Crime único ou pluralidade de crimes na Lei nº 12.015/09

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O sujeito, no mesmo contexto fático, constrange a mesma vítima, mediante grave ameaça, e mantém com ela tanto conjunção carnal como coito anal. Esse “fato” constitui crime único (CP, art. 213) ou uma pluralidade de crimes (concurso de crimes)?

Em 07 de Agosto de 2009, uma das alterações feitas pela Lei 12.015, foi no tocante ao Título VI da Parte Especial do Código Penal Brasileiro que cuidava dos crimes contra os costumes.

Essa mudança foi bastante polêmica e até denominada de “ousada” por alguns juristas, diante de toda uma perspectiva da Ciência do Direito, que demanda, agora, um retorno doutrinário para dizer qual foi a real proporção dessas mudanças na matéria.

Entrando no mérito da questão, depois da alteração do Título VI que agora é denominado de “Dos crimes contra a dignidade sexual”, merece destaque o artigo 213, do Código Penal, então discutido. Nota-se que os crimes de Estupro e Atentado violento ao pudor foram unificados num único tipo, no qual está na nova redação do artigo 213, passando a ser classificado como tipo misto com pluralidade de ações de conteúdo alternativo.

Antes da referida alteração, era possível uma condenação em concurso material de crimes entre o estupro (art. 213) e o atentado violento ao pudor (art. 214), pois se tratavam de duas ou mais condutas que o agente poderia praticar, assim como expressa o artigo 69 do Código Penal. Ou seja, dois crimes autônomos e independentes e suas devidas penas somadas, de acordo com a jurisprudência majoritária (JSTF 301/461).

Após a alteração em tese, houveram, portanto, posicionamentos com o intuito de solucionar a questão do estupro e atentado violento ao pudor, se praticados num mesmo contexto fático e contra a mesma vítima, constitui crime único ou concurso de crimes.

O primeiro posicionamento se deu pelo STJ, em 22 de Junho de 2010, através dos HCs 104.724-MS e 78.667-SP, onde foram proferidas pela Quinta Turma que não se tratava de crime único, pois entendiam de que na verdade haveria a pluralidade de crimes, sendo assim, permanecendo o concurso material de crimes e o tipo penal cumulativo.

O segundo posicionamento é nada mais o que já havia sido aceito pelo STF, através do HC 86110/SP, que teve como relator o Ministro Cezar Peluso, que diante da unificação das duas condutas do estupro e do atentado violento ao pudor, entendeu que trata-se de uma norma mais benéfica e deve ser aplicada retroativamente , nos termos do artigo 5º, XL, da Constituição Federal da República.

O terceiro posicionamento também veio do STJ, através dos HCs 104.724-MS e 78.667-SP, porém proferidos pela Sexta Turma e contrariamente ao primeiro citado à cima. Estes fundamentaram que o tema em questão trata-se de crime único, pois o tipo penal não é mais constituído como autônomo e que o crime de atentado violento ao pudor não poderia ficar sem punição. Caberia, portanto, ao julgador diferencia-lo de acordo com o art. 59. do Código Penal, usando como meio para a fixação de pena-base, punindo de forma mais severa o autor quando o estupro vier seguido também de qualquer ato reputado libidinoso.

Portanto, quando o sujeito, no mesmo contexto fático, constrange a mesma vítima, mediante grave ameaça, e mantém com ela tanto conjunção carnal como coito anal, esse “fato” constitui crime único (CP, art. 213, com a redação dada pela Lei 12.015/2009).

Nesse mesmo sentido, fundamenta Luis Flávio Gomes e Valério Mazzuoli (2009), que após a alteração feita pela Lei 12.015/2009, o tipo penal do art. 213. passou a ter sua conduta classificada como múltipla e de conteúdo variado, onde, se o agente pratica mais de uma ação dentro do mesmo contexto fático, não deixa o crime de ser único. E por se tratar de um crime de ação múltipla este é regido pelo princípio da alternatividade que explicam justamente o abordado: várias condutas no mesmo contexto fático caracteriza o crime como único. Então, o art. 213. retrataria um tipo penal misto cumulativo.

Em vista disso, no caso em questão discutido, este crime é único e deve ser punido mais severamente em razão da pluralidade de ações. O magistrado ao fazer uso do artigo 59, do Código Penal, não deve se esquecer do Princípio da Proporcionalidade ao aplicar a pena devendo sempre levar em conta o nível de reprovação do fato com a sua sanção.

Por isso, a pluralidade de ações não conduz necessariamente ao concurso de crimes, porque se torna relevante ao fato todo e não uma única ação isolada.

Logo, conclui-se que a conjunção carnal e o coito anal estão descritos no mesmo tipo penal, sendo ele o artigo 213 do Código Penal, e por terem sido praticados num mesmo contexto fático e contra a mesma vítima e tendo o mesmo bem jurídico afetado, o sujeito pratica crime único, e a repetição dos fatos será levada em consideração no momento da dosimetria da pena, assim como fundamenta a Sexta Turma do STJ, descrita acima.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CAPANO, Evandro Fabiani. Dignidade sexual: comentários aos novos crimes do Título VI do Código Penal (arts. 213. a 234-B) alterados pela Lei 12.015/2009. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

GOMES, Luiz Flávio. Estupro e atentado violento ao pudor: crime único ou concurso de crimes? Disponível em https://www.lfg.com.br - 01 de julho de 2010.

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Sobre a autora
Cecília Cardoso Silva Magalhães Resende

Graduada em Direito pela Universidade de Uberaba em 2009. Pós-graduada em Ciências Penais pela Uniderp/Anhanguera em 2012. Advogada militante em Uberaba/MG nas áreas: Criminal, Cível, Família e Previdenciária.<br>

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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