Novo Constitucionalismo e a superação da modernidade

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Este artigo nos mostra o potencial de ruptura com o direito constitucional clássico europeu. O novo constitucionalismo rompe com a lógica uniformizadora moderna consagrando o respeito ao direito à diversidade como direito indivdiual ou coletivo.

RESUMO

O presente artigo tem como finalidade estabelecer os contornos do que chamamos de modernidade, com a qual pretendemos romper. Vamos perceber a importância de se identificar alguns pontos (elementos da modernidade, que a caracterizam), que recorrentemente se apresentam e voltam, como fantasmas que nos aprisionam neste círculo moderno. Assim, veremos que modernidade pode ser entendida como uma realidade de poder e um projeto de poder, responsáveis pela construção do estado moderno, da economia moderna e do direito moderno, a partir de uma data simbólica que delimita o espaço temporal desta realidade: 1492. Procuraremos identificar os instrumentos e dispositivos modernos de exclusão, dominação e uniformização de cada um dos eixos que caracterizam a modernidade, nesta segunda década do século XXI, sejam eles: (i) a uniformização de padrões, (ii) a lógica binária subalterna (nós versus eles), (iii) a linearidade histórica (como um caminho a ser percorrido rumo ao desenvolvimento) e (iv) o Universalismo Europeu. Verificaremos que o resultado do que foi construído na modernidade foi um constitucionalismo de negação, de cometimento de injustiças, de distorções ideológicas, extermínios e supressão dos direitos daqueles que não se enquadraram no padrão do universalismo europeu. Concluiremos que, para se pensar em um novo constitucionalismo, é necessária a libertação da forma moderna de pensamento, para que seja possível transcender a diversidade de culturas, de linguagens, de pensamentos e de formas de viver de cada grupo, uma vez que todas as pessoas são a expressão da sua própria vivência, inseridas em uma gigantesca multiplicidade de povos.

ABSTRACT

This article aims to establish the contours of what we call modernity, with which we intend to break. We will realize the importance of identifying some points (elements of modernity that characterize it) that recurrently present themselves and return as ghosts that imprison us in this modern circle. Thus, we will see that modernity can be understood as a reality of power and a power project, responsible for the construction of the modern state, the modern economy and modern law, from a symbolic date delimiting the timeline of this reality: 1492. We will seek to identify instruments and modern devices of exclusion, domination and uniformity of each axis that characterize modernity, in this second decade of this century, which are: ( i ) the uniformity of standards, ( ii ) the subaltern binary logic (we versus them ), ( iii ) the historical linearity (as a way towards development to be reached) and ( iv ) the European Universalism. We will find that the result of which was built in modern constitutionalism was a denial of committing injustices, ideological distortion, suppression and extermination of the rights of those who did not fit the pattern of European universalism. We will conclude that, to think of a new constitutionalism, the freedom of the modern way of thinking is necessary, in order to transcend the diversity of cultures, languages, thoughts and ways of living of each group, as all people are the expression of his/her own experience, set in a huge variety of people .

Introdução

  1. Qual modernidade?

Com a finalidade de estabelecer os contornos do que chamamos de modernidade, com a qual pretendemos romper, vamos trabalhar alguns pontos que podemos encontrar recorrentemente no pensamento hegemônico moderno, em autores, discursos e práticas. Perceberemos que em diversos momentos das histórias e estórias deste período, nas tentativas de resistência, nas assimilações, nas tentativas de rupturas, e inclusive nas revoluções durante a modernidade, onde aparentemente ocorreram rupturas, estes pontos (um, alguns ou todos) aparecem de forma insistente, como armadilha que nos impede de fugir do círculo vicioso, aparentemente interminável, da perspectiva aprisionadora moderna.

Nos conceitos de história e estória, encontramos a modernidade aprisionando o sentido, criando a história oficial com suas datas e personagens, mitos do herói nacional, de guerras heróicas que ajudam a construir a identidade nacional, forjada, sobre o reconhecimento de alguns e o ocultamento de muitos. Quem conta a história? Qual história? História ou estória? A história é morta, oficial, presa a datas e nomes. A estória é viva, memória, diversa, plural e em permanente processo de transformação. Aliás, porque retiraram a palavra “estória” dos dicionários? Não podemos aceitar que “gramáticos” oficiais venham dizer o sentido das palavras ou venham decretar o fim de “palavras”. Citando Rubem Alves[1]:

“Tenho raiva dos gramáticos. Fernando Pessoa também tinha. Os gramáticos se sentem no direito de proibir palavras. Tiraram ‘estória’ do dicionário. Agora só se pode dizer ‘história’. Mas o que tem ‘história’ a ver com ‘estória’? ‘A estória não quer tornar-se história’, dizia Guimarães Rosa. A história acontece no tempo que aconteceu e não acontece mais. A estória mora no tempo que não aconteceu para que aconteça sempre.”

Podemos dizer que a história, desta forma congelada, é uma impossibilidade, logo uma distorção proposital, uma estratégia de construção de uma identidade forjada. A história na modernidade tem a função de ocultar as estórias. É a substituição de várias visões, compreensões e perspectivas por uma única versão, morta, recontada infinitas vezes para reafirmar uma única identidade, com seu monte de nomes e datas. Estava escrito em um muro da Faculdade de Filosofia da UFMG: “Haja presente para tanto passado”.

A história é passado, a memória é presente. Difícil construir algo novo com tanto passado nos aprisionando. Daí talvez seja interessante pensar em um processo de psicanálise coletiva, como resgate da estória como forma de agir, com a liberdade possível decorrente do conhecimento desocultado. A história oficial aprisiona e a memória pode nos tornar fortes para construir um presente diverso. Há um passado que aprisiona, mas há uma construção coletiva da memória, que pode nos permitir alguma liberdade.

Vamos perceber que, nas revoluções que ocorrem no período moderno, nos movimentos de contestação, as tentativas de fazer diferente (as infiltrações), quase sempre (quando não foi?) caem nas armadilhas modernas, ou são, simplesmente, modernas. Voltamos a fazer de novo, repetindo práticas com as quais queríamos romper, ou então queremos romper com algo que não sabemos muito bem o que é. Daí a importância de identificar alguns pontos (elementos da modernidade, que caracterizam a modernidade), que recorrentemente se apresentam, repetem, voltam, como fantasmas que nos aprisionam neste círculo moderno.

Vamos então à análise de alguns destes eixos. Como um texto para reflexão e discussão, é importante que o leitor identifique ou rejeite, de forma fundamentada, os eixos ou pontos essenciais da modernidade, aqui enumerados. A modernidade pode ser entendida como uma realidade de poder e um projeto de poder, responsáveis pela construção do estado moderno, da economia moderna e do direito moderno, a partir de uma data simbólica que delimita o espaço temporal desta realidade: 1492.

  1. Eixos Modernos – qual a essência da modernidade?

Porque 1492? Vamos pensando a modernidade na companhia de Enrique Dussel.[2]

Em 1492 temos três eventos (acontecimentos)[3] importantes:

  1. A invasão da “América”[4] pelos “europeus”[5], marcando o início da construção da hegemonia européia que marca a modernidade. Invadiram também o “resto” do mundo: África[6], Ásia[7] e Oceania[8]. Está aí a origem da lógica binária subalterna do nós versus eles. Nós os civilizados, nós os bons, nós os europeus versus eles, os bárbaros, selvagens, muçulmanos, inferiorizados (o projeto moderno é um projeto narcisista).
  2. A expulsão do “outro” diferente (o muçulmano) do que se constituirá como Espanha. A queda do Reino de Granada. Este momento histórico marca um dos movimentos da modernidade: a expulsão dos mais diferentes (judeus e muçulmanos) a uniformização dos menos diferentes (os povos que habitavam a península ibérica antes da chegada dos “outros diferentes”. A uniformização pela subalternização violenta de catalães, valencianos, bascos, galegos e outros que se transformam na nova nacionalidade inventada: espanhóis.
  3. Ainda em 1492 temos a primeira gramática normativa: o castelhano. Está aí o aperfeiçoamento do controle do pensamento. Da limitação da compreensão do mundo pelos seus signos e significantes e pela hegemonia na determinação dos significados.

Temos, então, alguns movimentos importantes para entender o que estamos chamando de modernidade: a invasão da “América”, começando a construção da hegemonia militar, econômica e cultural européia, que se estenderá por boa parte do planeta; a expulsão do mais diferente (o muçulmano e o judeu) da península ibérica e a uniformização dos considerados menos diferentes (bascos, galegos, catalães, valencianos).

Importante lembrar que, neste momento, ocorre o início do processo de formação do estado e do direito modernos. Buscando a essência dos movimentos deste tempo, podemos dizer que este estado que começa a ser construído, ocupará o espaço intermediário dos três grandes espaços de poder: o espaço macro territorial dos impérios, descentralizados, multiétnicos e multilinguísticos; o espaço do reino, também complexo, onde será construído o estado nacional com seu projeto uniformizador; e o espaço local, onde estava então o poder feudal.

Mais um movimento precisa ser lembrado e que pode ainda hoje ser facilmente reconhecido: o estado moderno surge de uma necessidade de segurança de nobres, ameaçados pelos servos em rebelião, e dos burgueses, ameaçado por estas mesmas rebeliões que levavam estes servos rebeldes até os burgos, as cidades.

A necessidade de um poder centralizado, armado, hierarquizado foi fundamental para conter a rebelião e reordenar a sociedade e a economia, criando as condições para o desenvolvimento da economia moderna, capitalista. Daí a aproximação (forçada ou estratégica) dos nobres do rei, e dos burgueses, deste mesmo rei. A burguesia se desenvolve sob a proteção do rei e do estado absolutista e depois rompe com o rei e a nobreza ou reestrutura a relação de poder, a partir das revoluções burguesas (Inglaterra, Holanda, França e a guerra de independência dos EUA). Note-se a aliança ainda em vigor em boa parte da Europa entre a burguesia, os nobres e o monarca (Suécia, Holanda, Espanha, Reino Unido, Bélgica, Dinamarca entre outros).

Lembremos mais uma vez que o Estado Moderno cria as condições para a viabilidade e expansão capitalista. Sem Estado Moderno não haveria capitalismo. O Estado Moderno trouxe instituições fundamentais para o sistema econômico moderno capitalista que nos acompanham até hoje: o povo nacional, domado, uniformizado, normalizado; os bancos nacionais; as moedas nacionais; a burocracia estatal e a administração do sistema tributário; o controle da população, dos rebanhos, da produção agrícola e industrial (os censos); a polícia nacional (para conter os excluídos); os presídios e manicômios para estocar o excedente não absorvido pela economia para a finalidade de exploração de mão de obra e guardar os não adaptados; e os exércitos nacionais, responsáveis pela invasão do mundo pelas novas potencias, garantindo com isto os suprimento de recursos naturais e mão de obra escrava e depois barata, para as economias capitalistas hegemônicas.

Quais são, portanto, os eixos ou pontos que caracterizam a modernidade? Vamos procurar identificar cada um destes eixos até os nossos dias, nesta segunda década do século XXI. Este exercício é fundamental para entendermos como estamos mergulhados nos instrumentos e dispositivos modernos de exclusão, dominação e uniformização.

  1. Uniformização

Não é possível o poder centralizado e hierarquizado do estado moderno sem a uniformização de valores, compreensões e comportamentos. A normalização é essencial para o projeto de poder moderno e logo, da economia, do direito e do estado moderno.

            Lembremos que o Estado Moderno é construído no espaço dos reinos, um espaço territorial intermediário entre os impérios e os feudos. Estes espaços territoriais correspondentes ao reinos unificados e centralizados (Portugal, Espanha e França) são espaços de complexidades. Estes reinos centralizados que dão origem ao estado moderno são formados por diversos grupos étnicos, com idioma, cultura, espiritualidade e religiosidade diversa. Tomemos como exemplo a Espanha: os reis católicos Isabel de Castilha e Fernando de Aragão, pertencem a um grupo étnico específico. No moderno estado espanhol, que se constitui, o poder centralizado precisa ser reconhecido pelos súditos. Para que isto ocorra, é necessário que os diversos grupos étnicos e sociais que habitam a Espanha moderna, se identifiquem. É necessário que um espanhol da Galícia tenha algo em comum com um espanhol de Castela ou da Catalunha. Aí está a primeira tarefa do Estado Moderno: inventar uma nacionalidade. Esta invenção da nacionalidade é uma necessidade para viabilizar o poder centralizado. Se o rei se afirmasse castelhano, os outros grupos étnicos não acatariam o seu poder. Daí que agora, no lugar de castelhanos, bascos, galegos, valencianos, catalães, devem existir espanhóis. Esta tarefa ocorre com a imposição de um único idioma: o idioma do grupo hegemônico, o castelhano, e a criação da primeira gramática normativa castelhana no mesmo ano de 1492. A imposição de uma única religião: o catolicismo para portugueses, espanhóis e franceses e o protestantismo para holandeses e ingleses.

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A religião é um poderoso aliado na uniformização de comportamentos, sua capacidade de controle de comportamento e do pensamento chega onde nenhum outro sistema de controle até então poderia chegar. O crente, mesmo isolado, é vigiado por um deus onipresente, onipotente e onisciente. A uniformização do direito, especialmente do direito de família (como uniformização de comportamento e de valores) e do direito de propriedade (para viabilizar o capitalismo) é outro elemento importante do estado moderno.

            Podemos perceber que este primeiro elemento da “modernidade” está presente nas preocupações do poder e continua sendo necessário para sua continuidade. Uma uniformização de direitos por meio de um falso universalismo; a existência de mecanismos padronizadores; a ampliação do direito punitivo para os não enquadrados; a padronização dos gostos, ocultada por uma possibilidade de escolher cada vez mais, do mesmo, como sendo elemento fundamental da sociedade de ultra consumo neste momento de radicalização da modernidade.

É fundamental que todos gostem de consumir as mesmas bugigangas, e que possam escolher o que definitivamente não importa: a cor, o modelo, a marca, o design, da mesma coisa. A padronização é travestida de diversidade.

            Nesta necessidade de padronização do poder moderno, os mecanismos de uniformização e controle são cada vez mais sofisticados. Em diversos trabalhos tivemos a oportunidade de discutir a questão da ideologia com autores fundamentais para a compreensão do tema. A escola moderna continua em grande parte cumprindo a finalidade para a qual foi inventada: padronizar, uniformizar, domesticar. O mesmo ocorre cada vez mais na universidade: padrões de qualidade e controle; produtividade; controle; classificações de meios de divulgação; selos de qualidade; “qualis” de revistas nas quais as publicações são validas; medição de produtividade; enfim, um ultra controle que inibe o novo e premia o que está dentro do padrão.

  1. Lógica binária subalterna (nós versus eles)

            Voltando à origem dos estados modernos e dos sistemas de controle do pensamento e dos corpos, devemos lembrar que estes estados desenvolvem um projeto uniformizador a partir de uma hegemonia. A modernidade ocidental caracteriza-se pela hegemonia de um grupo sobre os demais, subalternizados. Assim, uma imensa diversidade será ocultada. Na Espanha, castelhanos sobre bascos, galegos, catalães, valencianos; no Reino Unido ingleses sobre escoceses, galeses, irlandeses, e assim em diante.

            Percebamos mais uma equação moderna: neste processo de construção de um padrão hegemônico uniformizado haverá o nós (superior); o eles (subalternizado uniformizado) e muitas vezes o terceiro excluído, no caso dos estados nacionais europeus são estes os muçulmanos e judeus expulsos, que não podem participar ou sequer permanecer no território destes estados no momento de sua formação. Reparem, entretanto, que este outro, desnecessário na constituição interna, se torna necessário na construção da hegemonia externa, do estado espanhol em relação a outros estados e/ou nações. Assim, este desnecessário na constituição interna das relações de poder do nascente estado moderno espanhol se torna fundamental na construção desta nova identidade espanhola. Como já dito, a construção da identidade nacional é um projeto narcisista, e logo necessita do outro subalternizado, inferior, bárbaro, infiel, selvagem ou qualquer outra coisa menos. Nas relações internacionais também isto se reproduz: civilizadores versus incivilizados.

Um elemento que precisa ser estudado é a necessidade e ou existência deste terceiro excluído. Ele sempre está aí? Se está, porque? Este terceiro excluído nestas relações modernas será aquele que não conta para a hegemonia do poder. Se há um civilizador e um bárbaro (civilizável) o terceiro excluído é aquele que não interessa que seja civilizado. Não importa nem para isto. O bárbaro, o selvagem, o outro diferente é fundamental no projeto moderno, inclusive para justificar (explicar) a pretensão de superioridade do civilizador. Afinal, o narcisismo fundamenta a criação da identidade de quem afirma ser superior. O terceiro excluído é aquele desnecessário até mesmo para que o “nós” se afirme como superior ao “outro”, a “eles”. Este outro invisível cresce em número.

Importante ainda lembrar que esta relação binária subalterna, “nós” versus “eles”, se reproduz em todas as relações, desde as relações macro, internacionais, passando pelas relações de poder no âmbito de regiões, estados nacionais, subnacionais, cidades, igrejas, comunidades, bairros e famílias, inclusive muitas famílias que estariam, em princípio, fora do padrão moderno, acabam por reproduzir o mesmo padrão moderno do qual inicialmente pretendiam se diferenciar: famílias e casais gays que reproduzem a subalternidade presente na relação moderna do masculino e feminino é um exemplo presente.

A lógica “nós versus eles” nos ajuda a entender como é possível viver em uma metrópole moderna. Em meio à violência, exclusão e miséria radical, com as quais convivemos, o que ajuda as pessoas a continuarem ignorando tudo isto é justamente o fato de que aparentemente isto não lhes diz respeito. Os tantos mortos são os “outros”, são “eles”, diferentes de “nós”. Os que morrem todos os dias justificam as políticas de segurança, políticas de encarceramento. “Eles” justificam a desigualdade de cada dia. Eles não podem ser iguais a “nós”. Os que estão nestas cifras são os que contam e são necessários para explicar tudo isto, são eles os monstros, bárbaros, violentos e cruéis contra os quais o estado deve fazer sua guerra diária. Daí uma polícia “militar”: não é uma polícia que protege, mas uma polícia feita para a guerra, uma polícia que mata o “outro” selvagem. Fora das cifras, estão aqueles que não são necessário nem para engordar as cifras. Afinal, devemos manter os percentuais sob controle.

Mais uma equação é necessária ser compreendida: afinal em que medida não nos reconhecemos neste “outro” subalternizado, animalizado ou coisificado? Ou seria justamente por nos reconhecermos neste “outro” inferior que queremos destruí-lo? Mas é claro que não podemos destruí-lo, pois sem “eles” desaparece a justificativa e aparece a falência da modernidade.

Na política moderna, a de hoje, é fácil encontrar os dispositivos modernos em ação. A subalternização do outro, como adversário, transformado em inimigo, é a principal estratégia do jogo político. Interessante notar que foi justamente utilizando a gramática normativa moderna, que, durante 8 anos tivemos que ouvir ridículas críticas ao português falado pelo então Presidente da República. Ora, para que aprisionar a linguagem em meio a uma quantidade enorme de regras? Para que inventar etiquetas, formas adequadas de comer e de falar? A quem serve isto? Quem atribui sentido aos significantes? Quem limita o expressar às formas gramaticais ditas corretas? Uma das formas radicais de dominação colonial hegemônica é a criação de um conhecimento que só alguns poderão ter acesso. Na África colonial, ou na América, o indígena, o habitante originário foi radicalmente excluído do ensino formal e do acesso ao conhecimento e às técnicas. O invasor europeu construiu um estado e uma economia que exigia o domínio de um conhecimento e de técnicas que eram negadas ao invadido, ampliando sua submissão e dependência.

O que os grupos hegemônicos fazem: criam conhecimentos e técnicas que justificam a sua superioridade e proíbem aos subalternizados o acesso a este conhecimento e técnica, o que reforça e “comprova” esta falsa superioridade. Toda uma estrutura é criada para manter a hegemonia intacta em um jogo de encobrimentos e de discursos ideológicos, entendendo aí, ideologia como distorção proposital e encobrimentos.

     Jacques Sémelin, no livro “Purificar e destruir”[9], nos mostra como a exacerbação da modernidade, do estranhamento do outro inferiorizado, foi capaz de gerar genocídios, e como é possível encontrar um padrão de subalternização que pode levar ao extermínio do outro “coisificado”. Como que em etapas de transformação do outro em coisa podemos perceber alguns passos que se repetem:

  1. Em primeiro lugar a transformação da política em uma competição: adversários que se encontram em uma competição pela vitória de seus argumentos diante da “opinião pública”. A “opinião pública” passa a ser mais uma invenção moderna, que ganha contornos sofisticados. O que é a opinião pública? Um jornal de Minas Gerais publicou em sua primeira página, às vésperas do julgamento de uma ação penal (a ação penal 470) chamada pela grande mídia de “mensalão”, um manifesto em nome da população de Minas Gerais, com a pretensão de influenciar no resultado dos votos dos Ministros do STF[10]. O jornal assumiu o papel de representante de uma “opinião pública” sem nenhuma procuração (mandato) para isto, sem mesmo se fundamentar nas habituais pesquisas de “opinião” tão manipuladas ou manipuláveis. A “opinião pública”, na realidade atual de diversos países, se tornou a opinião da grande mídia (televisão, jornais, revistas, rádios) altamente concentradas nas mãos de poucos proprietários privados, que criam as pautas de discussão, distorcem fatos e com isto procuram influenciar a opinião das pessoas. Este poder tem sofrido alterações importantes recentemente, principalmente por dois fatores: primeiramente, em alguns países como a Argentina; Bolívia, Equador, Reino Unido, têm discutido o tema e estabelecido limites à concentração de poder nos meios de comunicação. Parte da Europa continental tem, há mais tempo, uma legislação que limita os abusos privados e a concentração dos meios de comunicação o que, entretanto, vem sendo comprometido; um outro aspecto é o fato da internet permitir o surgimento de meios difusos de informação alternativa, o que têm, também, limitado o abuso do poder privado concentrado. Importante lembrar que é cada vez menor o acesso a estes meios de comunicação por parte de jovens. As gerações mais recentes se informam, muitas vezes, quase que exclusivamente pela internet, acessando blogs, vlogs, facebook e outras redes sociais. Não sejamos, entretanto, demasiado otimistas quanto a estes meios, que são fortemente controlados e vigiados, tanto pelo Estado como pelas grandes empresas privadas. Se de um lado podemos dizer e mostrar o que antes permanecia oculto, de outro lado o controle sobre a vida das pessoas é cada vez maior e sufocante. Como observa Zizek[11], os argumentos de Hitler se mostraram mais convincentes e ganharam a opinião pública na Alemanha, na década de 1930. Mesmo que seja claro, que não se tratavam de argumentos racionais, mas de estratégias variadas e sofisticadas, para cooptar, envolver as pessoas, em um discurso ideologizado (ideologia enquanto distorção proposital), com uso da emoção e da estética; a busca da vitória do projeto capitalista conservador, ultra nacionalista e racista, por meio de técnicas de manipulação, encobrimento e distorção do real, foi eficaz em ganhar o apoio de uma parcela expressiva da população, naquele momento;
  2. Entretanto, neste estágio, não bastava ao nazismo (e aos fascismos), que seus argumentos vencessem eleições ou plebiscitos. Lembremos que os nazistas fizeram uma representação expressiva no parlamento, o que possibilitou a eleição de Hitler como chanceler. O adversário político não poderia continuar sendo um mero adversário, o que poderia permitir que ele chegasse ao poder em um outro momento. O projeto de poder era (ou continua sendo) totalizante. Logo, o adversário foi transformado em inimigo. Hoje criaram-se adversários que representam a mesma coisa, o mesmo projeto, exterminando ideologicamente ou criminalizando quem representa uma alternativa real de poder. Os exemplos são muitos: Republicanos e Democratas nos EUA ou partidos de centro-direita e centro-esquerda na Europa. O projeto é o mesmo com variações de estilo, discurso e forma. Ou seja, o projeto de “democracia” liberal é também totalizante, mas de uma forma mais sútil, onde adversários permitidos alternam nomes no poder (com basicamente o mesmo projeto) enquanto as alternativas reais de poder são encobertas, desmoralizadas ou criminalizadas (o inimigo político é transformado em criminoso; ou imoral; ou pecador; ou antigo, ultrapassado; ou louco). Percebam isto, diariamente, na grande mídia no Brasil. Como o outro, o não permitido, o que foge do padrão, é tratado. Percebam como as políticas que não se adequam ao padrão liberal são expostas nos jornais das grandes redes de TV. É fácil notar, se estiver atento, a pretensão totalitária (totalizante), onde tudo que não é o padrão (de democracia, de economia, de política) deve ser extirpado por meio de sua ridicularização ou outros procedimentos. O projeto de poder do chamado “neoliberalismo” é um projeto totalizante. Note que a hegemonia liberal foi construída ao lado do discurso do “fim da história” de Francis Fukuyama. A tese era (ou ainda procura ser) de que a história acabou com a derrota da esquerda (do comunismo e do socialismo real). Há UM projeto vencedor, uma economia possível, um direito possível, uma sociedade possível. A diferença do projeto totalizante da extrema direita (nazista e fascista) da década de 1930, é que o discurso agora vem acompanhado de palavras como “direitos humanos” (de propriedade e liberdade empresarial); e “democracia representativa”, onde escolhemos variações de um mesmo tema, de um mesmo projeto. Qualquer partido que coloquemos no poder por meio do nosso voto fará o mesmo, com variações de discurso, estilo e formato. As diferenças permitidas são cada vez menores. Os partidos, grupos, movimentos sociais, idéias, que representam efetivamente algo diferente passam a ser cada vez mais criminalizados, excluídos, ou combatidos pelos “meios de comunicação”, por meio de uma manipulação de extrema radicalidade. Estamos mergulhados em uma guerra ideológica, e esta pode ser facilmente percebida na imprensa brasileira: TV, rádio, jornais e revistas;
  3. Depois de transformar o adversário político em inimigo, o seguinte passo será o de sua subalternização. O outro não é um adversário ou inimigo que tenha a mesma estatura moral ou racional. Este outro então, inimigo, é subalternizado, desmoralizado e animalizado;
  4. O passo seguinte: surge o discurso da pureza moral (e ou racial, política, etc). O puro é extremamente perigoso. Lembremos uma passagem extremamente elucidativa presente na Bíblia. Aquele que se julga puro, é justamente aquele que é capaz de apedrejar. O discurso da pureza é a antessala do extermínio em massa. O puro tem como contrário o não puro: começa a coisificação do outro;
  5. O próximo passo será a geração sistemática do medo. Percebam como é atual e permanente este processo. Este outro, adversário, transformado em inimigo, subalternizado, animalizado e coisificado, agora é transformado na grande ameaça a tudo o que mais prezamos. Neste momento seremos todos amedrontados, diariamente, continuamente;
  6. A seguir, um fato. O estopim. É quando este “outro” pratica um ato visível para todos. Quando o que temíamos se torna realidade: o passo seguinte é o extermínio e a violência sem limites.

  1. Linearidade histórica

Outro mecanismo que fundamenta a lógica moderna é a percepção da história enquanto evolução, desenvolvimento, progresso: a linearidade histórica.

A idéia de linearidade histórica, ainda estudada nas escolas modernas pelo mundo afora cria a idéia de que existe um caminho a ser percorrido em direção ao desenvolvimento (progresso, evolução) e que as diversas sociedades estariam em graus distinto de evolução. Note-se que podemos encontrar a expressão diversas civilizações. Mas, o reconhecimento de diversas civilizações ocorre, geralmente no tempo. Ou seja, em tempos distintos temos civilizações distintas: o Egito antigo; a Índia; China; Gregos e Romanos, etc. Este geralmente é o formato dos livros didáticos em nossas escolas modernas. Ou seja, a Índia, a China, a Grécia, o Egito, foram importantes civilizações. Se elas foram, qual atualmente é?

É mais difícil encontrar referências à existência de civilizações distintas convivendo em um mesmo momento. Quando isto ocorre, não há em geral uma referência a uma convivência entre estas civilizações mas um confronto de civilizações. Desta forma, uma delas estará sendo superada pela outra. Ou seja, de novo, ou outro diferente é sempre subalternizado. O confronto entre um oriente (eles) e um ocidente (nós) é um dos motes modernos, onde o outro oriental, muçulmano ou asiático, é apresentado como perigoso, atrasado. É comum as referências na imprensa “livre” sobre as violências do oriente perigoso. O Irã dos Aiatolás; a China autoritária; a Coréia do Norte; a Arábia Saudita, todos estados que não chegaram à modernidade, pois não incorporaram os valores de “democracia” e “direitos humanos” do ocidente evoluído, desenvolvido. Não há portanto, geralmente, civilizações convivendo de forma não hegemônica, como projetos distintos e possivelmente complementares. Há sempre a pretensão de uma civilização suplantar a outra. Em outras palavras, há um projeto civilizatório, que todos deve seguir para serem desenvolvidos, e este projeto é o ocidental. Com isto perdemos a possibilidade de compreensão da história de outras civilizações, e como, e porque, por exemplo, os fundamentalismos religiosos de manifestam (seja cristão, muçulmano ou judeu). Perdemos a dimensão de compreender a África hoje, fruto da violência e saques permanentes dos invasores, e como a pluralidade de perspectivas de mundo foi encoberta, exterminada, deturpada, e como ainda se encontra oculta. Ou perdemos mesmo a compreensão de como a Arábia Saudita se transformou em um estado moderno, com uma moderna monarquia absolutista.

Nesta linearidade histórica, ouvimos absurdos como a expressão de modernidade tardia, ou capitalismo tardio, como se alguns países do continente “americano”, por exemplo, que foram chaves na construção do mundo capitalista moderno, só agora chegassem à modernidade e ao capitalismo evoluído. Ora, se existe este sistema econômico, ele se construiu enquanto tal, justamente com a exploração dos recursos naturais da América, África, Ásia e Oceania, e com a colonização, opressão e incontáveis violências contra os povos originários destes continentes. O capitalismo moderno não é mais Suécia ou os Estados Unidos, do que a Somália, o Paraguai, o Brasil, Burkina Faso, Congo ou México, ou qualquer outro estado nacional que se constitui a partir do projeto moderno e se inseriu neste projeto com papeis distintos, alimentando o sistema com mão de obra escrava e/ou barata; com recursos naturais, ou como consumidor destes recursos ou do produto no qual estes recursos foram transformados. Este sistema só foi possível por que se constituiu enquanto um sistema global de exploração, guerras coloniais, exploração, escravidão e colonialidades.

Toda vez que escutamos expressões como “países desenvolvidos”; “países emergentes”; “em desenvolvimento”, “desenvolvidos”, está presente, é claro, um modelo de desenvolvimento. Há um caminho que todos devem seguir para chegar até ao desenvolvimento, e o modelo de desenvolvimento está posto. Poderíamos visitar Hegel, como filósofo moderno, em meio a quase todos os outros filósofos modernos ou modernizados conhecidos, e concluir que, a grande meta é nos tornarmos, todos nós, germânicos. Como isto é impossível, passaremos os tempos procurando copiar, imitar o grande civilizado.

  1. Universalismo europeu

A partir da uniformização, do pensamento binário subalterno e da concepção linear da história, a lógica moderna vai se revelando. Se tudo precisa ser uniformizado, se a diferença e a diversidade devem ser ocultadas; se há sempre um “nós” superior, e um “eles” inferior; e se este “nós” superior na sua missão de padronizar, uniformizar, exerce uma função civilizatória, logo, a conclusão seguinte é que, este projeto único, linear e totalizante, tem a pretensão de, claro, ser universal. Esta é sua vocação, ou poderíamos dizer, numa forma ideológica (aqui empregado o termo ideológico como distorção e encobrimento proposital), a pretensão de universalidade da civilização, da filosofia, das epistemologias, da religiosidade e das ciências modernas ocidentais, faz parte da essência desta modernidade. Se enquanto projeto, a modernidade, o universalismo de tudo produzido por este ocidente, é uma meta, enquanto ideologia, o universalismo europeu enquanto um universalismo universal é da essência desta mesma modernidade.

  1. Conclusão:

Como se vê, o resultado do que foi construído na modernidade foi um constitucionalismo de negação, de cometimento de injustiças, de distorções ideológicas, extermínios e supressão dos direitos daqueles que não se enquadraram no padrão do universalismo europeu.

Ao pensar em um novo constitucionalismo, é necessário transcender a diversidade de culturas, de linguagens, de pensamentos e de formas de viver de cada grupo, por menor que seja, uma vez que todas as pessoas são a expressão da sua própria vivência, inseridas em uma gigantesca multiplicidade de povos.

No final do ciclo da Modernidade, é preciso repensar o fenômeno do direito à diversidade cultural do ser humano, seja ele indígena, africano, muçulmano, judeu, árabe, homossexual, transexual, pertencente a minorias diversas, etc., deixando-se para trás os ensinamentos do aparato “moderno”, porém antigo, que buscou a uniformidade para o reconhecimento merecimento de uma cidadania controlada.

O novo constitucionalismo chega, então, para conhecer a linguagem do consenso em uma era onde a diversidade cultural, até então excluída em nome da uniformidade, passa a ser o centro das questões políticas de uma sociedade plural, onde diferentes formas de produção, de propriedade e de constituição de família predominam.

A Bolívia é um exemplo de processo de transformação em direção à construção de um espaço onde o direito à diversidade cultural se torna realidade. O Equador também avança de forma radical no sentido de se construir um constitucionalismo que acomode essa diversidade de forma justa.

A troca de experiências, a ausência de imposições e o respeito a formas diferentes de pensamento passam a coexistir em uma sociedade onde ninguém corre o risco de perder a sua identidade. Nesse espaço, nenhum arranjo tem caráter definitivo, muito menos uniforme, uma vez que os membros de cada grupo são únicos, mudam constantemente e evoluem em diversos aspectos.

Então, o novo constitucionalismo revela e supera o universalismo europeu abrangendo o reconhecimento (ou melhor, conhecimento) das pessoas por meio de diálogos interculturais, de maneira que as vozes de distintos lugares possam ser ouvidas, os fatos considerados, e reconsiderados com o passar do tempo, fazendo prevalecer uma dignidade da diversidade para as pessoas, acima de tudo.

Há uma percepção crescente de que a mutilação das peculiaridades e diferenças, tendo como consequência uma falsa uniformidade, nada mais é do que uma inútil insistência na manutenção de uma modernidade e de um constitucionalismo modern, que não responde à necessidade de conhecimento dos outros, da alteridade, para além da lógica do simples reconhecimento.

O novo constitucionalismo é, portanto, a fundação de um espaço de diversidade, tanto como direito individual como direito coletivo, com valores de autonomia e diálogo em busca de consensus sempre renováveis, superando a lógica do multiculturalismo (e do reconhecimento), para, por meio de criação de espaços de dialogos interculturais, possamos construir um conhecimento transcultural, ou, em outras palavras, um universalismo comum, um universalismo universal.


[1] ALVES, Rubem. “O velho que acordou menino”, Editora Planeta, São Paulo, 2005

[2] DUSSEL, Enrique. “1492: el encobrimiento del outro – hacia el origem del mito de la modernidade, La Paz, Bolivia, Editora Plural, 1994.

[3] Sobre a necessidade de um “acontecimento” (um evento) para que as pessoas mais do que compreendam, percebam (sintam) o real encoberto: ler BADIOU, Alain. São Paulo, Editora Boitempo, São Paulo, 2009.

[4] Nome dado pelo invasor.

[5] Entendendo que, o que se convencionou como “Europa” também representa a visão dos grupos sociais e étnicos que se tornaram hegemônicos.

[6] Apenas como exemplo da expansão “européia”, com a invasão e colonização do mundo, podemos lembrar o caso de Angola: “Na foz do Rio Congo, em 1482, ocorreu o primeiro contato com o português Diogo Cão. A relação de Portugal com o reino do Kongo evoluiu principalmente a partir de 1506, quando o comércio de escravos teve um grande impulso, tendo em vista que os portugueses precisavam de mão de obra barata para as grandes plantações de cana-de-açucar, que estavam estabelecendo no Brasil. Em 1568, o reino do Kongo foi atacado por Jaga e, para defender-se, pediu o auxílio de Portugal, que enviou o governador de São Tomé no comando de um força armada para expulsar os invasores. Depois de lutar de 1571 a 1573, o governador ocupou o reino do Kongo e conquistou as terras mais ao sul, que era território do Mbundu, fundando a colônia de Angola”. (VISENTINI, Paulo Fagundes. “As revoluções Africanas – Angola, Moçambique e Etiópia”, editora Unesp, São Paulo, 2012). Importante lembrar que a Etiópia foi o único “país” a não ser transformado em colônia de um Estado europeu. Mesmo assim, claro, não escapou das políticas coloniais e das práticas neocoloniais. Foi invadida pela Itália pouco antes da segunda guerra mundial, mas o domínio direto italiano durou pouco. Entretanto perdeu parte de seu território como consequência das políticas coloniais: o caso da Eritréia. A Conferência de Berlim foi realizada entre 19 de Novembro de 1884 e 26 de fevereiro de 1885. Esta Conferência “organizou” a ocupação da África pelas potências coloniais. As divisões políticas dos “novos estados nacionais” não respeitou, propositalmente, é claro, nem a história, nem as relações étnicas e mesmo familiares dos povos do continente. O congresso foi proposto por Portugal e organizado pelo Chanceler Otto von Bismarck da Alemanha assim como participaram ainda a GrãBretanha, França, Espanha, Itália, Bélgica, Holanda, Dinamarca, Estados Unidos, Suécia, Áustria-Hungria, Império Otomano. O Império Alemão, país anfitrião, não possuía colônias na África, mas, tinha esse desejo e viu-o satisfeito, passando a administrar o “Sudoeste Africano” (atual Namíbia) e o Tanganica; os Estados Unidos possuíam uma colônia na África, a Libéria, só que muito tarde, mas eram uma potência em ascensão e tinham passado recentemente por uma guerra civil (1861-1865) relacionada com a abolição da escravatura naquele país; a Grã-Bretanha tinha-a abolido no seu império em 1834; a Turquia também não possuía colónias na África, mas era o centro do Império Otomano, com interesses no norte de África e os restantes países europeus que não foram “contemplados” na partilha  de África, também eram potências comerciais ou industriais, com interesses indiretos na África.

[7] O processo de ocupação e exploração do continente asiático por parte das potências europeias ocorreu, principalmente, no século XIX. No entanto, esse processo não aconteceu de maneira igual, variando de região para região. Até o século XIX os asiáticos quase não mantinham contato com os povos europeus, salvo os viajantes comerciantes.

[8] A Oceania foi o último continente ocupado pelos europeus. O território que hoje conhecemos como Austrália foi ocupado desde cerca de 40 mil anos atrás por povos que foram chamados pelo invasor de aborígenes. A Oceania, assim como a América, contava já há muito tempo com a existência de suas civilizações locais, logo, não era uma terra virgem para o “descobrimento”.

[9] SEMELIN, Jacques. Purificar e destruir: usos políticos dos massacres e dos genocídios, Editora Difel, Rio de Janeiro, 2009.

[10] Supremo Tribunal Federal no Brasil.

[11] ZIZEK, Slavoj. Plaidoyer en faveur de l’intolerance. Ed. Climats, Castelanau-le-Lez, 2004.

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Sobre os autores
José Luiz Quadros de Magalhães

Especialista, mestre e doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Minas Gerais<br>Professor da UFMG, PUC-MG e Faculdades Santo Agostinho de Montes Claros.<br>Professor Visitante no mestrado na Universidad Libre de Colombia; no doutorado daUniversidad de Buenos Aires e mestrado na Universidad de la Habana. Pesquisador do Projeto PAPIIT da Universidade Nacional Autonoma do México

Audrey Gonçalves de Castro Chalfun

Advogada mestre em Direito Internacional pela PUC Minas, doutoranda e pesquisadora.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

O artigo mostra a possibilidade de ruptura com o direito moderno uniformizador por parte do novo constitucionalismo latino americano, expresso pelas constituições da Venezuela, Equador e Bolívia. A essência deste novo constitucionalismo é a democracia popular participativa e o respeito à natureza e a diversidade humana.

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