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Responsabilidade da pessoa jurídica após o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente

14/08/2015 às 14:37
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O redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente da pessoa jurídica que tenha praticado infrações na forma do art. 135, inciso III, do CTN não deve excluir a responsabilidade da pessoa jurídica beneficiada (contribuinte).

INTRODUÇÃO

A execução fiscal é instrumento fundamental para que o Estado consiga cumprir seu objetivo maior de proteger o interesse público, prestando serviços adequados e promovendo o bem estar da população. A arrecadação dos valores devidos pelo sujeito passivo inadimplente traz receita para os cofres públicos, promovendo a justiça fiscal.

Falar em justiça fiscal em um país com uma pesada carga tributária parece contraditório. Porém, o que gera essa falta de confiança é a má aplicação dos recursos arrecadados e a omissão do Poder Público na prestação de serviços adequados. Em última instância, evitar que os inadimplentes e sonegadores descumpram suas obrigações tributárias é, sim, trazer justiça fiscal para aqueles que são cumpridores de seus deveres.

O responsável tributário é aquele que, sem praticar o fato gerador, mas tendo uma vinculação mínima com o mesmo, possui responsabilidade pelo pagamento do crédito tributário, em decorrência de uma previsão expressa de lei.

Segundo o art. 135, III, do Código Tributário Nacional[1], o sócio com poder de gestão que pratica atos com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos, possui responsabilidade pessoal pelos créditos tributários devidos pela pessoa jurídica.

A partir dessa premissa é que o presente artigo jurídico visa analisar o que ocorre com a responsabilidade da pessoa jurídica após o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente da mesma em razão do art. 135, III, do CTN.

Apesar da divergência doutrinária, o Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do Recurso Especial nº 1.455.490-PR[2], com relatoria do Ministro Herman Benjamin, recentemente tratou do tema, conforme será analisado neste artigo.


RESPONSABILIDADE DE TERCEIROS

A sujeição passiva à obrigação tributária foi atribuída pelo sistema tributário nacional ao contribuinte ou ao responsável tributário. Segundo o art. 121 do Código Tributário Nacional (CTN), eles são, isoladamente ou concomitantemente, obrigados ao pagamento do tributo ou da penalidade pecuniária.

Enquanto o contribuinte é aquele que pratica o fato gerador, o responsável, apesar de não praticá-lo, possui uma vinculação mínima com o mesmo e foi definido pela lei como sujeito passivo nessa relação jurídica tributária.

O Código Tributário Nacional (CTN) regula a chamada responsabilidade de terceiros em seus arts. 134 e 135. A despeito disso, respeitável doutrina, a exemplo do professor Cláudio Carneiro[3] (2012, p.130), entende que o art. 135 trata de uma espécie de responsabilidade por infração.

Nessa espécie de responsabilidade o terceiro acaba contribuindo para o inadimplemento do tributo em razão de uma ação ou omissão. Segundo a doutrina do professor Cláudio Carneiro[4] (2012, p. 130):

Destaque-se que na responsabilidade por imputação legal, não há uma sucessão do patrimônio; há, na verdade, um inadimplemento causado pelo responsável, que por ação ou omissão contribuiu para o inadimplemento, como por exemplo, o pai que omitiu um dever legal na administração do patrimônio do filho e não pagou o valor devido;

É importante diferenciar a responsabilidade pessoal da responsabilidade subsidiária. Segundo a doutrina, nos casos de responsabilidade pessoal, o contribuinte (aquele que praticou o fato gerador) é completamente excluído da posição de sujeito passivo, restando apenas o responsável, enquanto que, na responsabilidade subsidiária, o responsável só será incomodado, se o contribuinte não puder pagar o que deve ao fisco.

O art. 134 do CTN é um exemplo de responsabilidade tributária subsidiária, onde o responsável só será acionado para o pagamento, caso o contribuinte não possa arcar com o mesmo. Apesar de o dispositivo legal falar em solidariedade, não resta dúvida, com base nos ensinamentos da doutrina amplamente majoritária, que o dispositivo traz uma subsidiariedade, uma vez que prevê um benefício de ordem.  

Falando pela doutrina majoritária, cabe destacar as palavras de Luciano Amaro[5] (2012, pag. 330 e 331):

O Código Tributário Nacional rotula como responsabilidade solidária casos de impossibilidade de exigir o cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte. Trata-se de responsabilidade subsidiária. Anote-se que o próprio Código disse (art. 124, parágrafo único) que a solidariedade não comporta benefício de ordem (o que é óbvio); já o art. 134 claramente dispõe em contrário, o que infirma a solidariedade. Em suma, o dispositivo não cuida de responsabilidade solidária, mas subsidiária, restrita às situações em que não haja possibilidade de exigir o cumprimento da obrigação pelo próprio contribuinte.

É importante notar que, segundo o parágrafo único do dispositivo citado, só serão transferidas para o responsável tributário as penalidades de caráter moratório (decorrente de atraso).

Já o art. 135 do CTN trata de uma responsabilidade pessoal de terceiros por atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos. Senão vejamos o que diz o dispositivo legal[6]:

Art. 135. São pessoalmente responsáveis pelos créditos correspondentes a obrigações tributárias resultantes de atos praticados com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos:

I - as pessoas referidas no artigo anterior;

II - os mandatários, prepostos e empregados;

III - os diretores, gerentes ou representantes de pessoas jurídicas de direito privado.

Até certo tempo existia polêmica sobre se essa responsabilidade seria objetiva, pelo mero inadimplemento tributário, ou seria subjetiva, no sentido de que o simples inadimplemento tributário não seria uma infração legal.

Tal polêmica não persiste atualmente, tendo sido pacificado que o simples não pagamento do tributo não acarreta a responsabilidade prevista no art. 135 do CTN. O STJ inclusive editou a Súmula nº 430 nesse sentido. O professor Claudio Carneiro[7] (2012, p. 137) esclarece o tema:

Atualmente a matéria restou pacificada no sentido de que o mero inadimplemento não constitui infração tributária que justifique a inclusão do sócio administrador, na forma do art. 135, III, do CTN.

Outro tema também pacificado em súmula do STJ foi a discussão sobre a dissolução irregular da sociedade empresária acarretar a responsabilidade de seu sócio-gerente. A Súmula 435[8] previu o seguinte:

STJ Súmula nº 435 - 14/04/2010 - DJe 13/05/2010

Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente.


RESPONSABILIDADE DA PESSOA JURÍDICA APÓS O REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL PARA O SÓCIO-GERENTE

Uma questão que ainda hoje gera interessantes debates, tanto na doutrina como na jurisprudência, é o sentido e alcance da expressão “pessoal” presente no art. 135 do CTN. Ou seja, o fato do texto normativo tratar a responsabilidade como pessoal significaria ser ela exclusiva ou solidária?

Caso se entenda que a responsabilidade tributária prevista dispositivo citado é realmente pessoal, a responsabilidade de pagamento pelo contribuinte pessoa jurídica estaria excluída, restando ao fisco, após o redirecionamento, a cobrança ao sócio-gerente responsável. Sobre esse tema, a doutrina diverge.

Para uma primeira orientação doutrinaria, o art. 135 do CTN seria exemplo de uma responsabilidade pessoal exclusiva. Sendo assim, no caso do inciso III, a pessoa jurídica seria excluída da relação jurídica, restando apenas a responsabilidade dos diretores, gerentes ou representantes que agiram com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.

O professor Eduardo Sabbag[9] (2013, p. 872) é apenas um dos doutrinadores que entendem no sentido dessa primeira corrente. Vejamos:

Em geral, o contribuinte aqui é vítima de atos abusivos, ilegais ou não autorizados, cometidos por aqueles que o representam, razão pela qual se procura responsabilizar pessoalmente tais representantes, ficando o contribuinte, em princípio, afastado da relação obrigacional. De fato, no art. 135 do CTN, a responsabilidade se pessoaliza, ou seja, torna-se plena, rechaçando o benefício de ordem e fazendo com que o ônus não recaia sobre o contribuinte, mas, pessoalmente, sobre o responsável citado quando houver (I) excesso de poderes ou (II) infração da lei, contrato social ou estatutos.

Já uma segunda orientação doutrinária entende que, na verdade, o dispositivo analisado trata de uma responsabilidade solidária entre a pessoa jurídica e o responsável. Justamente por ser solidária, mas sem deixar de ser pessoal, a pessoa jurídica possuiria direito à ação de regresso contra o responsável que agiu com excesso de poderes ou infração de lei, contrato social ou estatutos.  

Sobre esse assunto o professor Cláudio Carneiro[10] (2012, p. 137) entende justamente nesse sentido:

Assim, podemos dizer que o art. 135 trata de uma responsabilidade subjetiva. Resta a análise da expressão “pessoal”, pois essa infração deve estar relacionada com o tributo devido. Dúvida surge se essa pessoalidade deva assumir um caráter de solidariedade com a sociedade ou de subsidiariedade. Posicionamo-nos no sentido de que o melhor entendimento seria no sentido da solidariedade.

 Carneiro[11] (2012, p 138) também explica que um terceiro entendimento surgiu com força especialmente na jurisprudência no sentido de que “só vai haver responsabilidade exclusiva se a sociedade não auferiu vantagem com a infração, caso contrário ela será solidária”.

Contudo, em recente julgado, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no REsp nº 1.455.490-PR[12], sob a relatoria do Ministro Herman Benjamin, consolidou o entendimento de que mesmo, com o redirecionamento da execução fiscal com base no art. 135 do CTN, a fim de atingir o sócio-gerente, a pessoa jurídica (contribuinte) continua solidariamente responsável.

Sendo assim, a 2ª Turma do STJ se filiou à segunda corrente apresentada, no sentido de que a responsabilidade tributária do sócio-gerente na forma do art. 135, III, do CTN, é solidária, a despeito de o texto normativo denominá-la de pessoal. Segundo o voto do ministro relator, não é possível que seja feita, para o caso, uma interpretação literal do dispositivo legal, pelo risco de concluir-se pela exclusão da pessoa jurídica do polo passivo da execução fiscal, violando toda a lógica do sistema de cobrança dos créditos tributários.

Tratando do caso de dissolução irregular de sociedade empresária que gerou o redirecionamento da execução fiscal para os sócios-gerentes, na forma da Súmula 435 do STJ, o julgado conclui que, mesmo considerando-se a responsabilidade pessoal pela literalidade do dispositivo legal, não é possível excluir a sociedade do polo passivo da demanda.

Se a pessoa jurídica dissolvida irregularmente fosse excluída da execução fiscal, ela estaria se beneficiando do ato ilícito praticado pelo sócio-gerente, pois, com a exclusão, estaria livre para conseguir a Certidão Negativa de Débito e, consequentemente, a baixa definitiva de seus atos constitutivos, apesar do inadimplemento.

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Conforme explicado didaticamente pelo Ministro Relator no citado julgado, as causas que deram origem à cobrança através da execução fiscal contra a pessoa jurídica e contra o sócio-gerente são distintas. A pessoa jurídica responde em razão de obrigação tributária não paga, o que a tornou inadimplente. Já o sócio-gerente responde pela prática de ato ilícito, na forma do art. 135, III, do CTN, que não se confunde com mero inadimplemento, na forma da Súmula 430 do STJ.

Dessa forma, nada no ordenamento jurídico conduz à ideia de que a prática de ato ilícito pelo sócio-gerente (a exemplo da dissolução irregular) leva ao afastamento da inadimplência ou à anulação do crédito tributário devidamente constituído.

Sendo assim, segundo o entendimento de parte da doutrina e do STJ, no caso de redirecionamento da execução fiscal na forma do art. 135, III, do CTN, a pessoa jurídica contribuinte e o sócio-gerente responsável devem dividir o polo passivo da demanda em litisconsórcio.


CONCLUSÃO

O redirecionamento da execução fiscal a fim de atingir o sócio-gerente que praticou atos de infração à lei, contrato social ou estatuto é importante instrumento no combate à fraude tributária.

Além de objetivar ressarcir os cofres públicos, o redirecionamento acaba tendo um viés coercitivo, desencorajando que os administradores da pessoa jurídica pratiquem atos com excesso de poderes ou ilegais.

Para que a lógica do sistema de responsabilidade tributária e de cobrança judicial do crédito tributário seja mantida, o art. 135 do CTN não pode ser interpretado literalmente. A despeito da previsão de que a responsabilidade descrita nesse artigo seria pessoal, tal responsabilidade deve ser considerada solidária entre a pessoa jurídica (contribuinte) e o sócio-gerente infrator (responsável).

Dessa forma, a pessoa jurídica não é excluída da execução fiscal com o redirecionamento, ocorrendo, ao contrário, uma cumulação subjetiva em regime de litisconsórcio passivo, respondendo tanto o sócio-gerente como a pessoa jurídica, sendo este o entendimento da melhor doutrina, já consolidado perante o STJ.


REFERÊNCIAS

AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, 18ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012.

BRASIL, Vade Mecum Acadêmico de Direito Rideel. 14ª edição. São Paulo: Rideel, 2012.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (STJ). 2ª Turma. Recurso Especial nº 1.455.490-PR. Rel. Ministro Herman Benjamin. Decisão Unânime. Julgado em 26/08/2014.

CARNEIRO, Cláudio. Processo Tributário: (administrativo e judicial), 3ªedição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012.

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário, 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013.


Notas

[1] BRASIL, Vade Mecum Acadêmico de Direito Rideel. 14ª edição. São Paulo: Rideel, 2012, p. 590.

[2] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (STJ). 2ª Turma. Recurso Especial nº 1.455.490-PR. Rel. Ministro Herman Benjamin. Decisão Unânime. Julgado em 26/08/2014

[3] CARNEIRO, Cláudio. Processo Tributário: (administrativo e judicial), 3ªedição. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012, p. 130.

[4] Idem.

[5] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, 18ª edição. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 330 e 331.

[6] Idem.

[7] CARNEIRO, Cláudio. op. cit., p. 137.

[8] BRASIL, Vade Mecum Acadêmico de Direito Rideel. op. cit., p. 1958.

[9] SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário, 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 872.

[10] CARNEIRO, Cláudio. op. cit., p. 137.

[11] Ibidem, p.138.

[12] BRASIL, Superior Tribunal de Justiça (STJ). 2ª Turma. Recurso Especial nº 1.455.490-PR. Rel. Ministro Herman Benjamin. Decisão Unânime. Julgado em 26/08/2014.

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Sobre o autor
Fernando Barretto Girão

Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Tiradentes (UNIT). MBA em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GIRÃO, Fernando Barretto. Responsabilidade da pessoa jurídica após o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4426, 14 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41732. Acesso em: 29 mar. 2024.

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