3 A POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL SOBRE A INCONSTITUCIONALIDADE DO ART. 20 DA LEI 8.742 DE 1993
Muitas pessoas têm o benefício indeferido por não conseguirem demonstrar perfeita adequação aos requisitos legais, e o requisito mais questionado e considerado por muitos doutrinadores inconstitucional, é o da renda familiar per capita, igual ou inferior a um quarto do salário mínimo previsto no parágrafo 3º, do artigo 20 da Lei n.º 8.742/93, que é um requisito indispensável que tem sido criticado por afrontar o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III da CF), já que com o valor determinado na lei do benefício é impossível uma pessoa sobreviver dignamente, e muitos que precisam do benefício às vezes por pouca diferença na renda, não conseguem o mesmo.
O STF, no julgamento dos Recursos Extraordinários 567.985/MT e 580.963/PR, em sessão do dia 18 de abril de 2013, tratou sobre a constitucionalidade do artigo 20, § 3°, da LOAS, que tem como regra para concessão do BPC a renda per capita familiar de ¼ do salário mínimo. A Corte Suprema declarou a inconstitucionalidade dessa regra, sem decretar, contudo, a nulidade da norma. Veja-se a notícia veiculada pelo sítio eletrônico daquele Tribunal:
Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou nesta quinta-feira (18) a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/1993) que prevê como critério para a concessão de benefício a idosos ou deficientes a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo, por considerar que esse critério está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade. Foi declarada também a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 34 da Lei 10.471/2003 (Estatuto do Idoso).
Recursos Extraordinários
A decisão de hoje ocorreu na Reclamação (RCL) 4374, no mesmo sentido do entendimento já firmado pelo Plenário na sessão de ontem, quando a Corte julgou inconstitucionais os dois dispositivos ao analisar os Recursos Extraordinários (REs) 567985 e 580963, ambos com repercussão geral. Porém, o Plenário não pronunciou a nulidade das regras. O ministro Gilmar Mendes propôs a fixação de prazo para que o Congresso Nacional elaborasse nova regulamentação sobre a matéria, mantendo-se a validade das regras atuais até o dia 31 de dezembro de 2015, mas essa proposta não alcançou a adesão de dois terços dos ministros (quórum para modulação). Apenas cinco ministros se posicionaram pela modulação dos efeitos da decisão (Gilmar Mendes, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Celso de Mello).
O ministro Teori Zavascki fez uma retificação em seu voto para dar provimento ao RE 580963 e negar provimento ao RE 567985. Segundo ele, a retificação foi necessária porque na sessão de ontem ele deu um “tratamento uniforme” aos casos e isso poderia gerar confusão na interpretação da decisão. O voto do ministro foi diferente em cada um dos REs porque ele analisou a situação concreta de cada processo.
Voto
Em seu voto, o relator da reclamação, ministro Gilmar Mendes, defendeu a possibilidade de o Tribunal “exercer um novo juízo” sobre aquela ADI, considerando que nos dias atuais o STF não tomaria a mesma decisão. O ministro observou que ao longo dos últimos anos houve uma “proliferação de leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais”. Nesse sentido, ele citou diversas normas, como a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; e a Lei 10.219/2001, que criou o Bolsa Escola.
Conforme destacou o relator, essas leis abriram portas para a concessão do benefício assistencial fora dos parâmetros objetivos fixados pelo artigo 20 da Loas, e juízes e tribunais passaram a estabelecer o valor de meio salário mínimo como referência para aferição da renda familiar per capita.
“É fácil perceber que a economia brasileira mudou completamente nos últimos 20 anos. Desde a promulgação da Constituição, foram realizadas significativas reformas constitucionais e administrativas com repercussão no âmbito econômico e financeiro. A inflação galopante foi controlada, o que tem permitido uma significativa melhoria na distribuição de renda”, afirmou o ministro ao destacar que esse contexto proporcionou que fossem modificados também os critérios para a concessão de benefícios previdenciários e assistenciais se tornando “mais generosos” e apontando para meio salário mínimo o valor padrão de renda familiar per capita.
“Portanto, os programas de assistência social no Brasil utilizam atualmente o valor de meio salário mínimo como referencial econômico para a concessão dos respectivos benefícios”, sustentou o ministro. Ele ressaltou que este é um indicador bastante razoável de que o critério de um quarto do salário mínimo utilizado pela Loas está completamente defasado e inadequado para aferir a miserabilidade das famílias, que, de acordo com o artigo 203, parágrafo 5º, da Constituição, possuem o direito ao benefício assistencial.
Conforme asseverou o ministro, ao longo dos vários anos desde a sua promulgação, a norma passou por um “processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas, políticas, econômicas, sociais e jurídicas”. Com esses argumentos, o ministro votou pela improcedência da reclamação, consequentemente declarando a inconstitucionalidade incidental do artigo 20, parágrafo 3º, da Loas, sem determinar, no entanto, a nulidade da norma.
Ao final, por maioria, o Plenário julgou improcedente a reclamação, vencido o ministro Teori Zavascki, que a julgava procedente. Os ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Joaquim Barbosa votaram pelo não conhecimento da ação.[7] (Grifos no original)
Com a decisão, o Supremo Tribunal Federal, em sede de controle difuso de constitucionalidade, declarou a inconstitucionalidade do art. 20, §3º, da LOAS, sem, contudo, declarar sua nulidade. Isso porque se fosse declarada a nulidade da norma, correr-se-ia o risco de haver um vácuo legislativo no que concerne aos critérios para concessão do benefício. Com isso, embora declarada a inconstitucionalidade da norma, ela continua vigente, sendo possível, contudo, a concessão do benefício àqueles que demonstrarem atender os requisitos legais. Entre os requisitos, a renda mensal per capita superior a ¼ do salário mínimo não pode ser empecilho, por si só, à concessão do benefício.
O Deputado Federal Eduardo Barbosa apurou um projeto de Lei (PL 5933/2013) para prever que, na concessão do BPC, a renda familiar mensal seja considerada como um limite mínimo, sendo possível a utilização de outros elementos para comprovar a condição de miserabilidade do grupo familiar.[8]
Neste projeto se pretende mudar o valor da renda per capita familiar inferior de um quarto do salário mínimo para meio salário mínimo, assim dando mais oportunidade a idosos e pessoas deficientes, para que possam ter mais dignidade na sua vida, e consequentemente evitar os inúmeros processos judiciais que têm sido propostos ao judiciário, devido aos indeferimentos do benefício a pessoas que vivem em condições de miserabilidade.
O Projeto aguarda decisão da Mesa Diretora da Câmara sobre em quais comissões ele irá tramitar-se aprovado, assim dará um maior acesso ao BPC para as pessoas desamparadas, não sendo o requisito da renda familiar um alcance limitado e excludente, ampliando significativamente o acesso ao benefício.
A renda familiar per capita de ate ¼ do salário mínimo gera presunção absoluta de miserabilidade,mas não é um critério absoluto.Tratando-se de um limite mínimo,motivo pelo qual a renda superior a este patamar não afasta o direito ao benefício se a miserabilidade restar comprovada por outros meios (PEDILEF nº 2007.70.50.014189-4/PR,DJ 13.5.210).[9]
Assim,com o tempo,os programas de assistência social no Brasil passaram a utilizar o valor de ½ salário minimo como referencial econômico para a concessão dos respectivos benefícios.Ainda que esses programas tenham sido posteriormente absorvidos pelo Programa Bolsa Família, tal fato representa, em primeiro lugar, um indicador bastante razoável de que o critério de ¼ do salário mínimo utilizado pelo LOAS está completamente defasado e mostra-se atualmente inadequado para aferir a miserabilidade das famílias que, de acordo com o art.203,V, da Constituição da República, segundo parâmetros econômico-sociais distintos daqueles que serviram de base para a edição da LOAS no início da década de 1990.Esses são fatores que razoavelmente indicam que, ao longo dos vários anos desde sua promulgação, o §3º do art.20 da LOAS passou por um processo de inconstitucionalização.[10]
As críticas em relação à inconstitucionalidade do art. 20 da lei n. 8.742/93 também se relacionam com a questão se o salário mínimo é suficiente para manutenção de um idoso de 65 anos ou portador de deficiência, e se com esse valor se consegue atender as suas necessidades vitais básicas de saúde, alimentação e moradia, sendo revoltante a incompatibilidade do mínimo a uma pessoa que precisa de cuidados especiais, pois muitas vezes não é somente do básico que necessitam para viver, mas também de remédios e tratamentos de saúde.
Por isso, é preciso analisar de forma coerente e razoável os requisitos para aquisição do BPC, para que não se deixe o idoso e PNE à mercê de leis que não cumpram o objetivo geral do amparo social dificultando a realização da concessão, dando mais ênfase ao órgão público do que ao cidadão.
4 PESSOAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA
Não existe limite mínimo de idade para requerer o BPC, desde que se tenha diagnosticado a deficiência do indivíduo e ele não receba nenhum outro BPC, e que se preencha as regras impostas pela lei da situação econômica familiar, ressalvado o que já foi discutido acima sobre o critério estático de renda.
O termo deficiente designa toda pessoa em estado de incapacidade de prover por si mesma, no todo ou em parte, as necessidades de uma vida pessoal ou social normal, em consequência de uma deficiência congênita ou não de suas faculdades físicas ou mentais.
A Organização das Nações Unidas (ONU) entende como pessoa deficiente todas as pessoas cujas possibilidades de obter e conservar um emprego adequado e de nele progredir fiquem substancialmente reduzidas devido a uma deficiência de caráter físico ou mental devidamente comprovada.
Para tentar igualdade para as pessoas deficientes no mercado de trabalho, diversas leis têm sido elaboradas, e o BPC é uma das formas de diminuir essa desvantagem, já que os portadores de deficiência ainda hoje sofrem a exclusão social e têm dificuldade maior para conseguir um emprego. Desvantagem que tem mudado muito ao longo dos anos, através das lutas de equilíbrio adequado com as diferenças na sociedade.
4.1 BPC para portadores de deficiência aprendizes
O procedimento na previdência social para deficientes é mais complexo do que para idosos, pois exige laudo médico de comprovação da deficiência, e a pessoa tem que ser analisada pelo perito médico do INSS, junto a profissionais adequados.
A Lei 12.470, de 31 de agosto de 2011, abrange o assunto sobre a pessoa com deficiência exercer atividade remunerada como aprendiz, ou seja, reconhece o trabalho para pessoa com deficiência, que atinge a participação na vida produtiva em sociedade, consolidando assim a inclusão social, proporcionando mais condições de igualdade, porque o fato de a pessoa ter uma deficiência não a impede de conquistar o mercado de trabalho, mesmo com suas dificuldades.
Com as modificações, o art 20, §2º, da Lei n. 8.742/93 passou a vigorar da seguinte forma:
Art. 20,§2º. Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza fisica, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condiçoes com as demais pessoas.
O ponto favorável da mudança relacionado com o benefício de prestação continuada é que a remuneração do contrato de aprendizagem de um deficiente não contará como renda per capita, assim poderá o beneficiário receber seu salário em conjunto com seu benefício de prestação continuada, pelo prazo de dois anos, prazo que é estabelecido no art. 20, §10, da Lei n. 8.742/93. Assim, o benefício não será cessado por motivo da remuneração de aprendiz.
Art.20,§ 9º A remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz não será considerada para fins do cálculo a que se refere o § 3o deste artigo.
§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.
Após o prazo de dois anos, o benefício será suspenso, mas se a situação do beneficiário voltar a qualquer momento como no início do deferimento, e não tendo passado mais de dois anos, a realização de perícia poderá ser dispensada.
Com essa medida essencial só se tende a ganhar, pois se estimula o jovem deficiente a ter autonomia e mais interesse pela escolaridade, e conquistar condições no mercado de trabalho, não se acomodando com suas dificuldades e deixando para o passado o conceito de que ser uma pessoa deficiente é ser incapacitada para o trabalho.
4.2 Distinção indevida entre portadores de nescessidades especiais (PNE) em relação ao BPC fruído pelos idosos
O BPC tem como fundamento a solidariedade, buscando auxiliar os menos favorecidos da sociedade, que são os idosos, que devido a sua idade avançada e à saúde debilitada, encontram obstáculos para conseguir um emprego, solidariedade que também é estendida aos portadores de necessidades especiais, por terem limitações.
O princípio da solidariedade não tem previsão expressa na Constituição, mas está implícito no inciso I do art. 3º da Lei Maior, quando determina que a República Federativa do Brasil tem como objetivo fundamental “construir uma sociedade livre, justa e solidária”.[11]
Deve-se ter respeito pelas regras da CF, já que ela é a Lei maior do Estado, e sua função é garantir a organização e estrutura do Estado.
O princípio da isonomia sofreu um desrespeito quando relacionado ao BPC, já que, se houver um casal de idosos, ambos poderão receber o BPC, o que diferencia se um for deficiente e o outro idoso, pois o benefício não será concedido aos dois, somente um deles terá o direito, afirmando assim que não está havendo igualdade de direitos.
“Com base no princípio da isonomia, as decisões judiciais têm sido no sentido de estender essa exclusão de renda quando se trata de benefício previdenciário de valor mínimo e em favor do deficiente”.[12]
Está havendo mais favorecimento aos idosos, porque se dois idosos da mesma residência podem receber o BPC, por que dois deficientes da mesma residência não poderão receber o BPC?
“A renda do BPC do idoso não é contada para o outro idoso membro de sua família, mas a renda do BPC do deficiente é contada para o outro deficiente de sua família”;[13]
Tantas diferenças causam divergências, trazendo à tona muitos questionamentos.
“Porém, é difícil vislumbrar qualquer justificativa plausível para a discriminação dos portadores de deficiência em relação aos idosos”.[14]
Está havendo desigualdade entre valores para o cálculo da renda per capita na concessão do BPC, entre idosos e deficientes, o que não é correto acontecer, já que ambos merecem obter os mínimos sociais, devido a fazerem parte de uma classe que possui limitações e necessita ser integrada ao benefício.