Direito, turismo e inclusão social:da Constituição à efetividade dos direitos econômicos e sociais

23/07/2015 às 15:47
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O presente artigo tem como objetivo geral avaliar o Direito do Turismo sob o enfoque do direito constitucional positivo, dos direitos humanos e do direito das minorias com o escopo de aferir a efetividade dos direitos fundamentais econômicos e sociais.

SUMÁRIO: Considerações Iniciais. 1 O Turismo como fator de desenvolvimento econômico e a sustentabilidade: a Constituição Federal de 1988; 2 O Turismo como direito econômico e como direito social: o enfoque dos direitos humanos; 3 O Turismo e o direito das minorias: a inclusão social; 4 O Direito do Turismo e os planos do conhecimento e da estratégia. Considerações Finais. Referências.

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo geral avaliar o Direito do Turismo sob o enfoque do direito constitucional positivo, dos direitos humanos e do direito das minorias com o escopo de aferir a efetividade dos direitos fundamentais econômicos e sociais. Como objetivos específicos visa destacar alguns fundamentos do Direito e da inclusão social com a finalidade de propiciar um ensino emancipatório e mais empreendedor na formação das coletividades de prestadores de serviços turísticos. A pesquisa se mostra relevante para o Direito do Turismo tanto pela necessidade de revisitar os elementos componentes dos currículos dos cursos de turismo quanto pela necessidade de buscar alternativas estratégicas a partir do Direito positivado para a promoção do desenvolvimento do turismo solidário em determinadas regiões no Brasil.
Palavras chaves: direito; inclusão social; sustentabilidade.

ABSTRACT: This article has the general objective of evaluating the Tourism Law from the standpoint of positive constitutional law, human rights and the rights of minorities with the aim of assessing the effectiveness of economic and social fundamental rights. The specific objectives aims to highlight some fundamentals of law and social inclusion in order to provide an emancipatory education and more enterprising in the formation of communities of tourism service providers. The research shows relevant to the Tourism Law both by the need to revisit the elements of the curriculum of tourism courses as the need to pursue strategic alternatives from the law positivado to promote the solidarity tourism development in certain regions in Brazil.
Keywords: right; social inclusion; sustainability.


CONSIDERAÇÕES INICIAIS

O presente estudo tem por objeto o Direito do Turismo e traz algumas das relações que envolvem essa abordagem sob os enfoques do direito constitucional positivo, dos direitos humanos e do direito das minorias. O objetivo deste trabalho é destacar alguns fundamentos do Direito, particularmente no que diz respeito às áreas referidas, à proposição de perspectivas diversas das atualmente orientadoras do estudo do Direito do Turismo e da inclusão social com a finalidade de propiciar um ensino emancipatório e mais empreendedor na formação das coletividades de prestadores de serviços turísticos.

A atualidade e a importância dos aspectos trazidos à discussão não se circunscrevem apenas e propriamente ao campo do Direito, mas particularmente transcendem-no e vinculam-se ao Estado e ao desenvolvimento econômico sustentável e a particularidades relacionadas à inclusão social propriamente na área do Turismo. Da mesma forma, a relevância é destacada para o Direito do Turismo tanto pela necessidade de revisitar os elementos componentes dos currículos dos cursos de turismo quanto pela necessidade de buscar alternativas estratégicas a partir do Direito positivado para a promoção do desenvolvimento do turismo solidário em determinadas regiões no Brasil.


1 O Turismo como fator de desenvolvimento econômico e a sustentabilidade: a Constituição Federal de 1988

O turismo é um dos processos migratórios humanos e é objeto de estudos desde a antiguidade. Enquanto fenômeno sócio-econômico-cultural é passível de várias intepretações nas mais diversas áreas do conhecimento, entre tais, a Antropologia, a Psicologia, a Sociologia, a Economia, as Relações Internacionais e, como não pode deixar de ser, o Direito. Isso se deve ao fato de que o Turismo é uma área do conhecimento, da percepção, do estudo e do desenvolvimento, caracterizada por ser multifacetária, interdisciplinar ou interinstitucional.

Dentre as possíveis compreensões do turismo, a Constituição Federal promulgada em 1988 estabelece, no art. 180, que: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios promoverão e incentivarão o turismo como fator de desenvolvimento social e econômico”.

A singela locução fator de desenvolvimento econômico e social pode parecer pouco a uma pessoa não versada no conhecimento jurídico, mas o aporte que se verifica à construção de um ramo ou sub-ramo interdisciplinar e transcendente é significativo. Ramo ou sub-ramo aqui designa uma disciplina jurídica, isto é, do Direito, Direito do Turismo, composta de normas, que compreendam propriamente princípios e regras jurídicas relacionadas com o Turismo, tanto como fator de desenvolvimento econômico como quanto fator de desenvolvimento social. Já a qualificação transcendente, atribuída ao ramo ou sub-ramo, significa que esse conjunto de princípios e normas relacionadas ao turismo vai além do turismo e relaciona-se diretamente com o conhecimento das próprias áreas estabelecidas, ou seja, a Economia e o Social. Estes são integrados por vários aspectos e agrupam-se ou dividem-se ou organizam-se de várias formas e compõem outras áreas segmentadas do conhecimento, Sociologia, a Antropologia, a Administração de empresas etc.

A locução fator de desenvolvimento econômico e social tem em si essa consideração ampla ou geral, referida no parágrafo anterior, ou ainda uma consideração específica, mas que não própria do turismo, que é o desenvolvimento sustentável.O princípio do desenvolvimento sustentável está previsto na Constituição Federal no art. 225, quando estabelece princípios relacionados ao meio ambiente, e nos dispositivos relativos à Ordem Econômica. Desenvolvimento sustentável envolve três aspectos: o primeiro, de caráter econômico, que remete à produção / circulação de riquezas; o segundo, social, que se refere ao desenvolvimento regional ou comunitário, à oportunidade e acessibilidade bem como à distribuição de riquezas; e, por fim, ao uso adequado do meio ambiente e sua preservação às futuras gerações, designado como equidade intergeracional. Esse terceiro aspecto não é objeto deste estudo e será abordado noutra pesquisa subsequente.

Aparte o fator de desenvolvimento, o dispositivo constitucional tem ainda três objetos de exame para verificação de seus exatos conteúdo e alcance, estes aspectos são os entes federativos, a promoção e o incentivo.

Existe uma imposição de participação dos entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), que são pessoa jurídica de direito público, que tem deveres e obrigações a partir das determinações constitucionais, e que são pessoas políticas, que detém o dever de editar normas e realizar políticas públicas, entre essas as ações afirmativas, a atingir as imposições constitucionais.


Os aspectos definidos nos verbos conjugados, promoverão e incentivarão, definem um dever do Estado brasileiro de realizar o desenvolvimento econômico e social. Assim, a atuação do Estado na promoção e no incentivo ao Turismo não é opcional ou facultativa, é um dever que se contata nos planos plurianuais nacionais ou estatuais de turismo.
 
2 O Turismo como direito econômico e como direito social: o enfoque dos direitos humanos

Muitos estudos têm sido produzidos sobre os direitos humanos, que são aquele conjunto de direitos reputados imprescindíveis para que se concretize a dignidade das pessoas. A expressão direitos humanos abarca os direitos universalmente reconhecidos na ordem jurídica internacional, que transcendem a ordem jurídica do Estado. Diferem dos direitos fundamentais, que “são direitos humanos positivados na ordem jurídica interna do Estado” (BARRETO, 2012, p. 23-4).

Esses direitos não são fruto de uma rápida manifestação ou concessão do Estado, mas foram histórica e paulatinamente conquistados e afirmados no processo emancipatório das sociedades. Nesse sentido, BARRETO (2012, p. 27) leciona que a historicidade “é expansiva, caminha sempre no sentido de ampliar a proteção à pessoa, de reconhecer novos direitos, não se admitindo a supressão de direitos já reconhecidos”, vedação conhecida como proibição do retrocesso ou efeito cliquet.

O dimensionamento das afirmações dos Direitos Humanos realizou-se primeiramente pelos direitos individuais ou direitos de liberdade, também designados como direitos civis e políticos. Em seguida, os direitos da igualdade ou direitos sociais econômicos e culturais comportam a segunda dimensão ou geração. A terceira dimensão ou geração dos Direitos Humanos identifica os direitos da fraternidade, compreendidos como direitos difusos, dos povos, da humanidade, que se apresentam como direitos do consumidor, ao meio ambiente e ao desenvolvimento.

Aqui é importante um aparte para a exata inserção do Turismo nesta compreensão dos Direitos Humanos, tanto a partir do prestador de serviços turísticos quanto do próprio turista e das comunidades envolvidas, bem como a partir do enfoque pedagógico, ou seja, do ensino superior em ambas áreas, do Turismo e do Direito.

Destaca-se aqui, de imediato, a absoluta impossibilidade da promoção e do incentivo do turismo (art. 180 da Constituição Federal) sem a relação direta com as três dimensões dos direitos humanos: a dos direitos individuais ou de liberdade que integram a primeira dimensão, a dos direitos de igualdade ou econômicos (por exemplo, de atividade ou empresa) e sociais (por exemplo, de trabalho, ou previdenciários) que constituem a segunda dimensão e a dos direitos de fraternidade ou difusos (como os do consumidor, do meio ambiente ou do desenvolvimento comunitário) que compõem a terceira dimensão.

A interpenetração e a coexistência dos direitos humanos historicizados dimensionadamente é afirmada na doutrina especializada. Humberto Nogueira Alcalá, relata que "Na Conferência de Direitos Humanos de Teerã de 1968, já se proclamou a indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos, precisando que a plena realização dos direitos civis e políticos é impossível sem o gozo dos direitos econômicos, sociais e culturais". (2011, p. 619-620)

O autor citado no parágrafo anterior aponta, ainda, ao abordar a relação entre as dimensões de direitos que a atuação do Estado é dever deste para com os titulares dos referidos direitos humanos:

Os direitos econômicos, sociais e culturais atendem às exigências dos valores dignidade, igualdade e solidariedade humana, buscando superar as desigualdades sociais, gerando o direito de participar nos benefícios da vida social, através de direitos e prestações oferecidas direta ou indiretamente pelos poderes públicos, todos os quais constituem fins da atividade estatal. (2011, p. 620)

Uma terceira consideração trazida por Humberto Nogueira Alcalá é relevante diretamente à elucidação das formas de aproximação dos direitos econômicos e sociais. O autor (2011, p. 620) cita que “Theodor Tomandl distingue quatro formas de aproximação dos direitos econômicos e sociais como categorias constitucionais”. De imediato, elucida essa aproximação pela consideração primeira de tais direitos como normas programáticas, ou seja, “orientadoras da ação do Estado e dos operadores jurídicos” e num segundo enfoque como normas de organização que ordenam aos poderes públicos atribuindo competências para garantir normativamente o desenvolvimento econômico e social da coletividade. O terceiro enfoque de compreensão da aproximação dos direitos econômicos e sociais como categorias constitucionais é a definição desses direitos como direitos subjetivos públicos, isto é, como direitos que podem ter prestações obrigacionais exigidas do Estado e disso resulta a quarta aproximação que considera esses direitos como:
Mecanismos de garantia, como garantias institucionais que estabelecem deveres de atuação para os poderes públicos no âmbito econômico-social a fim de respeitar a essência de determinadas instituições ou corpos intermediários da sociedade como são a família, os sindicatos, as organizações profissionais etc. (Alcalá, p. 622)

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Por fim, Alcalá orienta sobre a existência de duas perspectivas dos direitos econômicos, sociais e culturais. Uma que os considera direitos relativos “enquanto de natureza prestacional e, portanto, dependentes dos recursos econômicos do Estado para sua realização pelo que se apresentam como normas programáticas ou aspirações coletivas”. E como consequência, “constituem parte da política social que realizam os governos dependendo dos processos econômico-financeiros do Estado, pelo que carecem de garantias efetivas” (Alcalá, p. 622).

A outra perspectiva é a que considera os direitos econômicos, sociais e culturais como direitos plenos e eficazes:
Frente à perspectiva de negação de seu asseguramento constitucional e o perigo de deixá-los à discricionariedade do legislador, Pérez Luño afirma seu caráter de autênticos direitos, os quais ademais constituem uma garantia para a democracia e para o gozo efetivo dos direitos individuais e políticos. Imbert sustenta que a vulneração dos direitos econômicos sociais e culturais é tutelável através de impugnações contenciosas ou de demandas de indenização. (Alcalá, p. 623)

A afirmação do Turismo como fator de desenvolvimento econômico e social é fruto desta construção dos direitos humanos, e percebe-se isso quer seja pela constatação de que os sujeitos envolvidos na atividade turística têm direito a prestações oferecidas pelo Estado, de buscar superar as desigualdades sociais em que estão insertos e de utilizar os poderes públicos à realização da promoção e do incentivo via políticas públicas, incluindo ações afirmativas, que seja pela necessidade de desenvolvimento de alternativas relativas às atividades turísticas à superação das desigualdades socioeconômicas enfrentadas.


3 O Turismo e o direito das minorias: a inclusão social.

As abordagens do Turismo como fator de desenvolvimento econômico, estabelecido na Constituição de 1988, e de sua relação com direitos econômicos e sociais, numa ótica de direitos humanos, são determinantes de uma análise da inclusão social, particularmente inserido em algo designado por alguns autores como direito das minorias.

A ideia de inclusão social é presente já na antiguidade clássica entre os gregos e manifesta-se com os sofistas no momento em que, como afirmam Giovanni Reale Dario Antiseri (1990, p. 73), “operaram uma verdadeira revolução espiritual, deslocando o eixo da reflexão filosófica da physis e do cosmo para o homem e aquilo que concerne a vida do homem como membro de uma sociedade”. Os autores (1990, p. 75) relatam que “os sofistas rompiam com o esquema social que limitava a cultura só a determinadas camadas, oferecendo também a outras camadas a possibilidade de adquiri-la”.

Essa compreensão da inclusão social que é reconhecida como obra dos sofistas parece não ter o reconhecimento de Platão. Marinha Maccoy (2010, p. 29) estudou os textos de filósofos da antiguidade para traçar algumas distinções das retóricas de filósofos e sofistas e indica contra os sofistas que “Platão sugere que Sócrates possui os traços da benevolência, responsabilidade por seu próprio discurso e um compromisso com o conhecimento (...)” e “Sócrates está disposto a autocriticar sua própria prática de uma maneira que outros, quando diante do desafio da filosofia às suas visões de mundo, não estão – embora afirmem o valor dessa abertura”. Mesmo com a afirmação de que “Platão demonstra que os outros não só são inconsistentes em seus argumentos, mas também como seres humanos” é razoável interpretar que quando se trata da inclusão social promovida pelos sofistas, são irrelevantes a superioridade e as boas intenções de Sócrates ou os juízos de Platão, pois não se discorre aqui sobre um plano abstrato e nem é possível se permitir um distanciamento metodológico, haja vista as muitas dificuldades que circundam a palavra minorias. Mas, indicado este singelo aspecto histórico, passa-se a tratar da inclusão no Direito.

Essa concepção inclusiva tem no Direito expressões em várias disciplinas, entre elas, em rol não exaustivo: no Direito Constitucional, nos Direitos Humanos, no Direito das Minorias, no Estatuto da Igualdade Racial, no Direito dos Portadores de Deficiência e no Direito do Turismo.

A Constituição, embora não utilize a locução inclusão social, elenca em vários dispositivos sobre a inclusão social, seja no artigo 1º, como fundamento da República quando aborda a dignidade da pessoa humana, a cidadania e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, ou no artigo 3º, enquanto objetivo fundamental da República a construir uma sociedade justa e solidária, ou a reduzir as desigualdades sociais e regionais ou a promover o bem sem preconceitos, ou ainda noutros dispositivos das ordens econômica e social.

O enfoque dos Direitos Humanos estabelece uma teoria geral sobre igualdade e diferença e a especialização da proteção dos grupos vulneráveis, entre esses estão as mulheres, os afrodescendentes, os povo indígenas, os homossexuais e transexuais, os estrangeiros e refugiados, as crianças e adolescentes e as pessoas com deficiência. Essa ordenação apresentada é a utilizada por Sarmento, Ikawa e Piovesan (2008) na coordenação de estudos sobre igualdade, diferença e Direitos Humanos. Nesta abordagem, os autores apresentam a coletânea de estudos destacando que:
Igualdade e não discriminação constitui um princípio fundamental que ilumina e ampara todo o sistema de proteção dos direitos humanos. Sua observância é requisito, condição e pressuposto para o pleno e livre exercício de direitos. Isso ocorre porque o contexto de discriminação e exclusão constrói barreiras adicionais a certos grupos no exercício de seus direitos gerais. Para superar essas barreiras adicionais, é preciso reconhecer direitos específicos também adicionais a esses grupos. Emerge, assim a exigência ética de políticas voltadas à diferença e ao reconhecimento de identidades. (2008, p. ix-x)

A importância em salientar essa exigência de políticas voltadas à diferença também se constata quando Sarmento, Ikawa e Piovesan (2008, p. ix) afirmam que “além dos direitos gerais reconhecidos a todos (...) temos também os direitos especiais, como (...) o direitos às ações afirmativas (...)”. Essas ações afirmativas são uma espécie de políticas públicas que podem estar abarcadas na interpretação do art. 180 da Constituição, ou seja, no dever do Estado de promover e incentiva o turismo como fator de desenvolvimento econômico.

O reflexo desta concepção sobre igualdade e diferença relacionada ao plano internacional dos Direitos Humanos tem sido trazida no plano normativo interno brasileiro com o designativo de Direito das Minorias, cujo objeto é justamente a abordagem da necessidade de transcender essas barreiras no âmbito interno. Embora Ester Kosovski (2001, p. 1) apresente uma primeira ideia de minorias como “todas as pessoas que de alguma maneira são objeto de preconceito social e/ou não têm respeitado os seus direitos de cidadania”, pontuando, nesse sentido, mais um processo de rejeição social, logo adiante menciona a justiça social na significação de uma distribuição de riquezas compreensiva de um direito de cidadania em nítida acepção de inclusão social como perspectiva do direito das minorias.

Em enfoque complementar e elucidativo sobre a inclusão, Carmem Lúcia Antunes Rocha (apud Élida Séguin, 2008) discorre sobre mecanismos de aceleração positiva, ação afirmativa, e o conteúdo democrático do princípio da igualdade, na exigência de favorecimento de minorias socialmente inferiorizadas em vistas à superação e atingimento eficaz da igualdade preconizada.
Após destacar a plurivocidade do termo minorias, Mirian Andrade Santos (2014, p.185) entende-as como “aqueles hipossuficientes que não atendem os critérios da parcela dominante e aqueles que precisam do reconhecimento da sociedade para que possam exercer a liberdade de autodeterminação para continuidade de seus princípios, culturas, crenças, ou até mesmo, para que possam exercer o direito à cidadania”, e acrescenta “aqueles que de alguma forma são discriminados dentro da sociedade e que têm proteção reconhecida pelos direitos humanos”.

Também abordando o Direito das Minorias e assim nominando-o, Edilson Vitorelli, tecendo os comentários sobre disposições do Estatuto da Igualdade Racial assim destaca:


O princípio da inclusão determina que as políticas públicas e suas respectivas normas devem ser interpretadas de modo a serem aplicáveis também aos grupos minoritários, desde que de modo consensual, nos termos do princípio da autonomia. É interessante, por exemplo, que as normas do programa bolsa-família, em um primeiro momento, foram interpretadas como não aplicáveis aos índios, o que viola o princípio da inclusão. Apenas em um segundo momento a extensão foi concedida e, ainda assim, não houve consulta adequada a cada uma das etnias, de modo que o programa vem acarretando consideráveis problemas.(2012, p. 27-28)

A inclusão social é estabelecida expressamente no Estatuto da Igualdade Racial, consoante o art. 14: “O poder público estimulará e apoiará ações socioeducacionais realizadas por entidades do movimento negro que desenvolvam atividades voltadas para a inclusão social (...)”.

A inclusão social e o Direito das Minorias são novidades na ordenação jurídica brasileira, que até o final do Século XX desconhecia-se esses institutos ou desconsiderava-se a possibilidade de sua efetivação. No entanto, de três décadas para o presente, sob o influxo dos Direitos Humanos, particularmente dos direitos econômicos, sociais e culturais e dos direitos difusos, a legislação brasileira têm sido vitalizada num plano normativo, permitindo vislumbrar prestações estatais passíveis de geração de inclusão e políticas públicas em vários segmentos sócio-econômicos.

Essa revitalização atinge também o Turismo, e também o Direito do Turismo, foco principal deste estudo, pois a Política Nacional do Turismo, estabelecida na Lei 11.771/08, entre outros aspectos, impõe (art. 1º) as atribuições do Governo Federal no planejamento, desenvolvimento e estímulo ao setor turístico, e determina que entre os objetivos da política nacional do turismo (art. 5º) estão a inclusão pelo acesso ao turismo e a inclusão pela distribuição de renda:


Art. 5o  A Política Nacional de Turismo tem por objetivos:


I - democratizar e propiciar o acesso ao turismo no País a todos os segmentos populacionais, contribuindo para a elevação do bem-estar geral;
II - reduzir as disparidades sociais e econômicas de ordem regional, promovendo a inclusão social pelo crescimento da oferta de trabalho e melhor distribuição de renda; (...)

Esses dois incisos já contêm os principais aspectos considerados anteriormente. No primeiro, já se verifica a intenção de igualdade na dignidade da pessoa humana e, no segundo, a ideia de justiça social compreendida como direitos econômicos e sociais relativos à prestação de serviços no segmento no Turismo.

Além da norma referida, a doutrina jurídica aprimorada do Direito do Turismo aponta os aspectos citados como característicos e próprios ao conhecimento dos profissionais que atual no Turismo. Gladoston Mamede (2004, p. 23) relata que “as desigualdades regionais e sociais atualmente existentes no país refletem-se no turismo” e que a atuação dos poderes públicos, através das iniciativas estatais “não poderão jamais limitar-se a uma abordagem economicista, fria, baseada em números (investimentos e lucros financeiros), devendo, por fim, igualmente, o desenvolvimento social”. É nesse sentido que o autor  destaca que:
Estão os administradores públicos e legisladores brasileiros obrigados a prestigiar a via turística como alternativa constitucionalmente eleita para o desenvolvimento nacional (cuja garantia constitui objetivo fundamental da República, ex vi do art. 3º, II da CF). Essa determinação é coerente com as necessidades da atividade, mormente se considerarmos que o setor demanda grandes investimentos estatais em infraestrutura, além de estímulos variados, correspondendo com receitas tributárias consideráveis, além do emprego de farta parcela da população. (2004, p. 23)

Apresentados as considerações pretendidas sobre o Turismo e sua relação com alguns ramos do Direito, particularmente no que tange ao direito constitucional positivo, aos Direitos Humanos, na ótica de direitos econômicos e sociais, e ao direito das minorias, quanto à inclusão social, cumpre aqui apresentar algumas indagações. Primeiramente, qual a relevância dessa relação Turismo e ramos do Direito? Qual destes aspectos jurídicos apresentados como necessários ao Turismo tem alguma utilidade prática? Ou ainda, como pode isso contribuir com o Turismo e ou com a formação do prestador de serviços turísticos e qual a relação disso com o ensino do Direito na formação universitária destes prestadores? A contextualização do encadeamento das respostas aos questionamentos apresentados é delineada em linhas gerais a seguir.
 
4 O Direito do Turismo e os planos do conhecimento e da estratégia

Embora o Direito tenha sido percebido como algo estático na sociedade, ele tem em si uma dinamicidade vinculada tanto ao aspecto normativo, mutável e adaptável às modificações sociais, quanto ao aspecto jurisdicional, isto é, passível de adaptação ou correção via atuação de juízes e tribunais.

Neste sentido, o direito é composto de instituições desenvolvidas pelas sociedades para atingimento da dignidade humana e do bem comum apropriados aos fins dos diversos segmentos socioeconômicos. Então o Direito das minorias é próprio para igualação causada pelas diferenças promovendo a superação das barreiras sociais surgidas. O Direito Ambiental tende a estabelecer limites ao desenvolvimento econômico, a partir de seu surgimento, designado como sustentável. O Direito Tributário por si tem também uma função singela de distribuir o custeio do bem comum entre os membros da sociedade. Assim, todas as instituições jurídicas têm sua razão de ser e função social.

Os institutos citados como disciplinas jurídicas possuem uma função social no turismo enquanto fator de desenvolvimento econômico e social. Observe-se que a Política Nacional do Turismo, uma lei, expressamente os aborda.

Mas mais que apenas conhecer, é importante destacar quando e como se os utiliza ao atendimento de sua função social no turismo. O uso de instituições jurídicas é uma estratégia política, estratégia de governo e da sociedade organizada. Compreendido esse enfoque da imperatividade de atuação dos poderes públicos, através dos entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) as organizações de estudo e promoção, principalmente as instituições de ensino superior e de pesquisa, passam a ter a função social de identificar e buscar a adaptação dos institutos ao contexto social a que estejam vinculadas.

Um exemplo elucidará a questão. A distribuição de riquezas ou o acesso a recursos públicos integram o turismo enquanto fator de desenvolvimento econômico (Constituição), também estão nos direitos econômicos e sociais (direitos humanos), na busca da igualdade (direito das minorias) e na Política Nacional do Turismo. Mas todo esse conhecimento é inútil se não se souber quais institutos jurídicos permitem a superação desses obstáculos, ou seja, sua efetivação. No caso, a formação de uma cooperativa de prestadores de serviços turísticos e afins, a criação de associações, fundações públicas ou privadas ou outras formas associativas integradoras e que transcendam a competitividade predatória, descontextualizada e nociva a certas realidades locais, é possível o desenvolvimento do turismo de base comunitária ou solidária, a distribuição de riquezas e o acesso a recursos públicos.

As formas mencionadas, associações, fundações e outras instituições como as de caráter associativo não são em regra objeto de estudo do Turismo, pois na formação dos componentes curriculares parece que se afastou dos prestadores de serviços turísticos essa mercantilidade (comércio), o empreendedorismo e o enfoque organizacional tendente à perpetuidade, próprio dos componentes dos cursos de Administração. Ocorre que para o desenvolvimento de uma economia solidária, da acessibilidade e da inclusão social no turismo é impositivo transpor o obstáculo da ausência de organização e comprometimento de instituições adequadamente formadas, seja pela iniciativa privada, seja pelas instituições públicas.

Exemplificada a utilidade do conhecimento do Direito para aplicação no desenvolvimento do Turismo, constata-se necessidade da compreensão das instituições jurídicas existentes para a constituição dessas formas, seja uma cooperativa, uma empresa ou uma associação. Deste modo, diversos aspectos jurídicos fundamentais são relevantes para os processos decisórios relacionados à prestação de serviços turísticos, sobre direitos do consumidor e ambiental, sobre financiamentos públicos ou licenças administrativas (alvarás) de funcionamento.

É por essas e outras que se se quiser aperfeiçoar a formação de profissionais na área do Turismo e adequar as proposições políticas e educativas abstratas sobre as diversas concepções jurídicas constitucional, dos direitos humanos e do direito das minorias, impõe-se uma revisão dos instrumentos existentes até mesmo nos planos nacional e estaduais, que em geral são belíssimos textos de uma Noruega brasileira, para inserção de fomento e instituições adequadas à efetivação do tão pretendido turismo como fator de desenvolvimento econômico e da inclusão social necessária.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Direito, turismo e a inclusão social são integrados no artigo 180 da Constituição Federal de 1988, impondo-se aos entes federados o dever de promoção e incentivo do turismo como fator de desenvolvimento sustentável, com vistas à efetividade de direitos econômicos e sociais, ou seja, de direitos humanos.

A compreensão dos direitos humanos é traduzida nos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, como um instrumento apto á realizar a justiça social, a igualdade e a distribuição de riquezas. Essa concepção, que também está presente no direito das minorias  é designada na Política Nacional do Turismo como um meio para propiciar o acesso ao turismo e a inclusão social.
O conhecimento destes aspectos permite visualizar todo um conjunto de normas que afirmam esses direitos e identificam-nos como deveres do Estado, mas não permitem a sua efetivação diretamente sem o conhecimento de outras instituições de Direito que permitem essa efetividade dos direitos humanos que podem ser instrumentalizados pela realidade dos prestadores de serviços turísticos e instituições de formação de profissionais e outros órgãos públicos e privados.

Essas outras instituições que permitem a efetividade dos direitos relacionados à inclusão social no Turismo estão presentes nos componentes curriculares da formação superior em Administração e no estímulo ao empreendedorismo, mas não tem guarida junto aos componentes curriculares de cursos de turismo. A consequência disso é a não preparação do profissional do Turismo na utilização de instituições jurídicas e seleção de estratégias à transposição das barreiras que impedem a organização e a promoção da inclusão social no Turismo.


REFERÊNCIAS

ALCALÁ, Humberto Nogueira. A dignidade da pessoa humana e os direitos econômicos, sociais e culturais. In PIOVESAN, Flávia;

GARCIA, Maria (organizadoras). Direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011, Coleção Doutrinas Essenciais, v. 3, p. 607-38.

BARRETO, Rafael. Direitos Humanos. Salvador: Juspodivm, 2012.

KOSOVSKI, Ester. Minorias e Discriminação. In: SÉGUIN, Elida (Coordenadora). Direito das minorias. Rio de Janeiro, Forense, 2001.

MACCOY, Marina. Platão e a retórica de filósofos e sofistas. São Paulo: Madras, 2010.

MAMEDE, Gladston. Direito do Turismo: legislação específica aplicada. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

REALE, Giovanni; ANTISERI, Dario. História da Filosofia: Antiguidade e Idade Média. São Paulo: Paulus, 1990, vol. 1.

SANTOS, Mirian Andrade. Reconhecimento das Minorias como substrato do multiculturalismo. In: Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: Revista dos Tribunais, Ano 22, vol.87, abr,-jun 2014, p. 183-209.

SARMENTO, Daniel; IKAWA, Daniela; PIOVESAN, Flávia (Coordenadores). Igualdade, diferença e Direitos Humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008.

SÉGUIN, Elida. Minorias. In: SÉGUIN, Elida (Coordenadora). Direito das minorias. Rio de Janeiro, Forense, 2001.

VITORELLI, Edilson. Estatuto da igualdade racial e comunidades quilombolas: Lei n. 12.288/2010 e Decreto n. 4887/2003. Salvador: Juspodivm, 2012.
 

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Sobre o autor
André Blanco Mello

Mestre em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina e professor da Universidade do Estado da Bahia. Aluno especial do doutorado em Direitos e Garantias Fundamentais da Faculdade de Direito de Vitória – FDV.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo elaborado como requisito da disciplina Retórica Jurídica do Curso de Doutorado da FDV.

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