A dignidade da pessoa humana como parâmetro de interpretação jurídica

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05/08/2015 às 15:34
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7 A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA COMO PARÂMETRO DE INTERPRETAÇÃO JURÍDICA E A DIGNIDADE COMO LIMITE E TAREFA DO ESTADO, DA COMUNIDADE E DOS PARTICULARES

Como foi observado, a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e um valor supremo, o que denota que toda interpretação da norma jurídica deve estar associada à proteção de um mínimo existencial humano por parte do Estado.

Sobre isso, afirma José Afonso da Silva que:

Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. “Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não uma ideia qualquer apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir ‘teoria do núcleo da personalidade’ individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana”. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.[58]

Sendo assim, não restam dúvidas que a dignidade da pessoa humana é um valor moral próprio da pessoa humana, que compele o Estado a pautar suas ações no respeito dos direitos e garantias fundamentais.

Outro ponto deste trabalho será estabelecer a dignidade como limite e tarefa do Estado, da comunidade e dos particulares.

Como visto anteriormente, o Estado-opressor sempre foi a preocupação na defesa e satisfação dos direitos fundamentais. Por isso falava-se apenas em eficácia vertical desses direitos. Depois que se consolidou o entendimento de que o Estado deveria respeitar os direitos e garantias de seus cidadãos, começou-se a falar de eficácia horizontal (entre particulares).

Assim, houve o surgimento de duas principais teorias explicativas sobre o assunto: a teoria da eficácia horizontal indireta dos direitos fundamentais e a teoria da eficácia horizontal direta dos direitos fundamentais.

A despeito de existirem tais correntes quanto a isso, o que se nota é que o caso concreto que dirá o modo pelo qual a vinculação do particular se dará, isto é, direta ou indiretamente, pois isso depende da existência de uma norma de direito privado e da forma como esta dispõe sobre as relações entre os particulares. [59]

Além disso, lembra-se que se dividem em dois pólos no que diz respeito aos destinatários da vinculação dos direitos fundamentais no âmbito privado: as relações (manifestamente desiguais) que se estabelecem entre o indivíduo e os detentores de poder social, e as relações entre os particulares em geral, situadas fora das relações de poder, pois presumidamente iguais. [60]

Verifica-se, assim, que há dois entendimentos: o primeiro de que é possível transportar diretamente os princípios para o campo privado quando os particulares estão em pé de desigualdade, e, quando se fala de particulares em condições de igualdade (relativa), prevalece o princípio da liberdade, só se aceitando uma eficácia direta dos direitos fundamentais nesse tipo de relação privada quando a dignidade da pessoa humana estiver ameaçada ou diante de uma ingerência indevida na intimidade pessoal.[61]

Eis aqui o ponto central desse trabalho: a dignidade como limite e tarefa do Estado, da comunidade e até mesmo dos particulares em pé de igualdade.

Pois bem.

O primeiro ponto é dizer que o princípio da dignidade da pessoa humana impõe limites à atuação estatal, com o fito de obstar que o poder público venha a violar a dignidade da pessoa (atuação negativa), bem como que o Estado deve promover a realização de uma vida com dignidade para todos (atuação positiva).[62]

Explica Sarlet que, além do que foi dito, o Estado tem o dever de proteger a dignidade de todos os indivíduos contra agressões oriundas de terceiros, mesmo que de outros particulares, de modo que promova as condições que viabilizem e remova toda sorte de obstáculos que estejam a impedir as pessoas de viverem com dignidade.[63]

Para demonstrar tais alegações, é importante traz alguns julgados do Supremo Tribunal Federal:

EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. REGRESSÃO DE REGIME PRISIONAL. FALTA GRAVE. FATO DEFINIDO COMO CRIME. SOMA OU UNIFICAÇÃO DE PENAS. BENEFÍCIOS DA EXECUÇÃO. ARTS. 111 E 118 DA LEI 7.210/84. REMIÇÃO. SÚMULA VINCULANTE 9 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. PRINCÍPIO DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. VETOR ESTRUTURAL. ORDEM DENEGADA NA PARTE CONHECIDA. I - A prática de falta grave pode resultar, observado o contraditório e a ampla defesa, em regressão de regime. II - A prática de "fato definido como crime doloso", para fins de aplicação da sanção administrativa da regressão, não depende de trânsito em julgado da ação penal respectiva. III - A natureza jurídica da regressão de regime lastreada nas hipóteses do art. 118, I, da Lei de Execuções Penais é sancionatória, enquanto aquela baseada no incido II tem por escopo a correta individualização da pena. IV - A regressão aplicada sob o fundamento do art. 118, I, segunda parte, não ofende ao princípio da presunção de inocência ou ao vetor estrutural da dignidade da pessoa humana. V - Incidência do teor da Súmula vinculante nº 9 do Supremo Tribunal Federal quando à perda dos dias remidos. VI - Ordem denegada. (HC 93782, Relator(a):  Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 16/09/2008, DJe-197 DIVULG 16-10-2008 PUBLIC 17-10-2008 EMENT VOL-02337-03 PP-00520 RTJ VOL-00207-01 PP-00369)

Afirmou o Ministro Lewandowski que:

a determinação legal do inciso II do art. 118, que trata da soma e da unificação de pena, não possui essência sancionatória, muito embora possa acarretar a regressão do regime. Aqui, a norma visa à exata observância do disposto nos arts. 33 a 36 do Código Penal e tem por escopo a correta individualização da pena, em conformidade estrita aos preceitos constitucionais em geral e ao vetor da dignidade da pessoa humana.

Neste exemplo, usou-se o princípio da dignidade da pessoa humana para dar fundamento à decisão que aplicou o inciso I do artigo 118 da 7.210/84, dizendo que ele é perfeitamente compatível com a ordem constitucional.

Outra jurisprudência do STF:

EMENTA: 1. Habeas corpus. Crimes contra a Ordem Tributária (Lei no 8.137, de 1990). Crime societário. 2. Alegação de denúncia genérica e que estaria respaldada exclusivamente em processo administrativo. Ausência de justa causa para ação penal. Pedido de trancamento. 3. Dispensabilidade do inquérito policial para instauração de ação penal (art. 46, § 1o, CPP). 4. Mudança de orientação jurisprudencial, que, no caso de crimes societários, entendia ser apta a denúncia que não individualizasse as condutas de cada indiciado, bastando a indicação de que os acusados fossem de algum modo responsáveis pela condução da sociedade comercial sob a qual foram supostamente praticados os delitos. Precedentes: HC no 86.294-SP, 2a Turma, por maioria, de minha relatoria, DJ de 03.02.2006; HC no 85.579-MA, 2a Turma, unânime, de minha relatoria, DJ de 24.05.2005; HC no 80.812-PA, 2a Turma, por maioria, de minha relatoria p/ o acórdão, DJ de 05.03.2004; HC no 73.903-CE, 2a Turma, unânime, Rel. Min. Francisco Rezek, DJ de 25.04.1997; e HC no 74.791-RJ, 1a Turma, unânime, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ de 09.05.1997. 5. Necessidade de individualização das respectivas condutas dos indiciados. 6. Observância dos princípios do devido processo legal (CF, art. 5o, LIV), da ampla defesa, contraditório (CF, art. 5o, LV) e da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1o, III). Precedentes: HC no 73.590-SP, 1a Turma, unânime, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 13.12.1996; e HC no 70.763-DF, 1a Turma, unânime, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23.09.1994. 7. No caso concreto, a denúncia é inepta porque não pormenorizou, de modo adequado e suficiente, a conduta dos pacientes. 8. Habeas corpus deferido. (HC 85327, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 15/08/2006, DJ 20-10-2006 PP-00088 EMENT VOL-02252-02 PP-00266 RTJ VOL-00201-03 PP-00993 LEXSTF v. 28, n. 336, 2006, p. 393-409 RDDT n. 135, 2006, p. 220-221)

Um dos argumentos usados pelo Ministro Gilmar Mendes para deferir o Habeas corpus foi o seguinte:

Quando se fazem imputações incabíveis, dando ensejo à persecução criminal injusta, portanto, está a se violar, também, o princípio da dignidade da pessoa humana, o qual, entre nós, tem base positiva no artigo 1º, III da Constituição. Como se sabe, na sua acepção originária, tal princípio proíbe a utilização do homem em objeto dos processos e ações estatais. O Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações. A propósito, em comentários ao art. 1º da Constituição alemã, afirma Günther Dürig que a submissão do homem a um processo judicial indefinido e sua degradação como objeto do processo estatal atenta contra o princípio da proteção judicial efetiva (rechtliches Gehör) e fere o princípio da dignidade humana (“Eine Auslieferung des Menschen na ein staatliches Verfahren und eine Degradierung zum Objekt dieses Verfahrens wäre die Verweigerung des rechtlichen Gehörs.”).

Mais uma vez aqui foi usado pelo STF o princípio da dignidade da pessoa humana para dar fundamento ao deferimento do Habeas corpus, sendo extremamente claro o Ministro quando disse que o Estado está vinculado ao dever de respeito e proteção do indivíduo contra exposição a ofensas ou humilhações (atuação negativa).

Outra Jurisprudência:

EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. USO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. APLICAÇÃO NO ÂMBITO DA JUSTIÇA MILITAR. ART. 1º, III DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. 1. Paciente, militar, condenado pela prática do delito tipificado no art. 290 do Código Penal Militar (portava, no interior da unidade militar, pequena quantidade de maconha). 2. Condenação por posse e uso de entorpecentes. Não-aplicação do princípio da insignificância, em prol da saúde, disciplina e hierarquia militares. 3. A mínima ofensividade da conduta, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica constituem os requisitos de ordem objetiva autorizadores da aplicação do princípio da insignificância. 4. A Lei n. 11.343/2006 --- nova Lei de Drogas --- veda a prisão do usuário. Prevê, contra ele, apenas a lavratura de termo circunstanciado. Preocupação, do Estado, em alterar a visão que se tem em relação aos usuários de drogas. 5. Punição severa e exemplar deve ser reservada aos traficantes, não alcançando os usuários. A estes devem ser oferecidas políticas sociais eficientes para recuperá-los do vício. 6. O Superior Tribunal Militar não cogitou da aplicação da Lei n. 11.343/2006. Não obstante, cabe a esta Corte fazê-lo, incumbindo-lhe confrontar o princípio da especialidade da lei penal militar, óbice à aplicação da nova Lei de Drogas, com o princípio da dignidade humana, arrolado na Constituição do Brasil de modo destacado, incisivo, vigoroso, como princípio fundamental (art. 1º, III). 7. Paciente jovem, sem antecedentes criminais, com futuro comprometido por condenação penal militar quando há lei que, em lugar de apenar --- Lei n. 11.343/2006 --- possibilita a recuperação do civil que praticou a mesma conduta. 8. No caso se impõe a aplicação do princípio da insignificância, seja porque presentes seus requisitos, de natureza objetiva, seja por imposição da dignidade da pessoa humana. Ordem concedida. (HC 90125, Relator(a):  Min. ELLEN GRACIE, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. EROS GRAU, Segunda Turma, julgado em 24/06/2008, DJe-167 DIVULG 04-09-2008 PUBLIC 05-09-2008 EMENT VOL-02331-01 PP-00131)

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O entendimento foi dado também com base no princípio da dignidade da pessoa humana, pois se verificou que esse princípio deveria prevalecer em face ao princípio da especialidade da lei penal militar. Assim, sendo o paciente jovem e sem antecedentes criminais, a condenação de delito tão sem expressão comprometeria seu futuro. Daí que se preferiu aplicar o princípio da dignidade da pessoa humana (princípio fundamental).

Ainda no Supremo Tribunal Federal:

Trata-se de pedido de suspensão de tutela antecipada, ajuizado pela União, em face da decisão proferida pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região nos autos do Agravo de Instrumento n.º 2005.04.01.030461-5/SC.Na origem, o Ministério Público Federal, ajuizou Ação Civil Pública (processo n.ºº 2004.72.00.018134-1/SC) com pedido de tutela antecipada em face da União Federal, do Estado de Santa Catarina e do Município de Florianópolis, a fim de garantir o acesso aos medicamentos Plavix 75 g (Clopidogrel), Diltizem (Cardizem) e Sinvascor 40 g (Sinvatastina), em regime de gratuidade, ao Senhor Télbio Alvarenga Duarte e aos usuários do SUS residentes no Estado de Santa Catarina, ou, alternativamente, nos municípios integrantes da subseção Judiciária de Florianópolis-SC. Alegou estar o objeto da ação em consonância com a Constituição (artigos 196 a 200), com a Lei 8.080/90 e a Norma Operacional de Assistência à Saúde _ NOAS / SUS n.º 01/2002 (fls.18-23).O Juízo da 4ª Vara Federal de Florianópolis indeferiu o pedido de antecipação da tutela. O Ministério Público interpôs, então, agravo de instrumento. (fls. 145-150).A 1ª Turma Suplr do TRF/4ª Região, por unanimidade, deferiu parcialmente o pedido nos autos do agravo n.º 2005.04.01.030461-5, para determinar que os demandados, por meio do SUS, “forneçam ao paciente Télbio Alvarenga Duarte os medicamentos Plavix 75 mg (Clopidrogrel), Diltizem (Cardizem) e Sinvascor 40 Mg (Sinvastatina), assim como a outros doentes que se encontrem na mesma situação em Florianópolis/SC, no prazo de 30 dias, e para que a União seja mantida no feito, estabelecendo-se a competência da Justiça Federal até o pronunciamento final desta Corte”. Não foi dado provimento à cominação de multa diária em caso de descumprimento da decisão liminar (Fls. 121-125).Opostos embargos de declaração pela União e pelo Município de Florianópolis, estes foram rejeitados à unanimidade pela 1ª Turma Suplementar do TRF/4ª Região, em acórdão cuja ementa é a seguinte (fls. 151-153):EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. REDISCUSSÃO. DESNECESSÁRIO O EXAME DE TODOS OS ARGUMENTOS VENTILADOS PELO RECORRENTE. PREQUESTIONAMENTO.1. A pretensão não encontra refúgio nas hipóteses previstas legalmente para manejo dos declaratórios, encerrando, na verdade, confessado intuito de modificar o julgado, o que deve ser buscado na via recursal própria.2. Para acolher ou rejeitar o pedido de reforma da decisão, desnecessário o exame de todos os argumentos ventilados pelo recorrente se o voto condutor do acórdão motivou suficientemente a decisão da Turma.3. Para prequestionamento, importante é que o aresto adote entendimento explícito sobre a questão, sendo desnecessária a individualização numérica dos artigos em que se funda o decisório.4. Embargos de declaração rejeitados.Em seguida, a União interpôs recurso especial, inadmitido pelo Vice-Presidente do TRF da 4ª Região (fls. 156-157). Em consulta ao sítio do STJ, verifica-se que foi negado provimento ao agravo de instrumento de n.º 924.929/RS, formalizado contra essa decisão que inadmitiu recurso especial, por decisão monocrática do Ministro Teori Albino Zavascki, cujo trânsito em julgado se deu em 09.10.2007.Em decisao de 07.03.2007, nos autos da ação civil pública em epígrafe, o Juízo da 4ª Vara Federal de Florianópolis decidiu: (i) não conhecer o requerimento de substituição dos medicamentos requeridos na inicial; (ii) não acolher a alegação de responsabilidade do Estado de Santa Catarina para aquisição de um medicamento em particular, ante o reconhecimento da responsabilidade solidária dos entes da federação pelo acórdão do TRF da 4ª Região nos autos do agravo de instrumento supramencionado;(iii) intimar o autor para manifestar-se acerca de possível cumprimento em duplicidade do referido acórdão do TRF da 4ª Região; e (iv) reiterar a intimação do Estado de Santa Catarina para fins de comprovação do cumprimento da decisão do agravo de instrumento, sob pena de multa diária no valor de R$ 50,00 (cinqüenta reais) (fls. 139-140).Em seguida, o Juízo da 4ª Vara Federal de Florianópolis julgou improcedente a Ação civil Pública n.º 2004.72.00.018134-1/SC, mas manteve os efeitos da tutela antecipada deferida nos autos do agravo de instrumento n.º 2005.04.01.030461-5, nos seguintes termos:“ANTE O EXPOSTO, ainda que respeitando posicionamento majoritariamente contrário, julgo improcedente o pedido, nos termos da fundamentação.Ficam mantidos os efeitos da medida liminar deferida em sede de agravo até eventual reexame pelo E. TRF da 4ª Região.” (fl.163) Contra a sentença de improcedência a União opôs embargos de declaração, alegando contradição, no sentido de que a decisão que julga improcedente o pedido teria revogado, implicitamente, os efeitos da tutela antecipada anteriormente deferida (fls.39-41). Os embargos declaratórios foram rejeitados pelo Juízo da 4ª Vara Federal de Florianópolis em 25.04.2008 (fl. 42).Interposto o recurso de apelação pelo Ministério Público Federal, este foi recebido em seu duplo efeito em 17.06.2008 (fls. 167-182).A União apresenta, então, pedido de suspensão de tutela antecipada a esta Suprema Corte em face do acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região nos autos do Agravo de Instrumento n.º 2005.04.01.030461-5 (fls.150-155), com base em argumentos de grave lesão à ordem, à saúde e à economia públicas.Sustenta que a determinação genérica de fornecimento dos medicamentos de alto custo Plavix 75g (Clopidogrel), Diltizem (Cardizem) e Sinvascor 40g (Sinvatastina) inviabilizaria o adequado funcionamento do Sistema Público de Saúde, bem como prejudicaria o fornecimento de serviços de saúde básica ao restante da população (fl. 10).Aduz que a decisão impugnada configura indevida interferência do Poder Judiciário na esfera de atribuições que competem ao Poder Executivo, relativas à condução de políticas públicas (fls. 9-10).No tocante ao argumento de grave lesão à saúde pública, assevera que, “no momento em que se decide disponibilizar de forma ampla e gratuita os medicamentos citados, com um custo final expressivo ao Poder Público, e sem a prévia elaboração de estudos técnicos indispensáveis à averiguação da sua real utilidade/necessidade, diminui-se a capacidade financeira do Estado de fornecer outros benefícios, também considerados relevantes, aos demais integrantes da sociedade” (fls. 10-11).Alega que não há a devida previsão orçamentária para a aquisição da medicação. Ademais, defende que as prestações de saúde devem ser executadas dentro da “reserva do possível”, ressaltando a possibilidade de ocorrência do efeito multiplicador da decisão (fls. 12-13).Relata, por fim, a possibilidade de substituição dos medicamentos requeridos por outros de eficácia equivalente fornecidos pela rede pública: o Clopudrogel pelo ácido acetilsalicílico 100 mg, e o Dialtizem 30 mg por algum dos anti-hipertensivos que são regularmente oferecidos. Em relação ao medicamento Sinvastatina 40 mg, informa que é integrante do rol de Medicamentos de Dispensação Excepcional nos termos da Portaria GM n.º 1318/2002, sendo de competência do Estado de Santa Catarina o seu fornecimento, tendo em vista que a União repassa aos Estado os recursos para sua programação, aquisição e dispensação (fls. 13-14).Em consulta ao sítio do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, verifica-se que a União interpôs o agravo de instrumento n.º 2008.04.00.031663-4 contra a decisão que recebeu o recurso de apelação no seu duplo efeito, mas manteve os efeitos da tutela antecipada que ordenava o fornecimento de medicamentos descritos na inicial da ação civil pública.O Juiz Federal Nicolau Konkel Junior, relator do agravo de instrumento, deferiu o pedido de efeito suspensivo ativo pleiteado pela União para suspender os efeitos da determinação de fornecimento dos medicamentos proferida em sede de antecipação de tutela. Eis o inteiro teor da decisão, publicada em 23.09.2009:“A irresignação da UNIÃO merece trânsito.Com efeito, segundo a disciplina do art. 273 do Código de Processo Civil, a antecipação dos efeitos da tutela poderá ser deferida, a requerimento da parte interessada, quando o juiz, existindo prova inequívoca das alegações se convencer da verossimilhança das alegações do autor, requisitos estes associados ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou, ainda, quando ficar caracterizado o abuso de direito de defesa.Com isso, quer a lei adjetiva autorizar que os efeitos daquele provimento padrão, final e tipicamente jurisdicional, venham a ser antecipados pelo magistrado. Porém, não basta que se revele um ou outro requisito. De fato, a necessidade de intervenção judicial excepcional nasce da comunhão de requisitos, de modo que incabível a sua concessão quando não subsistirem harmoniosamente os seus pressupostos.Dessa forma, a decisão antecipatória não se sustenta ante a improcedência da demanda, fruto de cognição plena em substituição àquela proferida em juízo de prelibação.Ainda que a primeira se origine de agravo de instrumento apreciado por este Tribunal, neste caso não se há de valorizá-la ao excesso a decisão proferida pelo juízo superior, sob pena de tornar inútil a instrução levada a efeito pelo juízo de primeiro grau. Fato é que a antecipação dos efeitos da tutela deixa de gerar efeitos com a improcedência da ação, ocasionando, inclusive, a perda do objeto de um agravo de instrumento eventualmente interposto e pendente de julgamento. Confira-se a orientação do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema:RECURSO ESPECIAL. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA QUE REVOGA A ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. EFEITOS DA APELAÇÃO. MERAMENTE DEVOLUTIVO NO QUE TOCA À ANTECIPAÇÃO.1. A interpretação meramente gramatical do Art. 520, VII, do CPC quebra igualdade entre partes.2. Eventual efeito suspensivo da apelação não atinge o dispositivo da sentença que tratou de antecipação da tutela, anteriormente concedida.(REsp 768.363, Rel. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 14/02/2008, DJe 05/03/2008).PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DECISÃO ANTECIPATÓRIA DE TUTELA. PROLAÇÃO DE SENTENÇA DE MÉRITO. RECURSO RELATIVO AO PROVIMENTO LIMINAR. FALTA DE INTERESSE RECURSAL. 1. Torna-se prejudicado o recurso interposto contra decisão concessiva de tutela antecipada, quando sobrevém sentença de mérito de improcedência ou de extinção do processo sem julgamento do mérito, ou ainda de procedência, que seja atacada por recurso recebido apenas no efeito devolutivo. Neste caso, o provimento do recurso relativo à liminar antecipatória não tem o condão de impedir a exeqüibilidade da sentença de mérito, não subsistindo, portanto, interesse jurídico em sua apreciação. 2. Agravo regimental desprovido. (AGREsp 590.699/SP, Rel.Ministro LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 21/02/2006, DJe 20/03/2006).Em idêntico sentido, precedente deste Tribunal:PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE PENSÃO POR MORTE. RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE DECISÃO JUDICIAL. DESCABIMENTO. 1. A sentença de improcedência na demanda acarreta, por si só, revogação da medida antecipatória com eficácia imediata e ex tunc.2. O art. 40, § 5º, da Constituição Federal de 1988, na redação original, somente é aplicável aos servidores públicos, o que não é o caso do instituidor do benefício de pensão por morte da autora, que era comerciário empregado. 3. Segundo decisão do Plenário do Egrégio STF (RE n.º 416827 e n.º 415454), o cálculo do benefício de pensão deve ser efetuado de acordo com a legislação vigente à época em que atendidos os requisitos necessários à sua concessão, sendo, pois, descabida a majoração do coeficiente de cálculo em aplicação da lei nova. 4. Não obstante tenha sido revogada a antecipação dos efeitos da tutela e definitivamente julgada improcedente a ação revisional de benefício, é incabível a restituição dos valores recebidos a tal título,uma vez que foram alcançados à parte autora por força de decisão judicial e auferidos de absoluta boa-fé. Precedentes jurisprudenciais. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 2006.71.00.041919-4, 5ª Turma, Des. Federal CELSO KIPPER, POR UNANIMIDADE, D.E. 28/10/2008).Apenas para não passar in albis, não pretendendo, por óbvio, antecipar um entendimento para quando do julgamento da apelação, tenho entendido que a Constituição Federal garante a inviolabilidade do direito à vida (art. 5º), abrangendo este o direito de existência, de não ter interrompido o processo vital senão pela morte espontânea e inevitável. A saúde, por sua vez, também é elevada à condição de direito fundamental do homem, constituindo-se direito de todos e dever do Estado, devendo ser garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem não só à redução do risco de doenças, como também busquem o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196), de forma que todo ser humano, em caso de doença, tenha "o direito a um tratamento condigno de acordo com o estado atual da ciência médica, independentemente de sua situação econômica" (SILVA, José Afonso da, Curso de Direito Constitucional Positivo, 10ª ed., p. 298). Trata-se de um direito positivo, impondo aos entes públicos a realização de tarefas, exigindo prestações do Estado, que deve prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.A questão apresentada pertine a colisão entre o princípio constitucional de proteção à saúde e a independência entre os poderes, com destaque à questão da sustentabilidade do sistema de acesso à saúde previsto constitucionalmente. Isso porque é certo que ao Estado é inviável economicamente garantir todo e qualquer tratamento de saúde a todos os cidadãos. Assim, outorgou a Carta Magna ao Executivo o poder de eleger as políticas públicas que confiram concretude ao direito à saúde por ela garantido (separação dos poderes). Tais políticas públicas devem ser criadas de modo a garantir, tanto quanto possível, o princípio da igualdade, no sentido de permitir a todos, no caso do direito à saúde, o acesso às mesmas ações e serviços.Por ocasião da eleição dos medicamentos/tratamentos a serem fornecidos, diversos aspectos, à escolha do Executivo, devem ser sopesados, entre eles o custo do medicamento, o índice de incidência da patologia, e a comprovação do benefício no uso do tratamento/medicamento. Assim, efetuada a ponderação entre o princípio da igualdade e do mínimo vital, é razoável que o Estado forneça medicamentos que proporcionem o atendimento do maior número de pessoas possível, com a maior efetividade (benefício comprovado).Sem embargo, há situações em que a garantia da dignidade da pessoa humana se sobrepõe. Ainda que haja programa de fornecimento gratuito de medicamentos na rede pública de saúde, e especificamente, somente é possível que se determine aos entes estatais a realização de tratamentos contra neoplasias que não sejam regularmente disponibilizados, porque não pode o Estado omitir-se no cumprimento da obrigação imposta pela Constituição Federal forte na afirmativa de que só o Executivo pode definir os critérios de promoção da saúde.A solução demanda a aplicação do princípio da proporcionalidade, com a verificação da presença dos requisitos a ele inerentes: a) necessidade, b) adequação e c) proporcionalidade em sentido estrito. A aferição da existência de tais condições evita a imposição ao Estado de obrigações desnecessárias, inadequadas ou desproporcionais ao resultado pretendido, desproporcionais na relação custo/bem estar-saúde proporcionados pelo medicamento ou tratamento.Assim, o Estado deve estar desobrigado de fornecer medicamentos/tratamentos: a) cujos efeitos, senão idênticos, mas parecidos, possam ser obtidos com os remédios oferecidos gratuitamente; b) que não geram efeitos benéficos comprovados pela ciência, vale dizer, medicamentos ainda não aprovados pela ANVISA, ou que são inadequados para o caso do paciente postulante; c) cujos custos possam ser reduzidos mediante o fornecimento de medicamentos mais baratos, com os mesmos efeitos; d) experimentais; e) cujos custos sejam desproporcionais aos benefícios que promove; f) para fins puramente estéticos; g) a pacientes que não tenham se submetidos aos tratamentos previstos pelo SUS, e que têm indicação médica para o caso.Portanto, considerando que a pretensão, em especial pela generalidade dos beneficiários, não satisfaz os requisitos imprescindíveis para que sejam fornecidos os medicamentos solicitados na inicial, associado aos aspectos processuais antes perfilados,deve ser deferida a pretensão recursal da UNIÃO FEDERAL.Em face do exposto, defiro o efeito suspensivo ativo vindicado”.Decido.A base normativa que fundamenta o instituto da suspensão (Leis 12.016/09, 8.437/92, 9.494/97 e art. 297 do RI-STF) permite que a Presidência do Supremo Tribunal Federal, a fim de evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas,suspenda a execução de decisões concessivas de segurança, de liminar ou de tutela antecipada, proferidas em única ou última instância, pelos tribunais locais ou federais, quando a discussão travada na origem for de índole constitucional.Assim, é a natureza constitucional da controvérsia que justifica a competência do Supremo Tribunal Federal para apreciar o pedido de contracautela, conforme a pacificada jurisprudência desta Corte, destacando-se os seguintes julgados: Rcl 497-AgR/RS,rel. Min. Carlos Velloso, Plenário, DJ 06.4.2001; SS 2.187-AgR/SC, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 21.10.2003; e SS 2.465/SC, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 20.10.2004.No presente caso, entendo incabível o pedido de suspensão de tutela antecipada. Eis o que dispõe o art. 4º da Lei n.º 8.437/92:“Art. 4º Compete ao presidente do tribunal, ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o Poder Público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas.”A redação literal do referido dispositivo não deixa dúvida de que o pedido de suspensão, em qualquer instância, somente é admitido ante a existência de uma decisão liminar em execução, entendimento este também aplicável às tutelas antecipadas e seguranças concedidas.Esse entendimento é reforçado pela leitura do art. 4º, § 4º, da Lei n.º 8.437/92, que dispõe ser cabível novo pedido de suspensão ao Presidente do Tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário, por exemplo, somente quando, em sede de agravo, houver a manutenção ou restabelecimento da decisão que se pretende suspender.Isso significa que, uma vez inexistente liminar ou tutela antecipada deferida, não se preenche o requisito restritivo do art. 4º, caput, da Lei n.º 8.437/92.Entendimento contrário soa estranho à sistemática dos pedidos de suspensão, que deve ser interpretada de maneira restritiva, por se tratar de um regime de contracautela, com regras uniformes, aplicáveis igualmente aos processos das suspensões de segurança, de liminar e de tutela antecipada.No presente caso, indeferida tutela antecipada pelo juízo de primeiro grau, esta veio a ser concedida pelo TRF da 4ª Região por meio de agravo de instrumento n.º 2005.04.01.030461-5/SC interposto pelo MPF. Sobreveio sentença de improcedência, mas com a ressalva de se manter a referida tutela antecipada. Irresignada, a União opôs embargos, alegando contradição e necessidade de revogação da tutela concedida pelo TRF da 4ª Região, mas os embargos declaratórios foram rejeitados. O juiz de primeiro grau recebeu apelação do MPF em seu duplo efeito. Contra essa decisao, a União ajuizou o agravo de instrumento n.º 2008.04.00.031663-4/SC, que teve seu efeito suspensivo ativo deferido para suspender a tutela antecipada impugnada neste pedido, a saber:DECISÃO O Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública pretendendo que os réus, UNIÃO FEDERAL, ESTADO DE SANTA CATARINA e MUNICÍPIO DE FLORIANÓPOLIS/SC forneçam gratuitamente os medicamentos Plavix 75mg (clopidogrel), Diltizem (cardizem) e Sinvascor 40mg, necessários ao tratamento de Télbio Alvarenga Duarte e de todos os demais pacientes, usuários do Sistema Único de Saúde residentes no Estado de Santa Catarina.Em julgamento de agravo de instrumento, foi deferida pela E. Terceira Turma a antecipação de tutela, no que importa, para fornecimento dos medicamentos aos beneficiários indicados no pedido. Processada, a ação civil pública foi julgada improcedente e o recurso de apelação recebido no duplo efeito, sendo mantidos, ainda, expressamente, os efeitos da tutela antecipatória anteriormente deferida até reexame pelo Tribunal.Sustenta a agravante que a decisão que recebeu o recurso de apelação no duplo efeito necessita de reparo, tendo em vista que não mais se sustenta a manutenção da tutela antecipada, ante a improcedência do pedido.É breve o relatório. Decido.A irresignação da UNIÃO merece trânsito.Com efeito, segundo a disciplina do art. 273 do Código de Processo Civil, a antecipação dos efeitos da tutela poderá ser deferida, a requerimento da parte interessada, quando o juiz, existindo prova inequívoca das alegações se convencer da verossimilhança das alegações do autor, requisitos estes associados ao fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação ou, ainda, quando ficar caracterizado o abuso de direito de defesa.Com isso, quer a lei adjetiva autorizar que os efeitos daquele provimento padrão, final e tipicamente jurisdicional, venha a ser antecipado pelo magistrado. Porém, não basta que se revelem um ou outro requisitos. De fato, a necessidade de intervenção judicial excepcional nasce da comunhão de requisitos, de modo que incabível a sua concessão quando não subsistirem harmoniosamente os seus pressupostos.Dessa forma, a decisão antecipatória não se sustenta ante a improcedência da demanda, fruto de cognição plena em substituição àquela proferida em juízo de prelibação.Ainda que a primeira se origine de agravo de instrumento apreciado por este Tribunal, neste caso não se há de valorizá-la ao excesso a decisão proferida pelo juízo superior, sob pena de tornar inútil a instrução levada a efeito pelo juízo de primeiro grau. Fato é que a antecipação dos efeitos da tutela deixa de gerar efeitos com a improcedência da ação, ocasionando, inclusive, a perda do objeto de um agravo de instrumento eventualmente interposto e pendente de julgamento. Confira-se a orientação do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema:[...]Apenas para não passar in albis, não pretendendo, por óbvio, antecipar um entendimento para quando do julgamento da apelação, tenho entendido que a Constituição Federal garante a inviolabilidade do direito à vida (art. 5º), abrangendo este o direito de existência, de não ter interrompido o processo vital senão pela morte espontânea e inevitável. A saúde, por sua vez, também é elevada à condição de direito fundamental do homem, constituindo-se direito de todos e dever do Estado, devendo ser garantida mediante políticas sociais e econômicas que visem não só à redução do risco de doenças, como também busquem o acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196), de forma que todo ser humano, em caso de doença, tenha "o direito a um tratamento condigno de acordo com o estado atual da ciência médica, independentemente de sua situação econômica" (SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo, 10ª ed., p. 298). Trata-se de um direito positivo, impondo aos entes públicos a realização de tarefas, exigindo prestações do Estado, que deve prover as condições indispensáveis ao seu pleno exercício.A questão apresentada pertine a colisão entre o princípio constitucional de proteção à saúde e a independência entre os poderes, com destaque à questão da sustentabilidade do sistema de acesso à saúde previsto constitucionalmente. Isso porque é certo que ao Estado é inviável economicamente garantir todo e qualquer tratamento de saúde a todos os cidadãos. Assim, outorgou a Carta Magna ao Executivo o poder de eleger as políticas públicas que confiram concretude ao direito à saúde por ela garantido (separação dos poderes). Tais políticas públicas devem ser criadas de modo a garantir, tanto quanto possível, o princípio da igualdade, no sentido de permitir a todos, no caso do direito à saúde, o acesso às mesmas ações e serviços.Por ocasião da eleição dos medicamentos/tratamentos a serem fornecidos, diversos aspectos, à escolha do Executivo, devem ser sopesados, entre eles o custo do medicamento, o índice de incidência da patologia, e a comprovação do benefício no uso do tratamento/medicamento. Assim, efetuada a ponderação entre o princípio da igualdade e do mínimo vital, é razoável que o Estado forneça medicamentos que proporcionem o atendimento do maior número de pessoas possível, com a maior efetividade (benefício comprovado).Sem embargo, há situações em que a garantia da dignidade da pessoa humana se sobrepõe. Ainda que haja programa de fornecimento gratuito de medicamentos na rede pública de saúde, e especificamente, somente é possível que se determine aos entes estatais a realização de tratamentos contra neoplasias que não sejam regularmente disponibilizados, porque não pode o Estado omitir-se no cumprimento da obrigação imposta pela Constituição Federal forte na afirmativa de que só o Executivo pode definir os critérios de promoção da saúde.A solução demanda a aplicação do princípio da proporcionalidade, com a verificação da presença dos requisitos a ele inerentes: a) necessidade, b) adequação e c) proporcionalidade em sentido estrito. A aferição da existência de tais condições evita a imposição ao Estado de obrigações desnecessárias, inadequadas ou desproporcionais ao resultado pretendido, desproporcionais na relação custo/bem estar-saúde proporcionados pelo medicamento ou tratamento.Assim, o Estado deve estar desobrigado de fornecer medicamentos/tratamentos: a) cujos efeitos, senão idênticos, mas parecidos, possam ser obtidos com os remédios oferecidos gratuitamente; b) que não geram efeitos benéficos comprovados pela ciência, vale dizer, medicamentos ainda não aprovados pela ANVISA, ou que são inadequados para o caso do paciente postulante; c) cujos custos possam ser reduzidos mediante o fornecimento de medicamentos mais baratos, com os mesmos efeitos; d) experimentais; e) cujos custos sejam desproporcionais aos benefícios que promove; f) para fins puramente estéticos; g) a pacientes que não tenham se submetidos aos tratamentos previstos pelo SUS, e que têm indicação médica para o caso.Portanto, considerando que a pretensão, em especial pela generalidade dos beneficiários, não satisfaz os requisitos imprescindíveis para que sejam fornecidos os medicamentos solicitados na inicial, associado aos aspectos processuais antes perfilados,deve ser deferida a pretensão recursal da UNIÃO FEDERAL.Em face do exposto, defiro o efeito suspensivo ativo vindicado.Intime-se a parte agravada para resposta.Comunique-se ao MM. Juízo a quo.Dê-se vista ao Ministério Público Federal.Porto Alegre, 24 de agosto de 2009.” (grifo nosso) Assim, verifica-se que inexiste decisão liminar em execução, tendo em vista o deferimento do efeito suspensivo ativo pleiteado pela União nos autos do agravo de instrumento n.º 2008.04.00.031663-4, conforme informação extraída do sítio do TRF da 4ª Região. Dessa forma, inexistindo decisão de antecipação de tutela em curso a ter seus efeitos suspensos, constata-se a ausência de interesse de agir (Cf. SL 252 e SL 253, de minha relatoria, DJ 4.12.2008 e DJ 5.8.2008).Ante o exposto, nego seguimento ao pedido (art. 21, § 1º, RI-STF).Publique-se.Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos.Brasília, 16 de abril de 2010.Ministro GILMAR MENDES Presidente. (STF - STA: 316 SC , Relator: Min. Presidente, Data de Julgamento: 16/04/2010, Data de Publicação: DJe-072 DIVULG 23/04/2010 PUBLIC 26/04/2010) (grifo nosso).

Nota-se aqui, mais uma vez, que o princípio da dignidade da pessoa humana se sobrepôs até mesmo ao princípio da igualdade. Vê-se, então, a importância de tal princípio no ordenamento constitucional, de eficácia direta, conforme já salientado.

É importante destacar que, além da vinculação do Estado, as entidades privadas e os particulares também estão diretamente vinculados ao princípio da dignidade humana.

Explica Ingo Sarlet o porquê disso:

No que diz com tal amplitude deste dever de proteção e respeito, convém que aqui reste consignado que tal constatação decorre do fato de que há muito já se percebeu – designadamente em face da opressão socioeconômica exercida pelos assim denominados poderes sociais – que o Estado nunca foi (e cada vez menos o é) o único e maior inimigo das liberdades e dos direitos fundamentais em geral. Que tal dimensão assume particular relevância em tempos de globalização econômica, privatizações, incremento assustador dos níveis de exclusão e, para além disso, aumento do poder exercido pelas grandes corporações, internas e transnacionais (por vezes, com faturamento e patrimônio – e, portanto, poder econômico – maior que o de muitos Estados), embora não se constitua em objeto desta investigação, não poderia passar despercebido e, portanto, merece ao menos este breve registro.[64]

É importante frisar que o princípio da dignidade da pessoa humana dá fundamento para que haja eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre particulares em condições de igualdade, mas desde que o conteúdo desses direitos tenha relação com a dignidade.

Nesse ponto, verifica-se importante jurisprudência do TST,

COLISÃO DE DIREITOS E PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS. LIBERDADE DE INICIATIVA E DIRETO À PRIVACIDADE. EXCESSOS DE PODER DO EMPREGADOR. EMPREGADOS SUBMETIDOS À SITUAÇÃO VEXATÓRIA E HUMILHANTE EM VISTORIA DENTRO DA EMPRESA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VIABILIDADE. Indiscutível a garantia de o empregador, no exercício do poder de direção e mando, fiscalizar seus empregados (CF/88, art. 170,caput, incisos II e IV), na hora de saída do trabalho, de forma rigorosa, em se tratando de atividade industrial ou comercial de produtos de fácil subtração e guarda sob vestes, bolsa de mão, etc., tornando-se difícil percepção ou detecção para quem fiscaliza, no momento de sair do trabalho, a pessoa que possa ter contato com tais produtos. A fiscalização deve dar-se, porém, mediante métodos razoáveis, de modo a não expor a pessoa do empregado a uma situação vexatória e humilhante, não submetendo o trabalhador ao ridículo, nem à violação de sua intimidade (CF/88, art. 5º, X). Exigir que o trabalhador adentre a um recinto com paredes espelhadas, dentro do qual deva ficar completamente nu, caminhar um pequeno percurso, submetendo-se à vistoria por vigilantes da empresa, a pretexto de que em uma cueca escura possa ocultar, com eficácia, um cartão de crédito ou uma pequena quantidade de vale transporte, caracteriza violência à sua intimidade, sua exposição ao ridículo ou ao vexame. Não importa que inexista contato direto entre vistoriador e vistoriado, ou que o empregado sequer saiba quem é o vistor; nem mesmo que o método seja impessoal, para evitar incômodo causado por revista sob apalpação, porque sempre haverá a exposição da imagem nua do empregado vistoriado, sofrendo o constrangimento desde o momento em que vai se dirigir ao local da vistoria. É evidente a colisão de princípios constitucionais em que de um lado encontra-se a livre iniciativa (CF/88, art. 170) e de outro a tutela aos direitos fundamentais do cidadão (CF/88, art. 5º, X) que obriga o juiz do trabalho a sopesar os valores e interesses em jogo para fazer sobressair o respeito à dignidade da pessoa humana. Recurso de revista conhecido e provido. (TST - RR: 6604814720005015555  660481-47.2000.5.01.5555, Relator: José Antônio Pancotti, Data de Julgamento: 22/09/2004, 4ª Turma,, Data de Publicação: DJ 15/10/2004.)

Além disso, importa se referir a uma característica importantíssima da dignidade, qual seja, a irrenunciabilidade, o que obriga o Estado a intervir em face de atos de pessoas que atentem contra sua própria dignidade.

Sobre isso, cita Oscar Vilhena Vieira interessante caso, nesses termos:

Na situação do contrato degradante podemos ter uma pessoa – um anão, por exemplo – que, no gozo de seu direito à liberdade, aceita trabalhar num programa de televisão onde ele é sistematicamente humilhado em face de sua condição física; temos aqui uma situação patente de confronto entre o valor “liberdade” e o valor “dignidade”. [65]

Trata-se de caso em que, mesmo contra a vontade do anão, pretende-se proibi-lo de trabalhar (ser humilhado), já que sua dignidade é irrenunciável.

Inúmero são os julgados que se baseiam na dignidade da pessoa humana, de modo que não restem dúvidas que se trata de um fundamento da República com eficácia direta perante todos, podendo sobrepor-se, de forma proporcional, a direitos tais como a igualdade e a propriedade, gerando um limite à atuação tanto do Estado tanto de particulares.

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Sobre o autor
Alexandre Castro

Possui graduação em Direito - Faculdades Integradas de Vitória (2010). Atualmente é mestrando pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo em Direito Civil Comparado (bolsista pelo CNPq).

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Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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