Este estudo versa sobre os efeitos da indivisibilidade das prestações, destacando, preliminarmente, visando à melhor compreensão do tema, que as obrigações classificam-se em divisíveis e indivisíveis no tocante à pluralidade dos sujeitos. Neste viés, é relevante delimitar sucintamente quem são os sujeitos ativo e passivo das obrigações, destacando que: o primeiro é o credor, isto é, “a pessoa a quem deve ser fornecida, ou tem direito de exigir a prestação, sendo considerado, portanto, o beneficiário da obrigação”, que pode ser qualquer pessoa, maior ou menor, capaz ou incapaz, casada ou solteira, nacional ou estrangeira, como também pessoa jurídica; e o último também denominado devedor, e pode ser qualquer pessoa, natural ou jurídica, observadas as ressalvas legais.[1]
Ademais, obrigação divisível é definida como “[...] aquela cuja prestação pode ser parcialmente cumprida sem prejuízo de sua qualidade e de seu valor [...]. Mas a depender do acordo entre as partes, o devedor deve pagar de uma vez só, mesmo que a prestação seja divisível”. Na obrigação indivisível, por outro lado, “a prestação só pode ser cumprida por inteiro, pois se repartir vai haver uma alteração na sua substância ou podem ser aquelas que, embora naturalmente divisível, são consideradas indivisíveis, por ele ou por vontade das partes”.[2]
No Código Civil vigente, ambas vêm disciplinadas nos artigos 257 a 263 do Livro I (Do Direito das Obrigações), no Capítulo V (Das Obrigações Divisíveis e Indivisíveis). O artigo 257 regulamenta que “havendo mais de um devedor ou mais de um credor em obrigação divisível, esta presume-se dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quantos os credores ou devedores”, ao passo que o artigo 258 determina que “a obrigação é indivisível quando a prestação tem por objeto uma coisa ou um fato não suscetíveis de divisão, por sua natureza, por motivo de ordem econômica, ou dada a razão determinante do negócio jurídico”.[3]
Acerca dos efeitos da indivisibilidade da prestação, tema de interesse central neste breve estudo, destaca-se, na pluralidade de devedores, que cada devedor se responsabiliza pela dívida toda, nos termos dispostos no artigo 259 do Código Civil. Além disso, qualquer credor tem o poder de demandar o devedor pela totalidade da dívida, e cada um dos devedores está obrigado à prestação na sua totalidade.[4]
Na análise de Luigi Almeida, na medida em que cada sujeito passivo deve uma quota-parte da coisa, sendo esta indivisível, e cabendo ao credor o direito de recebê-la por inteiro, cada um dos devedores é obrigado por toda a dívida. Em outras palavras, “cada devedor é sujeito à prestação por inteiro, não porque deva toda ela, mas pela necessidade de cumpri-la assim, já que é insuscetível de solução parcelada”.[5]
Ainda, consoante dispõe o parágrafo único do artigo 259 do Código Civil, “o devedor, que paga a dívida, sub-roga-se no direito do credor em relação aos outros coobrigados”[6], de forma a se restabelecer “o princípio da justiça que a solução integral desequilibrou”.[7]
O Código Civil traça, também, no artigo 260, as hipóteses de adimplemento em caso de pluralidade de credores, seja pagando a todos os credores juntos, seja pagando a apenas um dos credores, dando este caução de ratificação dos demais.[8]
Consoante o artigo 261 do regulamento civil vigente[9], e nas palavras de Luigi Almeida:
O devedor se desobriga pagando a todos conjuntamente, ou a um só, desde que ratifique uma garantia, para assegurar o direito dos demais credores. Se um só dos credores receber a prestação, torna-se devedor diante os demais credores, pela quota-parte de cada um.[10]
A remissão da dívida em relação a um dos credores vem disciplinada no artigo 262, caput e parágrafo único, do Código Civil.[11] Assim, se a obrigação é indivisível e os credores são vários, a relação obrigacional não se extingue pela remissão feita por um deles, tendo os demais credores o direito de exigir o pagamento de sua parte, descontada a parte do remitente, o mesmo se observando nos demais casos de extinção da obrigação, a saber: compensação, confusão, transação ou inovação.[12]
Por fim, a perda da indivisibilidade é regulamentada no artigo 263 do Código Civil.[13] Neste prisma, estando os devedores sujeitos a uma prestação indivisível, “a obrigação tornar-se-á divisível, e cada um passará a dever a sua quota-parte, no caso de vir ela a converter-se no seu equivalente pecuniário”, ou seja, “perde a qualidade de indivisível a prestação que se resolveu em perdas e danos, uma vez que a prestação em dinheiro ficou no lugar da coisa ou do serviço indivisível, e é de sua natureza a divisibilidade”.[14]
Ainda, nas palavras de Luigi Almeida:
A conversão do débito nas perdas e danos poderá ocorrer por culpa de todos os coobrigados ou de um deles. No primeiro caso, todos são responsáveis dividindo em partes a quantia devida. No segundo, apenas o devedor culpado responde pelo dano causado, e somente dele poderá ser demandada a reparação, em razão do princípio segundo o qual a pena atinge apenas o infrator.[15]
Na prática, todo o exposto pode ser elucidado através de um exemplo simples de obrigação indivisível, qual seja, o de entregar um veículo a uma pluralidade de devedores. Neste caso, obviamente, o veículo não pode ser dividido sob pena de perder sua substância, mas se um só, dentre os devedores, paga sozinho a dívida, tem ele o direito de cobrar dos demais as partes respectivas. Sendo múltiplos os credores, se um recebe sozinho o veículo, os demais podem cobrar dele suas quotas-partes. Nesta mesma linha, se um dos credores perdoa a dívida, isso não significa que os demais credores a perdoaram, porém, não poderão exigir o objeto da prestação se não pagarem o valor da quota do credor que a perdoou. Ainda, convertendo-se a obrigação no seu equivalente pecuniário, ocorre a perda da indivisibilidade, e cada um passa a dever a sua quota-parte, ou seja, a prestação em dinheiro substitui o veículo e, dependendo da culpa ser de todos os coobrigados ou de um deles, todos dividem a quantia devida ou apenas o devedor culpado responde pelo dano causado, cabendo-lhe exclusivamente a reparação.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Luigi. Obrigações divisíveis e indivisíveis. Disponível em: <https://www.passeidireto.com/arquivo/1201455/aula-obrigacoes-divisiveis-e-indivisiv eis>. Acesso em: 12 ago. 2015.
BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 11 jan. 2002, p. 1.
PANTALEÃO, Leonardo. Teoria geral das obrigações: parte geral. Barueri, SP: Manole, 2005.
[1] PANTALEÃO, Leonardo. Teoria geral das obrigações: parte geral. Barueri, SP: Manole, 2005, p. 44-46.
[2] ALMEIDA, Luigi. Obrigações divisíveis e indivisíveis. Disponível em: <https://www.passeidireto. com/arquivo/1201455/aula-obrigacoes-divisiveis-e-indivisiveis>. Acesso em: 12 ago. 2015.
[3] BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União, Brasília, 11 jan. 2002, p. 1.
[4] BRASIL, op. cit., 2002: “Art. 259. Se, havendo dois ou mais devedores, a prestação não for divisível, cada um será obrigado pela dívida toda. 1º a causa da solidariedade é o título, e da indivisibilidade é a natureza da prestação. 2º na solidariedade cada devedor paga por inteiro, porque deve por inteiro, enquanto que na indivisibilidade solve a totalidade, em razão da impossibilidade de repartir a coisa devida. 3º a solidariedade é uma relação subjetiva, pois é artifício jurídico criado para reforçar o vínculo e facilitar a solução da dívida, reside nas próprias pessoas envolvidas, resuta da lei ou do contrato, isto é, é de origem técnica, enquanto a indivisibilidade é objetiva, pois assegura a unidade da prestação, é de origem material. 4º a indivisibilidade termina quando a obrigação se converte em perdas e danos, enquanto que a solidariedade conserva este atributo".
[5] ALMEIDA, op. cit., 2015, online.
[6] BRASIL, op. cit., 2002.
[7] ALMEIDA, op. cit., 2015, online.
[8] BRASIL, op. cit., 2002: “Art. 260. Se a pluralidade for dos credores, poderá cada um destes exigir a dívida inteira; mas o devedor ou devedores se desobrigarão, pagando: I - a todos conjuntamente; II - a um, dando este caução de ratificação dos outros credores”.
[9] BRASIL, op. cit., 2002: “Art. 261. Se um só dos credores receber a prestação por inteiro, a cada um dos outros assistirá o direito de exigir dele em dinheiro a parte que lhe caiba no total”.
[10] ALMEIDA, op. cit., 2015, online.
[11] BRASIL, op. cit., 2002: “Art. 262. Se um dos credores remitir a dívida, a obrigação não ficará extinta para com os outros; mas estes só a poderão exigir, descontada a quota do credor remitente. Parágrafo único. O mesmo critério se observará no caso de transação, novação, compensação ou confusão”.
[12] ALMEIDA, op. cit., 2015, online.
[13] BRASIL, op. cit., 2002: “Art. 263. Perde a qualidade de indivisível a obrigação que se resolver em perdas e danos. § 1o Se, para efeito do disposto neste artigo, houver culpa de todos os devedores, responderão todos por partes iguais. § 2o Se for de um só a culpa, ficarão exonerados os outros, respondendo só esse pelas perdas e danos”.
[14] ALMEIDA, op. cit., 2015, online.
[15] Ibidem, online.