O regime diferenciado de contratações públicas fere o princípio da publicidade?

27/07/2015 às 22:30
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RDC. Desrespeito. Princípio. Publicidade.

INTRODUÇÃO

  Inegavelmente vive-se hoje uma atmosfera jurídica onde a agilidade e a eficiência devem se fazer presentes em todas as esferas, e, não poderia ser diferente no direito administrativo.

            Assim, buscando a realização a contento das obras para as olimpíadas e copa do mundo de 2015, foi criada a Lei 12.462 de 05 de agosto de 2011, que instituiu o Regime     Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), um modelo "ágil" e simples para contratações com a Administração Pública.

            Ocorre que, em prol dessa agilidade, simplicidade e eficiência não se pode atropelar regras de extrema relevãncia e desrespeitar princípios, especialmente o da publicidade que norteia toda atividade administrativa.

1. CONSIDERAÇÕES SOBRE O REGIME DIFERENCIADO DE CONTRATAÇÕES PÚBLICAS (RDC)

            A Lei 12.462 de 05 de agosto de 2011, instituiu o Regime Diferenciado de Contratações Públicas (RDC), objetivando tornar mais simples e ágil os procedimentos licitatórios previstos na Lei 8.666 de 21 de junho de 1993.


            A princípio, o RDC foi criado para solucionar emergencialmente os problemas de infraestrutura, realizando obras de instalações esportivas  e outras melhorias estruturais exigidas para que o Brasil pudesse receber os eventos esportivos, quais sejam: a Copa das Confederações de 2013, a Copa do Mundo realizada em 2014 e os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos que serão realizados em 2016.

O objetivo da criação do RDC, seria trazer praticidade e rapidez às contratações, de modo a acelerar as obras ligadas aos eventos supramencionados, haja vista o Brasil não estar estruturalmente pronto para receber os eventos esportivos já elencados e haver urgência na conclusão das obras.

A princípio a Lei restringir-se-ia apenas as contratações dos eventos específicos ligados ao esporte - acima mencionados, corre que, em momentos posteriores o RDC foi ampliado passando a ser utilizado também para as ações integrantes do Programa de Aceleração do crescimento (PAC), os serviços e obras de engenharia do Sistema Único de Saúde (SUS), bem como as obras e serviços que tenham relação com os estabelecimentos penais e unidades de atendimento socioeducativo, por meio da edição da Lei 12.688 de 2012.


            Não bastando, no mesmo ano de 2012, o RDC foi mais uma vez ampliado, passando a reger as contratações de obras e serviços de engenharia  quando se tratar de sistema público de ensino.
            Assim, o que foi criado como um arcabouço para ser utilizado apenas para contratações específicas e de forma "emergencial", tomou proporções amplas de atuação em campos diversos, como crescimento, saúde e socioeducação.


            É preciso ressaltar que o Regime Diferenciado de Contratações, objetivando contratações mais céleres, acabou por limitar em alguns dos seus dispositivos o princípio da publicidade, parte essencial e indispensável para as práticas administrativa e democrática.

            O primeiro dispositivo que mitiga o princípio da publicidade é artigo 6º' § 3º, que traz a seguinte redação:

Art. 6o Observado o disposto no § 3o, o orçamento previamente estimado para a contratação será tornado público apenas e imediatamente após o encerramento da licitação, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas.

§ 3o Se não constar do instrumento convocatório, a informação referida no caput deste artigo possuirá caráter sigiloso e será disponibilizada estrita e permanentemente aos órgãos de controle externo e interno.

Não obstante, ser o orçamento tornado público em momento posterior ou ser apenas disponibilizado aos órgãos específicos de controle, a sua divulgação é importante como forma de controle da população, pois não basta apenas o controle dos órgão específicos, mas da população como um todo, tem o direito de conhecer o orçamento público. Ademais, justificar que o sigilo é forma de minimizar fraudes licitatórias é uma incoerência.

Corrobora do mesmo entendimento, DIAS E FERREIRA[1], quando trazem que


“a mitigação da publicidade em relação ao planejamento da Administração, no nosso entender, não se revela como instrumento hábil para evitar eventuais fraudes em licitações, ainda mais ao custo da máxima publicidade de atos administrativos. Ademais, a mitigação apresentada não se relaciona com as hipóteses excepcionalmente trazidas pela Constituição e pela Lei 12.527/11".
 

Ainda que assim não fosse, o artigo 15 da mesma lei estabelece:

Art. 15. Será dada ampla publicidade aos procedimentos licitatórios e de pré-qualificação disciplinados por esta Lei, ressalvadas as hipóteses de informações cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, devendo ser adotados os seguintes prazos mínimos para apresentação de propostas, contados a partir da data de publicação do instrumento convocatório:

I - para aquisição de bens:

a) 5 (cinco) dias úteis, quando adotados os critérios de julgamento pelo menor preço ou pelo maior desconto; e

b) 10 (dez) dias úteis, nas hipóteses não abrangidas pela alínea a deste inciso;

II - para a contratação de serviços e obras:

a) 15 (quinze) dias úteis, quando adotados os critérios de julgamento pelo menor preço ou pelo maior desconto; e

b) 30 (trinta) dias úteis, nas hipóteses não abrangidas pela alínea a deste inciso;

III - para licitações em que se adote o critério de julgamento pela maior oferta: 10 (dez) dias úteis; e

IV - para licitações em que se adote o critério de julgamento pela melhor combinação de técnica e preço, pela melhor técnica ou em razão do conteúdo artístico: 30 (trinta) dias úteis.

§ 1o A publicidade a que se refere o caput deste artigo, sem prejuízo da faculdade de divulgação direta aos fornecedores, cadastrados ou não, será realizada mediante:

I - publicação de extrato do edital no Diário Oficial da União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município, ou, no caso de consórcio público, do ente de maior nível entre eles, sem prejuízo da possibilidade de publicação de extrato em jornal diário de grande circulação; e

II - divulgação em sítio eletrônico oficial centralizado de divulgação de licitações ou mantido pelo ente encarregado do procedimento licitatório na rede mundial de computadores.

§ 2o No caso de licitações cujo valor não ultrapasse R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) para obras ou R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) para bens e serviços, inclusive de engenharia, é dispensada a publicação prevista no inciso I do § 1o deste artigo.

§ 3o No caso de parcelamento do objeto, deverá ser considerado, para fins da aplicação do disposto no § 2o deste artigo, o valor total da contratação.

§ 4o As eventuais modificações no instrumento convocatório serão divulgadas nos mesmos prazos dos atos e procedimentos originais, exceto quando a alteração não comprometer a formulação das propostas.

Em se tratando de contratações públicas, deve preceder à celebração de um contrato, a definição clara do objeto pretendido. Posteriormente, efetuar-se a avaliação do seu custo face às condições de mercado, sendo pois, o resultado da pesquisa o que denomina-se orçamento ou preço estimado de contratação.

Niebuhr assevera que[2]:

“O orçamento daquilo que se está licitando é ato fundamental para a condução de todo processo, especialmente para proceder ao controle dos preços propostos à Administração, se excessivos ou inexequíveis. Sem o orçamento, sem saber o quanto custa o que se está licitando, a Administração não dispõe de elementos para realizar tais controles, e, por consequência, passa a aceitar quaisquer tipos de valores, em detrimento ao interesse público”.

Assim, a publicidade do orçamento tem papel fundamental para as contratações públicas, pois como afirma Renato Geraldo Mendes[3], “o preço estimado tem fundamental importância para a contratação, pois é a partir dele que: a) será fixado o preço máximo; b) serão analisadas e julgadas as propostas; e c) será aplicado o critério de aferição do preço inexequível previsto no § 1º do art. 48 da Lei nº 8.666/93.

Além de sua essencialidade, para o procedimento licitatório em si, nas palavras de RECK, “o Princípio da Publicidade é um dos que confere maior credibilidade ao gestor público e manifesta-se como objeto ou instrumento de controle interno e externo. Será por meio da publicação dos atos administrativos que o cidadão terá conhecimento das atividades e ações executadas, o que proporciona transparência aos atos emanados da administração”[4].

Assim, resta claro que o RDC em alguns dos seus dispositivos, desrespeita o princípio da publicidade, preceito basilar da atividade licitatória do Estado, que é de fundamental importância, conforme será demonstrado nas linhas seguintes.

2. A IMPORTÂNCIA DO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE PARA AS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

            O princípio da publicidade é trazido pela Constituição Federal em vários artigos como orientador da atividade administrativa, sendo dever da Administração e direito fundamental do cidadão, conforme prevê o artigo 5º, XIV:


Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

Para corroborar, o artigo 37, caput, da CF prescreve:


Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Assim é possível perceber que a publicidade "constitui parte essencial da prática democrática,”[5] pois através dela é possível conhecer das práticas da administração pública.

DI PIETRO, leciona que a “Administração Pública pode ser definida como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve, sob regime jurídico de direito público, para a consecução dos interesses coletivos”.[6]

Note-se que, o princípio da publicidade deve estar presente em cada ato da Administração Pública, pois, [7]“a publicidade representa o início de outras práticas democráticas, como controle, pois, logicamente, só se pode controlar, impugnar ou mesmo participar daquilo que se conhece. Além disso, mesmo que a informação seja desprovida de valor instrumental, a lógica republicana lhe atribui valor em si, pois, como exposto, o poder não emana do Estado, este apenas exerce-o em nome dos cidadãos, a quem cabe o direito de obter as informações de que o Estado é depositário."
            ROSA traz com muita propriedade a importância do Princípio da Publicidade asseverando que[8]:

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“A atuação transparente do Poder Público exige a publicação, ainda que meramente interna, de toda forma de manifestação administrativa, constituindo esse princípio requisito de eficácia dos atos administrativos.      A publicidade está intimamente relacionada ao controle da Administração, visto que, conhecendo seus atos, contratos, negócios, pode o particular cogitar de impugná-los interna ou externamente.”

Ademais, como escreveu Rayssa Garcia[9], “os princípios são necessários para nortear o direito, embasando como deve ser. Na Administração Pública não é diferente, temos os princípios expressos na constituição que são responsáveis por organizar toda a estrutura e, além disso, mostrar requisitos básicos para uma “boa administração”, e não apenas isso, mas também gerar uma segurança jurídica aos cidadãos, como por exemplo, no princípio da legalidade, que atribui ao indivíduo a obrigação de realizar algo, apenas em virtude da lei, impedindo assim que haja abuso de poder”.

E o princípio da publicidade dos atos administrativos não é diferente, ele aparece como forma de controle dos atos da Administração, já que, se não há publicidade, não há que se falar em controle, pois é através deste, que a população tem a oportunidade de conhecer e, portanto, se manifestar acerca da atuação pública. Lembrando que, o poder existe para alcançar o interesse público e não o individual, e não havendo transparência não haverá fiscalização, logo a probabilidade de ter alcançado o interesse da coletividade é minimizado, além de abrir espaço para os atos corruptos que assolam o poder público brasileiro.

3. CONCLUSÃO

Partindo do conteúdo acima, é possível concluir que o Regime Diferenciado de Contratações Públicas, em nome da agilidade, rapidez e simplicidade, fere o princípio da publicidade, o qual é inseparável e indispensável ao fiel exercício das licitações e dos contratos administrativos.

Ademais, ao desrespeitar a publicidade inobserva a transparência, que se apresenta, não apenas como forma de controle dos órgãos específicos, mas também do povo, que constitui o Estado Democrático, tornando opaca e obscura a gestão pública. De modo que, "a opacidade da gestão pública representa retrocesso democrático e um terreno fértil para práticas corruptas[10]".

REFERÊNCIAS

DIAS, Roberto; FERREIRA, João Paulo. A publicidade no Regime Diferenciado de Contratações Públicas: algumas considerações críticas. In: CAMMAROSANO, Márcio; DALPOZZO, Augusto Neves; VALIM, Rafael (coord.). Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC (Lei 12.462/11; Decreto nº7.581/11): aspectos fundamentais. 3. Ed. Ver., ampl. e atual. Belo Horizonte: Fórum 2014. p. 61-72. ISBN 978-85-7700-861-2.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2002.

GARCIA, Rayssa Cardoso; ARAúJO, Jailton Macena de. Os princípios da administração pública no sistema jurídico brasileiro. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 96, jan 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=11022&n_link=revista_artigos_leitura>. Acesso em 07 de jul 2015.

MENDES, Renato Geraldo. O processo de contratação pública: fases, etapas e atos. Curitiba: Zênite, 2012.

NIEBUHR, JOEL DE MENEZES. Orçamento estimado. Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 165, p. 1065, nov. 2007, seção Doutrina.

REK, Marcos. Os princípios basilares da administração pública e os aplicáveis às licitações. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 116, set 2013. Disponível em: http://www.ambitojuridico.com.br/site/?nlink=revista_artigosleitura&artigo_id=13610>. Acesso em 10 de jul 2015.

ROSA, Márcio Fernando Elias. Direito Administrativo. 5ª. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003.


[1] DIAS, Roberto; FERREIRA, João Paulo. A publicidade no Regime Diferenciado de Contratações Públicas: algumas considerações críticas. In: CAMMAROSANO, Márcio; DALPOZZO, Augusto Neves; VALIM, Rafael (coord.). Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC (Lei 12.462/11; Decreto nº7.581/11): aspectos fundamentais. 3. Ed. Ver., ampl. e atual. Belo Horizonte: Fórum 2014. p. 61-72. ISBN 978-85-7700-861-2.  p. 69.

[2] NIEBUHR, JOEL DE MENEZES. Orçamento estimado. Revista Zênite – Informativo de Licitações e Contratos (ILC), Curitiba: Zênite, n. 165, p. 1065, nov. 2007, seção Doutrina.

[3] MENDES, Renato Geraldo. O processo de contratação pública: fases, etapas e atos. Curitiba: Zênite, 2012. p. 308.

[4] REK, Marcos. Os princípios basilares da administração pública e os aplicáveis às licitações. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVI, n. 116, set 2013. Disponível em:<http://www.ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos _leitura&artigo_id=13610>. Acesso em 10 de jul 2015.

[5] DIAS, Roberto; FERREIRA, João Paulo. A publicidade no Regime Diferenciado de Contratações Públicas: algumas considerações críticas. In: CAMMAROSANO, Márcio; DALPOZZO, Augusto Neves; VALIM, Rafael (coord.). Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC (Lei 12.462/11; Decreto nº 7.581/11): aspectos fundamentais. 3. Ed. Ver., ampl. e atual. Belo Horizonte: Fórum 2014. p. 61-72. ISBN 978-85-7700-861-2. p 66.

[6] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 14ª ed. São Paulo: Editora Atlas, 2002. P. 61

[7] Op. Cit. 4. P. 72.

[8] ROSA, Márcio Fernando Elias. Direito Administrativo. 5ª. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003. p. 14

[9] GARCIA, Rayssa Cardoso; ARAúJO, Jailton Macena de. Os princípios da administração pública no sistema jurídico brasileiro. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 96, jan 2012. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=11022&n_link=revista_artigos_leitura>. Acesso em 07 de jul 2015.

[10] DIAS, Roberto; FERREIRA, João Paulo. A publicidade no Regime Diferenciado de Contratações Públicas: algumas considerações críticas. In: CAMMAROSANO, Márcio; DALPOZZO, Augusto Neves; VALIM, Rafael (coord.). Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC (Lei 12.462/11; Decreto nº7.581/11): aspectos fundamentais. 3. Ed. Ver., ampl. e atual. Belo Horizonte: Fórum 2014. p. 61-72. ISBN 978-85-7700-861-2. p 66.

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Sobre a autora
Eva Gomes

Advogada. Professora. Mestra em Direito Constitucional. Pós-graduada em Direito Público. Presidente da Comissão da Mulher Advogada em Caruaru-PE.

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