Socialização dos riscos e o Direito Brasileiro

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O trabalho busca analisar a socialização dos riscos inerentes às atividades estatais no território brasileiro, bem como situações em que não há responsabilidade do Estado mas ocorre a socialização do ônus de algum dano sofrido.

1     Evolução geral

1.1. As formas antigas de Socialização dos Riscos (solidariedade)

A preocupação com a sociedade e com o auxílio a um indivíduo que faz parte do corpo desta, com procedimentos para ajudar os que sofriam tragédias ou desgraças, tendo com tal acontecimento uma diminuição ou deterioração da sua qualidade de vida, mesmo nas sociedades antigas a chamada responsabilidade coletiva já existia, mas não se vê segundo alguns estudos muitas semelhanças com a atua socialização dos riscos, pode-se dizer que seus embasamentos na filosofia e nos princípios são divergentes dos atuais.

Os procedimentos da responsabilização coletiva dos riscos entre assistência e auxilio mutuo, na origem do que se pode dizer do mutuo, existência de por exemplo em sociedades tão antigas que as datas se perdem no tempo, criação nestas sociedades de caixas, onde os indivíduos de uma sociedade depositariam uma certa quantia, que serviria para o que se pode dizer para resolução dos problemas enfrentados por um ser daquela sociedade, por exemplo de auxílio mútuo se encontra nos cortadores de pedras do Baixo Egito, em torno de 1400 antes de Cristo, que mantinham um fundo em caso de acidente. O mesmo fenômeno ocorreu, de acordo com Teofrastes, na Grécia, no seio das hetairiai (companhias) cujos membros, os hetairiai (companheiros) estavam unidos por fortes laços de família e religiosidade, pode se verificar como dito anteriormente, que o embasamento por até se tratarem de sociedades menores do que as modernas eram diferentes, o auxilio era verificado no fundamento de ajudar, parentes a de certa forma continuarem com o que seria uma vida de qualidade até posteriormente retornarem ao “status quo ante” da situação em que o colocou em dificuldades.

     Adiantando um pouco a história a revolução francesa, se torna um marco, onde se verifica um fim e ao mesmo tempo uma virada, se tem neste ato ao entender de historiadores um rompimento com as bases das sociedades arcaicas, corporativistas e de certa forma e principalmente com a familiar, e tem por iniciativa a instituição de um outro padrão de solidariedade a calcada no desenvolvimento de técnicas especificas de análise de riscos e expectativas bem como de estabelecer liames estreitos entre a solidariedade nacional frente aos danos , com base na igualdade.

1.2. O século XIX e o nascimento da socialização moderna

A revolução francesa foi um marco nas mudanças no pensamento quanto a socialização dos riscos, em uma época que o pais se encontrava em crise, época de fome e de outros fatores históricos, levaram a sociedade a uma transformação quanto ao pensamento de auxilio mutuo, fazendo alterações em suas próprias leis, A Constituição Francesa de 1946 já disciplinava que "a nação proclama a solidariedade e a igualdade de todos os franceses perante os encargos". O Conselho Constitucional em sua proposta jurisprudencial baseia-se: "se o artigo 13 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 não proíbe fazer com que certas categorias de pessoas, por motivo de interesse geral, suportem encargos particulares, não deve resultar disso ruptura da igualdade diante dos encargos públicos." Busca-se a socialização do risco para a providência de indenização rápida às vítimas, configurando-se em mecanismos coletivos de amparo.

1.3. Teorias de transição

Existe até os presentes datas quem tente desvincular a noção de responsabilidade cível de outros meios até mesmo de atos ilícitos, mas esse padrão de pensamento já foi maior, o apego a o princípio da culpa entre outros fatores, dava ensejo uma nova visão quanto a socialização dos riscos na modernidade. As novas teses ensaiavam um novo pensamento onde se tinha por base não um pensamento relacionado a culpa para o ressarcimento ou indenização, mas algo que possuía o princípio de nenhuma responsabilidade sem culpa, a alteração do pensamento de Culpa subjetiva e culpa objetiva, de certa forma pode-se entender, que a sociedade perante os seus, deve agir objetivamente, agregando para si, a responsabilidade de zelar dos seus cidadãos, visando os que estão em momento de crise ou de própria necessidade, garantindo a estes o mínimo necessário para sua sobrevivência.

As teorias de transição foram juntamente com a evolução do pensamento de culpa presumida ou o princípio de nenhuma responsabilização sem culpa, se vinculando ao avanço da preocupação social, antes até mesmo pensada pelos iluministas, onde colocavam o indivíduo desta mesma sociedade em foco, não pensando somente no corpo social geral, o estado, seus governantes, a realeza como pontos de preocupação, mas todos os indivíduos pertencentes aquela sociedade, pois todos de igual forma deveriam ser mutuamente auxiliados, nos momentos antigos o pensamento era de necessidade, pois a comunidade precisava de cada integrante de certa forma, “bem”, individualmente, para que este contribuísse nas relações sociais, pois a organização social da época necessitava do apoio de todos os seus entes.

Diante destas preocupações, costuma-se apontar como solução a obrigatoriedade da contratação de seguros privados ou mesmo a implantação de sistemas públicos de socialização de riscos. São medidas que visam tornar efetivos os objetivos prestigiados pelo princípio da indenidade. Além dos fundos de seguridade social destinados ao amparo de vítimas de acidente de trabalho, outros mecanismos de socialização das repercussões econômicas de eventos danosos desenvolveram-se ao longo do século XX (Fábio Ulhoa Coelho, 2012. Curso de Direito Civil. Vol. 2. RESPONSABILIDADE pag.382/603).

                                       

2     Vias e meios da socialização do risco

2.1.  A ampliação da responsabilidade sem culpa.

Quando se fala nas teorias da responsabilidade, nas regras gerais esta somente se opera nos cos de culpa, a socialização do risco não necessita de culpa, como por exemplo nos casos de responsabilidade objetiva, não se exige prova de culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano. Toda atividade realizada na vida humana que implica em algum risco de dano, acarreta inevitáveis consequências no ordenamento jurídico para as pessoas responsáveis para a sua execução, seria assim o afastamento da responsabilidade relacionada a culpa e uma nova ampliação da responsabilidade sem culpa. Uma das teorias que procura explicar essa ampliação é a teoria do risco, para tal toda pessoa que exerce alguma atividade cria risco de danos a terceiros. E deve ser obrigada a repara-lo ainda que sua conduta seja isente de culpa.   

Vinculando este pensamento a socialização dos riscos, em uma situação em que não se pode presumir culpa ou que não exista a responsabilidade individual de indenizar, a socialização dos riscos, vem como uma segurança nos casos onde a culpa ou a responsabilidade não pode ser agregada a somente um indivíduo, visto que as situações de risco aumentam a cada instante, e a possibilidade de indenização diminui, a Solidariedade, como dito anteriormente e um viés para a tentativa de fazer chegar o indivíduo ao estado anterior, que o deixou em menos valia perante a sociedade.                   

Enquanto a responsabilidade sem culpa era tratada como teoria de substituição do modelo fundado na culpa, dividiram-se os tecnólogos em subjetivistas e objetivista, envoltos num estéril debate sobre a proeminência de uma espécie sobre a outra. Apenas com o passar do tempo e desenvolvimento dos estudos é que a tecnologia passou a considerar a hipótese de convivência entre as duas (Fábio Ulhoa Coelho, 2012. Curso de Direito Civil. Vol. 2. RESPONSABILIDADE pag. 403/603).

3    Teorias do Risco

A atuação do Estado contemporâneo é embasada na busca do interesse público e na supremacia do interesse público sobre o privado. No entanto, sob a ótica privada, essa atividade, mesmo que privilegiando a coletividade, pode trazer danos a particulares, atingindo seus direitos, garantias ou até seu patrimônio, mesmo que licitamente. Assim, como nos ensina José Joaquim Gomes Canotilho, a indenização aos particulares em razão de prejuízos causados em virtude da realização do proveito geral é uma função insuprível do Estado Democrático de Direito, sendo instrumento de legalidade voltado para a realização da justiça material, não estando os entes estatais impunes à responsabilização civil.

Desse modo, conclui-se que a teoria do risco é fundamento justiçador da responsabilidade objetiva do Estado: considera os potenciais riscos que a atividade estatal pode gerar para os administrados e a imprescindibilidade de socializá-los. Como os ganhos sociais são desfrutados por todos, assim também a coletividade deve contribuir, por meio dos recursos públicos, para a reparação dos danos: isto é a chamada Socialização dos Riscos.

 

3.1. Teoria do Risco Integral

Já conforme a teoria do risco integral, a responsabilização do Estado configura-se independente do nexo causal, configurando-se, inclusive, nos casos de culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou de força maior. É um entendimento extremista, segundo o qual a Administração é civilmente responsável por todos os danos causados aos particulares, mesmo na presença das excludentes de culpabilidade ou até em não havendo qualquer nexo causal entre a atuação estatal e o prejuízo suportado por terceiro.

Essa teoria não tem muito espaço no cenário jurídico brasileiro, exceto quanto ao dano ambiental, o dano nuclear e o seguro obrigatório, os quais são de inteira responsabilidade do Estado, conforme os artigos 225, §3º e artigo 21, XXIII, d , respectivamente, ambos da Constituição Federal de 1988 e lei 6.194/74, infra citados:

“Art. 225

(...)

§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. ” (Constituição Federal de 1988)

“Art. 21. Compete à União: XXIII - explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições: d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa; ” (Constituição Federal de 1988)

“Art. 5º O pagamento da indenização será efetuado mediante simples prova do acidente e do dano decorrente, independentemente da existência de culpa, haja ou não resseguro, abolida qualquer franquia de responsabilidade do segurado. “ (Lei 6.194/74)

3.2. Teoria do Risco Administrativo

Há basicamente duas teorias acerca do risco enfrentado pela Administração Pública. A primeira dela é a Teoria do Risco Administrativo, segundo a qual, o Estado, atuando lícita ou ilicitamente pode gerar risco de dano à sociedade.

A atuação da Administração Pública é voltada para a busca o interesse público em detrimento do privado, devido a supremacia daquele diante deste, ensejando a possibilidade de que particulares tenham seus direitos e patrimônios prejudicados. Não é justo que poucos suportassem o gravame gerado pela atuação estatal, de modo que, como toda a coletividade usufrui dos benefícios por ela gerados, nada mais justo que todos também dividissem esse prejuízo, representados pela figura do Estado.

Segundo o célebre Hely Lopes Meirelles, que, seguindo a teoria do risco administrativo, o ente estatal tem a obrigação de indenizar apenas os danos gerados pelo ato lesivo e prejudicial da vítima, verificado, pois, o nexo de causalidade entre a atuação e o prejuízo, já que, ausente o nexo, também se exclui a obrigação do Estado indenizar. Ademais, não há qualquer requisito quanto a culpa de seus agentes: surge a base para a responsabilidade objetiva do Estado.

Este é o posicionamento da doutrina majoritária no cenário jurídico brasileiro, assim como do Supremo Tribunal Federal.

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4     Fundamentos da responsabilidade civil do Estado e da socialização dos riscos

A responsabilidade civil do Estado tem como fundamentos o princípio da igualdade, que justifica a repartição das obrigações sociais, e o princípio da solidariedade: ambos conduzem a responsabilidade estatal para a socialização dos riscos, concretizando a justiça social distributiva.

 

4.1.  Princípio da igualdade

Como já explanado anteriormente, a atuação da Administração Pública, mesmo que lícita e voltada ao interesse coletivo, pode gerar danos a particulares. Com base no princípio constitucional da igualdade - o qual indica o tratamento igualitário aos iguais – os prejuízos suportados por alguns, em detrimento do benefício da coletividade, devem ser isonomicamente suportados pela coletividade, sendo este, por muitos doutrinários, considerado o fundamento primeiro da responsabilidade civil objetiva do Estado por atos lícitos.

Celso Antônio Bandeira de Mello, célebre doutrinador de direito administrativo, sintetiza que “(...) como o Estado Moderno acolhe, outrossim, o princípio da igualdade de todos perante a lei, forçosamente haver-se-á de se aceitar que é injurídico o comportamento estatal que agrave desigualmente a alguém, ao exercer atividades no interesse de todos, sem ressarcir o lesado. ” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30. Ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013. P. 1015.)

Desse modo, se o desenvolvimento da atividade pública, mesmo que licitamente, gerou danos a particulares, com fundamento no próprio Estado Democrático de Direito, que toda a coletividade deve contribuir para restituir o particular ao status quo ante, não sendo sequer lícito que o cidadão sofresse o prejuízo sozinho. Se os benefícios da Administração Pública são desfrutados igualmente pela sociedade, assim também deve ser com os encargos, por meio do pagamento dos impostos e contribuições.

Essa intervenção estatal é a traduzida pela doutrina como de Teoria do Risco Social. É nesta teoria que se encontra fundamento para a Socialização dos Riscos: os prejuízos causados ao particular são divididos com a coletividade como um todo. Logo, outro fundamento da responsabilidade objetiva do Estado é a necessidade de distribuição dos ônus gerados, de modo que, quando o Estado é condenado a indenizar, não seria ele quem o faria e sim a sociedade mediante o pagamento de impostos e contribuições sociais, já que, sobretudo e conforme as teorias contratualistas, o Estado só existe porque o povo o instituiu a fim de alcançar seus objetivos.

4.2 Princípio da Solidariedade

O princípio da solidariedade surge como fruto dos direitos de terceira dimensão, quais sejam, os direitos humanos e universais, lembrando da disposição doutrinária de que os direitos de primeira dimensão são aqueles que impõem um não fazer por parte do Estado, como o direito à liberdade, e os de segunda dimensão impõem um fazer estatal, como direito à educação.

Este princípio vem expresso no artigo 3º, I da Constituição Federal como um dos objetivos fundamentais da república: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária (...)”. Essa evolução da atuação estatal demonstra o abandono da figura do Estado Liberalista e a assunção da postura do Estado Interventor, responsável pela sociedade. Logo, o enforque da responsabilidade civil muda do autor do dano para a vítima, ou seja, vai do dano causado para o dano sofrido, com a clara intenção de proteger a vítima.

Desse modo, a evolução da responsabilidade subjetiva do Estado para a objetiva privilegia a justiça e a solidariedade social, sendo um direito social do particular a reparação do dano causado. Com isso, mesmo que o prejuízo tenha sido causado pela atuação estatal lícita ou jurídica.

Diante o exposto, resta claro que os princípios da igualdade e da solidariedade são os justificadores da socialização dos riscos e os fundamentos para a responsabilização objetiva do Estado por ações lícitas, configurando, pois, considerável evolução do Estado Democrático de Direito.

5 Principais mecanismos de socialização dos riscos

5.1. O papel dos seguros na socialização dos riscos

Um dos mecanismos mais comuns de socializar riscos é o Seguro DPVAT, o qual cobre toda população brasileira em casos de envolvimento com acidentes de trânsito. Por meio da contribuição anual pela população, o Estado consegue arrecadar fundos necessários que possibilitam indenizar as pessoas acidentadas de seus gastos médico-hospitalares, ou os familiares pelos gastos com funeral e a dor gerada pelo luto.

Os fundos arrecadados com a contribuição do seguro DPVAT também vão em parte para o Fundo Nacional de Saúde para custearem a assistência médico-hospitalar dos segurados vitimados em acidentes de trânsito. Assim, permite-se que a população seja reparada de seus danos graças à contribuição da sociedade, de modo que a contribuição de cada cidadão vai ao encontro da obrigação de indenizar estatal.

Ressalta-se que a lei 6.194/74 dispõe que a indenização pelo seguro DPVAT para os proprietários de veículos automotores é devida ainda que o autor do dano seja desconhecido e até mesmo nos casos de culpa exclusiva da vítima. Ademais, o mesmo diploma legal informa que, para que a indenização seja percebida, basta a mera prova do acidente e do prejuízo, independentemente de haver seguro particular.

5.2. O papel da Previdência Social

Como já citado, a Constituição da República do Brasil inseriu dentre os seus objetivos fundamentais a solidariedade, com o objetivo de diminuir as disparidades sociais, de modo que quem pode mais contribui mais em benefício da distribuição de renda e para o financiamento da seguridade social. Essa intenção fica evidente no artigo 195 da Constituição Federal de 1988:

“Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, (...)”.

Assim, no âmbito previdenciário, o princípio da solidariedade assegura o custeio do sistema entre os seus participantes, de modo que os riscos com a atividade laboral serão suportados por todos, isto é: a coletividade contribui para que alguns recebam benefícios quando precisarem, como o auxílio-doença, entre outros, sendo que outros contribuintes nunca serão beneficiários, por, por exemplo, falecerem antes de se aposentar.

As contribuições previdenciárias não são direcionadas à aposentadoria de quem contribui e sim ao financiamento da seguridade como um todo, de modo que a maioria coopera em favor da minoria, socializando os riscos de uns demandarem maiores recursos e assistência que outros contribuintes.

Portanto, resta unívoco a presença e importância da socialização dos riscos na atual sociedade brasileira, com a finalidade de progresso da população, redução das disparidades e satisfação das necessidades sociais.

6     Riscos indenizáveis pelo Estado

6.1 Atividades relacionadas à atuação estatal

Em se tratando de responsabilidade civil da administração pública, percebemos que há hipóteses em que surge o dever do Estado em responder por seus atos administrativos lícitos e ilícitos.

No Brasil, a responsabilidade objetiva da administração pública começou a ser aplicada com o advento da Constituição Federal de 1946 (art. 194), seguindo a Constituição de 1967 (art. 105) e sua emenda nº 1, a qual vários doutrinadores consideram como uma nova constituição.

Para tanto, diversas teorias surgiram neste sentido, podendo-se destacar a contida no artigo 37, §6º da CF, que diz:

As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes (em sentido amplo – teoria dos riscos), nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

Assim, tem-se bem claro que a carta constitucional vigente não se limita a imputar ao Estado a responsabilidade civil de forma objetiva, mas também imputa aos agentes estatais a responsabilidade civil na forma subjetiva, nos casos em que forem pertinentes.

O trecho extraído do voto do Ministro Celso de Mello do Supremo Tribunal Federal, no recurso extraordinário nº. 109.615, ilustra com clareza os institutos do artigo em comento:

“A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público. Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal.”.

Tem-se que a teoria do risco administrativo permite afastar a responsabilidade estatal nos casos de exclusão do nexo causal, a saber, fato exclusivo da vítima, caso fortuito, força maior e fato exclusivo de terceiro.

Observe-se que não se exige que o agente público tenha agido no exercício de suas funções, mas na qualidade de agente público. Foi o que se decidiu no caso do servidor público que, ao fazer uso da arma pertencente ao Estado, mesmo não estando em serviço, matou um menor na via pública (STF RE 135.310); em hipótese de assalto praticado por policial fardado (STF ARE 644.395 AgR); e no episódio de agressão praticada fora do serviço por soldado, com a utilização de arma da corporação militar (STF RE 160.401).

Destaca-se, ademais, a regra geral de responsabilidade civil:

Art. 188. Não constituem atos ilícitos: I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido; II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente. 

Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo. 

Visto isso, conclui-se que para que haja o dever de ressarcimento do Estado, é necessário um fato administrativo, em que o responsável pelo ato deve se revestir da qualidade de agente da administração pública, a existência de um dano correspondente à lesão a um direito certo e injusto, bem como a existência de nexo de causalidade entre o ato comissivo ou omissivo da Administração e o dano causado.

Não obstante a todos estes aspectos, é importante mencionar que raramente o Estado efetivamente exercita seu direito de regresso contra seus próprios agentes. Os principais motivos dessa inércia são analisados com clareza por Bandeira de Mello:

“o Poder Público dificilmente moverá a ação regressiva, como, aliás, os fatos o comprovam de sobejo. Tirante casos de regresso contra motoristas de veículos oficiais – praticamente os únicos fustigados por esta via de retorno – não se vê o Estado regredir contra funcionários. Diversas razões concorrem para isto. De fora parte o sentimento de classe ou de solidariedade com o subalterno (já de si conducente a uma contenção estatal da matéria), assaz de vezes o funcionário causador do dano age incorretamente com respaldo do superior, quando não em conluio com ele ou, pelo menos, sob sua complacência.”

Assim sendo, o importante e relevante instituto da ação de regresso, seja por desvios de conduta, seja por questões de lógica processual, acaba por cair em desuso, prejudicando não apenas o Estado como pessoa jurídica, mas a qualidade da prestação do serviço público de forma geral.

Exemplificando, em se tratando de transporte público, a responsabilidade contratual do transportador por acidente com o passageiro não é descartada por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva, significando que, em casos tais, o Estado não pode se desobrigar da responsabilidade invocando a culpa de terceiro.

Antes, o Estado responderá objetivamente, tendo, contudo, direito de regresso contra o terceiro responsável pelo dano.

Por outro lado, constitui causa excludente da responsabilidade da empresa transportadora: a ocorrência de assalto em interior de ônibus, por tratar-se de fato de terceiro inteiramente estranho à atividade de transporte; o assalto à mão armada no interior de ônibus coletivo; pedra atirada contra composição férrea, por ser ato de terceiro, estranho ao contrato de transporte; o roubo, por ser equiparado ao fortuito externo, visto que a segurança é dever do Estado; e o roubo de carga.

6.2. Atividades estranhas à atividade estatal

Porém, em contraposto ao que foi destacado anteriormente, nem todas as atividades em que o Estado se compromete a indenizar o dano causado são típicas de suas atribuições, ou mesmo causadas por agentes estatais. Existem alguns casos em que nem mesmo é possível dizer que há responsabilidade de alguém (Teoria do Risco Integral), mas a vítima não pode deixar de ser reparada, pois o Direito não desampara aquele que sofreu um prejuízo indenizável. Além disso, as autoridades não podem deixar com que se crie uma sensação de “abandono” nos cidadãos.

São situações em que seria impossível imputar responsabilidade a alguém, afinal o ato não é praticado por um agente do Estado e nem mesmo por outro cidadão qualquer. Saulo José Casali Bahia explica: “Se o Estado tem o dever de cuidar da harmonia e da estabilidade sociais, e o dano provém justamente da quebra desta harmonia e estabilidade, seria dever do Estado repará-lo. O que releva não é mais individuar para reprimir e compensar, mas socializar para garantir e compensar”. A justificativa para essa socialização seria, então, uma forma de garantir o bem estar social e evitar insegurança jurídica na população.

Essas situações seriam exemplificadas por desastres da natureza, como ação de vulcões, tornados, terremotos, etc., e também ataques terroristas, onde não é possível identificar o responsável pelos crimes. Dessa forma, nem todas as pessoas possuem condições de assegurar suas casas contra fenômenos naturais, por exemplo, e portanto o papel do Estado é amparar a população nesse sentido, até pela expectativa que é gerada ao se estabelecer um Estado democrático de Direito.

Para conter a necessidade da criação de seguros que amparem todas as pessoas, algumas medidas foram tomadas pelo próprio Estado, como imposição de seguros a certas atividades como transporte aéreo, marítimo, etc., sendo que, nos dias atuais, praticamente qualquer atividade exercida profissionalmente implica no pagamento de algum seguro obrigatório. Da mesma forma objetivou a responsabilidade do fornecedor no Código de Defesa do Consumidor, e também dos estabelecimentos médicos. Por outro lado criou uma forma de garantir a reparação do dano em certos casos, como para vítimas de acidente de trânsito e de ataques terroristas. São casos de socialização dos riscos, com aplicação de seguro obrigatório para os cidadãos e reparação do dano pelo próprio Estado, através do recolhimento mensal desse seguro.

Com isso, foram criadas também consequências para aqueles que não celebram contratos de seguro, mesmo quando obrigatórios para exercer atividade social ou profissional. Assim, podemos dizer que o legislador criou um sistema misto entre solidariedade e seguro, entre Estado e seguradoras. O Estado indenizando com a criação de fundos de indenização e as seguradoras particulares cumprindo contratos celebrados

7        Justificativas e limites da socialização do risco

7.1 As justificativas

Com base na Teoria do Risco, onde mostra que toda atividade humana gera risco pra um, mas em contrapartida gera proveitos para o outro, que surge o conceito de socialização do risco.

Esta socialização do risco é uma formula que melhor atende ao interesse coletivo na atual fase de evolução e transição sociais. Encontra-se para os fins de reparação do dano fortemente fixada na necessidade de justiça distributiva e na valoração da pessoa. Porém, diariamente surgem novas tecnologias, onde muitas das quais impondo novos riscos à vida, à saúde e à segurança, e que ganham espaço por surgirem sem um maior esclarecimento acerca dos danos que podem ser causados.

O autor Fabio Ulhoa Coelho traz que:

“A responsabilidade civil, quando objetiva, cumpre também a função de socialização de custos. Os exercentes de algumas atividades podem distribuir entre os beneficiários delas as repercussões econômicas dos acidentes, mesmo que não tenham nenhuma culpa por eles.” (Coelho, 2012)

Assim, ganhou realce o estudo da socialização dos riscos, com a implantação de seguros para garantir o pagamento de indenização em favor das vítimas de eventos danosos originários da atividade perigosa, assim como dos casos de periculosidade por grandes riscos. É a solução mais adequada para assegurar a reparação do dano sofrido pela vítima, para quem deve se fixar um sistema de cobertura social de todos os danos a partir de fundos públicos, e pela admissão de ações regressivas em face do real causador do prejuízo.

Fundamenta-se a socialização dos riscos na idéia de que deve dar a cada um o que é seu. A partir desta premissa, estabelece a justiça distributiva, com o valor dos prêmios, como se verifica nos seguros obrigatórios. É importante ressaltar que não é exatamente o risco que é socializado, mas as consequências danosas e a respectiva indenização. O seguro por exemplo, prevê contribuições dos segurados para o bem de todos os pactuantes. A socialização dos riscos, é mais ampla, pois prevê contribuição de toda sociedade. Ela está presente quando o dano não tem nenhuma ligação com a responsabilidade, e quando o financiamento da indenização não tem ligação com a cotização ou retiradas individuais, ou ainda, quando o poder público está envolvido.

O fundamento da socialização é que há riscos contra os quais as vítimas não têm como se precaver, não sendo justo deixá-las se receber sua indenização devida. A socialização consagra a responsabilidade sem culpa, mas não fará desaparecer a responsabilidade por culpa.

A doutrina da socialização dos riscos tem fundamento ético na solidariedade social como necessidade de reparação integral de todos os danos, buscando proteger as vítimas, pois os riscos criados não se consideram mais simples riscos individuais. São riscos sociais e não é justo que os homens respondam por eles individualmente. O que importa é que se repartam as consequências danosas entre todos os membros da sociedade.

A socialização dos riscos tem como pilares o seguro social e o seguro privado de responsabilidade civil. A verdadeira socialização dos riscos é aquela na qual há a difusão do seguro obrigatório e a criação dos fundos estatais ou também de fundos que além das reservas proveniente do poder público, se mantêm com a contribuição financeira das empresas que mais expõem a sociedade a riscos. Sem a adoção geral do seguro obrigatório é impossível falar-se em socialização dos riscos, pois ela depende do seguro social e do seguro privado obrigatório. Caso seja facultativo, não haverá solução do problema das indenizações.

Socializar o risco, no sentido de reparar civilmente o prejuízo é o único instrumento viável e suscetível de assegurar tranquilidade no exercício profissional e garantir uma reparação mais imediata e menos confrontante. A socialização do risco e do dano é a que melhor atende à justiça coletiva.

7.2. Os limites

A socialização não trata de todos os riscos, uma vez que alguns deles são consequências naturais da vida, mas pode tratar de acidentes de trabalho e doenças profissionais. A culpa não desaparece, pois permanece a punição penal e a ação regressiva.

A socialização tem limites, e o estado não pode se transformar no único segurador de riscos múltiplos. Para que a socialização seja viável, ela deve ser concomitante com à prevenção dos riscos. A atitude frente a eventos danosos vem sofrendo modificações ao longo do tempo, mas o espírito de solidariedade que sempre existiu, agora foi positivado. O risco, a solidariedade e a responsabilidade são conceitos que se estreitaram com a socialização dos riscos.

Com a questão dos acidentes de trabalho e a seguridade social em meados do século XIX a ligação entre vítima e empregador desapareceu, surgindo a seguridade social para acidentes do trabalho. A indenização é por solidariedade, e não mais pelo contrato. A responsabilidade sem culpa facilita a socialização, sem nada a ver com contratos de trabalho.

O campo da responsabilidade aumentou uma vez que do socorro evoluímos para a indenização. Mas além da indenização, as vitimas buscam a reparação de prejuízos corporais ou existenciais. No campo médico, o imprevisto é cada vez menos tolerado. Os parentes do morto podem reivindicar danos morais, pois sua perda lhes afeta sobremaneira os sentimentos.

Fabio Ulhoa Coelho explica que o princípio da indenidade tem verificado na infundada imputação de responsabilidade a empresários, ao Estado ou ao INSS, somente devido a melhor condição econômica, em face do sujeito que busca a indenização.

A socialização dos riscos não se cogita da imunidade ética ou penal que venham existir em cada caso. É inadmissível que um profissional venha negligenciar em seu trabalho simplesmente por existir alguém capaz de reparar materialmente determinado dano. Além da consciência do homem e do profissional, prevalece ainda a vaidade natural em querer acertar, sempre que possível.

Na responsabilidade civil a socialização do risco é a fórmula que melhor atende ao interesse coletivo nesta fase de evolução e transição sociais. A socialização do Direito é um fato indiscutível e irreversível.

Os limites são ditados por três vetores que são: a finalidade econômica ou social, que traz que os interesses subjetivos que não são desconsiderados, por representarem a razão de ser da atribuição dos direitos subjetivos. A Boa fé que trata da harmoniosa convivência em sociedade em qualquer interação. E por fim os bons costumes que tratam de condutas que serão observadas em determinadas situações.

8        Referências Bibliográficas

 

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 12ª ed. São Paulo: Atlas, 2001, p.517-518.

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Sobre os autores
Paulo Octavio Araújo

Graduando em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia.

Adriano Camilo Silva Santos

Graduando em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia.

Andressa Lemos Bernardes Coelho

Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia

Gabriela Dias Soares

Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia.

Haendell Luiz Silva Costa

Graduando em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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