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O direito de propriedade e o Código de Trânsito Brasileiro

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01/06/2003 às 00:00
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7 CONCLUSÃO

É bem verdade que em virtude da política intervencionista do Estado, o proprietário de nossos dias desconhece o caráter absoluto, soberano e intangível de que se impregnava o domínio na era dos romanos.

Entretanto, o que se viu ao longo de toda esta análise que foi feita do Código de Trânsito Brasileiro (Lei n.º 9.503, de 23 de setembro de 1997), no que tange à propriedade de veículos automotores, constatou-se um verdadeiro desrespeito a inúmeros direitos públicos subjetivos. E, segundo o Professor Miguel Reale (1984, p. 246), "(...) há um dado que nos parece essencial na Ciência do Direito é este de saber se os direitos individuais são ou não criados pelo Estado".

E ele mesmo dá a resposta (op. cit., p. 246-247):

(...) Estamos convencidos de que o Estado não cria os direitos próprios à pessoa, visto como não se pode conceber Estado como pessoa jurídica sem concepção concomitante dos homens como personalidades jurídicas também.

Isto é, independentemente de os direitos públicos subjetivos estarem ou não consagrados na Constituição de um país, eles devem ser respeitados, pois sua existência é anterior à própria existência do Estado.

Procurou-se, ao longo de todo este trabalho, demonstrar as diversas aberrações contidas no texto da Lei n.º 9.503, de 23/09/1997 e as arbitrariedades que quase a totalidade dos órgãos de trânsito do Brasil vêm cometendo sob a falsa alegação de estarem cumprindo a lei.

Mas, todo este esforço seria em vão, se não se pudesse apontar solução para este problema. E aqui vai ela.

Revogam-se os §§ 2º dos artigos 131 e 262 do CTB; vincula-se o licenciamento anual apenas à inspeção veicular; mantém-se a infração prevista no art. 230, inciso V; e condiciona a liberação do veículo apreendido apenas à vistoria dos itens de segurança, já prevista no § 3º do art. 262, e ao pagamento das despesas com remoção e estada no depósito, vez que não é justo que a Administração Pública arque com este ônus. Os demais débitos (tributos, multas e outros encargos) passariam a ser cobrados por cada órgão credor por meio da Execução Fiscal, que é o meio idôneo e legal para esta cobrança.

Falando assim, parece fácil. Porém, é notório que todas as conquistas da população sempre partiram de reivindicações e sempre foram lentas e graduais. O silêncio é anuência, já dizia o dito popular. Enquanto o contribuinte "abaixar a cabeça" e aceitar a imposição de normas como esta que afetam inúmeras garantias constitucionais que foram a duras penas conquistadas, e que dão sustentação ao Estado Democrático de Direito, no qual se constitui a República Federativa do Brasil, cada vez mais estar-se-á dando passos para trás, distanciando-se ainda mais da busca incessante daquilo que é por todos conceituado como democracia.

Enraizado na cultura nacional, como componente necessário e essencial da vida humana na tradição romano-cristã, encontra-se o princípio do respeito à propriedade privada, como elemento imprescindível ao desenvolvimento do ser e de sua família, dentro da orientação própria e em razão da liberdade natural de que é dotado (BITTAR, 1991, p. 153-154).

E assim também os são os princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Garantias estas que, ao que parece, foram esquecidas pelo legislador ao elaborar o atual Código de Trânsito, no qual se privilegiou, mais uma vez, o furor arrecadatório do Poder Público.

É preciso que o cidadão dê um basta a tudo isso. São pequenas atitudes como este simples ensaio é que darão início a um processo de profunda reformulação pelo qual precisa passar o País. Todos devem acreditar que mudar é possível. Basta querer!


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Sobre o autor
Mário Rocha Castro Júnior

advogado, pós-graduando em Direito Público, diretor de operações de transporte público da Secretaria Municipal de Trânsito e Infra-Estrutura do Município de Contagem (MG)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO JÚNIOR, Mário Rocha. O direito de propriedade e o Código de Trânsito Brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4131. Acesso em: 23 abr. 2024.

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