A tutela jurisdicional específica das obrigações de dar, de fazer e de não fazer e a possibilidade de conversão destas em perdas e danos

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02/08/2015 às 15:18
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5 ConCLUSÃO

            Ao contrário de outrora, relativamente às obrigações de dar, de fazer e de não fazer, no atual ordenamento jurídico brasileiro a regra consiste na busca pela eficácia da tutela específica do direito material.

            Para isso, o juiz dispõe de instrumentos para impor ao devedor o cumprimento da própria obrigação específica ou para determinar as providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento da obrigação.

            Enfim, hodiernamente, o ordenamento jurídico pátrio consagra a primazia da tutela específica das obrigações de dar, de fazer e de não fazer sobre outros meios de efetivação (como a substituição por ato de terceiro ou a conversão em perdas e danos), de forma a conferir ao credor exatamente o que lhe é devido (arts. 461 e 461-A do CPC).

            De acordo com o Código de Processo Civil, a conversão de obrigação específica do direito material em perdas e danos consiste em atributo de último expediente a ser empregado, se o credor não a desejar. É que, não se prontificando o devedor a cumprir a obrigação específica, ela somente se converterá em perdas e danos se o credor o requerer ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

            A conversão em perdas e danos das obrigações de dar, de fazer ou de não fazer, do ponto de vista processual, é regida pelos arts. 461, §1º, 461-A, §3º, e 633 do CPC. Com o deferimento da conversão da obrigação específica em perdas e danos, deve-se passar imediatamente para o ato de liquidação do valor da indenização, que ocorrerá nos próprios autos, sem a necessidade de novo contraditório amplo e típico da fase de conhecimento (nova petição inicial, citação, contestação, dilação probatória e sentença). Em verdade, o contraditório somente deverá ser observado em relação à eventual impugnação oposta pelo devedor, quanto a possíveis causas excludentes de responsabilidade.

            O produto da incidência de eventual multa pecuniária vencida pelo descumprimento de obrigação específica sancionada caberá ao credor prejudicado pela mora do devedor, uma vez que a multa prevista no art. 461, §§4º e 5º, do CPC não tem caráter reparatório. Assim sendo, o produto decorrente das astreintes é acumulável com a indenização por perdas e danos.

            Apurado o valor da indenização por perdas e danos, o feito deverá prosseguir como execução de quantia certa, devendo o executado ser intimado para efetuar o pagamento do quantum devido a título de indenização por perdas e danos, no prazo de quinze dias, sob pena de multa de 10% (dez por cento), prevista no art. 475-J do CPC.

            Anote-se, por fim, que sobre o valor das astreintes não incide a multa prevista no art. 475-J do CPC, porquanto a multa pecuniária não se enquadra nas hipóteses estabelecidas pelo referido dispositivo legal, não podendo ser considerada quantia certa nem fixada em liquidação, porque traduz simples consequência do descumprimento de ordem judicial, tendo, pois, natureza coercitiva e não condenatória.


Referências

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NOTAS:

[1] STJ (Quarta Turma); REsp 1006473/PR; Relator Ministro Luis Felipe Salomão; Relator para acórdão Ministro Marco Buzzi; Data do Julgamento: 08.05.2012. DJe 19.06.2012.

[2] STJ (Primeira Turma); REsp 794253/RS; Relator Ministro José Delgado; Data do Julgamento: 21.11.2006. DJ 01.02.2007, p. 418.

[3] Anote-se que as “providências que asseguram o resultado prático equivalente ao do adimplemento” da obrigação também possuem natureza de tutela específica (MACHADO, 2008, p.469-471). Destarte, do ponto de vista conceitual, não é adequado utilizar a expressão “tutela específica ou resultado prático correspondente”, ou qualquer outra forma equivalente a esta, visto que dá a entender a existência de contraposição entre a tutela específica e as “providências que assegurem o resultado prático” (as quais, na verdade, são formas de tutela específica). Entretanto, neste trabalho, feito o presente registro com base no rigor técnico e científico, optou-se por utilizar formas equivalentes à referida expressão, porque o seu uso é demasiadamente comum, consagrado pelo Código de Processo Civil, pela doutrina e pelos Tribunais.

[4] STJ (Terceira Turma); REsp 1358726/RJ; Relatora Ministra Nancy Andrighi; Data do Julgamento: 06.05.2014. DJe 20.05.2014.

[5] STJ (Quarta Turma); REsp 1006473/PR; Relator Ministro Luis Felipe Salomão. Relator para acórdão Ministro Marco Buzzi; Data do Julgamento: 08.05.2012. DJe 19.06.2012.

[6] STJ (Segunda Seção); Rcl 5072/AC; Relator Ministro Marco Buzzi. Relatora para acórdão Ministra Nancy Andrighi; Data do Julgamento: 11.12.2013. DJe 04.06.2014.

[7] STJ (Segunda Seção); Rcl 7861/SP; Relator Ministro José Felipe Salomão; Data do Julgamento: 11.09.2013. DJe 06.03.2014.

[8] Poder Judiciário da União; Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (Quinta Turma Cível); Acórdão n.º 770412; 20140020016304 AGI; Relatora Desembargadora Gislene Pinheiro; Data do Julgamento: 19.03.2014. DJE 24.03.2014, p. 326.

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Sobre o autor
Clayton Moreira de Castro

Possui GRADUAÇÃO em DIREITO pela Universidade Presidente Antônio Carlos de Araguari (UNIPAC/Araguari), graduação em ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e graduação em ENGENHARIA CIVIL pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). MESTRE em Engenharia Civil (Engenharia de Estruturas) pela Escola de Engenharia de São Carlos (EESC) da Universidade de São Paulo (USP). ESPECIALISTA em Direito Processual Civil e Direito Administrativo pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). SERVIDOR PÚBLICO do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJMG).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Artigo publicado inicialmente no seguinte periódico: O Patriarca: revista do curso de Direito – IMEPAC Araguari, Araguari, MG, v. 9, n.9, p. 1-20, 2015. ISSN 2237-8863.

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