Testemunhas de Jeová e a transfusão de sangue:um tema que gera conflito de opiniões

13/08/2015 às 19:36
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Direitos fundamentais: no que diz respeito à dignidade da pessoa humana, o direito a vida e a liberdade de consciência e de crença. É possível haver harmonia entre tais direitos, sem prejudicar os valores morais e espirituais?

Devotos da religião Testemunha de Jeová acreditam, com base em interpretações bíblicas, que o sangue é sagrado devendo permanecer sem alteração, límpido, como Deus lhe concedeu. Exemplos de passagens bíblicas que se referem ao sangue:17:11, Levítico 17:14, Atos 15:20, Gênesis 9, 3-6 entre outros.

Embasados nessas convicções religiosas, estes fiéis recusam tratamentos de saúde em que há a necessidade da transfusão de sangue. A negativa não significa que as Testemunhas de Jeová são contra a medicina ou ainda, que não valorizam suas vidas, abrindo mão delas. Valorizam a ponto de buscarem tratamentos alternativos, sem o uso de sangue. Hoje na medicina estes tratamentos, chamados de medicina e cirurgia sem sangue, já são bastante utilizados, até mesmo nos casos que não envolvam a religião, a fim de evitar os riscos de transmissão de doenças.

O que ocorre é que nem sempre existe um tempo hábil para o procedimento sem sangue, sobrevindo assim o risco de morte do enfermo.

Em decorrência dessa negativa que há a intervenção judicial, já que envolve também a responsabilidade médica, a ponderação dos direitos fundamentais (direito à vida, liberdade de crença e escolha), bem como a proteção da vida do menor ou incapaz.

Estamos diante de três classes de enfermos, catalogados em:

  1. Paciente maior de idade, nas condições de pessoa lucida, possuidora de capacidade de fato e de direito, estando em pleno gozo de suas faculdades mentais, estando este ciente do risco inerente de vida que se submete.
  2. Paciente maior de idade, considerado absolutamente incapaz, inclusive por causa transitória, o típico estado de coma.
  3. Pacientes menores de idade.

Os crentes praticantes da religião Testemunhas de Jeová, assim como outras religiões, possuem suas crenças particulares. Algumas dessas crenças não são compreendidas por aqueles que não praticam a religião, transparecendo para estes uma ideia de exagero e fanatismo.

A religião já contribuiu muito para a história do ordenamento jurídico. E uma vez que o Estado dispõe este direito para usufruto do cidadão, colocando-o no rol dos direitos fundamentais que integra a dignidade da pessoa humana, o mesmo não pode desconsiderá-lo por entender que prejudicaria o direito maior: direito à vida. Sendo que o direito à vida não se limita apenas na existência física da pessoa, mas sim na qualidade de uma vida digna, a qual respeita a liberdade de religião, crença e escolha. Com isso, ao lesar estes direitos estaria prejudicando também o direito à vida.

A Constituição Federal nos esclarece que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Ocorre que, não existe lei que obrigue o paciente a se submeter a tratamento de saúde contrário sua vontade. Diante deste entendimento a prioridade está no respeito à vontade do paciente, em aceitar ou não à transfusão de sangue.

Intervir no credo do religioso é avassalador, é tirar o que para alguns seja considerado mais importante e sagrado, tido como sua doutrina de vida. Vejo desta forma um jeito repulsivo do Estado intervir diretamente na vida do indivíduo, forçando a se submeter a tratamento contrário a sua vontade. Tirando assim a autonomia da pessoa frente a seu corpo, a sua privacidade, a autonomia, a liberdade, a fé, e de repente o mais importante, o estimulo de querer continuar e lutar pelo que acredita. Ter que aceitar que o Estado pode lhe retirar essa autonomia, para decidir sobre seu destino, mesmo que a vontade do indivíduo não prejudique e nem interfira no direito de outrem, é realmente invasivo.

Na questão dos menores de idade, que possuem sua vontade representada pela de seus responsáveis, nestes casos a intervenção do Estado deve ser necessária e indispensável, visto que os direitos do menor poderão ser prejudicados em face da crença de seus pais. Dessa forma resta evidente que sem a manifestação do Estado colocaria em risco os direitos resguardados a criança ou adolescente, o que poderia lhe ocasionar na impossibilidade do menor conquistar a maior idade, a capacidade necessária para determinar suas escolhas de acordo com seus princípios e convicções, respondendo por seus atos diante de sua própria vontade. Até porque, a criança não tem conhecimento necessário, da diferença entre as religiões, a compreensão que possui é de acordo com seu cotidiano, ou seja, compreende o que de fato vive habitualmente, neste caso o que a criança vivencia é a crença e ensinamento de seus pais. 

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