Atentado à advocacia: na calada da noite, custas de preparo de apelação, em São Paulo, são elevadas a indecentes 4% sobre o valor da causa

15/07/2015 às 13:21
Leia nesta página:

Breves notas sobre o Princípio do Amplo Acesso ao Judiciário e sobre a Inconstitucionalidade das Leis que regulamentam as custas judiciais no Estado de São Paulo.

   

Foi publicada no dia 3 de julho de 2.015, no Estado de São Paulo, a Lei Estadual 15.855, a qual, dentre outras disposições, eleva o valor das custas de preparo de apelação a inconstitucionais [e de duvidosa moralidade] 4% sobre o valor da causa.

Isso mesmo, numa ação de imissão de posse [de um imóvel de R$ 500.000,00 ] na Comarca de São Paulo, para que a parte possa recorrer, apenas de custas judiciais terá que pagar a importância de R$ 20.000,00.

Diz o artigo 4º da citada Lei: “os dispositivos adiante mencionados da lei 11.608, de 29 de dezembro de 2.003, ficam assim alterados: [...] ‘art. 4º, inciso II: 4% (quatro por cento) sobre o valor da causa, nos termos do artigo 511 do Código de Processo Civil, como preparo de apelação e do Recurso Adesivo, ou, nos processos de competência originária do Tribunal, como preparo dos embargos infringentes’.”.

Em palavras simples, entre distribuição da ação, interposição de apelação e interposição de eventual embargos infringentes a parte poderá ter que gastar até 9% [nove por cento] sobre o valor da causa com preparo de recursos e distribuição da ação; se imaginarmos uma ação dúplice [ação e reconvenção no mesmo processo] as partes podem ver-se obrigadas a gastar até 18% sobre o valor em discussão judicial com custas processuais.

Isso significa que numa ação cujo valor de causa seja de R$ 1.000.000,00 [um milhão de reais] eventualmente as partes podem ser obrigadas a gastar até R$ 180.000,00 [cento e oitenta mil reais] apenas com custas. Provavelmente, isso o mercado nos mostra, salvo a hipótese de ambas as partes terem contratados Advogados-Medalhões para suas defesas, autor e réu não terão gasto esse valor com Advogados.

1) Negar Jurisdição não é a melhor forma de resolver o problema do excessivo número de processos:

Podemos, facilmente, concluir que a referida lei tem como mote a intenção de reduzir o número de demandas judiciais. Da pior forma possível. (parece aquela história do marido cuja esposa tinha relações sexuais com seu amante no sofá e, como solução para sua crise matrimonial, esse homem resolve por fogo no sofá).

Vamos repetir, mais uma vez, o que aprendemos na Faculdade e já colocamos em mais de 50 artigos, pelo menos, e, pensamos, ser lugar comum para qualquer Advogado: O Direito nada mais é que um instrumento de pacificação social. Nos primórdios dos primeiros grupamentos humanos, há mais de 20.000 anos, houve a necessidade de que os líderes desses caçadores-coletores julgassem e executassem quem violasse o direito de outro, como meio de evitar-se o caos dentro daquelas comunidades. Num brevíssimo resumo, o Direito nada mais é que um meio que a sociedade desenvolve de evitar que as pessoas constantemente busquem a autotutela, a qual, em última análise vai de encontro ao desenvolvimento desses grupos. Se as pessoas de uma tribo estão constantemente brigando entre si por conta de fêmeas, prole, posse, caças essa mesma tribo não apenas não iria desenvolver-se, como, pior do que ficar estagnada, ficaria à mercê de outras tribos, não seria eficiente na produção de alimentos [até porque haveria pouco interesse em plantar, se amanhã meu vizinho poderá me roubar]. A conseqüência da falta do Direito à nossa, hipotética, tribo, seria uma subnutrição de seus membros, ataque de tribos rivais, baixa produção de alimentos, fome, e, por fim, a extinção dessa mesma tribo. Por conta disso a seleção natural de Darwin entrou em ação e as tribos que tiveram a idéia de alçar um de seus membros ao posto de Líder-Magistrado-Carrasco, foram mais eficazes em perpetuar-se e, assim, junto com o evoluir do ser humano evoluiu o Direito.

Agora note-se, em momento algum era dado [e até hoje, com algumas exceções como no Direito Romano] era dado ao Líder a opção de recusar-se a julgar. O Estado de São Paulo e o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ao aprovarem esta barbaridade estarão fazendo isso, visto que centenas de milhares de casos deixarão de ser julgados não pelo fato de que a parte reconheceu não ter direito, mas, sim porque não terá meios financeiros de recorrer. Esse tipo de atitude, por parte de quem deveria zelar pelo cumprimento da lei e não criar embaraços ao mesmo, acabará, de um modo ou de outro levando as pessoas a autotutela.

Isso é mais grave ainda quando se verifica que na Justiça Estadual de São Paulo, considerável número de decisões proferidas em Primeira Instância encontram-se abaixo da crítica.

Conseguimos entender que o número de processos é elevadíssimo e isso deve mesmo ser uma preocupação do Judiciário. Contudo, impedir o jurisdicionado de recorrer não é solução. Impedir o jurisdicionado de recorrer, mormente considerando a qualidade técnica das sentenças de Primeira Instância, no fundo nada mais é do que negar o acesso à Justiça. Há várias outras formas, muito melhores, de fazermos um processo judicial caminhar mais rapidamente e com isso desatravancarmos o Poder Judiciário, dentre elas podemos citar:1) Juízes trabalharem em expediente integral, assim como qualquer outro funcionário de qualquer empresa, isto é, ao invés de chegar no Fórum as 14hs e sair as 18hs e 30min, que tal se nossos magistrados chegassem às 9hs e saíssem as 19hs?; 2) Aumentar os valores de indenizações, por danos morais, contra empresas [grandes Bancos, empresas de Telefonias, Planos de Saúde, Seguradoras, dentre outras] que judicializam seus débitos como meio de auferir ganhos financeiros com esta conduta. Essa medida, por si só, teria o condão de evitar uma série de processos desnecessários; 3) Nosso Código Civil, no artigo404, prevê que o Juiz entendendo que os juros moratórios de 1% não reparam o dano causado, pode dobrá-los quando entender cabível. Nunca vimos isso ser, na prática, utilizado, mas seria um bom meio de dissuadir os grandes conglomerados econômicos de retardarem, dolosamente, e com o aval da Justiça, o cumprimento de suas obrigações; 4) Ações conjuntas do Poder Judiciário com o PROCON e IDEC para, através de um levantamento das empresas mais reclamadas, tal como o SERASA faz com consumidores inadimplentes, fazer um rastreamento das empresas com péssima conduta jurídica e fixar os danos morais contra essas empresas de forma compatível com seu escore.

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Em suma, encerrando este tópico, por mais que seja necessário reduzirem-se o número de demandas, a forma mais socialmente nociva de se fazer isso será negando ao jurisdicionado o direito de lutar pelo seu Direito.

2) Da violação do princípio constitucional do amplo acesso ao Judiciário

Diz o artigo 5º, inciso XXXV da Constituição da República que: a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; Encontra-se aí, em nosso Ordenamento Jurídico, a base do princípio do amplo acesso à Justiça.

Como bem salienta José Arnaldo Vitagliano, em artigo científico sobre o tema1:” A importância prática do preceito ora examinado está em vedar sejam determinadas matérias, a qualquer pretexto, sonegadas aos tribunais, o que ensejaria o arbítrio.(...)”.

Não importa a razão, é absolutamente inconstitucional, e também imoral que o Estado e o Tribunal de Justiça de São Paulo se valham desse meio esdrúxulo, para não dizer coisa pior, para impedir o cidadão de ter acesso ao Processo Civil como meio de resolver um conflito de interesses.

Noutras palavras, a Lei 15.855 de 2.015 (Estadual de São Paulo) é inconstitucional e a sua não impugnação em sede de ADIN trará sério prejuízos não apenas à Advocacia (que entendemos deva ser a prioritária preocupação da Ordem dos Advogados do Brasil) mas à sociedade como um todo.

3) Notas sobre como, invertendo a Pirâmide de Kelsen, a Lei Estadual de Custas se sobrepõe ao Código Tributário Nacional

Aprendemos, desde o primeiro ano do Curso de Direito, o conceito chamado Pirâmide de Kelsen, ou a hierarquia entre as normas jurídicas. O conceito de que no topo encontra-se a Constituição, abaixo a Lei Complementar, abaixo as Leis Ordinárias, os Decretos-Regulamentadores, as Leis Estaduais, Municipais, Portarias, Contratos e, na sua base, o “Direito-Vivo”. Pois bem, não é que em São Paulo a Pirâmide de Kelsen há tanto tempo está invertida que nos acostumamos com essa excrescência.

Expliquemos, com maior ou menor alteração, as custas judiciais em São Paulo, para propositura de ações e interposições de apelações são fixadas num porcentual sobre o valor da causa.

Ocorre, caríssimos Colegas, que essa legislação estadual viola frontalmente o artigo77 do Código Tributário Nacional em seu artigo 77 diz que taxas devem conter um valor específico para um serviço público específico, não podendo ter, por exemplo, a mesma base de cálculo de um imposto [da mesma forma que o valor do pedágio não pode ser alterado em razão do valor do veículo que por ele passa].

No caso, temos que, indiscutivelmente as custas judiciais nada mais é que uma taxa, e, assim sendo, não poderia ter como base de cálculo uma fração do valor da ação. Em palavras simples, no Estado de São Paulo, sempre lembrando tratar-se do Estado mais rico e desenvolvido da nação, a lei foi invertida, a Lei Estadual contrariou a Lei Federal, e há mais de 30 anos o jurisdicionado vem sendo lesado pelo Estado. Tudo isso com o aval do Judiciário Bandeirante.

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Sobre o autor
Paulo Antonio Papini

Mestre e Doutorando, em Direito Processual Civil, pela Universidade Autónoma de Lisboa. Pós-graduado, em Direito Processual Civil, pela Escola Paulista de Direito. Advogado, formado pela Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie, com mais de 20 anos de atividade jurídica. Autor de livros/apostilas jurídicas, especialista em Direito Bancário [especificamente defesa de mutuários do SFH e Mutuários de Alienação Fiduciária de Bens Imóveis], já atuou, ao todo em mais de 2.000 processos. Autor de mais de 250 artigos para diversas revistas jurídicas.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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