O Direito Penal como instrumento de controle social das classes desfavorecidas

19/07/2015 às 17:34
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O Direito Penal deveria ser reafirmado como instrumento de solução dos conflitos que terminam por macular o ordenamento jurídico e conseqüentemente toda a sociedade que restaria ultrajada, para isso fizemos todo um apanhado histórico, que vai da conceituação do estado, perpassando pela peculiaridade estatal, constante de seu direito de punir, atravessando as funções da pena, até chegar à democracia substancial.

“O Direito Penal nada mais é que um instrumento de controle social, utilizado pelos que se encontram no poder com o fim precípuo de dominação de classes e, obviamente, de manutenção e perpetuação deste.”

Claudio Guimarães (2010, p. 11)

 

RESUMO: O objetivo do presente trabalho é demonstrar que através de uma democracia substancial ou material, poderíamos indubitavelmente chegar ao estabelecimento de um Estado Democrático de Direito, no qual existiria a possibilidade de convivermos em uma sociedade mais justa e igualitária, ou seja, não utilizando o Direito Penal como meio de exclusão e contenção das classes desfavorecidas, mas pelo contrario deveria ser reafirmado como instrumento de solução dos conflitos que terminam por macular o ordenamento jurídico e conseqüentemente toda a sociedade que restaria ultrajada, para isso fizemos todo um apanhado histórico, que vai da conceituação do estado, perpassando pela peculiaridade estatal, constante de seu direito de punir, atravessando as funções da pena, até chegar à democracia substancial como modelo pra se chegar ao Estado Democrático de Direito.

PALAVRAS-CHAVE: Controle social formal; fundamentação; justificação; legitimação; direito de punir, punição da miséria, Democracia e Estado Democrático de Direito.

ABSTRACT: The objective of this work is to demonstrate that through democracy substantial or material, we will undoubtedly get to establish a democratic state, in which there was a possibility live in a more just and egalitarian society, not using the Right criminal as a means of containment and exclusion of disadvantaged classes, but on the contrary should be reaffirmed as an instrument of conflict that eventually tarnish the legal system and therefore the whole society would remain outraged, for it made ​​all a historical, going from conceptualization of the state, passing through the state peculiarity, constant its right to punish, through the functions of the sentence, until substantial democracy as a model to arrive at a democratic state. 

KEYWORDS: Formal social control; reasons, justification; legitimate; right to punish. punishment of misery, democracy and democratic state of law. 

SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Evolução teórica do jus puniendi estatal; 3. O controle social formal no Estado Democrático de Direito; 4. Democracia e jus puniendi: uma aproximação necessária

INTRODUÇÃO

Partindo-se do pressuposto que “o Direito Penal é utilizado para reprimir as conseqüências das desigualdades que geram injustiça social” Guimarães (2010, p.29) e, na medida em que, tem tido contribuição para isso o fato de “A globalização econômica fundada nos postulados neoliberais tem proporcionado a concretização de uma sociedade por demais desigual e, portanto, injusta.” Guimarães (2007, p. 284). E que “por uma estranha coincidência, no mais das vezes somente as condutas socialmente danosas, comuns às classes mais desfavorecidas, sofrem o processo de criminalização primária”. Guimarães ( 2010, p. 31) .Essas situações nos revelam “ que o direito penal nada mais é que um instrumento de controle social, utilizado pelos que se encontram no poder com o fim precípuo de dominação de classes e, obviamente, de manutenção e perpetuação deste”. Guimarães (2010,p.11).

Sendo assim o presente trabalho tem como escopo fazer uma análise reflexiva da atuação do Direito Penal como instrumento de controle social das classes desfavorecidas por parte das elites, uma vez que:

 “na ausência de proteção dos interesses da maioria o controle sócio-político exercido através do direito pelo Estado, como mediador de conflitos, transforma-se em processo produtor de conformação social-manutenção do status quo, pela imposição de comportamentos e da repressão para aqueles que não aderirem aos mesmos - incorporação coativa”. Guimarães (2010,p.176).

Isto significa dizer que “o objetivo primordial atribuído ao direito punitivo é a manutenção da estrutura social em voga”. Guimarães (2010, p.176).

Além disso, o artigo em voga discutirá o entrelaçamento do objetivo primordial do texto em construção, qual seja: constatar que o Direito Penal tem sido utilizado como meio ou instrumento de controle social das classes desfavorecidas, com temas que perpassam pela conceituação do estado, evolução histórica do direito de punir, legitimação do direito de punir e sua justificação, bem como as políticas criminais, segurança publica e direitos do cidadão e da coletividade, sem descurar evidentemente das políticas neoliberais que atuam na consolidação do objeto de estudo deste trabalho.

Diante do exposto, nos propomos a tecer uma incisiva crítica ao modo pelo qual o Direito Punitivo vem sendo aplicado hodiernamente, distante está de filiar-se à doutrina abolicionista do Direito Penal ao passo que busca seu fundamento imediato na criminologia crítica de viés Marxista.

2 – O ESTADO: ORIGENS E A EVOLUÇÃO HISTÓRICA DE SEU DIREITO DE PUNIR (JUS PUNIENDI)

                  Inicialmente, faremos uma abordagem acerca do surgimento do estado, tal qual temos conhecimento hodiernamente, para isso nos alicerçarmos no paradigma:

 “que no século XVII era comum imputar a origem da sociedade organizada a uma espécie de acordo firmado entre seus membros ou, usando a expressão sintética que depois se tornou usual, a um contrato social. Foi no entanto, no século XVII mais que em qualquer outro, e particularmente na Inglaterra, que a teoria do contrato social desempenhou um papel central nos conflitos constitucionais e foi também nesse século que se produziu seus dois mais famosos expoentes, Thomas Hobbes e John Locke”, Kelly (2010,p.272).

                 Desse modo:

 “O inglês Thomas Hobbes foi quem primeiro formulou uma teoria totalmente acabada da suposta base contratual do Estado e dos motivos que levaram a ela. De acordo com Hobbes (escrevendo na época da guerra civil inglesa), o primeiro preceito da lei natural, no sentido do extinto imperativo mais urgente implantado no homem pela natureza, é auto preservação. Na primitiva condição do homem, cada indivíduo, sozinho e sem o apoio de nenhuma associação, era a presa potencial de todos os outros, o que significa que o sentimento da auto preservação tomava a forma de uma constante apreensão, e a vida desse homem primitivo era conforme a frase mais famosa de Hobbes, solitária, pobre, desagradável, bruta e curta. Sempre em guerra com seus vizinhos o homem não podia desfrutar nem segurança, nem mesmo as amenidades elementares da vida, e era privado de todas as vantagens de uma economia ordenada e pacifica.” Kelly (2010, p.277)

Prosseguindo com este pensamento “a forma do contrato social de Hobbes é desse modo uma forma de sujeição ao seu soberano, cujo nome (também nome do livro de Hobbes) se tornou proverbial para o governante de um estado absolutista: Leviatã.[1]” Kelly (2010,p.277)

                    Prosseguindo nessa linha de pensamento enfatizamos que:

“designar um homem, com uma assembléia de homens, para representar a pessoa de todos e que cada um se tenha e reconheça como autor de tudo que ele, representando sua pessoa, vier a executar, ou fazer com que seja executado nas coisas que concernem a paz comum e a segurança, e dessa maneira submeter suas vontades, todos, à vontade dele, e seus julgamentos a seu julgamento, isso é mais que consentir ou concordar, é uma unidade real de todos, em uma única e mesma pessoa”. Kelly (2010, p. 278).

Entretanto:

“o contrato de sujeição de Hobbes é um contrato anômalo, porque o governante excluído não faz parte dele, e assim seus súditos não tem direitos contra ele os quais emanassem de um pacto recíproco, embora se possa dizer que ele tem uma espécie de dever livre de proporcionar a proteção para o qual foi constituído”. Kelly ( 2010,p. 279)

Fica claro então que:

“o Leviatã de Hobbes surgiu para proporcionar um modelo plausível de modelo absoluto, um tipo do qual, nas épocas posteriores, até a nossa própria, surgiram muitos exemplos: ditaduras nas quais pelo menos segundo as modernas noções ocidentais sobre os mínimos direitos civis do indivíduo, nada poderia ser dito exceto que promoveram um tipo de paz, um tipo de segurança, mesmo que um poder policial arbitrário e os campos de concentração tenham sido seus modos de atuação, ou seja, a ima gem do estado de Hobbes baseava-se na idéia de uma natureza humana dominada pelo medo” Kelly (2010, p. 279).

               Contudo “o mais influente defensor da teoria do contrato social do século XVII, foi outro inglês, John Locke (1632-1704), cuja perspectiva e conclusões divergiram mais nitidamente das de Hobbes” Kelly ( 2010, p. 281). Uma vez que John Locke “ofereceu uma exposição do Estado e do governo que modificou a idéia do contrato, enxertando nele o elemento da confiança para o benefício dos governados, e firmou Locke como autêntica voz intelectual da revolução” Kelly (2010, p.282). “Continuando na esteira desse raciocínio no contrato de Locke, a comunidade age de acordo com a vontade da maioria que tem o direito de decidir pelo resto, isto é, isto é a minoria” Kelly (2010, p. 283).

Além disso:

“o governo da comunidade, uma vez constituído tem somente uma função qual seja, a proteção da propriedade dos membros. Nesse contexto Locke não usa a palavra propriedade no sentido de bens externos como ele explica várias vezes, ela abrange todos os interesses legítimos dos súditos, por propriedade, deve ser entendido que os homens tem em suas pessoas bem como seus bens ou como Locke chama sua vida sua liberdade e patrimônio. Essa única função governamental de proteger a propriedade dos súditos nesse sentido é conferido ao governante ou governantes -e aqui está a parte essencial da doutrina de Locke- não absoluta e irrevogavelmente, mas por meio de um ato de confiança em nome do bem público.” Kelly (2010,p.283)

Em face disso podemos ensejar também que em tal doutrina “está fora de questão admitir um poder arbitrário do governo”. Kelly (2010, p. 284). E também “se o governo excede os limites do seu poder ele pode ser dispensado p5or essa quebra de confiança, e substituído por outro, pelo povo que originalmente o constituiu”. Kelly (2010, p. 285).

              Destarte, avançando com a análise em questão, não poderíamos nos ausentar da contribuição de Rousseau, na proporção que, ele assim como seus predecessores também expôs suas idéias no que tange ao contrato social, pois:

 “o contrato social (1762) de Rousseau é de muitos modos, um livro obscuro e contraditório, contudo dele emerge claramente a idéia de soberania do povo, numa idéia claramente colorida pelo viés contrário à autoridade tradicional característica da idade da razão” Kelly (2010, p.338).

Por essa razão fica claro:

“à existência de uma diferença significativa entre a forma do contrato social do Rousseau e apresentada por Hobbes ou Locke. Longe de ser um negócio em que a simples submissão era trocada pela simples proteção, e ainda mais longe de ser um ato de confiança limitado e revogável. O contrato de Rousseau vislumbrava a alienação total de cada associado juntamente com todos os seus direitos, para a comunidade toda”. Kelly (2010, p. 338)

Ou seja:

“a entidade para a qual o indivíduo fez uma entrega total de sua autonomia e cuja concussão está sujeito agora, é uma idéia misteriosa chamada à vontade geral (Lá volonté générale). Esta é algo que, como não equivale simplesmente á vontade da maioria- e até contém em si mesma, de algum modo, os desejos reais de uma minoria aparentemente discordante”. Kelly (2010, p.339)

E a partir disso podemos inferir com Rousseau (1978, p. 133) que a inflexibilidade das leis, que as impedem de se ajustarem aos acontecimentos, pode, em certos casos, torná-las perniciosas e determinar, por seu intermédio, a perda do Estado em crise.

            Ao discorrer sobre os contratualistas e nos fixando na premissa de termos já uma noção bem fundamentada do significado e importância de tal desiderato, trataremos dos conceitos de estado mais difundidos na conjuntura contemporânea, sempre buscando o referencial teórico mais adequado ao tema. Deste modo colheremos alguns conceitos dentre os quais se destaca Azambuja (1969, p. 113) “forma natural e necessária da sociedade humana, como um fim em si mesmo como um ideal e a síntese de toda inspiração do homem”.

              Corroborando também para a conceituação do Estado, Aranha e Pires (2003, p.215):

“afirmam que o estado se configura como instância por excelência do exercício do poder político em várias áreas da vida. Diante disto, percebemos que em consonância com o estado e a partir dele, origina-se um poder de coagir, ou, melhor, o direito de punir, do qual devem ser investigadas a legitimação e a evolução histórica de tal ius puniendi estatal{C}[2]{C}”.

Dessa maneira, em posse dos conceitos supracitados, iremos neste momento nos aprofundar no estudo da evolução histórica do direito de punir estatal isso significa dizer que este instituto.

“Assim a administração do ius punendi estatal nas eras mais primitivas era provavelmente irrefletidas produto dos sentimentos de uma vítima e de sua família, ou nos casos suficientemente graves para envolver toda uma sociedade, o produto de uma sensação de indignação ou perigo. Um passo importante é quando a calma reflexão é aplicada a administração da pena e razões objetivas de política são encontradas para justificá-las, esse estágio do pensamento ocidental é registrado pela primeira vez em Platão, para o qual a pena tinha dois aspectos: o corretivo, que tende a forçar o infrator a mudar o seu modo de ser e o intimidativo que desencorajavam os outros de imitá-los” Kelly (2010, p.43).

Neste desiderato é válido destacar a situação na qual “permeia o direito antigo e também o grego: adequar a pena ao crime, não só no sentido da proporcionalidade, mas no da retaliação, o ofensor deve sofre a mesma violência que praticou”. Kelly (2010, p.45)

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           Continuando com o propósito deste tópico, focalizaremos a evolução do direito de punir ainda na antiguidade clássica, porém, em Roma, a qual evidentemente teve influencias gregas, na medida em que, “corrigir os delinqüentes, servir de exemplo e advertência para os outros, ou para a eliminação dos criminosos, a fim de todos os demais possam viver com maior segurança.” Kelly (2010,p.97). Em contrapartida aos gregos, os romanos privilegiavam “a conclusão geral de que a intenção é que deve perscrutar em todas as coisas, não havendo nada mais indigno do que a punição de que não fez nada” Kelly (2010, p.97).

Por outro lado:

“A literatura medieval dos primeiros tempos não trata especificamente, da finalidade, justificativa ou medida da punição criminal, não obstante, visto que os padres justificavam o governo humano pela necessidade de reprimir os malfeitores e proteger suas vitimas, a legitimidade das sanções era tida como certa”, Kelly (2010,P.144)

Em Dissonância com a alta idade média, a baixa idade média forja o direito de punir, apóia-se então em São Tomas, pois o mesmo “indica a extensão adequada do direito penal, legitimidade, medida e a intenção ou não do culpado” Kelly (2010, p.202). Tendo como pressuposto “A medida da pena deve ser proporcional ao erro, embora esse princípio não implique necessariamente a uma equivalência exata”, Kelly (2010, p.203).

             No entanto é deveras curioso o fato de que o renascimento cultural ter sido uma época de tanta efervescência em inúmeras áreas ter tido, ou melhor, ”não exibir avanços com relação às antecedentes, no que concerne a um interesse cientifico na teoria do crime ou aos valores que embasam sua repressão” Kelly (2010, p.257). E, ratificando essa afirmação, Kelly (2010, p.257), aduz que “a lei natural, o princípio de que os malfeitores devem ser punidos pela autoridade pública, para que a paz, a justiça e o bem comum sejam preservados- quer tirando os malfeitores de cena, quer intimidando a eles e aos outros para não repetirem seus atos.”

Destarte, no século XVII “Grócio pressupõe uma proporção nas penas relacionadas as gravidades das ofensas “. Kelly (201 0, p. 313). Todavia outro pensador do século XVII chamado Thomas Hobbes divergia de Grócio com relação ao direito de punir do Estado “ ele pensava, não surgia da cessão geral dos direitos individuais, visto que se pode em absoluto pressupor que um indivíduo tenha cedido qualquer direito a outro para fazer algo violento contra a sua pessoa”. Kelly (2010, p. 313). Em outra circunstância Locke “denuncia o abuso da autoridade por partes dos que ocupam cargos do governo”.

Pelo exposto poderemos avançar em direção ao século XVIII época da punição generalizada exercida pelo Estado:

“o protesto contra é encontrada em toda parte no século XVIII: entre os filósofos e teóricos do direito, entre juristas, magistrados, parlamentares e entre os legisladores das assembléias. É preciso punir de outro modo, eliminar essa confrontação física entre o soberano e o condenado, entre conflito frontal entre a vingança do príncipe e a cólera contida do povo. Por intermédio, do supliciado e do carrasco. O suplício se tornou intolerável”, Foucault (2011, p.71).

Dando continuidade a evolução histórica do jus puniendi inspirado principalmente em Beccária o século XIV aplaudiu:

 “a idéia de que o direito penal não podia punir certos atos só por serem atos que a sociedade desaprovava e queria reprimir, e que a fronteira além da qual a força do Estado  não tinha o Direito de avançar era a  que separava os atos que afetam os outros, isto é, os que prejudicam a terceiros, atos esses que a lei estava de fato autorizado a reprimir, dos atos que afetam ao seu autor, os quais, visto que não diziam respeito a ninguém a não ser seu autor, não interessavam ao estado ou a sociedade” Kelly (2010, p. 447).

A partir daí enfatizaremos o direito de punir do Estado na primeira metade do século vinte sendo que “a teoria penal da primeira metade certezas e desse século não se sentia apta a abraçar as antigas certezas sobre a perversidade humana”. Kelly ( 2010, p. 513). No esteio desse pensamento:

“a nova ciência da criminologia se tornou uma reconhecida vizinha de outras ciências- a medicina, a sociologia e, sobretudo a psicologia, a qual a obra de Freud emprestara especial significação nesse contexto, porque revelava o papel do inconsciente os conflitos incompreendidos no interior da personalidade que podiam infringir danos a constituição mental e assim resultar naquele tipo de comportamento anti social que atrai punição penal”. Kelly (2010, p.514)

“não obstante, por mais que as justificativas individuais da pena pudessem ser vacilantes e discordantes, e conquanto todas elas parecessem problemáticas a luz das associações que a criminologia entre a delinqüências e os fatores de fundo não imputáveis, é necessária que houvesse alguma teoria que orientasse os tribunais”. Kelly (2010, p. 515)

Por fim, com relação à punição estatal discorreremos sobre a história desta na segunda metade do século XX e de acordo com o já transcrito anteriormente, “é fato que o direito penal passou por longos anos com o fito de exercer o direito coativo do estado em função da intimidação, regeneração ou vingança” Kelly (2010, p.592). Todavia Barbara Wootton[3]{C} propalou a idéia de responsabilização objetiva do delinqüente, o que vai de encontro com todas as teorias até então discutidas[4]{C}.

Além disso, “uma percepção muito semelhante é a de Sadurski, que vê a lei como imposição do ônus do autocontrole de cada cidadão, para que todos os outros possam ter seus benefícios, do seu direito, dentro de sua esfera de proteção.” Kelly (2010, p. 593)

 3 – A LEGITIMAÇÃO E A JUSTIFICAÇÃO DO DIREITO DE PUNIR ENTRELAÇADAS COM AS FUNÇÕES DA PENA.

                    A partir do que foi redigido anteriormente e que “embora a força física seja condição necessária e exclusiva do estado para o funcionamento da ordem e da sociedade, não é condição suficiente para a manutenção do poder” Aranha, Pires (2003, p.215). Além de que “a arte de punir deve repousar sobre toda uma tecnologia de representação. A empresa só pode ser bem sucedida se possuir uma mecânica natural” Foucault (2011, p.100).

                 Então, de acordo com Guimarães (2010, p.15) “toda a analise da legitimidade do direito de punir terá como fio condutor os ideais da liberdade e igualdade humana”, desta maneira e coadunando-se com Guimarães:

“Para o alcance dos fins comuns a todos, basicamente tranqüilidade, segurança e paz, pode fazer uso da coação penal, desde que não admita decisões aleatórias ou contingentes e sim previsibilidade, satisfação de expectativas, certeza e segurança.” Guimarães (2010,p.16)

                Destarte, Guimarães (2010, p.18) enfatiza que “Partimos do pressuposto dogmático segundo o qual toda a legitimação do direito penal é construída sobre dois pilares: o principio da legalidade[5] e da igualdade[6]”.

                Este desiderato é confirmado quando Guimarães expõe que:

“A função instrumental, essencialmente prática a que se propõe a dogmática penal, baseada em pressupostos racionais e garantidores que teriam por fim ultimo converter o que foi programado pelo legislador no que será aplicado pelos operadores jurídicos de forma segura e igual, o alicerce do monopólio da violência física praticada pelo estado moderno”. Guimarães (2010, p.18)

Aduz, de maneira clara, Guimarães, quando afirma:

 “O meio utilizado para o alcance dos fins acima referidos é a dogmática penal que, ao viabilizar a consecução dos objetivos do Direito Penal de forma igualitária e segura, se constitui na base legitimadora e racionalizadora do poder de punir do estado”. Guimarães (2010, p.22)

E ainda acrescenta Guimarães (2010,p.22) “ o que legitima o alcance dos fins perseguidos pelo Direito Penal é exatamente o modo como este é aplicado. E só quem pode garantir uma aplicação justa, segura e igualitária do jus puniendi é a dogmática penal.”

“Destarte, o Estado se legitima no combate à criminalidade em razão dos comportamentos delituosos representarem ofensas aos interesses fundamentais dos indivíduos, que atentam contra a existência de toda sociedade, sendo a lei penal igual para todos, pois a reação frente ao delito é aplicada de forma similar para todos os infratores”. Guimarães (2010, p.23)

 “Em resumo, toda constituição dogmática parte do pressuposto de que a legislação penal atende a todas as exigências que se fazem necessárias para uma harmônica convivência social-tal harmonia deriva de uma verdade a priori, portanto, incontestável, representando, se não a totalidade, com toda certeza, a da maioria destes”. Guimarães (2010, p. 23).

                 Coadunando com o pensamento de Guimarães, Nepomuceno (2004, p. 91) descreve “a dogmática penal como uma dogmática jurídica, possuindo conceitos e teorias próprias para cumprir a sua função declarada de racionalizar o poder de punir do Estado e garantir os direitos individuais em face ao processamento estatal”. “Além do mais Nepomuceno (2004, p.91) deduz que “a dogmática penal vai definir quais serão os delitos e as penas aplicados para ele”, assim como, “o julgador para aludir a decisão legitimada vai buscar no âmbito da dogmática penal o enquadramento da conduta praticada, desde que tenha ofendido algum bem jurídico tutelado pela norma penal.” Nepomuceno (2004, p.91)

A despeito do que foi transcrito acima Guimarães (2010, p. 29) entende “que o sistema penal opera de forma seletiva em face dos interesses específicos dos grupos sociais que se encontram no ápice da pirâmide social”, ou melhor dizendo:

“o Direito Penal é usado para reprimir as conseqüências das desigualdades que geram injustiça social, o que é nitidamente percebido quando da análise da criminalização primária[7], em que as fácil perceber a inter condutas desviadas imanentes às classes desfavorecidas merecem atenção e resposta bem mais intensas que as condutas desviadas comumente praticadas pelos estratos sociais mais elevados”. Guimarães (2010, p. 30)

Ademais “por uma estranha coincidência no mais das vezes somente as condutas socialmente danosas comum ás classes mais desfavorecidas sofrem o processo de criminalização primária” Guimarães (2010, p.31).

                   Diante disso:

“é fácil perceber a inter- relação entre a lei penal e a estratificação social, podendo se afirmar, sem margens para erros que o sistema foi pensado antes para imunizar determinadas pessoas e comportamentos do que propriamente para proteger a sociedade”. Guimarães (2010, p.33).

 “Logo o Direito Penal fundados nos preceitos construídos pela dogmática, não atinge a todos igualmente, pelo simples fato da existência da seletividade no momento da criminalização primária e secundária[8]” Guimarães (2010, p.35).

Tudo isso só é perceptível, uma vez que:

“o marco inicial para uma construção crítica coerente e construtiva da dogmática penal parte do pressuposto do rompimento, ou não, com as premissas teóricas que indicam uma sociedade harmônica na qual é aplicada o Direito Penal, pautado nos princípios da igualdade e da legalidade assim como o alcance das funções declaradas da pena, verificadas ou não verificadas pela potestade penal.” Guimarães (2010, p.28)

Obviamente não vivemos em uma sociedade harmônica situação que pode ser constatada limpidamente a partir da análise dos parágrafos transcritos acima. Não obstante todas essas críticas Guimarães (2010, p. 256), destaca que o método dogmático jurídico deve ser conservado apenas orientando seu discurso a uma limitação do poder punitivo, pela via da constitucionalização da elaboração e da aplicação do Direito Penal.

Consubstanciado no fato de que, há uma legitimação do estado, em aplicar a punição, ou seja, sancionar seus súditos, necessário se faz que definamos que os castigos a serem infligidos são as penas, e as teorias que sedimentam sua aplicação com o intuito de observar se estão ou não cumprindo seu papel. Ao passo que s precisamos estabelecer se essas ditas punições estatais estão cumprindo a função intimidativa, neutralizadora, retributiva, ressocializadora, reforço do ordenamento jurídico, agnóstica, mista ou como reprodutora dos ideais da elite e controladora das classes desfavorecidas, tudo em prol da manutenção do status quo.

Consoante, entendimento que se construiu neste trabalho, é comprovado que o estado possui o poder de punir e este é legitimado pela dogmática penal, sendo que este poder de punição é efetivado pela sanção, que em nosso sistema penal é dado primazia a pena privativa de liberdade, no entanto, antes de partirmos para o exame das funções relativas às penas, há que considerar que o controle social é efetivado pelo estado, sendo tal controle, segundo Guimarães, dividido em controle social informal, representado pela família, escola, comunidade e religião e em lado oposto encontramos o controle social formal, este sim exercido de forma direta pelo estado, que impõe, aos indivíduos que vão de encontro aos seus comandos, as penas com suas respectivas funções.

Entretanto, infere-se também deste artigo cientifico que tais penas e o controle social formal mais preocupados estão com a manutenção do status quo, quero dizer na estabilidade e na consistência da pirâmide social, servindo como instrumento de exploração de classes, aprofundando ainda mais o abismo que separa ricos e pobres ignorantes e abastados por natureza.

Dito isso, examinaremos as leis e os castigos a elas cominados em caso de seu descumprimento, para isso nos apoiaremos inicialmente nos apoiaremos em Montesquieu (2002,p.17), pois segundo ele:

 “as leis, no seu significado mais amplo, são as relações necessárias que derivam da Natureza das coisas; e , nesse sentido, todos nos seres tem suas leis; a divindade tem suas leis, o mundo material tem suas leis, as inteligências superiores ao homem tem suas leis, o homem tem suas leis”.

E claro como já explanado todas cumprem uma finalidade inerente a sua natureza.

Então agora passaremos a examinar as teorias relacionadas às funções da pena.  Guimarães (2010, p. 45) discorre sobre:

“as teorias absolutas que concedem à pena como um fim em si mesma e prescindem de qualquer outro fim que ela possa objetivar, as relativas que entendem que o sentido da pena no Direito Penal sanções podem  encontram exatamente nos fins que com esse direito e com essas sanções podem ser buscadas e as teorias mistas que englobam tanto os fins retributivos  como os fins preventivos”. Guimarães (2010.p.50)

Dentro dos fins retributivos, para os clássicos “a principal característica da pena privativa de liberdade é a retribuição, ou seja, é dada a pena a difícil tarefa de fazer justiça e nada mais” Guimarães (2010, p.50). Já a teoria da prevenção geral negativa tem como intuito “a fixação da pena para inibir tanto quanto possível a pratica de novos delitos” Guimarães (2010, p.59), no que tange a teoria da prevenção geral positiva, Guimarães (2010, p.72) exalta que “a função da pena se caracteriza principalmente pelo valor simbólico que confere a sanção penal”, isso nos remete ao que diz o referido autor ao tratar da prevenção geral positiva, ou seja, que esta é responsável pela afirmação do ordenamento. Continuando com esse desiderato de estabelecer as funções da pena, chegamos a teoria da prevenção especial negativa que “pode ser traduzida por uma palavra: neutralização.”, Guimarães (2010, p.64). Em se tratando da prevenção especial positiva que de acordo com Guimarães (2010, p.93), na medida em que ressalta “que a finalidade da pena não é mais a retribuição, nem intimidação, mas a reeducação do delinqüente.” Por fim há que se falar das teorias mistas que conforme o autor supracitado é enfático ao estabelecer que estas nada acrescentam ao rol de teorias já abordadas neste texto e por essa razão não se deteve o jurista acima referenciado em tecer maiores comentários.

Uma vez apresentadas as funções correlacionadas às penas, e levando em consideração as inúmeras criticas oferecidas as mesmas por Guimarães, faz-se indispensável traçar uma forma adequada para alcançar o objetivo ou objetivos a elas reputadas, então deveríamos buscar o mote capaz de coadunar legitimidade estatal para punição e função declarada da pena, seria apenas intimidar, ressocializar, neutralizar, retribuir, afirmar um valor simbólico. Ou pura e simplesmente punir.

Além disso, como será possível integrar direito de punir e pena, na medida em que, vivemos em uma sociedade de classes, baseada primordialmente na contenção dos excluídos pelo Direito Penal e de outro lado da opulência das elites, manifestado na satisfação das necessidades destes em detrimento daqueles, os quais se encontram privados de seus direitos mínimos de subsistência, os quais se somam, aos valores apregoados pelo neoliberalismo e pela globalização que focam no consumo desenfreado e nos descarte cada vez mais frenético dos objetos e até mesmo de pessoas, isso gera conflitos sociais, pois os desfavorecidos se insurgem, pelo fato de não conseguirem consumir e alimentar o sonho capitalista, entrando nessa contenda o Direito Penal, encarcerando os miseráveis e contribuindo para a ostentação das classes altas e o que é pior, levando a população carente a se refugiar nas favelas ou a serem enjaulados nas penitenciarias, tornando-se consumidores do sistema penal.

Da mesma forma inferimos do artigo em voga e obviamente pela leitura do livro do professor Guimarães que é enfático ao afirmar que a mídia opera nas duas vertentes, ou seja fomentando o consumo dos miseráveis e estes impossibilitados de consumir, contentam-se com o sonho capitalista propagado pelas novelas ofertadas diariamente e tendo com publico principal telespectadores das classes C, D e E, e, por outro lado atuam no pólo oposto, distribuindo a sensação de medo e insegurança tão presente em nossa sociedade e acaba se materializando no consumo desenfreado de itens de segurança, originando uma sensação extrema e infinita de medo que abarca hodiernamente a nossa sociedade, no intuito apenas de fazer com que os ricos de nossa época comprem e utilizem em demasia os aparatos tecnológicos que se denominam baluartes da segurança privada, e que de certa forma contribuem para o surgimento dos espaços proibidos, os quais segregam ainda mais pobres e ricos.

Isso nos leva a pensar em como buscar, apoiados obviamente na bibliografia, em uma maneira de solucionar os problemas referidos anteriormente, a fim de solucioná-los ou pelo menos amenizá-los, de forma que o abismo que se interpõe entre as classes sociais do sistema capitalista e que se respalda no neoliberalismo e na globalização e que como pano de fundo encontra-se a mídia responsável pela sustentação da ideologia do consumo e do medo. Feito isso passaremos ao próximo tópico do trabalho, no intuito de estabelecermos parâmetros a fim de embasarmos nossa ideia.

4- A DEMOCRACIA SUBSTANCIAL: UMA ALTERNATIVA PARA A NÃO CRIMINALIZAÇÃO DA MISÉRIA

A Constituição da República Federativa do Brasil ressalta o fato de que nosso país é um Estado Democrático de Direito, partindo desse pressuposto, mister que definamos este conceito. Assim sendo de acordo com Guimarães (2010,p.106), “ Ao Estado Democrático de Direito, portanto incumbe-lhe fazer cumprir a lei que deve expressar os anseios de todos os cidadãos no gozo de seus direitos e prerrogativas.”

    Entretanto, evidentemente para se emplacar a democracia em um país como o Brasil é indispensável nos atrelarmos de imediato ao pensamento de Guimarães (2010,p.107), que aduz da seguinte maneira “O povo,  do qual devem originar-se as decisões políticas, precisa ser posto em condições reais de decidir, através da possibilidade de compreensão de suas reais necessidades.”

De fato, em uma nação onde imperam as desigualdades sociais e econômicas, sobram, nesta nação fome, miséria, desemprego e somados a isso, a educação e a saúde são relegadas a um plano secundário, levando a massa desfavorecida a uma situação de total abandono e desespero. Em lado contrário se encontra a minoria abastada e opulenta, resguardada em seus espaços proibidos, onde poucos podem adentrar.

Deste modo e consoante Guimarães (2010, p.107) assim se expressa:

“Deve o povo, pois, ter capacitação suficiente para definir seus desejos e necessidades, e, o que é mais importante, devem os representantes ter sensibilidade e compromisso suficiente para decidir em harmonia com representados.”

Contudo, o que notamos em nossa sociedade é que pelos fatores acima descritos, não estamos vivendo uma democracia plena, ou seja, de fato e de direito, em verdade o que está em destaque é a utilização do Direito Penal a fim de criminalizar a miséria, fato que podemos comprovar ao seguir o sentido do pensamento de Loic Wacquant (2003,p.8), ao enfatizar que:

“O fim do século XX assiste ao declínio do poder político e à ascensão do poder econômico transnacionalizado. O poder político nacional é drasticamente reduzido e não da conta da conflitividade gerada pela exclusão e desamparo da nova ordem econômica planetária.”

Corroborando com esse pensamento, Loic Wacquant (2003,p.8), afirmando “ o poder político em queda não dispõe de um discurso criminológico hegemônico. É um poder político que não pode reduzir a violência que sua impotência gera.”

E ainda complementa Loic Wacquant (2003, p.8) ao aduzir que “A luta pela hegemonia do discurso criminológico se da na esfera das comunicações. O que se observa é a subordinação do discurso político as agencias de comunicação”.

Destarte, imprescindível se faz que avancemos do conceito de democracia meramente formal para a democracia substancial, com objetivo de evoluirmos da situação de domínio e exclusão das classes pobres pelo Direito Penal e com isso sairmos do Estado Caritativo, como preleciona Loic Wacquant em seu livro Punir os Pobres.

Neste passo, Wacquant (2003, p.10) “Demonstra-se a passagem da rede de segurança do Estado Caritativo para a montagem da rede disciplinar do Estado numa política estatal de criminalização da miséria”.

Além de que “Os serviços sociais vão sendo transformados em instrumentos de vigilância e controle das novas classes perigosas.”, Wacquant (2003, p.10), entretanto é que “os cortes financeiros nos programas sociais contrastam com os investimento maciços do sistema penal.”, trata-se do que já foi falado anteriormente neste artigo, ou seja, estimula-se o consumismo, propaga-se o medo e criminaliza-se a miséria com o objetivo de massificar o consumo em todas as suas instâncias, isto significar dizer que para o atual sistema temos que consumir de qualquer maneira, seja bens materiais ou nos transpormos ao lado oposto e nos tornarmos consumidores do cárcere,ou seja, somos impelidos ao consumo de qualquer maneira.

Não obstante estarmos aqui, fundamentados em Wacquant logicamente, querendo abolir o estado e sua forma de controle social, uma que, Baratta (2011, p.42) aduz que “O Estado, como expressão da sociedade, esta legitimado para reprimir a criminalidade, da qual são responsáveis determinados indivíduos, por meio de instâncias oficiais de controle social (legislação, policia, magistratura, instituições penitenciarias)”, E do mesmo modo coadunando-se com o pensamento de Wacquant, Baratta (2011,p.67) diz que “ Uma parte do sistema produtivo legal se alimenta de lucros de atividades delituosas em grande estilo.E, por isto, é fruto de uma visão superficial fazer da criminalidade das camadas privilegiadas um mero problema de socialização e de interiorização de normas.”. Ainda no esteio deste pensamento, Baratta (2011,p.67), estabelece que “ a criminalidade de colarinho branco permanece, substancialmente, um corpos estranho na construção original de Merton, Esta é adequada somente para explicar, naquele nível superficial de análise ao qual chega a criminalidade das camadas mais baixas.”

    Portanto, a partir deste momento, e na esteira do pensamento de Guimarães, passaremos a defender a democracia substancial como meio capaz de satisfazer aos anseios de segurança, paz e equilíbrio tão desejados pela sociedade moderna, porém, antes falaremos da democracia formal, com a qual estamos acostumados e que comprovadamente não oferece aos seus cidadãos o mínimo de garantias necessárias para depois fecharmos com a democracia substancial, esta sim com capacidade de atender aos anseios sociais ou, ao menos reduzir a caótica situação que se encontra nossa população.

     Então, de acordo com Guimarães (2010, p.116), “a democracia, no seu aspecto formal, sempre é vinculada aos procedimentos ou, ao conjunto de regras anteriormente estabelecidas que devem definir as relações de poder, ou seja, quem vai decidir e como deverá decidir.”

         Além disso, Guimarães (2010,p.116),  destaca que “ A força motriz da democracia formal é a regra da maioria, ou seja, é vencedora a proposta mais votada, ainda que, quando da efetivação de tal escolha, ela possa refletir- através dos representantes eleitos- melhor distribuição de oportunidades,ou, ao contrario, apenas legitimação dos resultados obtidos.”

        Diante destes fatos e em solidariedade ao pensamento de Guimarães (2010,p.116), é preciso destacar que “ No âmbito formal, teme-se pela ampliação das possibilidades democráticas, eis que a maioria a pode decidir a favor de si própria e assim diminuir a dominação pela via política.”

       Por essas razões, é que Guimarães (2010, p.117), sintetiza que é:

“No mínimo perigoso que se limite o entendimento da democracia à manutenção da democracia das regras do jogo, haja vista que essas regras sempre são postas por uma minoria e, o que é pior, com amplas possibilidades de manipulação dos resultados que advém do jogo jogado com tais regras”.

      Disto se extrai que é “imperioso que se desconecte urgentemente o conceito de cidadania do direito de votar e ser votado, como se toda a amplitude democrática se esvaísse no conceito de cidadão eleitor.”, Guimarães (2010, p.118).

      Perante o que foi acima citado, chegamos à conclusão de que somente com a democracia substancial poderemos chegar ao tão esperado Direito Penal do equilíbrio, o qual juntamente com todos os direitos inerentes ao cidadão e que ganham forma na conceituação de Guimarães (2010,p.120), quando afirma que “ A democracia substancial (ou material), fundamenta-se na dignidade da pessoa humana[9], que se expressa necessariamente através do exercício da cidadania, exercício que exterioriza a fruição dos direitos e liberdades fundamentais, de maneira ampla e irrestrita.”, claro é de se afirmar que “ Democracia e cidadania, portanto, são instituições umbilicalmente ligadas. A democracia real facilita o acesso a ampla cidadania e dela precisa para se manter efetiva.” Guimarães (2010,p.120).

     Todavia,

“em meio à iniqüidade que revela o Estado brasileiro no trato de tais direitos e garantias fundamentais, é obvio que estamos longe de implantar uma democracia, eis que, ao ente a quem é atribuída a tarefa de implantá-la, exatamente ele, o Estado, é quem se constitui como principal violador das regras por ele mesmo positivadas”, Guimarães (2010,p.122).

      Por isso,

“Ante o exposto no presente capítulo, uma certeza se impõe: dificilmente poderemos realizar uma democracia que ultrapasse o âmbito formal, assim como nunca alcançaremos um nível de controle aceitável na seara punitiva, enquanto perdurarem as graves desigualdades sociais que emanam das relações de classes.” Guimarães (2010, p.125).

      Com isso conclui-se que a democracia material é o único caminho apontado para reestruturação da sociedade, diminuindo, ou, quem sabe eliminando a cratera absurda que separa as classes sociais hodiernas e possamos habitar em sociedade mais justa e igualitária, não utilizando o Direito Penal como instrumento de controle social das classes desfavorecidas, mas utilizá-lo como modo de superação dos conflitos que quebrem a harmônica convivência sócia e na esteira desse raciocínio, complementa Piovesan (2002, p.567) ao aduzir que “O sistema deve poder representar-se como se funcionasse com base na soberania popular e na autodeterminação do povo.”.

 

REFERÊNCIAS 

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofandointrodução à filosofia. 3 ed. Revista. São Paulo: Moderna, 2003.

AZAMBUJA, Darci. Introdução à ciência política. Editora Globo. 1969

BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal: introdução à sociologia do direito penal. tradução: Juarez Cirino dos Santos. Criminologia, 6ª edição, outubro de 2011.

De I Esprit dês  Lois, ou durapport que lês lois doivent avoir La constituin de chaque gouvernement, lês moeurs, Le climat, La religion, Le commerce, etc.( 1ª edição,1748). 

FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão; tradução de Raquel Ramalhete. 39. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011.

GUIMARÃES, Claúdio  Alberto Gabriel. Constituição, Ministério Público e direito penal: a defesa do estado democrático no âmbito punitivo. Rio de Janeiro: Revan, 2010.

GUIMARÃES, Claudio Alberto Gabriel. Funções da pena privativa de liberdade no sistema penal capitalista. Rio de janeiro: Revan, 2007, 2ª edição abril, 2007.

KELLY, John. Uma breve história da teoria do direito ocidental. Ed. WMF. 2010.

LOIC, Wacquant. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos. Rio de Janeiro: F. Bastos, 2001. Revan, 2003.

NEPOMOCENO, Alessandro. Além da lei: a face obscura da sentença penal. Rio de Janeiro:  Revan, 2004.

PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos, globalização econômica e integração regional: desafios do direito constitucional internacional. Coordenação de Flávia Piovesan. São Paulo: Max Limonad,  2002.

ROUSSEAU, Jean Jacques. Do contrato social: Ensaio sobre a origem das línguas: Discurso sobre a origem e os findamentos da desigualdade entre os homens: Discurso sobre as ciências e as artes. Jean Jacques Rousseau: tradução de Lourdes Santos Machado; introdução. Abril Cultural, 1978.


[1] Esse nome foi tirado de uma palavra hebraica em Jó 12, em que significa um monstro.

[2] Direito legitimo do estado de aplicar a sanção penal em resposta ao surgimento de um desrespeito ao ordenamento.

[3] Magistrada que defendeu a punição do infrator pela responsabilidade objetiva e não pela culpa.

[4]{C}  Ver Jhon M Kelly,p.592

[5] Por este princípio garantem-se a origem e clareza das normas.

[6] Principio pelo qual para casos iguais aplicam-se sanções iguais.

[7] Seleção pelo legislador dos bens relevantes para a sociedade e a conseqüente figura do delinquente;

[8] Criminalização secundária é um conceito da Criminologia, mormente na linha da Criminologia Crítica, segundo o qual o Direito Penal estabelece normas para alcançar destinatários pré-determinados, selecionados por características inconvenientes não a sociedade como um todo, mas aos titulares do poder decisório.

[9] Principio basilar do Direito brasile

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