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Um caso de incitação a investigar

18/08/2015 às 11:11
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O presidente da CUT defendeu recentemente a presidente Dilma e pediu aos movimentos sociais a ida à “rua, entrincheirados, com armas na mão, se tentarem derrubar a presidente”. Esse ato enquadra-se no tipo penal de incitação ao crime?

O presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Vagner Freitas, defendeu no dia 13 de agosto do corrente ano a presidente Dilma Rousseff (PT) e pediu aos movimentos sociais a ida à “rua, entrincheirados, com armas na mão, se tentarem derrubar a presidente”.

Durante o evento “Diálogo com Movimentos Sociais”, Freitas afirmou ainda que, se houver “qualquer tentativa de atentado à democracia, à senhora ou ao presidente Lula, nós seremos um exército”.

Por outro lado, o líder do DEM, senador Ronaldo Caiado, anunciou que ingressará com pedido de abertura de inquérito para que seja investigado se houve a prática de crime de incitação ao crime.

É certo que, no início da noite do mesmo dia, o presidente da CUT procurou o ‘‘Jornal Nacional’’, da Rede Globo, para afirmar que houve um mal-entendido, que não teve a intenção de incitar a violência e que, no discurso, ao falar em armas, usou ‘‘uma figura de linguagem’’.

Freitas afirmou ainda que, ao citar a palavra “exército’’, referiu-se a ‘‘organizações de trabalhadores, greves e atos públicos na defesa da democracia’’.

Necessário estudar o tipo penal previsto no artigo 286 do Código Penal.

Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime:

Pena - detenção, de 3 (três) a 6 (seis) meses, ou multa.

Os Códigos Penais de 1830 e 1890 eram omissos a respeito.

O crime, do que se lê pela pena, é de menor potencial ofensivo, razão pela qual há uma consciência de impunidade social nesse tipo de conduta.

Merecem ser estudadas  as ocorrências na conduta, em redes sociais, de incitar (instigar, provocar, excitar), publicamente, a prática de crime. A publicidade da ação é um pressuposto de fato indispensável. Dela resulta a gravidade dessa conduta, que, de outra forma, seria apenas um ato preparatório impunível. Pública é a incitação quando é feita em condições de ser percebida por um número indeterminado de pessoas, sendo indiferente que se dirija a uma pessoa determinada. A publicidade implica na presença de várias pessoas ou no emprego de meio que seja efetivamente capaz de levar o fato a um número indeterminado de pessoas (rádio, televisão, cartazes, alto-falantes, a internet). A publicidade é a nota nesse ilícito que surge pela indeterminação nos destinatários.

Exige-se a seriedade na incitação que deve resultar das palavras e dos gestos empregados.

Como bem assevera Heleno Cláudio Fragoso (Lições de direito penal, Rio de Janeiro, Forense, volume II, 5ª edição, pág. 274), a tutela penal exerce-se com relação a paz pública, pois a instigação à prática de qualquer crime traz consigo uma ofensa ao sentimento de segurança na ordem jurídica e na tutela do direito, independentemente do fato a que se refere a instigação e as consequências que possam advir. No direito comparado, aliás, há o exemplo do Código Penal alemão (§ 111) que classifica este delito entre as infrações que constituem resistência ao poder público, de tal sorte a considerar como bem jurídico tutelado o poder público.

O crime de incitação, crime contra a paz pública, pode ser praticado por qualquer meio idôneo de transmissão de pensamento (palavra, escrito ou gesto). Não basta uma palavra isolada ou uma frase destacada de um discurso ou de um escrito. A incitação deve referir-se a prática de um crime (fato previsto pela lei penal vigente como crime) e não mera contravenção. Deve a incitação se referir a um fato delituoso determinado, exigindo o dolo genérico, sendo crime formal que se consuma com a incitação pública, desde que seja percebida ou se torne perceptível a um número indeterminado de pessoas, independentemente de qualquer outro resultado ou consequência da incitação.

Repita-se que é indispensável que se trate de fato determinado (e não de instigação genérica a delinquir). Por fato determinado entende-se um certo homicídio etc.

Cita o Ministro Nelson Hungria (Comentários ao código penal, volume IX, pág. 167), o exemplo daquele que lança a primeira pedra contra  a mulher adúltera, incitando os demais da multidão colérica à criminosa lapidação. Mas, ainda ensina o Ministro Nelson Hungria que não há crime quando o agente faz apenas a defesa de uma tese sobre a ilegitimidade ou sem razão da incriminação de tal ou qual fato, por exemplo, o homicídio eutanásico, o aborto. Isso porque não haveria ali o animus instiganti delicti, mas uma opinião no sentido da exclusão do crime.

O crime é formal e se consuma como incitação pública que seja percebida ou se torne perceptível a um  número indeterminado de pessoas independente de qualquer outro resultado ou consequência da incitação. É possível a tentativa quando se trata de incitação oral. Assim, consuma-se o crime com a simples incitação, com a incitação pública (RT 718/378). Mas, repita-se: é indispensável, porém, que um número indeterminado de pessoas tome conhecimento da incitação, ainda que seja dirigida a pessoas determinadas.

O crime é de perigo presumido.

Se a pessoa instigada a praticar um crime vem efetivamente a praticá-lo, o instigador poderá responder por ele, como coautor, desde que a incitação tenha resultado em um contingente causal na formação do propósito criminoso, como ensinou Heleno Cláudio Fragoso(obra citada, pág. 276). Nessa hipótese, haverá a incidência de concurso material entre tal crime e o de incitação (artigos 29 e 69 do CP).

O dolo é genérico que consiste na vontade conscientemente dirigida à incitação à prática de um crime determinado, já que não exige um especial fim de agir. Tal consciência corresponde a sua seriedade, que é elemento indispensável e fundamental para que a pessoa possa reconhecer o fato, bastando que o agente saiba poder causá-lo e assuma o risco de produzi-lo.

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Por outro lado, é crime previsto na Lei de Segurança Nacional, consoante o previsto no artigo 22, I, fazer, em público, propaganda de processos violentos ou ilegais de alteração da ordem política ou social.

Ainda é crime previsto no mesmo diploma legal, incitar à subversão da ordem pública e social (artigo 23, I, da Lei de Segurança Nacional).

Vive-se numa democracia, com instituições a funcionar, dentro do que determina a Constituição, razão pela qual a declaração noticiada deve ser objeto de investigação para se saber se houve a prática de delito definido como crime político cometido contra a segurança nacional.

No passado, no Brasil que vivia a ditadura militar, foi editado o Decreto-lei 314, de 13 de março de 1967, que, em seu artigo 25, introduziu na Lei de Segurança Nacional a incriminação de diversos atos isolados já previstos na lei penal comum, os quais passaram à categoria de crimes políticos, quando praticados com o propósito de atentar contra a segurança do Estado. Assim tinha-se um tipo penal, envolvendo: Praticar massacre, devastação, saque, roubo, seqüestro, incêndio ou depredação, atentado pessoal, ato de sabotagem ou terrorismo, impedir ou dificultar o funcionamento de serviços essenciais administrados pelo Estado ou mediante concessão ou autorização.

Posteriormente, a ditadura militar editou o Decreto-lei 510, de 20 de março de 1969, modificando aquele artigo 25, que passou a ter a seguinte redação: Praticar devastação, saque, assalto, roubo, seqüestro, incêndio ou depredação, ato de sabotagem ou terrorismo, inclusive contra estabelecimento de crédito ou financiamento, massacre, atentado pessoal, impedir ou dificultar o funcionamento de serviços essenciais administrados pelo Estado ou mediante concessão ou autorização.

A Lei 6.620, de 1978, artigo 26, incriminou a conduta ao dispor: Devastar, saquear, assaltar, roubar, seqüestrar, incendiar, depredar ou praticar atentado pessoal, sabotagem ou terrorismo, com finalidades atentatórias à segurança nacional.

A par do fato de que assaltar não tem uma acepção técnica definida, ao contrário de roubar, furtar, a matéria revelava erros técnicos flagrantes já identificados naquele período da vida nacional.

Veio a Lei 7.170, de 1983, ainda na égide de uma doutrina de segurança nacional, legislar com relação a crimes praticados com o propósito de atingir o Estado e desestabilizar as instituições.

Mas, discute-se aqui a questão da competência para instruir e julgar crimes cometidos contra a segurança nacional.

O artigo 30 da Lei 7.170, de 1983, determina que compete à Justiça Militar julgar os crimes nele previstos.

Ocorre que a Constituição Federal, em seu artigo 124, estabelece que cabe à Justiça Militar "processar e julgar os crimes militares definidos em lei.".

Lembre-se  que o artigo 30 da norma infraconstitucional referenciada não foi recepcionado pela Constituição de 1988, do que se lê do artigo 109, IV, onde se observa que cabe aos Juízes Federais processar e julgar os crimes políticos e as infrações penais praticadas em detrimento de bens, serviços ou interesses da União ou de suas entidades autárquicas ou empresas públicas, excluídas as contravenções e ressalvada a competência da Justiça Militar e da Justiça Eleitoral.

A matéria tem leading case no julgamento do Conflito de Competência 21.735, Relator Ministro José Dantas, DJ de 15 de junho de 1998, em que se entendeu que cabe à Justiça Federal e não a Justiça Estadual o processo e julgamento por crime contra a segurança nacional, segundo a regra do artigo 109, IV, da Constituição Federal.

Aliás, o Superior Tribunal Militar, no julgamento do Conflito de Competência 2004.02.000316-1/DF, entendeu que a Lei de Segurança Nacional, em seus artigos 1º e 2º, adota, respectivamente, a teoria objetiva e subjetiva da proteção ao bem jurídico tutelado. Assim, todos os crimes descritos na Lei de Segurança Nacional são crimes políticos objetivamente considerados e devem ser processados e julgados perante a Justiça Federal, a teor do artigo 109, IV, da Constituição Federal.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Um caso de incitação a investigar. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4430, 18 ago. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/41876. Acesso em: 2 nov. 2024.

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