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A supressão da imunidade tributária concedida aos cultos religiosos

01/06/2003 às 00:00

Resumo:


Imunidade Tributária e Cultos Religiosos


  • A imunidade tributária é uma exoneração fiscal constitucional que impede o Estado de cobrar impostos sobre determinadas atividades, incluindo os cultos religiosos, conforme previsto na Constituição Federal de 1988 no artigo 150, VI, "b".

  • O Supremo Tribunal Federal tem interpretado de forma extensiva a imunidade tributária para entidades religiosas, permitindo a isenção sobre patrimônio, renda ou serviços diretamente relacionados à atividade essencial, mesmo com a locação de imóveis ou manutenção desocupada.

  • A concessão de imunidade tributária a cultos religiosos no Brasil, um Estado laico, levanta questões sobre justiça fiscal e solidariedade fiscal, considerando que todos os cidadãos, incluindo os sem vínculo religioso, acabam indiretamente financiando essas entidades.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

1. A imunidade tributária é uma forma de exoneração fiscal, de natureza constitucional, pela qual o Estado fica proibido de instituir impostos sobre determinadas atividades. Nas palavras de MISABEL DERZI, "a imunidade é forma qualificada de não-incidência que decorre da supressão da competência impositiva sobre certos pressupostos na Constituição" ("Direito Tributário, direito penal e tipo", RT, 1988, pág. 206).

Com a proclamação da República e a promulgação da Constituição de 1891, respaldando a separação entre igreja e Estado, os privilégios de que gozavam as classes dominantes, durante o período imperial, foram expurgados, incluindo as isenções fiscais concedidas à nobreza e ao clero.

Aplicou-se, então, pela primeira vez no Brasil, o princípio da generalidade, corolário daquilo que viria a ser chamado de "justiça fiscal" e pelo qual nenhum indivíduo, que pratique um fato gerador tributado, poderá fugir à tributação (Deodato).

As exonerações fiscais, compreendendo as isenções e imunidades, passaram, então, a ser exceções.

2. A situação mudou com o fim do Estado Novo. Amenizando os princípios republicanos, o constituinte de 1946, tomado pelo forte espírito protecionista que se seguiu ao período ditatorial, entendeu por bem conceder imunidade tributária para certas categorias e atividades, incluindo, nestas, os cultos religiosos.

A benesse foi respaldada pelos textos constitucionais subseqüentes, sendo repetida, também, pela Carta de 1988, que assim dispõe:

"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

VI – instituir impostos sobre:

(...)

b) templos de qualquer culto;

(...)

§4º. As vedações expressas no inciso VI, alíneas b e c, compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas relacionadas.

Conforme exposto no art. 34, §1º, dos ADCT, o dispositivo acima entrou em vigor com a promulgação da Constituição, dispensando, por conseguinte, a edição de Lei Complementar.

3. Sem embargo, o Supremo Tribunal Federal vem dando ao referido dispositivo interpretação por demais extensiva, chegando mesmo a decidir que "as entidades religiosas têm direito à imunidade tributária sobre qualquer patrimônio, renda ou serviço relacionado, de forma direta, à sua atividade essencial, mesmo que aluguem seus imóveis ou os mantenham desocupados" (STF, RE 325822, Relator Min. Gilmar Mendes).

Considerando a subjetividade do termo "atividade essencial", os cultos religiosos estão, hoje, autorizados a incluir, no âmbito da referida imunidade, praticamente todo o seu patrimônio, a sua renda e os seus serviços.

4. Apresenta-se por demais ambíguo que o Estado brasileiro, formalmente laico desde 1891, possa, atualmente, contribuir para a manutenção de cultos religiosos mediante a concessão de benefícios fiscais, em detrimento de milhões de cidadãos, obrigados a destinar quatro meses de trabalho ao ano para cumprir com suas obrigações tributárias.

Além de ofender o princípio da generalidade, tal imunidade afronta, também, o princípio da solidariedade fiscal, contribuindo, conseqüentemente, para o agravamento do desequilíbrio social. A dissonância entre a riqueza das religiões e a pobreza dos seus fiéis pede que aquelas sejam chamadas a contribuir para a manutenção da estrutura estatal, ajudando, substancialmente, a equacionar a distribuição de renda entre os nacionais.

Tal dissonância assume maior relevância se considerarmos o fato de 12.492.403 brasileiros terem declarado, ao Censo Demográfico de 2000, não possuírem vínculo religioso, cidadãos estes que acabam, pela via indireta, custeando as atividades de cultos a que não pertencem, pois são obrigados a cobrir o que aqueles deixam de recolher aos cofres públicos.

Cumpre observar, ainda, que diversos cultos religiosos possuem cultura manifestamente discriminatória, violando direitos e garantias individuais assegurados pela Constituição Federal. Com efeito, certas correntes religiosas condenam, ostensivamente, práticas sociais inseridas no âmbito das liberdades constitucionais, como o homossexualismo, a expressão artística e até mesmo a diversidade de crenças, além de boicotarem programas oficiais de saúde pública, como o uso de preservativos e a doação de órgãos e tecidos.

Por fim, a falta de controle sobre o quantum arrecadado pelas instituições religiosas abre espaço não apenas à evasão de divisas, mas, também, à lavagem de dinheiro. De fato, muitas das religiões atuantes no Brasil possuem sede em outras nações, sendo que a ausência de fiscalização sobre o numerário arrecadado pelas mesmas facilita a remessa ilícita de dinheiro ao exterior.

5. Através da PEC 176-A/1993, o Congresso Nacional teve a oportunidade de discutir a supressão da imunidade tributária dos cultos religiosos. O autor do projeto, deputado Eduardo Jorge, assim fundamentou sua proposição:

"As imunidades tributárias que pretendemos suprimir decorrem, quase todas, da Constituição de 1946. Poucas foram introduzidas em nosso Direito pela Constituição de 1988. Em 1946, saía o país de um prolongado período ditatorial e os constituintes da época, sequiosos por liberdade de pensamento, pensaram consegui-lo e garanti-lo através de normas constitucionais. O que se viu, de lá para cá, ao atravessarmos um período negro da nossa história, foi que os cuidados tomados pelo legislador constitucional não foram suficientes para impedir a queda da democracia e a conseqüente perda das liberdades constitucionais. Além disso, o constituinte de 1946 não poderia prever que medidas baixadas com a melhor das intenções fossem utilizadas, anos mais tarde, para promover a evasão fiscal, abrigando-se à sombra da Lei Maior uma série de contribuintes que nem de longe poderiam pleitear os benefícios tributários concedidos pela Constituição. (...). Por último, caberia dizer que a revogação dessas imunidades fortalece a posição daqueles que, como nós, pensam que todas as camadas da sociedade devem contribuir para o fim comum, cada uma, é evidente, de acordo com as suas possibilidades, que nossa Lei Magna chama de capacidade econômica".

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A relatoria da Comissão de Constituição e Justiça, contudo, emitiu parecer contrário ao projeto, sustentando, em apertada síntese, que: a) a extinção do benefício violaria o princípio da liberdade religiosa (CF, art. 5º, VI); b) a fiscalização esbarraria no fanatismo religioso de alguns servidores que poderiam prejudicar determinadas religiões.

Com a devida venia, tais argumentos não convencem.

Primeiro, porque a Constituição vigente estabelece outras tantas espécies de direitos e garantias individuais, sem, contudo, conceder às instituições relacionadas qualquer benefício fiscal. Assim, a liberdade de trabalho (CF, art. 5º, XIV) não impede a cobrança do imposto sobre serviços; a liberdade de imprensa (CF, art. 5º, IX) não impede a cobrança de impostos dos jornais e revistas; a liberdade de locomoção (CF, art. 5º, XV) não impede a cobrança de IPVA e de pedágios nas rodovias nacionais; e assim por diante.

Segundo, porque o fanatismo religioso não é diferente de outros radicalismos culturais presentes na sociedade brasileira, como a paixão pelos times de futebol, por exemplo. Seguindo o pensamento da relatoria, qualquer clube esportivo poderia sustentar a perseguição de fiscais associados à agremiação rival para obter o perdão de dívidas tributárias. Ademais, a decisão do fiscal é recorrível, sendo que eventuais excessos poderiam ser facilmente corrigidos.

6. Observando-se a situação atual do Brasil, onde se discute o fim de privilégios tributários para fortalecer a economia, a contribuição efetiva das instituições religiosas para a manutenção do Estado deve, no mínimo, ser considerada pelos nossos dignos legisladores.

Para tanto, propomos a adoção das seguintes medidas, por ocasião da reforma tributária em andamento no Congresso Nacional:

- a supressão da imunidade tributária concedida aos cultos religiosos, prevista no artigo 150, VI, "b", da Constituição Federal de 1988;

- alternativamente: a) a substituição desta imunidade por uma autorização constitucional que permita aos cultos religiosos instituírem contribuições, pagas diretamente e exclusivamente pelos seus fiéis; b) a restrição desta imunidade aos impostos sobre o patrimônio, excluindo da sua abrangência a tributação sobre a renda e serviços; c) excluir do rol de beneficiários da referida imunidade as religiões que discriminam práticas sociais incluídas no âmbito das liberdades constitucionais asseguradas aos cidadãos brasileiros.

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Sobre o autor
Pedro Lemos

advogado em Florianópolis (SC)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEMOS, Pedro. A supressão da imunidade tributária concedida aos cultos religiosos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4179. Acesso em: 23 dez. 2024.

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