAL. Caracterização. Necessidade de se coibir prática de reiteradas recusas a cumprimento de contratos de seguro saúde, a propósito de hipóteses reiteradamente analisadas e decididas. Indenização com caráter expressamente punitivo, no valor de um milhão de reais que não se confunde com a destinada ao segurado, revertida ao Hospital das Clinicas de São Paulo. LITIGÃNCIA DE MÁ FÉ. Configuração pelo caráter protelatório do recurso. Aplicação de multa. Recurso da seguradora desprovido e do segurado provido em parte. (SÃO PAULO, 2014b).

Dessa forma, a condenação da operadora pelo dano social cometido tem o intuito de coibir a prática de reiteradas recusas a cumprimento de contratos de seguro saúde, diante de situações largamente apreciadas e decididas pelo judiciário. Por isso, a referida corte condenou a empresa no pagamento de indenização no R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) em caráter expressamente punitivo, em razão do dano social, que deveria ser revertido ao Hospital das Cínicas de São Paulo, deixando claro que tal verba não se confunde com a indenização destinada à vítima.

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSUMIDOR. DANO SOCIAL. OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. AGRAVO AO QUAL SE NEGA SEGUIMENTO. Relatório 1. Recurso extraordinário interposto com base na alínea a do inc. III do art. 102 da Constituição da República contra julgado da Primeira Turma Julgadora Mista da 7ª Região do Tribunal de Justiça de Goiás, que decidiu: “APELAÇÃO CÍVEL [RECURSO]. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. CONDUTA CAUSADORA DE DANOS MORAIS. VALOR ARBITRADO SEGUNDO PARÂMETROS DA RAZOABILIDADE E PROPORCIONALIDADE. DANO PUNITIVO. POSSIBILIDADE NO SISTEMA JURÍDICO PÁTRIO. NORMA PROIBITIVA DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA. INSTITUIÇÃO DE CARÁTER SOCIAL BENEFICIÁRIA DE PARTE DO VALOR. Pretensão indenizatória oriunda de constrangimentos passados por consumidores de serviço de telefonia móvel como o cancelamento do número da linha, sem possibilidade de portabilidade e migração. Não pode o judiciário compactuar com a conduta levada a efeito pelos prepostos da ré, posto que, empresas que atuam por concessão do poder público tem o dever jurídico de prestar suas atividades essenciais com eficiência,atenção e consideração no trato para os cidadãos.[...] Outrossim, deve-se ater, na tarefa de arbitramento de um justo valor compensatório, para o viés de punição ao infrator, capaz de desestimulá-lo a reincidir na prática do ato ilícito, tudo visando resguardar que empresas como a executada mudem de postura, coibindo a reiteração de condutas lesivas, que desrespeitam os direitos dos consumidores e representam o chamado dano social. Por tal razão, buscando equilibrar todos esses elementos, pode o julgador destinar parte do valor da condenação à instituição pública de caráter social. Recurso parcialmente provido, para reformar parcialmente a sentença, declarando rescindido o contrato de prestação de serviços firmados pelas partes. Mantida, no mais, a sentença” (fl. 82). 2. A Recorrente alega que a Turma Recursal teria contrariado o inc. XXXIX do art. 5º da Constituição da República. Argumenta que: “não existe qualquer dispositivo processual que autorize o douto Magistrado a impor a referida ‘indenização social’, por mais que a justifique com base no sistema protetivo à relação de consumo e aos consumidores. Ora, o próprio Código de Defesa do Consumidor não previu indenização a esse título” (fl. 103). Apreciada a matéria trazida na espécie, DECIDO. 3. Razão jurídica não assiste à Agravante. O Juiz Relator na Primeira Turma Julgadora afirmou: “o ‘quantum’ indenizatório do dano moral vem se mantendo num patamar que não provoque no beneficiário acréscimo substancial de patrimônio e, assim permanecendo, não serve de incentivo às empresas para adoção de medidas que impliquem melhoria dos produtos e serviços. A condenação punitiva viria, então, em complemento àquela indenização concedida à vítima em particular, em observância à repercussão social daquele comportamento negligente do fornecedor. A juíza prolatora da sentença atacada fundamentou com maestria a medida, não merecendo qualquer reparo, seja para diminuição do valor, seja para sua supressão, seja para aumentar a indenização da vítima. Transcrevo trecho da fundamentação: (...) De outro lado, de forma indireta a finalidade dessa pena privada, de que estou tratando, também terá reflexos sobre outras empresas do mesmo ramo que insistem em manter na sua planilha de custos e benefícios a infringência aos direitos dos consumidores como fator multiplicador de suas riquezas. O art. 883, parágrafo único do Código Civil, preceitua que no caso deste artigo, o que se deu reverterá em favor de estabelecimento local de beneficência, a critério do juiz’. O dispositivo está inserido no capítulo do pagamento indevido de forma a justificar que eventual pagamento feito nessas condições poderá ter uma destinação social. Ora, interpretando-se teleologicamente a norma, tenho que em se tratando de punição ao chamado dano social o benefício deve vir em prol da mesma sociedade afetada. Assim, o valor a ser fixado pode ser revertido tanto para um dos Fundos existentes no município que têm cunho social ou mesmo de forma direta para uma entidade com o mesmo escopo. Para concluir, o dispositivo invocado é norma de ordem pública e por tal motivo independe de qualquer pedido para sua apreciação e aplicação e ofício [...] Pelo exposto, nego seguimento a este recurso extraordinário (art. 557, caput, do Código de Processo Civil e art. 21, § 1º, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal). Publique-se. (BRASIL, 2014e).

O Supremo Tribunal Federal, em sede de Recurso Extraordinário que atacou a decisão proferida pela Primeira Turma Julgadora Mista da 7ª Região do Tribunal de Justiça de Goiás, posicionou-se de forma importante a respeito do dano social. Na oportunidade, a Ministra relatora Carmen Lúcia, entendeu que a decisão recorrida não merecia reparos no tocante a configuração do dano social e na função punitiva/ dissuasória que a indenização deste possui.

A Suprema Corte, por meio do julgado ora analisado, admitiu de forma clara e objetiva que a condenação ao pagamento de indenização punitiva, chamada no julgado de “pena privada”, servirá não só a empresa condenada, mas também, de forma indireta, às demais empresas que adotam práticas ilícitas reiteradas com o intuito de obter lucro, como uma forma didática para que elas se abstenham dessas condutas, sob pena de também serem condenadas por isso. Além disso, o Supremo afirmou ser o dano social de interesse público, o que independe de pedidos para que possa ser analisado.

Por fim, o STF decidiu que nos casos de punição pelo dano social, a verba indenizatória deve ser revertida em prol da mesma sociedade afetada, motivo pelo qual determinou que o valor fixado deve ser destinado para algum fundo existente no município que tenham escopo social, ou então determinar de forma direta a destinação para outras entidades da mesma natureza.

Dessa forma, o Supremo Tribunal Federal admitiu a existência do dano social no sistema jurídico brasileiro, bem como a possibilidade de ser arbitrada uma indenização que sirva de punição ao infrator, objetivando o desestímulo de práticas ilícitas, além de coibir aos demais a não incidirem no mesmo erro, devendo sempre cumprir os ditames da lei, e assim, manter o nível da qualidade de vida da sociedade. Nesse cenário, o referido tribunal posicionou-se no sentido de que a verba indenizatória do dano social deverá ser revertida para fundos sociais ou então entidades dessa natureza, por ser a sociedade vítima desta categoria de dano.

4. Considerações finais

No tocante ao dano social, foi demonstrado que a indenização advinda deste dano possui uma função punitiva para o ofensor, de modo que este não venha mais cometer atos danosos na sociedade. Tal indenização deverá ser arbitrada pelo Judiciário, analogicamente aos critérios fixadores da indenização por dano moral, valendo-se o magistrado da razoabilidade para tal finalidade.

Evidencia, ainda, que a destinação da indenização desta categoria de dano possui divergência entre os autores analisados, já que Antonio Junqueira de Azevedo defende que a destinação da verba deve ser a vítima direta do dano, ao passo que Flavio Tartuce (2011), entende que esse dinheiro deve ser revertido para fundos sociais. Cumpre destacar que a jurisprudência vem se firmando no sentido de que a indenização deve ser revertida para fundos sociais, em consonância com o entendimento deste autor.

Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal admitiu a existência do dano social no sistema jurídico brasileiro, bem como a possibilidade de ser arbitrada uma indenização que sirva de punição ao infrator, posicionando-se no sentido de que ela deve ser destinada para fundos sociais ou então entidades dessa natureza.

Embora a tese de Antonio Junqueira de Azevedo não tenha sido essa, os Tribunais vêm aplicando o dano social como punitive damages, deturpando a tese do referido autor. Isso porque sua ideia consiste na criação de um novo dano na responsabilidade civil, em que a lesão causada pelo ofensor extrapola os limites da pessoa da vítima e atinge também a sociedade, com a diminuição da qualidade de vida ou da segurança. A forma de compensá-la é pelo acréscimo de um plus no quantum indenizatório, servindo de punição ao agente, que será desestimulado a praticar esses atos novamente. Ou seja, o dano social faz-se, às vezes, de punitive damages nas suas consequências, mas seus conceitos em nada se confundem.

5. Referências

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______. Manual de Direito Civil: volume único. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011.

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Sobre os autores
Gilberto Fachetti Silvestre

Professor da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); Professor da Universidade Vila Velha (UVV); Doutorando em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); Mestre em Direito Processual Civil pela UFES; Advogado sócio do escritório Caetano, Fachetti & Schneider Advogados. Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/7148335865348409

Alcides Caetano Silva

Advogado em Vitória - ES; Especialista em Direito Médico - EMESCAM

Flavio Britto Azevedo Schneider

Advogado em Vitória - ES; Especialista em Direito Médico - EMESCAM.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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