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Os limites subjetivos da coisa julgada nas demandas coletivas

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01/06/2003 às 00:00
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CONCLUSÃO

Este estudo não teve a pretensão de esgotar a matéria acerca dos limites subjetivos da coisa julgada em demandas destinadas à defesa de direitos transindividuais, mas apenas contribuir com uma visão atual a respeito da coisa julgada na tutela de direitos coletivos e ampliar alguns pontos, como o estudo do fenômeno da coisa julgada no processo civil tradicional, o que, sob nosso enfoque, é passo fundamental para a compreensão do tema proposto.

Verificamos assim, que os interesses transindividuais são considerados uma categoria intermediária entre interesses públicos e privados e apresentam uma estrutura tripartida, dividindo-se em: interesses individuais homogêneos, interesses coletivos e interesses difusos.

Os interesses individuais homogêneos são representados por um conjunto de vontades individuais e foram denominados de "acidentalmente coletivos" porque apenas o que os diferencia dos direitos individuais é o fato de possuírem a mesma origem em relação aos fatos geradores, proporcionando, desse modo, a sua defesa conjunta.

Os interesses coletivos possuem natureza indivisível e pertencem a um grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si por uma relação jurídica base.

Os interesses difusos são também de natureza indivisível, porém pertencentes a pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato.

Quanto à expressão "ações coletivas", resta claro que há divergências doutrinárias acerca dessa designação. Porém, preferimos utilizar a referida nomenclatura para denominar demandas que se refiram a direitos coletivos, diferenciando-as, assim, das ações de cunho individual.

Entendemos como demandas coletivas não só o mandado de segurança coletivo, a ação civil pública e a ação popular, mas também as ações coletivas de consumo e verificamos que os legitimados para a propositura de ações coletivas possuem legitimidade extraordinária para a causa, tratando-se de caso de substituição processual.

Com relação à coisa julgada, aderimos à idéia de Enrico Tullio Liebman, o qual sustenta que o referido instituto é uma qualidade que se agrega à sentença, tornando-a imutável.

Verificamos que eficácia e efeito não se confundem e que as eficácias tornam-se indiscutíveis na sentença, exceto quando estivermos diante de direitos indisponíveis, porque tais direitos não são passíveis de renúncia.

Com isso, novamente aderimos a Liebman e sustentamos que todas as cargas de um decisum são também indiscutíveis, e não apenas a carga declaratória, como defende o processualista gaúcho Ovídio Araújo Baptista da Silva.

Outra importante constatação refere-se aos limites subjetivos da coisa julgada nas ações individuais, os quais operam-se inter partes e não erga omnes, atingindo apenas os participantes da relação jurídica processual.

Quando se está diante da tutela coletiva de direitos, porém, os limites subjetivos da coisa julgada adquirem contornos diferenciados. Não obstante o disposto no artigo 103 do Código de Defesa do Consumidor, que se refere à coisa julgada erga omnes (para direitos difusos e individuais homogêneos) e ultrapartes (para direitos coletivos), concordamos com Márcio Mafra Leal, que substitui as duas expressões pelo aforismo extra partes.

O fato de a autoridade da coisa julgada ser proferida além das partes atuantes na relação processual deve-se em razão do próprio objetivo da tutela coletiva que é atingir a todas as pessoas lesadas.

Verificamos que, em ações coletivas, poderemos ter alterado o rol de pessoas atingidas pelas coisa julgada, dependendo do resultado da ação e de sua fundamentação, em razão de uma peculiaridade do instituto, que é ser secundum eventum litis (segundo o evento da lide).

Por outro lado, em razão do próprio fim da tutela coletiva, que é molecularizar o direito, a coisa julgada, em regra, somente atinge àqueles que não participaram da relação jurídica em caso de procedência da ação (coisa julgada in utilibus).

Ainda, mesmo que esteja em andamento uma ação coletiva, nada obsta a propositura de ações individuais, não ocorrendo litispendência entre as mesmas, embora, para que o sujeito seja beneficiado pela ação coletiva em caso de sua procedência, tenha que pedir a suspensão do processo individual.

No tocante à imposição de limites territoriais à coisa julgada, trazida pela Lei 9.494/97, além de considerarmos a referida lei inconstitucional e ineficaz, comungamos das idéias de Luigi Ferrajoli e entendemos que estamos diante de norma vigente, porém inválida, por contrariar normas substanciais, assim, consideradas aquelas referentes a direitos fundamentais.

A partir de todas as questões aqui apontadas, frisamos que o regime trazido pelo Código de Processo Civil pátrio não se adapta, em muitos aspectos, ao novo paradigma processual estatal existente, o Estado Social, que se preocupa não apenas com o indivíduo e seus direitos subjetivos, mas também com o grupo, com a sociedade como um todo.

Percebemos que, se inserirmos os direitos transindividuais aqui estudados em uma teoria geral do processo coletivo, muitos conceitos poderão ser firmados, pois estaremos abandonando de vez seu atrelamento com a teoria geral do processo civil de cunho individualista. Nesse contexto, aderimos a Ibraim Rocha e conclamamos os juristas à criação de uma teoria da tutela coletiva, a partir dos conceitos específicos que têm surgido sobre o tema.

Queremos assim consignar que, afora todos os posicionamentos aqui apresentados, se ficar registrada a importância de repensar o direito, entendendo-o como uma ciência palpitante, que deve acompanhar a evolução social, já teremos atingido nossa principal meta.

Por fim, deixamos as sábias palavras de Adroaldo Furtado Fabrício, apud Antônio Gidi, as quais, segundo nosso entendimento, bastariam nesta conclusão: "Quando o agigantamento do usuário faz romper o tecido e rebentar as costuras já não é o caso para remendos ou ajustes: a roupa tem de ser substituída".


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Sobre a autora
Silvia Resmini Grantham

Advogada. Professora de Direito Constitucional e Direito Previdenciário

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GRANTHAM, Silvia Resmini. Os limites subjetivos da coisa julgada nas demandas coletivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4186. Acesso em: 19 abr. 2024.

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