Da ilegalidade da inserção do Contribuinte no SPC, SERASA em órgãos de proteção ao crédito

18/08/2015 às 13:29
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O presente artigo irá tratar sobre a ilegalidade de inserção do contribuinte em órgão de proteção ao crédito fazendo uma análise se de fato ser legal a promoção pela Administração Tributária

A proposta principal do presente artigo é promover contornos reflexivos acerca do tema e o aperfeiçoamento do debate, inclusive para que se possa alcançar o comportamento reservado ao aplicador da lei ao caso concreto diante de foros de interesses (público x privado), bem como levantar vozes, ainda que caladas, dos que defendem legalidade como elemento indispensável para a promoção de uma sociedade justa e sem vícios.

No estágio atual que vivenciamos economicamente tem-se aumentado cada vez mais o número de contribuintes inadimplentes, sejam pessoas físicas ou jurídicas. Por certo, não se pode defender aquele contribuinte inadimplente por três motivos ou situações determinantes:

a) Contribuintes que agem de má-fé que não quitam com suas obrigações pecuniárias propositadamente, cabendo à Administração Pública repudiar e punir adequadamente;

b) Contribuintes de boa-fé, porém, sem o devido planejamento necessário para adimplir com as obrigações tributárias. Sendo fato jurídico relevante para o direito, logo, a obrigação jurídica edepagar determinado tributo será necessária, salvo casos previstos em lei. É preciso destacar também que pagar imposto significa promover direitos fundamentais, via de regra, a existência de impostos destinados para determinada atividade para o custeio específico (saúde, segurança, educação etc), ao passo que os impostos não destinados ou extrafiscais em sua essência, não permitem que o contribuinte possa optar em não efetuar o pagamento, porque se tratam de direitos indisponíveis diante da presença da supremacia do interesse público. Nas relações privadas, o planejamento em sentido amplo consubstancia na compreensão de todo o levantamento estratégico para determinada atividade empresária e comercial como numa pessoa jurídica, assim como, para a pessoa física pode-se afirmar positivamente necessária uma estratégia, sendo citado como exemplo, ao adquirir determinado bem para pagamento à prazo provenientes de parcelas, deve-se somar também os impostos, sendo fracionado e embutido ao valor da parcela. Sempre existe uma estratégia adequada para cada caso.

c) Contribuinte de boa-fé e “planejado”, entretanto, por circunstancias alheias a sua vontade, não realiza suas obrigações tributárias: mesmo com todo o zelo e cautela, o contribuinte ciente do dever em pagar tributos, mas por situações especificas não consegue adimplir com suas obrigações tributárias. A circunstância alheia ao seu ato volitivo contextualiza como a exata dimensão vivenciada com a crise financeira e o seu consequente agravamento, sendo forçoso apontar a omissão do Estatal na intromissão econômica. Por questões de política fiscal temos os parcelamentos, no qual o contribuinte deverá aderi-lo conforme as leis estabelecidas.

No que diz respeito dos atos da Administração Tributária diante do ato comportamental do contribuinte em não recolher determinado tributo, é a cobrança, devendo seguir em consonância a legalidade e todos os princípios jurídicos. Os atos administrativos são compostos de contornos de integridade jurídica estampada, ou seja, a Administração Tributária deverá valer-se das normas jurídicas válidas e vigentes, não comportando qualquer ato em sentido contrário. O posicionamento principal é afirmar que, qualquer ato/norma que afronte tais normas poderá ser declarado ilegal ou mesmo inconstitucional por órgãos jurisdicionais via controle de legalidade/constitucionalidade normativos.

Adentrando ainda mais ao tema, o ato de inserir no cadastro de inadimplentes (SPC, SERASA, entre outros) por parte da Administração Tributária deverá constar em dispositivo normativo, seguindo em consonância ao princípio da legalidade em sentido estrito. No entanto, se contiver norma que estabeleça esta inserção será considerado ilegal e até mesmo contrário à Constituição Federativa do Brasil.

É preciso salientar que, empresas que prestam serviços de cadastramento de negativa ao crédito não são empresas públicas e nem dotam de caráter público, apesar, os efeitos de seus atos são públicos, atingindo todo e qualquer interessado Logo, inserir no cadastro de devedores significa restrição de créditos na praça, ao passo que, será afetada a eventual relação de consumo e comercial das atividades do contribuinte. De fato, se a Administração Pública requerer a inserção do contribuinte no cadastro de devedores por meio de órgão privado restará caracterizado como outorga da própria administração por entidade estranha da relação jurídica estabelecida no tocante à cobrança, portanto, delegou as competências arrecadatórias de forma precária.

Ademais, violará princípios jurídicos, como a legalidade (novamente), moralidade, publicidade, impessoalidade, eficiência, nos termos do artigo 37 da CF/88. Também, outros princípios específicos estarão sendo violados, como à afronta aos valores democráticos devido à coerção por ato administrativo sem ao menos que haja o contraditório e a ampla defesa.

É importante destacar que, existe um instrumento processual denominado “Execução Fiscal”, sendo este um meio de cobrança de um débito tributário perante o contribuinte, desde que contenha a certidão de dívida ativa devidamente constituída, de modo, a traçar contornos característicos como liquidezcerteza exigibilidade, nos termos do artigo 204 do Código Tributário Nacional.

Além disso, no ordenamento jurídico pátrio é vedado qualquer ato de medidas que restrinjam a atividade do contribuinte se quando tais medidas impeçam ou mesmo dificultem o desempenho de determinada atividade empenhada, ocasionando um “efeito dominó”, pois, via de consequência, não irá honrar com suas obrigações pessoais/ comerciais. Citando um breve exemplo, uma empresa de médio porte terá suas “portas fechadas” não obtendo de crédito na praça impedindo de adquirir determinado produto ou serviço. Outro exemplo, para pessoas físicas, muitas empresas ao contratar exige que seus empregados tenham “nome limpo” para abertura de conta bancária, apesar, que alguns entenderem também com prática abusiva, de fato, a necessidade do ser humano é adaptar ao contexto real.

No tocante a medidas coercitivas, podemos aplicar interpretativamente as decisões pacificas ou majoritária do Supremo Tribunal Federal editado por meio de súmulas. Vejamos algumas cabíveis ao tema em questão:

Súmula 70: “É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo”

Súmula 323: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos”

Súmula 547: “Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquirir estampilha, despache mercadorias nas alfandegas e exerça suas atividades profissionais”

Além disso, haverá também a afronta dos princípios constitucionalmente amparados, pelos atos provindos da Administração Pública expostos no artigo 37 da CF. Não somente é ilegal, bem como imoral, pessoal e ineficiente. É imoral a conduta por perpassar ao processo dogmático da moralidade como repulsa por atos desprezíveis e com elementos de chantagem. Segue em contrariedade da impessoalidade, tendo em vista que acaba por atingir os direitos personalíssimos e o zelo pelo nome e a imagem perante terceiros travando determinado exercício ou atividade, seja pessoa física ou pessoa jurídica. Também é ineficiente a inserção do cadastro de inadimplentes no SPC e Serasa, pois não é uma garantia de que o contribuinte irá quitar com suas obrigações tributárias por conta de determinado apontamento. Outro princípio de grande valia é o da proporcionalidade. A inaplicabilidade deste princípio pela Administração Pública tributária consubstancia num desequilibro dos atos empregados e o suas finalidades, ou seja, compelir forçadamente o contribuinte a efetuar o pagamento de determinado tributo, independentemente da espécie gera-se a margem da desproporcionalidade.

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O princípio da liberdade econômica também deve ser respeitado e o seu gérmen encontra-se amparado constitucionalmente nos arts. 5, XIII e 170 da CF/88. O parágrafo único do último artigo estabelece:

“é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”

Neste sentido, seguir em contrariedade a este princípio culminará por promover ato de sanção política. Para compreender o significado de sanção politica, interessante posicionamento do Supremo Tribunal Federal no RE: 529154 RS. In verbis:

SANÇÕES POLÍTICAS NO DIREITO TRIBUTÁRIO. INADMISSIBILIDADE DA UTILIZAÇÃO, PELO PODER PÚBLICO, DE MEIOS GRAVOSOS E INDIRETOS DE COERÇÃO ESTATAL DESTINADOS A COMPELIR O CONTRIBUINTE INADIMPLENTE A PAGAR O TRIBUTO (SÚMULAS 70, 323 E 547 DO STF). RESTRIÇÕES ESTATAIS, QUE, FUNDADAS EM EXIGÊNCIAS QUE TRANSGRIDEM OS POSTULADOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE EM SENTIDO ESTRITO, CULMINAM POR INVIABILIZAR, SEM JUSTO FUNDAMENTO, O EXERCÍCIO, PELO SUJEITO PASSIVO DA OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA, DE ATIVIDADE ECONÔMICA OU PROFISSIONAL LÍCITA. LIMITAÇÕES ARBITRÁRIAS QUE NÃO PODEM SER IMPOSTAS PELO ESTADO AO CONTRIBUINTE EM DÉBITO, SOB PENA DE OFENSA AO "SUBSTANTIVE DUE PROCESS OF LAW". IMPOSSIBILIDADE CONSTITUCIONAL DE O ESTADO LEGISLAR DE MODO ABUSIVO OU IMODERADO (RTJ 160/140-141 - RTJ 173/807-808 - RTJ 178/22-24). O PODER DE TRIBUTAR - QUE ENCONTRA LIMITAÇÕES ESSENCIAIS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL, INSTITUÍDAS EM FAVOR DO CONTRIBUINTE - "NÃO PODE CHEGAR À DESMEDIDA DO PODER DE DESTRUIR" (MIN. OROSIMBO NONATO, RDA 34/132). A PRERROGATIVA ESTATAL DE TRIBUTAR TRADUZ PODER CUJO EXERCÍCIO NÃO PODE COMPROMETER A LIBERDADE DE TRABALHO, DE COMÉRCIO E DE INDÚSTRIA DO CONTRIBUINTE. A SIGNIFICAÇÃO TUTELAR, EM NOSSO SISTEMA JURÍDICO, DO "ESTATUTO CONSTITUCIONAL DO CONTRIBUINTE". DOUTRINA. PRECEDENTES. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO

(STF - Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 29/06/2007, Data de Publicação: DJ 16/08/2007 PP-00127)

Portanto, se afirmarmos que a inserção dos cadastros de inadimplentes pelo ente público é ilegal/inconstitucional, no entanto, surge uma indagação, afinal, qual será providência do contribuinte? Na busca de uma garantia de efetivação dos direitos fundamentais, deverá o contribuinte ceder-se ao amparo legal para contenção do ato promovido pelo ente público tributante, socorrendo do Poder Judiciário, órgão indispensável em um estado democrático de direito promovendo a sedimentação de pesos e contrapesos. Por certo que, uma medida judicial deverá traçar contornos jurídicos, mas usualmente o instrumento processual adequado poderá ser um mandado de segurança com medida cautelar, ação declaratória, ação anulatória, sendo analisado caso a caso.

Conclusões finais

Pelo exposto acima, pode-se afirmar que inserir/negativar contribuintes por meio de órgãos de proteção ao crédito (SERASA, SPC, etc) é meio coercitivo para cobrança, tendo em vista que o próprio credor tem detém de meios jurídicos devidamente previstos em lei, em especial, a Ação de Execução Fiscal para que seja quitada a dívida remanescente.

O simples fato de o contribuinte ser considerado inadimplente ou mesmo continuar a pagar sua dívida via parcelamento tributário, sequer poderiam estar relacionados no rol de inadimplentes por um órgão particular de proteção ao crédito na praça, sendo possível a promoção de uma medida judicial adequada para a sua retirada, conforme o caso concreto. Há que mencionar, de modo algum deverá instigar aqueles que não pagam seus débitos tributários continuando a não quitá-los, entretanto, as normas e os princípios devem ser a cédula de destaque como elemento promocional de um emprego efetivo de uma Justiça, sobretudo, socialmente equilibrada.

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Sobre o autor
Luiz Fernando Pereira

Advogado atuante em Internacional, Criminal, Família, Tributário, Empresarial, Administrativo, Civil.

Informações sobre o texto

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