O que o fac-símile tem que o e-mail não tem?

31/07/2015 às 15:49
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A Lei nº 9.800/99 prevê a utilização da ferramenta fac-símile ou outro sistema similar para a transmissão de dados destinados a prática de atos processuais, mas para o STJ o e-mail não se encaixa nessa última hipótese, e os motivos não são convincentes.

Sabe-se que o artigo 1º da Lei nº 9.800/99 permite a utilização do sistema de transmissão de dados e imagens denominado "fac-símile" para o envio de petições/recursos, devendo o usuário desse serviço encaminhar os respectivos originais, no prazo de 05 (cinco) dias, ao mesmo órgão peticionado.

Para melhor compreensão, vejamos o que dispõe o supracitado dispositivo legal, ipsis litteris:

“Art. 1º É permitida às partes a utilização de sistema de transmissão de dados e imagens tipo fac-símile ou outro similar, para a prática de atos processuais que dependam de petição escrita.”

Ou seja, toda vez que a parte valer-se de sistema de transmissão de documentos encaminhados à distância, poderá fazê-lo através da ferramenta fac-símile ou outro meio semelhante, desde que permita o envio de dados e imagens.

O e-mail, abreviação do termo “eletronic mail” (ou correio eletrônico), é um serviço de dados amplamente difundido no Brasil que permite aos usuários previamente cadastrados o envio e o recebimento de mensagens através da rede mundial de computadores, cujas características principais são a praticidade e a troca rápida de informações.  

Esse sistema simplifica o trabalho e a vida pessoal de muitas pessoas, pois revela a evolução da comunicação árdua e demorada, para o diálogo instantâneo e efetivo que os dias atuais passaram a exigir. 

Se levarmos em consideração as dimensões continentais do território brasileiro e as 24 (vinte e quatro) horas cada vez mais exíguas para os afazeres diários, reconheceríamos o quão importante é o e-mail em nossas vidas e as dificuldades que enfrentaríamos caso ele deixasse de existir, principalmente no exercício profissional.

Pois bem, o Superior Tribunal de Justiça parece não entender dessa forma. 

Para a Corte Cidadã, o fac-símile, patenteado por Alexander Bain em 1843, tem características que o e-mail não possui, sequer por aproximação, o que impede o enquadramento deste no artigo 1º da Lei nº 9.800/99, quando possibilita o uso do fax “ou outro similar” para a prática de atos processuais.

Nessa linha de raciocínio, não existindo legislação específica regulando o uso do correio eletrônico para o peticionamento, bem como o entendimento segundo o qual não seria possível equipará-lo ao sistema fac-símile, o e-mail passou de alternativa promissora para meio inidôneo de acesso à Justiça.

Porém, o e-mail é tão ineficaz assim, a ponto de não poder ser equiparado ao fac-símile? 

É o questionamento que vem à mente e fica cada vez mais latente na medida em que os diversos precedentes do STJ sobre o tema não enfrentam suficientemente essa questão, sendo, na verdade, meras repetições de si mesmos.

Com efeito, convencionou-se fazer uso de uma suposta vulnerabilidade do e-mail para negar sua capacidade de assegurar a autenticidade dos arquivos eletronicamente enviados às varas e aos Tribunais.

Porém, essa tese cai por terra ao observar que o fac-símile, como o e-mail (ou qualquer outro sistema), não está isento de falhas, e a maioria dos arquivos enviados por correio eletrônico são assinados pelos advogados e digitalizados em formato PDF (Portable Document Format), que têm “a mesma aparência dos arquivos originais e preservam todas as informações da fonte, mesmo quando texto, desenhos, vídeos, áudio, mapas 3D, ilustrações coloridas, fotos e lógica de negócios se combinam em um mesmo arquivo”¹.

Assim, impedir o emprego do e-mail como sucedâneo ao fax revela um enorme retrocesso jurisprudencial, haja vista aquele representar o que se tem de mais acessível na tecnologia de transmissão eletrônica de dados, capaz de suprir todas as características inerentes ao fac-símile, mesmo porque a utilização de nenhum dos dois substitui a necessária apresentação das petições originais, que devem ser entregues ao órgão peticionado no quinquídio subsequente ao seu encaminhamento no formato digital.

Vale destacar que, ao contrário do peticionamento eletrônico, onde não se faz necessário o envio dos documentos originais, uma vez que o protocolo virtual equivale ao físico, o correio eletrônico não visa substituir o peticionamento tradicional, visto que o comando contido no artigo 2º da Lei nº 9.800/99 continua obrigatório. 

Caso contrário, de fato, o e-mail não poderia ser utilizado, pois não preencheria as especificações e exigências necessárias à substituição do papel pelo arquivo eletrônico, como certificação e assinatura digital.

Mas as hipóteses, data vênia, não se confundem. Assim, inexistem óbices à equiparação do e-mail ao fac-símile.

Aliás, a tese da “absoluta ausência de previsão legal”, que ampara inúmeras decisões pela inviabilidade de tal equiparação, nega vigência a Lei nº 9.800/99, pois, reiteradamente, a parte final do artigo 1º desse mesmo diploma é deixada de lado sem qualquer fundamentação plausível.

Nesse contexto, o direito fundamental de acesso à Justiça, previsto no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, não se limita à garantia abstrata cuja a ideia seria a possibilidade de qualquer cidadão poder socorrer-se a via jurisdicional a fim de obter “a tutela dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos”².  

É preciso ir além, através de medidas concretas que viabilizem a efetivação dessa prerrogativa fundamental. A assistência judiciária gratuita, sob esse aspecto, é um ótimo exemplo, pois permite aos hipossuficientes defender seus interesses sem comprometer-lhes o sustento próprio e de sua família. 

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Em descompasso com essa ideia e ameaçando a máxima efetividade do acesso à Justiça estão os julgados que consideram inapropriado o e-mail como mecanismo de fruição processual.

Ora, o Poder Judiciário não pode fomentar pensamentos retrógrados, que agridem a Constituição Federal e impedem o reconhecimento de uma realidade que há muitos anos inseriu-se no cotidiano forense.

Habitualmente, não há como negar que o correio eletrônico inverteu o jogo e substituiu o fac-símile. 

E se esse sistema ainda sobrevive em poucas comarcas do interior do Brasil, é pelo fato de algumas delas manterem a proposta de uma segunda alternativa ao envio de petições à distância. Nas demais, os aparelhos de fax tornaram-se obsoletos, esquecidos num canto qualquer.

Dessa forma, fechar os olhos para os avanços da comunicação seria voltar ao tempo e privar os indivíduos de uma prática que lhes assegura máxima efetividade a garantia fundamental prevista no artigo 5º, inciso XXXV, da Carta Magna, e que há muito tempo foi incorporada no dia-a-dia das comarcas de todo país.

Por outro lado, muitos profissionais do direito agem de boa-fé ao encaminhar suas petições às comarcas via e-mail, uma vez que, inexistindo aparelho de fax nas varas, os serventuários regularmente sugerem como alternativa o envio dos documentos por correio eletrônico. 

Nesse sentido, vejamos relevante julgado do Ministro José Delgado, membro do Superior Tribunal de Justiça, cuja sensibilidade demonstrou que a controvérsia capaz de ocasionar prejuízo ao jurisdicionado não merece melhor sorte:

“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. ENVIO DE PETIÇÃO VIA FAC-SÍMILE. FALHA NO SISTEMA DE RECEBIMENTO DE FAX. CONGESTIONAMENTO NAS LINHAS TELEFÔNICAS. DÚVIDA EM PROL DO JURISDICIONADO. 1. Agravo regimental interposto pela União contra decisão que reformou decisório que havia negado seguimento a outro agravo regimental em face da sua intempestividade. 2. Informação da Coordenadoria da Turma de que "no dia 14 de maio de 2007, verificou-se pane no sistema de 'right fax' em uso na Seção de Protocolo de Petições, cuja manutenção incumbe à Secretaria de Tecnologia e Informações; a avaria tornou indisponíveis as quatro linhas de fax que servem aos usuários dos serviços deste e. Tribunal, das 9:30h até 16:30h daquele dia, quando foram reinstaladas linhas de fax convencional. Em função do bloqueio havido, acumularam-se as chamadas para transmissão de fax, congestionando as linhas telefônicas, estendendo-se o envio de mensagens até 21:30h. 3. É fato que ocorreu pane no sistema responsável pelo recebimento de fax na Seção de Protocolo de Petições no dia indicado pelos agravantes, mesmo ocorrendo a substituição por linhas de fax convencional. Assim, em face do ocorrido, é prudente, na dúvida, não prejudicar os jurisdicionados, ainda mais quando a falha origina-se dentro do próprio Poder Judiciário. 4. Agravo regimental não-provido. (STJ - AgRg no AgRg no Ag: 869155 RJ 2007/0033947-9, Relator: Ministro JOSÉ DELGADO, Data de Julgamento: 04/12/2007, T1 - PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 19/12/2007 p. 1147)”

Nessa perspectiva, além da necessidade de se chegar a um posicionamento favorável à idoneidade do e-mail, é preciso velar pelo bom-senso, levando em consideração o fato de que, ao peticionar, os profissionais da área atuam sob as orientações das próprias comarcas e não incidem em erro grosseiro, procedendo amparados pela boa-fé e com base em prática já assimilada na rotina jurídica.


REFERÊNCIAS

(1) "http://www.adobe.com/br/products/acrobat/adobepdf.html"

(2) "Artigo 21 da Constituição da República de Cabo-Verde"

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