O desenvolvimento do mundo virtual informático e sua união aos recursos das neurociências já vão proporcionando novidades no que diz respeito à possibilidade de acesso às alterações psíquicas e motoras provocadas pelas drogas convencionais, legais e ilegais.
Já existe um programa denominado “iDoser”, que é um simulador baseado em arquivos sonoros, que se afirma, a princípio, não fazer mal à saúde e oportunizar ao usuário as sensações e percepções alteradas pelo emprego das mais diversas drogas. Tais arquivos sonoros podem ser adquiridos “online” ou através de “download”.
Os arquivos são capazes de simular os efeitos de narcóticos, entorpecentes, estimulantes, estimulantes sexuais, calmantes, antiansiolíticos etc., sem necessidade de que o usuário faça uso real de drogas. O efeito seria produzido por alterações na frequência em que o cérebro trabalha.
Alguns exemplos dessas drogas virtuais são o “White Crosses”, que seria um estimulante, causador de sensações de euforia, verborragia e suposta “expansão intelectual”; o “Sleeping Angel”, que produz sonolência e evita a insônia. ; o “Antisad”, que combate a ansiedade. Ademais, há simuladores para efeitos de todo tipo de drogas, tais como maconha (“Quick Happy”), cocaína, heroína, ópio etc.
É fato que vários usuários criticam o “iDoser”, classificando-o como mero placebo ou não sentindo qualquer efeito concreto. Mas, também há depoimentos de pessoas que sustentam a narrativa de que as doses obtidas produzem efeitos similares às drogas físicas com duração variável entre 30 e 50 minutos. Ainda, há a opção para os chamados “Quick Hits”, que são doses de curta duração entre 10 e 15 minutos.
Segundo instruções do próprio site, os arquivos devem ser utilizados com fones de ouvido, ficando o usuário sozinho, de preferência antes de dormir e com iluminação indireta ou de baixa intensidade.
A questão é saber se a comercialização no Brasil desses arquivos pode ser abarcada pela Lei de Drogas (Lei 11.343/06).
A resposta nos parece claramente negativa, tendo em vista o Princípio da Legalidade, uma vez que em todos os tipos penais da Lei 11.343/06 se faz menção explícita a “drogas”, ou seja, substâncias concretas e não arquivos virtuais sonoros com capacidade de alteração do funcionamento cerebral. A aplicação dos dispositivos existentes no momento ao caso enfocado constituiria analogia “in mallam partem”, inviável na seara penal. Mesmo no caso do § 2º, do artigo 33, da Lei de Drogas, que dispõe sobre a conduta de “induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de drogas”, novamente a barreira vocabular se faz presente, eis que é expressa a menção às "drogas", e não a arquivos informáticos ou similares.
Talvez, sob a égide da antiga Lei 6368/76 e seu artigo 12, § 2º, III, pudesse haver alguma tipificação. Naquela época constituía crime “contribuir de qualquer forma para incentivar ou difundir o uso indevido ou o tráfico ilícito de substância entorpecente ou que determine dependência física ou psíquica”. Com essa redação, considerando a expressão “de qualquer forma”, talvez (e mesmo assim seria discutível) fosse viável alguma tipificação. A argumentação seria que a disponibilização dos arquivos poderia contribuir para o experimentador inicial, e assim produzir, indiretamente, um incentivo tanto ao uso como ao comércio de drogas ilícitas. No entanto, a Lei 6368/76 foi expressa e totalmente revogada pelo artigo 75 da Lei 11.343/06, inclusive esse dispositivo específico, que não encontra reprodução no atual diploma atinente à matéria das drogas.
Assim sendo, as chamadas “drogas virtuais” não encontram tipificação para a posse de dispositivos informáticos e nem mesmo para seu comércio no Brasil, constituindo fato atípico.